Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
38792/01.7TJPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RP2019110438792/01.7TJPRT.P1
Data do Acordão: 11/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A deserção da instância depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
i) A inércia de qualquer das partes em promover o andamento do processo, imputável a título de negligência;
ii) A paragem do processo por tempo superior a seis meses, a contar do momento em que a parte devia ter promovido esse andamento;
iii) A prolação de despacho prévio de advertência à parte para a necessidade de exercício do seu impulso processual.
II - Em decorrência do princípio da boa gestão processual e do dever de prevenção que dele emerge, o prazo de 6 meses conta-se, não a partir do dia em que a parte deixou de praticar o ato que condicionava o andamento do processo, mas a partir do dia em que lhe é notificado o despacho que alerte a parte para a necessidade do seu impulso processual.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 38792/01.7TJPRT.P1

Sumário do acórdão:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Na execução para pagamento de quantia certa, instaurada pelo Banco B…, S.A., contra C…, Lda., D… e E…, que corre termos no Juízo de Execução do Porto - Juiz 9, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, na sequência do pagamento da quantia exequenda, foram os autos remetidos à conta [despacho de 27.01.2011], após o que a Digna Magistrada do MP, em 14.09.2011, formulou a seguinte promoção: «Requer-se o prosseguimento dos autos com vista a obter-se o pagamento dos créditos reclamados (quantitativos em dívida à administração fiscal pela executada E…)».
Em 19.09.2011 foi proferido o seguinte despacho:
«Nos presentes autos de execução para pagamento de quantia certa, mostrando-se paga a quantia exequenda e as custas da execução - cujo pagamento não tenha sido dispensado ou das quais está isenta a parte responsável -, julgo esta parcialmente extinta, quanto à executada E…, nos termos do disposto no art. 919.º do Cód. Proc. Civ..
Prossegue a execução contra C…, L.da, e D….
Ordeno o levantamento da(s) penhora(s) que hajam sido efectuada(s) a E…, e que ainda subsistam, após cumprimento do disposto no art. 920.º, n.º 2, do CPC.
Registe e Notifique.
Atendendo a que o executado não possui bens com valor venal, arquivem-se os autos na execução (por custas) contra C…, L.da, e D…, sem prejuízo do disposto no art. 35.º, n.º 6, do RCP (art. 122.º do CCJ).
DN (art. 920.º, n.º 2, do CPC)».
Em 16.11.2011 foi proferido o seguinte despacho:
«1. Prossegue a execução a impulso do credor reclamante Ministério Público.
2. Ao Ministério Público.».
Em 20.12.2011 a Digna Magistrada do MP requereu a junção aos autos da certidão do registo referente ao imóvel penhorado, tendo formulado em 23.01.2012 a seguinte promoção:
«Requer que se proceda à venda do imóvel penhorado, mediante propostas em carta fechada (a deprecar).
Contudo e sendo caso disso, requer-se que previamente, à fixação do valor base do imóvel se efectuem as diligências necessárias no sentido de se determinar o respectivo valor de mercado.
Finalmente, Requer-se que a Executada seja informada da possibilidade de efectuar o pagamento dos créditos reclamados (quantitativos e juros) e obstar à venda do imóvel.».
Em 30.01.2012 foi proferido o seguinte despacho:
«1. Notifique a devedora (E…) para, em 5 dias, pagar a quantia reclamada pelo Ministério Público no apenso (só esta), sob pena de imediata venda dos seus bens.».
Através de requerimento de 12.03.2012, veio a executada E…, dar conta do seguinte:
«1 – Foi a executada notificada, para, em 5 dias, pagar a quantia reclamada pelo Ministério Público, no montante de €41.621,16, sob pena de imediata venda dos seus bens.
2 – Tal montante, como resulta discriminado na Reclamação de Créditos apresentada pelo Ministério Público em representação da Fazenda Pública, refere-se a:
a) €24.354,28 – IRS, de 01-01-2002 a 31-12-2002, a vencer juros de mora desde 19-04-2006;
b) €1.261,21 – IRC, de 01-01-2007 a 31-12-2007, a vencer juros de mora desde 08-09-2008.
3 – Acontece que, tais créditos, ou encontram-se, na presente data, impugnados nos tribunais competentes, ou foram alvo de pedidos de pagamento em prestações nos respectivos processos executivos melhor identificados na certidão de dívida que acompanha a Reclamação de Créditos referenciada junta aos autos.
[…]
21 - Assim e face ao exposto, deve nos termos do art.º 279º do CPC, os presentes autos serem suspensos até que ocorra a decisão definitiva da impugnação judicial, sendo certo que a penhora que incide sobre o imóvel se manterá, como garantia.
Por outro lado,
12 – No que diz respeito à divida reclamada pelo Ministério Público e indicada em b) do n.º 2 deste requerimento, foi apresentado no órgão de execução fiscal competente um pedido de pagamento em prestações, o qual se encontra ainda a aguardar decisão. (cfr. doc. n.º 4),
13 – pelo que devem também, os presentes autos, no que a esta dívida diz respeito, ficarem suspensos até decisão definitiva do petitório do pagamento da dívida em prestações.
Nestes termos, requer a V. Exa a imediata suspensão dos presentes autos nos termos acima expostos.»[1].
Em promoção de 23.03.2012, a Digna Magistrada do MP requereu que os autos aguardassem por 15 dias, se necessário, pela informação solicitada ao Serviço de Finanças, o que foi deferido por despacho de 2.04.2012.
Em 30.04.2012, a Digna Magistrada do MP formulou a seguinte promoção:
«P. que se oficie ao proc. m. id. a fls. 170, solicitando o envio de petição de onde resulte a data de entrada em Tribunal, bem como que informem do estado dos autos.
P. que se oficie ao competente serviço de Finanças, solicitando que informem se o(s) processo(s) executivo(s) em causa se encontra(m) suspenso(s) por ter sido prestada garantia, bem como se foi efectuado pagamento em prestações (no que diz respeito ao IRC).
Para melhor esclarecimento deverá ser enviada ao TAF do Porto, cópias de fls. 170 a 179 e ao Serviço de Finanças cópias de fls. 166 a 169, 192 e 193 e da petição de reclamação de créditos.».
Em 27.06.2012, a Digna Magistrada do MP promoveu que se solicitasse informação ao Serviço de Finanças de Vila do Conde, o que foi deferido por despacho de 3.07.2012.
Em 14.09.2012 foi promovido o pedido de novo esclarecimento à Repartição de Finanças, o que foi deferido por despacho de 25.09.2012.
Em 22.10.2012 foi renovada a promoção anterior, o que foi deferido por despacho de 9.11.2012.
Em 28.11.2012, a Digna Magistrada do MP promoveu que os autos aguardassem por 60 dias e que após se solicitasse nova informação ao TAFP, o que foi deferido por despacho de 4.12.2012.
Em 26.02.2013, a Digna Magistrada do MP informou que iria solicitar ao TAFP informação sobre o estado dos autos id. a fls. 227, promovendo que a execução aguardasse por 30 dias, o que foi deferido por despacho de 8.03.2013.
Em 29.04.2013, a Digna Magistrada do MP informou que iria insistir pela resposta, promovendo que os autos aguardassem por mais 10 dias, o que foi deferido por despacho de 3.05.2013.
Em 28.05.2013, a Digna Magistrada do MP promoveu que os autos aguardassem por 90 dias pela sentença a proferir nos autos de impugnação fiscal id. a fls. 273, e que, decorrido tal prazo, se solicitasse ao TAF informação sobre o estado dos autos, o que foi deferido por despacho de 3.06.2013.
Em 3.12.2013, a Digna Magistrada do MP informou que iria solicitar ao TAF nova informação, promovendo que os autos aguardassem por mais 30 dias, o que foi deferido por despacho de 13.12.2013.
Em 5.03.2014, a Digna Magistrada do MP promoveu que os autos aguardassem por 60 dias e que, após, se solicitasse ao TAF nova informação sobre o estado dos mesmos, o que foi deferido por despacho de 11.03.2014.
Em 16.05.2014, a Digna Magistrada do MP informou que iria solicitar ao TAF nova informação, promovendo que os autos aguardassem por 90 dias.
Em 16.05.2014, promoveu que os autos aguardassem por mais 90 dias.
Em 17.12.2014, a Digna Magistrada do MP apresentou o seguinte requerimento:
«O Ministério Público nesta Secção de Execução, na qualidade de credor reclamante, na sequência da sua promoção de 11/11/2014, vem informar que os créditos reclamados, quer em relação à executada E…, quer em relação ao executado D…, não se encontram satisfeitos, conforme informação dos serviços de finanças de Vila do Conde e da Maia, respectivamente.
No entanto, o Ministério Público desconhece, por ora, se há decisão transitada em julgado sobre a impugnação efectuada junto do TAF, pelo que requer que os autos aguardem por mais 30 dias, se necessário, enquanto insiste pela referida informação».
Em 11.03.2015, a Digna Magistrada do MP informou que não fora ainda proferida decisão no processo de impugnação n.º 1825/07.1TBEPRT, que corre termos no TAF do Porto.
Tal informação foi renovada em 26.04.2015.
Em 17.01.2018, a Digna Magistrada do MP promoveu que os autos aguardassem por 60 dias, se necessário, enquanto solicitava informação ao TAF sobre o estado de impugnação do crédito da AT, Proc. 1825/07.1BEPRT, o que foi deferido por despacho de 26.01.2018.
Em 30.04.2018, a Digna Magistrada do MP promoveu que os autos aguardassem por mais 60 dias, enquanto insistia pelo envio da informação várias vezes solicitada, o que foi deferido por despacho de 9.05.2018.
Em 13.05.2018, a Digna Magistrada do MP juntou um requerimento com o seguinte teor: «O Ministério Público neste Juízo de Execução vem informar que a impugnação judicial referente ao processo n.º 1825/07.1BETRP, que correu termos no TAF do Porto, se encontra findo. Requer se solicite certidão da decisão.».
Sobre tal requerimento recaiu o seguinte despacho, de 12.06.2018: «Solicite ao processo referido no requerimento que antecede certidão da decisão final ali proferida com nota do trânsito em julgado.».
Em 20.06.2018 foi recebida nos autos a certidão do acórdão do TCAN (pág. 339 do PE), notificada às partes.
Foram os autos com vista à Digna Magistrada do MP, que em 13.07.2018[2] exarou a seguinte promoção:
«Vi o acórdão que antecede: não consta do mesmo a nota de trânsito em julgado.
Vou solicitar a AT, com cópia da reclamação de créditos e da sentença de verificação e graduação de créditos, face à decisão do TCA, que informe o montante do crédito actualmente em dívida».
Em 11.09.2018 foi proferido o seguinte despacho:
«Aguardem os autos o que vier a ser requerido pelo reclamante a cujo impulso está a prosseguir a presente execução, sem prejuízo do disposto no nº. 5 do artº. 281º. do CPC.».
Em 2.10.2018 foi junto pela Digna Magistrada do MP, um requerimento do qual consta a resposta do Serviço de Finanças, tendo sido determinada a notificação da executada, por despacho de 7.11.2018 (pág. 174 do PE).
Em 7.11.2018 foi proferido o seguinte despacho: «Requerimento que antecede: Notifique a executada.».
A executada não se pronunciou.
Em 20.03.2019 foi a Digna Magistrada do MP notificada do seguinte:
«Fica deste modo V. Exª notificado, relativamente ao processo supra identificado, de que foi declarada deserta a instância nos termos do disposto no artigo 281 nº5 do C.P.Civil.» (vide pág. 167 do PE).
Em 1.04.2019, a Digna Magistrada do MP apresentou um requerimento com o seguinte teor:
«O Ministério Público neste Juízo de Execução, na qualidade de exequente, em representação da Fazenda Nacional, vem requerer se declare:
A nulidade de acto do Agente de Execução que extinguiu a instância por deserção, nos termos do art.º 281.º, n.º5 do CPC
O que faz nos termos e pelos fundamentos seguintes:
1.º Em 30/11/2010, o Ministério Público em representação do Estado - Autoridade Tributária reclamou créditos no montante de €: 25 615, 49, correspondente a IRS de 2002, no montante de €: 24 354, 28, e respectivos juros de mora a contabilizar e de IRC de 2007, no montante de €: 1 261, 21.
2.º Tais créditos foram verificados por decisão proferia em 21/11/2011, transitada em julgado, não havendo lugar à graduação, porquanto o crédito exequendo encontrava-se pago.
3.º Na verdade, em 30/10/2011, o Ministério Público em representado do Estado Português - AT, na qualidade de credor reclamante, perante a extinção da execução por pagamento, requereu o prosseguimento da execução.
4.º Em 16/12/2011, o tribunal determinou o prosseguimento da execução por impulso do Ministério Público, na qualidade de credor reclamante.
5.º Em 23/01/2012 o Ministério Público promoveu, além do mais, se procedesse à venda do imóvel penhorado por proposta em carta fechada.
6.º Entretanto, a executada deu conhecimento aos autos da impugnação judicial do crédito reclamado junto do TAF do Porto.
7.º A fim de apurar os factos alegados pela executada o Ministério Público foi requerendo sucessivamente prazo para averiguar as consequências da impugnação judicial no crédito aqui reclamado.
8.º Em nenhum momento abdicou da satisfação do referido crédito.
9.º A execução nunca foi declarada suspensa.
10.º Só por acórdão do TCAN, proferido em 16/03/2017, a decisão foi definitivamente definida.
11.º Em 11/07/2018, o Ministério Público informou os autos que iria solicitar informação sobre o crédito actualmente em dívida.
12.º Por decisão datada de 11/09/2018, o tribunal determinou: “aguardem os autos o que vier a ser requerido pelo reclamante a cujo impulso está a prosseguir a presente execução, sem prejuízo do disposto no art.º 281.º, n.º5, do Código de Processo Civil.”.
13.º Assim, com vista a satisfação do crédito reclamado o Ministério Público em 02/10/2018 juntou aos autos a informação da AT, na qual consta o montante actualmente em dívida referente a IRS de 2002, e a informação de que o crédito IRC foi extinto por pagamento.
14.º Como já se referiu o Ministério Público impulsionou o processo executivo, requerendo o seu prosseguimento, tendo promovido posteriormente a venda do imóvel.
15.º Não obstante as várias diligências efectuadas para apurar o montante do crédito em dívida, nunca o Ministério Público manifestou qualquer intenção de não prosseguir com a execução.
16.º A sua intenção de prosseguimento da execução manteve-se.
17.º Não é exigido ao exequente que proceda à renovação periódica da sua intenção de prosseguir da execução.
18.º A tramitação processual compete ao A.E., não tendo o exequente de indicar as diligências que o mesmo deve fazer, no caso para proceder à venda do imóvel, que já havia sido requerida.
19.º Nesta medida, o acto de extinção da execução pelo A.E. é nulo, porquanto não tem fundamento de facto, nem de direito que sustente tal decisão.
20.º A arguição da referida nulidade é tempestiva e o Ministério Público, na qualidade de exequente , tem legitimidade para a invocar – 195.º, n.º1, 196.º, 200.º, n.º1 e 3, todos do Código de Processo Civil.
21.º O reconhecimento da nulidade implica ainda anulação dos termos subsequentes que dele dependam directamente – art.º 195.º, n.º2, do CPC.
Nestes termos requer-se:
a) Se declare a nulidade da decisão do A.E. que extinguiu a instância por deserção;
b) Se proceda à anulação dos termos subsequentes à prática de tal acto, que dele dependam absolutamente;
A Procuradora da República».
Em 18.04.2019, veio a executada opor-se à pretensão da Digna Magistrada do MP.
Em 27.05.2019 foi proferido o seguinte despacho:
«Refªs 22078220 e 22263778:
Os presentes autos foram declarados suspensos, a pedido dos executados, até que se mostrasse julgada definitivamente a impugnação que os mesmos apresentaram da liquidação dos impostos reclamados nestes autos.
O Tribunal Central Administrativo do Norte julgou a referida impugnação improcedente por decisão transitada em julgado em 24 de abril de 2017, tendo a certidão da sentença com nota do trânsito em julgado sido junta a estes autos em 20 de junho de 2018.
Notificada da mesma o credor reclamante veio aos autos, em 13 de julho de 2018, dizer que ia indagar sobre o valor do crédito ainda em dívida, informação essa que veio prestar em 2 de outubro de 2018 e que, notificada aos executados, não foi objeto de qualquer reclamação por parte dos mesmos.
Como resulta do disposto nos artº.s 281º. nº. 1 e 5 e 277º. al. c) do CPC a deserção da instância ocorre, independentemente de despacho judicial, quando o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses, implicando a deserção a extinção da instância.
Como resulta do atrás exposto, os autos de execução foram declarados suspensos por despacho judicial que deferiu a pretensão deduzida pelos executados, estando a aguardar a prolação de decisão definitiva sobre a impugnação judicial apresentada por estes no Tribunal Central Administrativo do Norte, não estando, até à junção aos autos da referida decisão, a aguardar o impulso da exequente. Junta tal decisão, em 20 de junho de 2018, o exequente impulsionou os mesmos nos termos decorrentes dos requerimentos apresentados em 13 de julho e 2 de outubro de 2018, estando os autos, a partir do decurso do prazo do contraditório que os executados dispunham para se pronunciar sobre este último requerimento (que lhes foi notificado em 9 de novembro de 2018) em condições de prosseguir, com cumprimento do despacho proferido em 12 de março de 2012 (notificação para os termos do disposto no artº. 886º.-A nº. 1 do CPC/61, agora 812º. nº. 1 do CPC) sem que para tal fosse necessário o impulso do exequente/reclamante, não estando a instância extinta por deserção.
Termos em que, declarando-se procedente a invocada nulidade, anulo a decisão de extinção da instância.
Sem custas.
Notifique.».
Não se conformou a executada, e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações, findas as quais formula as seguintes conclusões:
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II. Do mérito do recurso
1. Definição do objeto do recurso
O objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 3.º, n.º 3, do diploma legal citado), consubstancia-se numa única questão: saber se ocorreu ou não a deserção da instância.

2. Fundamentos de facto
A factualidade provada relevante é a que consta do relatório que antecede.

3. Fundamentos de direito
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no nº 1, do artigo 281º do Código de Processo Civil, a instância considera-se deserta quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
Decorre do normativo que se transcreveu, que a deserção da instância depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
a) – A inércia de qualquer das partes em promover o andamento do processo, imputável a título de negligência;
b) – A paragem do processo por tempo superior a seis meses, a contar do momento em que a parte devia ter promovido esse andamento[3].
Como referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[4], o prazo de 6 meses conta-se, não a partir do dia em que a parte deixou de praticar o ato que condicionava o andamento do processo, mas a partir do dia em que lhe é notificado o despacho que alerte a parte para a necessidade do seu impulso processual.
Concluem os citados autores, apoiados em vasta jurisprudência, que a falta de advertência constitui nulidade processual.
No mesmo sentido, defendem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[5] que, antes de declarar o efeito extintivo da instância, o juiz deverá sinalizar por despacho, ser aquela a consequência da omissão do ato processual, em decorrência dos princípios da boa gestão processual e do dever de prevenção deles emergente.
Acresce assim, face à posição claramente maioritária da doutrina e da jurisprudência, um terceiro requisito para que possa ocorrer a deserção da instância: o despacho prévio de advertência à parte para a necessidade de exercício do seu impulso processual.
Vejamos a tramitação fulcral nos autos, com particular relevo para a decisão sobre questão recursória:
1) Em 11.09.2018 foi proferido o seguinte despacho:
«Aguardem os autos o que vier a ser requerido pelo reclamante a cujo impulso está a prosseguir a presente execução, sem prejuízo do disposto no nº. 5 do artº. 281º. do CPC.».
2) Em 2.10.2018 foi junto pela Digna Magistrada do MP, um requerimento do qual consta a resposta do Serviço de Finanças, sobre o desfecho do processo que corria termos no TCA, e sobre o montante final em dívida, tendo sido determinada a notificação da executada, por despacho de 7.11.2018 (pág. 174 do PE).
3) Em 7.11.2018 foi proferido o seguinte despacho: «Requerimento que antecede: Notifique a executada.».
4) A executada não se pronunciou.
5) Em 20.03.2019 foi a Digna Magistrada do MP notificada do seguinte:
«Fica deste modo V. Exª notificado, relativamente ao processo supra identificado, de que foi declarada deserta a instância nos termos do disposto no artigo 281 nº5 do C.P.Civil.» (vide pág. 167 do PE).
6) Em 1.04.2019, a Digna Magistrada do MP apresentou um requerimento, no qual requer a declaração de nulidade do “despacho” de que fora notificada.
Conclui-se, face à cronologia do procedimento: após o despacho de advertência (de 11.09.2018), foi junto pela Digna Magistrada do MP um requerimento, em 2.10.2019, tendo o Mº Juiz determinado a sua notificação à executada/recorrente, que não se pronunciou, tendo decorrido menos de seis meses entre a apresentação de tal requerimento e a intervenção da Digna Magistrada do MP através de novo requerimento que deu origem ao despacho recorrido.
Alega a recorrente: «IX- A junção de um documento não integra em si o conceito de impulso processual, pois o andamento do processo não estava dependente de tal documento».
Com o devido respeito, não estamos de acordo.
Vejamos porquê.
Através de requerimento de 12.03.2012, veio a executada E…, informar que o crédito exequendo havia sido impugnado na jurisdição fiscal, e requerer com esse fundamento, a suspensão da execução.
No requerimento referido, a executada põe em causa o crédito exequendo, que apenas ficaria definitivamente definido [quer quanto à existência, quer quanto ao montante] após a decisão judicial[6].
Na informação anexa ao requerimento da Digna Magistrada do MP, consta a definição do montante em dívida, bem como uma correção efetuada pelo TCA, com a consequente anulação de € 73,40.
Ou seja, foi alterado e definitivamente fixado o valor da dívida exequenda.
Ora, em toda a tramitação, desde 30.04.2012, a Digna Magistrada do MP, por inúmeras vezes (veja-se o relatório deste acórdão) em sucessivas “vistas” do processo, requereu prazo, sucessivamente prorrogado, para obtenção dessa decisão final[7].
No contexto referido, fazia todo o sentido a junção da resposta final (que há tanto tempo perseguia), assim como fazia sentido a notificação da executada em cumprimento do princípio do contraditório.
Decorre do exposto que consideramos relevante para a tramitação da execução a junção através do requerimento de 2.10.2018, da informação definitiva que o exequente visava alcançar desde há seis anos.
Como bem refere o Mº Juiz, a execução estava suspensa (apesar de não haver despacho formal), na sequência do requerimento da executada, que requereu tal suspensão com fundamento na impugnação do crédito exequendo, que havia formulado na jurisdição fiscal.
Nada poderia ser feito nos autos sem a definição definitiva, quer da existência da dívida fiscal, quer do valor final da quantia exequenda.
Por tal razão, incumbia ao exequente (MP) a junção da informação em apreço, que não poderia ser omitida, devendo a execução prosseguir após o cumprimento do contraditório.
Ora, desde o termo do prazo do contraditório – 21.11.2018 – (a notificação eletrónica foi efetuada em 9.11.2018 – vide pág. 169 do PE), até ao despacho de deserção (20.03.2019), não decorreram os 6 meses previstos no nº 1, do artigo 281º do Código de Processo Civil.
Acresce que não se vislumbra na tramitação dos autos, o requisito que anteriormente enunciámos: inércia da Exequente em promover o andamento do processo, imputável a título de negligência.
Pelas razões aduzidas, bem andou o Mº Juiz ao declarar a nulidade do referido despacho.
Decorre de todo o exposto a improcedência da pretensão recursória.

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso e, em consequência, em manter a decisão recorrida.
*
Custas do recurso pela recorrente.
*
Porto, 4.11.2019
Carlos Querido
Mendes Coelho
Joaquim Moura
______________
[1] Sobre este requerimento não recaiu qualquer despacho.
[2] Verifica-se um manifesto lapso na data inserida no final do despacho (13.03.2018). Com efeito, o termos de vista foi aberto em 11.07.2018, pelo que os despacho nunca poderia ter sido anterior.
[3] Vide, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3.05.2018 (processo 217/12.5TNLSB.L1.S1).
[4] Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 4.ª edição, Almedina, 2018, pág. 572 e 573.
[5] Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 329.
[6] Refere a executada no seu requerimento: «12 – No que diz respeito à divida reclamada pelo Ministério Público e indicada em b) do n.º 2 deste requerimento, foi apresentado no órgão de execução fiscal competente um pedido de pagamento em prestações, o qual se encontra ainda a aguardar decisão. (cfr. doc. n.º 4), 13 – pelo que devem também, os presentes autos, no que a esta dívida diz respeito, ficarem suspensos até decisão definitiva do petitório do pagamento da dívida em prestações.
Nestes termos, requer a V. Exa a imediata suspensão dos presentes autos nos termos acima expostos.».
[7] Veja-se, a título de exemplo:
Em 28.11.2012, a Digna Magistrada do MP promoveu que os autos aguardassem por 60 dias e que após se solicitasse nova informação ao TAFP, o que foi deferido por despacho de 4.12.2012.
Em 26.02.2013, a Digna Magistrada do MP informou que iria solicitar ao TAFP informação sobre o estado dos autos id. a fls. 227, promovendo que a execução aguardasse por 30 dias, o que foi deferido por despacho de 8.03.2013.
Em 29.04.2013, a Digna Magistrada do MP informou que iria insistir pela resposta, promovendo que os autos aguardassem por mais 10 dias, o que foi deferido por despacho de 3.05.2013.
Em 28.05.2013, a Digna Magistrada do MP promoveu que os autos aguardassem por 90 dias pela sentença a proferir nos autos de impugnação fiscal id. a fls. 273, e que, decorrido tal prazo, se solicitasse ao TAF informação sobre o estado dos autos, o que foi deferido por despacho de 3.06.2013.
Em 3.12.2013, a Digna Magistrada do MP informou que iria solicitar ao TAF nova informação, promovendo que os autos aguardassem por mais 30 dias, o que foi deferido por despacho de 13.12.2013.
Em 5.03.2014, a Digna Magistrada do MP promoveu que os autos aguardassem por 60 dias e que, após, se solicitasse ao TAF nova informação sobre o estado dos mesmos, o que foi deferido por despacho de 11.03.2014.
Em 16.05.2014, a Digna Magistrada do MP informou que iria solicitar ao TAF nova informação, promovendo que os autos aguardassem por 90 dias.
E em 13.07.2018 exarou a seguinte promoção:
«Vi o acórdão que antecede: não consta do mesmo a nota de trânsito em julgado.
Vou solicitar a AT, com cópia da reclamação de créditos e da sentença de verificação e graduação de créditos, face à decisão do TCA, que informe o montante do crédito actualmente em dívida».
Tal informação veio a ser prestada e foi junta, como não podia deixar de o ser, pela Exequente.