Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
319/14.3TTVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: TRABALHO NO DOMICÍLIO
CESSAÇÃO DO CONTRATO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
DENÚNCIA DO CONTRATO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP20160118319/14.3TTVFR.P1
Data do Acordão: 01/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 233,FLS.2-33)
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos dos arts. 10º e 11º da Lei 101/2009, de 08.09, que estabelece o regime jurídico do trabalho no domicílio, o beneficiário da atividade pode, por sua iniciativa, fazer cessar o contrato de prestação de atividade no domicílio por denúncia ou resolução.
II - Na denúncia, o legislador não faz depender a cessação do contrato de qualquer razão justificativa da mesma, a qual, independentemente de qualquer motivação, poderá sempre ter lugar, devendo porém ser observado o aviso prévio previsto na norma sob pena de, a sua inobservância, conferir à outra parte o direito a uma indemnização no montante da remuneração correspondente ao período do aviso prévio em falta.
III - Quanto à resolução, ela ocorrerá quando, existindo motivo justificativo não imputável a qualquer das partes ou por motivo de incumprimento da outra parte, o contraente pretenda fazer cessar imediatamente o contrato, sem necessidade de concessão do aviso prévio, sendo que, neste caso, a insubsistência dos motivos alegados pelo beneficiário da atividade para a resolução, confere ao trabalhador o direito a ma indemnização igual a 60 ou 120 dias de remuneração, consoante o contrato tenha durado até dois anos ou mais de dois anos.
IV - No caso, tendo o contrato cessado por denúncia do beneficiário da atividade com observância do aviso prévio legalmente previsto, não é devida indemnização pela mencionada denúncia.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 319/14.3TTVFR.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 867)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Maria José Costa Pinto

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

B…, litigando com o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra C…, LDª, pedindo que: a Ré seja condenada a reconhecer o contrato de trabalho que celebrou com a A. em 01.04.2008, declarando-se ilegal e infundada a cessação do mesmo operada em 11/10/2014, face à inobservância do disposto no art. 10º da Lei 101/2009, de 08.09, bem como a pagar-lhe a quantia de €20.669,01 referente a créditos laborais em dívida e a de €5.000,00 a título de indemnização por “danos morais”, tudo acrescido de juros de mora à taxa de 4% desde a citação até integral pagamento.
Para tanto, alega em síntese que: em regime de prestação de trabalho no domicílio, a A. foi admitida ao serviço da R. em 1/4/2006, para lhe prestar serviços de colagem, escolha, contagem e embalamento de caixas de cartão, atividade que exerceu de forma contínua e ininterrupta até 7/1/14. Pelo exercício das suas funções a A. era remunerada com o salário médio mensal de €430,01.
Em 7/11/2013 a R., fazendo alusão a um aviso prévio de 60 dias, enviou à A. uma carta comunicando-lhe a cessação do contrato de trabalho com fundamento em “… razões ligadas com o processo de certificação da Qualidade”, fundamento este que, segundo diz, não tem qualquer razão de ser, pois a A. sempre desenvolveu o seu trabalho com o máximo de dedicação e diligência, para alem de que não lhe foi, como deveria, concedida formação profissional, não respeitando a cessação do contrato qualquer das exigências do Art. 10º da Lei 101/2009, reclamando, em consequência, a indemnização de €1.720,04 nos termos do art. 11º, nº 2, da Lei 101/2009.
A Ré não lhe pagou os encargos relativos a energia, água, telefone, aquisição e manutenção de equipamentos necessários e imprescindíveis ao exercício da sua atividade levada a cabo no seu domicílio, a título do que reclama as quantias de €1.260,00 de eletricidade, €420,00 de água e €865,20, de luvas, molas e tijolos.
Em consequência de redução de atividade imputável à Ré, reclama, ao abrigo do art. 9º, nº 1, da Lei 101/2009, o pagamento da quantia de €16.263,77.
A falta de formação profissional, a cessação do vínculo contratual com a imputação infundada e injustificada da falta de qualidade do serviço prestado, o facto de a Ré ter declarado à Segurança Social as remunerações de base como sendo subsídios, situação que apenas foi regularizada mediante a intervenção da Segurança Social no início de 2012 e a circunstância da remuneração apenas incluir os trabalhos de colagem quando, além desta, a A. procedia também à escolha, contagem e embalamento do produto, acarretou para a A. “muita angústia e ansiedade”, em consequência do que reclama a quantia de €5.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.

A Ré contestou impugnando o alegado pela A. e concluindo pela improcedência da ação.
Para tanto alega, em síntese, que a A. sabia que a R. fixava a remuneração dos seus trabalhadores ao domicílio com base em tabelas, segundo o tamanho das caixas, e que esses valores incluíam todo o serviço prestado e os custos inerentes, nunca tendo a R. pago qualquer valor adicional a nenhuma trabalhadora no domicílio. Acrescenta que a A recebeu as remunerações segundo o regime acordado do início até final, sem qualquer reclamação, só após a cessação do contrato vindo exigir um valor maior. Mais diz que denunciou, a Ré, o contrato de trabalho ao abrigo do art. 10º, nº 2, da Lei 101/2009, não havendo lugar à indemnização reclamada, carecendo também de fundamento a indemnização por danos não patrimoniais.

Fixado o valor da ação, em €25.669,01, proferido despacho saneador tabelar, dispensada a seleção da matéria de facto e realizada a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova pessoal nela prestada, foi proferida sentença, nela incluída a decisão da matéria de facto, que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo a Ré de todos os pedidos.

Inconformada, a A. recorreu, tendo formulado as seguintes, e prolixas, conclusões:
“1.ª)
Porque foi alegado e se fez prova de que a Ré, embora obrigada (cfr. n.º 1 do artigo 6.º da Lei 101/2009 de 8 de Setembro), não deu formação profissional à Autora e que em termos de Segurança Social, a Ré sempre declarou as remunerações base desta como sendo subsídios, sendo totalmente omissa quanto aos mesmos, a douta sentença recorrida padece da nulidade prevista na alínea d), 1.ª parte do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
2.ª)
Pelo depoimento das testemunhas da Autora, D…, E… e F…, das da Ré, G… e H…, para cujos depoimentos supra transcritos remetemos e aqui damos por reproduzidos na íntegra e também pelos doc. de fls. 7 a 8 v., doc. de fls. 9 a 10 v. e doc. de fls. 34, o Tribunal “ a quo” deveria ter dado como provado que a Ré nunca pagou à Autora os encargos de energia, água, telefone, aquisição e manutenção dos equipamentos necessários e imprescindíveis ao exercício da actividade que desenvolvia no domicílio e, bem assim, que ao longo da execução do contrato de trabalho que existiu entre ambas, por causa imputável à Ré, registaram-se quebras na produção para além dos 3 meses, as quais levariam à indemnização da Autora (cfr. artigo 9.º da Lei 101/2009 de 8 de Setembro).
3.ª)
Na verdade, quanto à primeira das indicadas questões ao minuto 17:33, a testemunha D… afirmou: “A C… só nos fornecia a cola … e as caixas”, ao minuto 05:07, E… referiu: “Fornecia as caixas que vinham em paletes basicamente com lixo… sem ser escolhidas, sem nada, depois as pessoas tinham aquele trabalho todo” ao minuto 05:54 disse também: “Fornecia cola e cartão” e ao minuto 24:36 voltou a referir: “As caixas, a cola e o fioF…, ao minuto 04:09, referiu que os materiais que a Ré fornecia eram “Cola e Cartão”, G… (Engº, funcionário da Ré) ao minuto 05:06 referiu: “Ora bem a empresa dava cola em termos de consumíveis dava cola e fio…” e quanto ao fornecimento de pincéis pela Ré ao minuto 05:31 referiu: “Pincéis ora sinceramente pincéis não sei…” e também uma outra testemunha da Ré, designadamente, H… (escriturária, funcionária da Ré),ao minuto 06:20 referiu: “ A gente dava a cola o fio e o transporte…”.
4.ª)
Resulta também da prova produzida e, por isso, o Tribunal “ a quo deveria ter considerado provado que além das caixas de cartão e da cola, a Autora necessitava dos seguintes materiais: pincéis, luvas, molas, tijolos, fio, água, luz e telefone, sendo certo que a Ré só fornecia as caixas a cola e o fio.
5.ª)
Foi isso mesmo que ao minuto 06:17 referiu a testemunha, E… “ …é preciso ter pincéis não se cola sem pincéis é um trabalho manual, depois tinha o trabalho de lavar os pincéis, gastava água, gastava luz porque aquilo é um trabalho…, estamos a falar de caixas pequenas, algumas tinham que se estar a ver à lupa, gastavam tijolos porque… as caixas não colavam … tinha que se pôr molas nas pontas que era para elas estarem a secar, e a firma o que fornecia era o fio as caixas e a cola mais nada…” e ao minuto 07:33 disse ainda: “Tinham que usar luvas, tinham que as comprar do bolso delas porque a empresa não fornecia”. Também F… ao minuto 06:05 referiu “O tijolo”, ao minuto 06:12 “Trinchas”, ao minuto 06:22 “Luvas que também não dava” e que além dos matérias a Autora sua esposa tinha as seguintes despesas: (minuto 06:35) “ Tinha a luz tinha a água”, ao minuto 06:46 “Tinha o telefone”, acrescendo que a testemunha da Ré, G…, ao minuto 19:00 confirmou que a Ré não fornecia estes materiais à Autora e que também nunca os pagou conforme afirmou F…, ao minuto 07:15 dizendo: “Nada nada”.
6.ª)
Dos doc. de fls. 7 a 8 (folhas de remunerações) depreende-se claramente pelas remunerações auferidas que havia quebras para além dos três meses, quebras estas que pelo depoimento da testemunha E…, a qual sobre o volume de serviço que a Ré entregava nos domicílios ao minuto 26:36 referiu: “… tinha altos e baixos”, ao minuto 27:02 “Sim sim havia quebras”, ao minuto 27:11 referiu também que a Autora se queixava porque a Ré não lhe entregava sempre as mesmas quantidades e ao minuto 27:32 que a Autora nunca foi compensada por esses quebras na produção. Também a testemunha AF…, ao minuto 07:51 referiu: “ Às vezes era uma quantidade outras vezes era menos havia semanas que tínhamos outras semanas duas ou três vezes”, que a Autora queria e podia fazer sempre a mesma quantidade mas que “… não havia sempre trabalho” (minuto 08:01) e ao minuto 08:20 referiu ainda: “Havia quebras no trabalho” e que “.. a vontade da esposa era trabalhar quanto mais mais
7.ª)
Pelo que, em nossa humilde opinião, ao invés do que consta da douta sentença recorrida, a M.ma Juiza “a quo” deveria ter dado tais factos como provados.
8.ª)
Por tudo quanto deixamos alegado nas conclusões 2.ª) a 5.ª) supra que aqui reproduzimos integralmente, afigura-se-nos que ao contrário do que consta no ponto 7 dos factos provados, a M.ma Juíz “a quo” não poderia ter dado como assente “…(materiais que a Ré fornecia)…”, ou seja, face a tal inequívoca prova produzida em audiência de julgamento, o douto Tribunal “a quo” não poderia dar como provado que a Ré fornecia os materiais à Autora.
9.ª)
Do mesmo modo, também não poderia dar como provado que no pagamento do trabalho desenvolvido pela Autora – colagem manual de caixas de cartão - estavam incluídas as atividades de limpar e cortar, consideradas provadas no referido ponto 7.
10.ª)
Não é isso que resulta nem dos depoimentos das testemunhas, D…, E… e F… que supra transcrevemos, nem do documento de fls. 34, do qual se depreende que a Autora era remunerada exclusivamente pelo serviço de colagem e, portanto, nunca foi remunerada pelos serviços de escolha, limpeza, corte e embalamento das caixas de cartão.
11.ª)
A este propósito, ao minuto 04:58 a testemunha, D…, referiu que além da colagem das caixas: “…tínhamos que cortar tudo e embalar amarrar”. Também a testemunha, E… ao minuto 05:20 afirmou: “Tinham que limpar, escolher as caixas…, tinham que colar, tinham que contar, tinham que amarrar, muitas vezes havia uma situação de ter de telefonar para a fábrica porque o material não estava em modo…”.Também F…, ao minuto 04:36, referiu: “Tinha-se de limpar, … depois amarrar …” e que a Autora também “Embalava” as caixas de cartão.
12.ª)
Porém, o que resulta da tabela fornecida pela Ré à Autora (doc. De fls.34), é que em termos de serviço ali considerado a tabela apenas e tão só: “COLAGEM”.
13.ª)
Note-se que nos recibos de salário da Autora (doc. 3 a 9 da p.i. – fls. 9 a 10 v.), ao arrepio do comando do n.º 5 do artigo 7.º da Lei 101/2009 de 8 de Setembro, a Ré não identifica, conforme estava obrigada, designadamente, “… a quantidade, a natureza e o período da prestação do trabalho,…” constando dos mesmos apenas e tão só a designação genérica “Trabalho no domicílio”. Perante tal genérica descrição dos recibos de salário da Autora emitidos pela Ré, o homem comum e, também nós, perguntaria: Trabalho no domicílio? Mas que trabalho? Escolher? Cortar? Colar? Embalar?
14.ª)
Nesta linha orientadora, debruçando-nos sobre o conteúdo dos ditos recibos das remunerações da Autora, confrontados com a tabela de fls. 34, na qual constam exclusivamente serviços de colagem, se não fossem os depoimentos supra transcritos, que esclareceram que a Autora além de colar, escolhia, limpava, cortava e embalava, ficávamos sem saber que tipo de trabalho aquela efetivamente levou a cabo e quais as tarefas que realmente lhe foram pagas.
15.ª)
Por isso, entendemos que mal andou a M.ma Juiza “a quo” ao julgar provado que as tarefas de limpar e cortar faziam parte integrante do trabalho da Autora e que, como tal foram remuneradas pela Ré.
16.ª)
Relativamente ao considerado assente pelo Tribunal “ a quo” no ponto 8 constante dos factos provados, o que resulta com evidência do depoimento das testemunhas da própria Ré, é que o mesmo tem que ser considerado provado. Desde logo, I… (Chefe dos serviços administrativos da Ré há 41 anos) logo no início da inquirição e a instâncias da M.ma Juíza “ a quo” disse conhecer a Autora “ só de nome”. A instâncias do mandatário da Ré, ao minuto 01:33 referiu: “Posso ter falado lá na empresa mas não me lembro da situação” e, logo de seguida, falando sobre o percurso da Autora como trabalhadora da Ré, ao minuto 02:07 afirmou: “Portanto, segundo soube ela já foi empregada da C… julgo que sim”.
17.ª)
Sobre o período em que a Autora trabalhou como trabalhadora interna da Ré, esta mesma testemunha da Ré afirmou ao minuto 02:48: “Não posso precisar não posso precisar em que ano”. Por seu lado, a também testemunha da Ré, J… (Trabalhadora interna da Ré – irmã da Autora), sobra a altura em que a Autora trabalhou para a Ré ao minuto 00:19 respondeu: “Não não me lembro sei que foi há muitos anos mas não me lembro” e sobre a eventual categoria profissional da Autora enquanto trabalhadora interna da Ré, ao minuto 00:25 afirmou: “Não sei se era operadora porque ela entrou primeiro do que eu para lá e cheguei a trabalhar com ela lá mas não sei o que ela lá fazia… creio que era manobra”.
18.ª)
Por conseguinte, se as próprias testemunhas indicadas pela Ré não sabem quanto tempo é que a Autora lá trabalhou e também não sabem qual a sua categoria enquanto trabalhadora interna da Ré, salvo o mui devido respeito, muito mal andou a Digníssima Juíza “a quo” ao dar como provados os factos constantes do ponto 8, sobre os quais, é mais do que evidente, não foi feita prova alguma e, por isso, deveriam ser considerados não provados.
19.ª)
Face à prova produzida, somos forçados a concluir que a douta sentença recorrida errou ao dar como provado no ponto 10 dos factos provados que“ A A. sabia… que esses valores incluíam todo o serviço prestado e os custos inerentes, …”.Vejamos porquê.
20.ª)
Porque, a testemunha D… (que, conforme já referimos, também trabalhou para a Ré nas mesmas circunstâncias da Autora), ao minuto 06:57 afirmou: “… isto de limpar e colar nunca foi pago” questionada se sabiam que tinham direito a receber da Ré as tarefas de limpar e colar ao minuto 07:05 repetiu: “Não não”, se no preço acordado com a Ré estava incluído ou alguém explicou que tinham direito a receber o consumo de água, energia, telefone, luvas, molas, tijolos, pincéis ao minuto 11:48 respondeu: “Não o preço era só da colagem… mais nada” e que não sabia que tinham direito a receber por tais materiais e consumos. Também a testemunha E…, ao minuto 23:27 disse ser “…verdade” que a Ré pagava apenas o serviço de colagem e ao minuto 22:38 afirmou que a Autora “… não sabia nem ninguém sabia” e logo de seguida voltou a referir “…não porque nunca informaram… sabiam dos deveres dos deveres sim”.
21.ª)
Por sua vez, quanto à questão dos pagamentos operados pela Ré a testemunha F… ao minuto 04:59 referiu “Só colagem” e que quanto aos consumos de água, luz, molas, luvas, telefone, tijolos que eram necessários, ao minuto 07:15 afirmou que a Ré não pagava “Nada nada” e ao minuto 07:28 referiu que a Autora “…não sabia de nada”.
22.ª)
Saliente-se a este propósito que a junção da tabela de fls. 26 apresentada Ré, na qual se encontram apostos manualmente os seguintes dizeres: “3 pontos+limpar 0,060€; cortar e colar 0,060€”, resulta em nosso modesto entender numa tentativa frustrada de provar que pagou tais trabalhos, quando na realidade nunca pagou, a qual por entender forjada, foi veementemente impugnada pela Autora, cfr. req.de fls. 32 e 33, mediante o qual juntou a tabela de fls. 34.
23.ª)
É que, comparando estas duas tabelas (doc. de fls. 26 e 34), ambas com a mesma data de máquina, sendo certo que, a de fls. 34 entregue pela Ré à Autora, foi a que vigorou até ao despedimento desta, indubitavelmente, tinham que se apresentar rigorosamente iguais no seu conteúdo, o que das mesmas não resulta.
24.ª)
Acresce que, confrontada com a tabela de fls. 34, a testemunha D… (que também trabalhou para a Ré no mesmo período), ao minuto 06:16 identificou tal tabela e afirmou que era igual á que a Ré também lhe tinha entregue. Porém, confrontada com a tabela de fls. 26, ao minuto 06:54 esta mesma testemunha afirmou: “Tem umas coisas a mais”, sendo-lhe perguntado porquê, ao minuto 06:57 respondeu: “Porque isto de limpar e colar nunca ninguém pagou nada”, sendo que, questionada sobra a certeza dos tais dizeres manuscritos aditados na tabela de fls. 34 relativamente à que lhe tinha sido entregue afirmou: “Não… de certeza não tinha”.
25.ª)
Do mesmo modo a testemunha, E…, ao minuto 07:48 afirmou: “Há uma tabela… a tabela só invoca o preço da colagem só o preço da colagem, mais nada, está assinada é a tabela que existe, não há mais nenhuma”. Confrontado com as tabelas de fls.26 e fls. 34 e o facto de ambas terem a mesma data de máquina, ou seja, 23.04.2012, sobre os dizeres apostos à mão “3 pontos+limpar 0,060€; cortar e colar 0,060€” na tabela junta pela Ré na contestação, portanto a de fls. 26, ao minuto 09:20 referiu: “Devia ser pago se está aqui é para dizer ao tribunal que foi pago, devia ser pago” mas “nunca” pagaram, afirmando ao minuto 09:53: “A nenhuma mulher, nenhuma, … não há nenhuma mulher a quem tenha sido pago”, sendo que, a instâncias da M.ma Juíz “ aquo” sobre a tabela de fls. 26 afirmou não a reconhecer e que nunca a tinha visto a não ser “… agora..
26.ª)
Quanto às demais tabelas juntas pela Ré na contestação (doc. De fls. 25, 27, 28 e 29) de molde a fazer crer que além da tabela de fls. 34 junta pela Autora existiram outras tabelas, a verdade é que, tais tabelas juntas pela Ré não foram reconhecidas nem pela testemunha D…, nem pela testemunha E…, que ao minuto 33:49 referiu que a esposa nunca falou delas e nem sequer sabiam que existiam que e que a única que existia e que tinha sido entregue à Autora, é a de fls.34.
27.ª)
A reforçar o que acabamos de afirmar é que comparando a tabela de fls.34 datada de 23/04/2012 com a de fls. 27, datada de 21/06/2011, estas afiguram-se exatamente iguais quanto à designação do serviço “COLAGEM” e ao modelo, mas constatamos que os preços por caixa em 2011 são superiores aos de 2012 o que não é concebível. Na verdade, em termos de remunerações a tendência é subir, não baixar!
28.ª)
E, portanto, ao contrário do que entendeu o Tribunal “ a quo”, a única tabela verdadeira é a de fls. 34. Tanto assim, que datada de 23/04/2012, contém uma data manual (13/04/2012) e uma rubrica, as quais foram apostas pela testemunha da Ré, G…, o que foi confirmado por este aos minutos 13:04 e 15:45 referindo ao minuto 16.07 que era ele quem validava as tabelas.
29.ª)
No entanto, esta testemunha da Ré, confrontada com as tabela de fls. 26 e de fls. 34 e depois de reconhecer ao minuto 12:24 que as assinaturas constantes das mesmas foram apostas pelo seu punho, sobre as diferenças entre uma e outra ao minuto 13:14 a testemunha referiu: “Diferença…na data mas provavelmente da minha parte” Perguntou o Advogado da Ré: “Na data manual é isso?” Respondeu: “Na data manual” Insistiu o Advogado: “Mas veja compare com o outro documento o resto dos dizeres são iguais ou não é tudo a mesma?” A testemunha ficou em silêncio... Face à indecisão da testemunha, a M.ma Juiza “a quo” insistiu “Os dizeres”, insistiu também o Advogado da Ré: “Os dizeres…portanto a tabela em si o conteúdo da tabela é o mesmo ou é só uma diferença de data?” A testemunha respondeu: “É só uma diferença de data” Insistiu mais uma vez o Advogado da Ré: “Os preços são os mesmos?” e, mais uma vez, a testemunha ficou em silêncio.
30.ª)
Ou seja, a pessoa encarregue de rubricar e validar as tabelas - Engenheiro, funcionário da Ré - sem a ajuda do Ilustre mandatário da Ré, não conseguiu vislumbrar qualquer diferença entre uma e outra das indicadas tabelas a não ser na data o que, manifestamente, aponta para a versão da Autora: só existe uma tabela válida – a que lhe foi entregue pela Ré e que juntou aos autos a fls. 34.
31.ª)
Ainda em confronta com as tabelas de fls. 26 e 34, agora a instâncias da aqui signatária, esta mesma testemunha da Ré, ao minuto 17:11 confirmou que tinha validado as duas, questionado se não seriam a mesma, disse: “não não é a mesma entrou em vigor nesta data”, referindo-se à de fls. 34 a aqui signatária perguntou: “E esta não tem a mesma data?” A testemunha respondeu: “Tem”, perguntou novamente a aqui signatária: “Então também entrou em vigor nesta data?” Disse a testemunha: “Aqui há um erro… esta quem diz que o erro não possa ser eu…” Observou de seguida a aqui signatária: “Não sei os senhores é que deram aos trabalhadores têm esta, validada pelo Senhor Engenheiro (referindo-se á de fls. 34), aparece agora outra com a mesma data mas com dizeres diferentes (referindo-se à de fls.26)”. A testemunha disse: “Pronto temos… temos é que a partir desta data começamos a pagar tudo anteriormente não…” Observou de novo a advogada: “Então deveria dizer o mesmo na que os senhores entregaram aos trabalhadores”, continuou a testemunha: “… que há aqui um erro há agora se é ali ou ali não lhe posso dizer
32.ª)
E, portanto, o Senhor Engenheiro, testemunha da Ré, não foi capaz de explicar o porquê de aparecer uma tabela datada de 23.04.2012, por si validada e rubricada, entregue pela Ré á Autora e que esta apresentou nos autos (cfr. doc. de fls.34) e aparecer uma outra com a mesma data - 23.04.2012 -também por si validade e rubricada, mas com dizeres apostos à mão (doc. de fls.26), que não constam da que entregaram aos trabalhadores!
33.ª)
Ainda a propósito das tabelas, a testemunha da Ré, H…, que ao minuto o8:15 afirmou “Sim as tabelas tenho conhecimento”, perante a pergunta do mandatário da Ré “Olhe e as operações pagáveis foram sempre as mesmas ou…” Interrompeu a testemunha perguntando: “Operações pagáveis?” Prosseguiu o mandatário da Ré: “os que pagavam pagaram sempre os mesmos serviços ou foram pagando serviços complementares foram aditando formas de pagamento ou tarefas específicas concretamente há aqui documentos que dizem colagem e depois a certa altura aparece 3 pontos mais limpar zero vírgula zero seis cortar mais colar seis cêntimos há umas tabelas em que isto aparece e outras não aparece”.
34.ª)
Ou seja, uma testemunha da Ré que começa por dizer que tem conhecimento das tabelas, para conseguir dizer alguma coisa sobre as mesmas, face ao acabado de expor, teve que ser primeiramente instruída pelo Ilustre Mandatário da Ré!
35.ª)
Acresce que, a testemunha D…, que conforme já referimos reconheceu como válida a tabela de fls. 34, ao minuto 18:15 confirmou que a tabela “… foi sempre a mesma”.
36.ª)
Para além disso, a tabela de fls. 34 (junta pela Autora nestes autos), é exatamente igual à que foi também junta no âmbito de um outro processo (pela ali Autora, também trabalhadora da Ré), concretamente, o processo n.º 279/14.0TTVFR, o qual correu termos na 4.ª Secção do Trabalho de Santa Maria da Feira, J2.
37.ª)
Pelas razões apontadas, estamos, convictos que a única tabela verdadeira é a de fls. 34, da qual resulta claramente que só os trabalhos de colagem eram pagos à Autora!
38.ª)
Pelo que, também neste ponto, ao contrário do entendimento perfilhado na douta sentença ora em crise, entendemos que a Autora, efetivamente, não tinha conhecimento que nas remunerações que recebia estavam incluídas todas as tarefas por si desenvolvidas e todos os custos inerentes, devendo, consequentemente, tal facto ser dado por não provado.
39.ª)
No tocante aos factos contantes do ponto 11 dos factos assentes, salvo melhor opinião, entendemos que sobre os mesmos não foi produzida qualquer prova e, como tal não poderiam dar-se como provados.
40.ª)
Tanto assim que, se ao elaborar as tabelas das remunerações pagas aos trabalhadores no domicílio, “in casu”, à Autora, a Ré efectivamente atendeu aos preços de mercado praticado para os fornecedores externos a quem também recorria, poderia e deveria juntar documentos dos preços que paga aos tais supostos ditos fornecedores externos para levarem a efeito as mesmas tarefas, mas a verdade é que não se dignou fazê-lo.
41.ª)
De todo o modo não podemos deixar de referir que a testemunha da Ré, G…, a instâncias do ilustre mandatário do Ré que lhe perguntou como é que a empresa remunerava este serviço, ao minuto 05:48 respondeu: “Nós tínhamos uma tabela que era por milheiro não é cada mil caixas os preços eram por milheiro…”.
42.ª)
Porém, se atentarmos nas tabelas juntas aos autos, mormente, a de fls. 34, entregue pela Ré à Autora, salvo o devido respeito, não é isso que resulta das mesmas, tudo nos levando a crer que a Ré fazia as tabelas sem atender ao que quer que fosse e, em menor medida, aos trabalhos realmente efetuados pelos trabalhadores no domicílio como é o caso da Autora (limpeza, escolha, corte, colagem e embalamento), considerando apenas e tão só os serviços de colagem manual de caixas, nada mais, devendo, em nossa humilde opinião, tal facto ser julgado não provado pela M.ma Juíza “aquo”.
43.ª)
Conforme consta do ponto 6 dos factos provados e resulta do documento 11 da p.i. (doc. de fls.11 v), em 5 de Março de 2012, a Ré enviou à Autora um certificado dos serviços por esta realizados a efeito no domicílio, atribuindo-lhe uma qualidade de 100%. Sempre foi assim ao longo dos cerca de oito anos que a Autora trabalhou no domicílio para a Ré!
44.ª)
Acresce que, a testemunha D…, ao minuto 08:26, confirmando que a Ré nunca proporcionou qualquer formação, ao minuto 08:35 expressou que a Ré também nunca pôs em causa o trabalho realizado, o que foi confirmado pela testemunha E… que ao minuto 21:36 referiu “Não não… os trabalhadores não tiveram meia hora que seja de formação”, dizendo ainda ao minuto 20:27 referiu: “Não nunca… nem podia ser porque as pessoas nunca foram notificadas de nada
45.ª)
E, portanto, do exposto em 42.ª e 43ª supra, resulta que, a Ré, mesmo nunca tendo proporcionado formação profissional adequada à Autora conforme estava obrigada (cfr. artigo 6.º da Lei 101/2009), conferiu ao seu trabalho uma qualidade de 100% (vide doc. de fls.11 v. - ponto 6 dos factos assentes -).
46.ª)
Por isso, o despedimento da Autora operado pela Ré, mediante a carta de 07.11.2013 (doc. 10 ds p.i. - fls.11), na qual, embora fazendo alusão à cessação do contrato de trabalho no domicílio com aviso prévio de 60 dias, expressa também que o termo da colaboração se deve a razões ligadas com o “Processo de Certificação de Qualidade”, salvo melhor opinião, configura um despedimento ilícito e infundado, operado pela Ré em violação do disposto no n.º 2 do artigo 10.º da Lei 101/2009 de 8 de Setembro, constituindo, em nosso modesto entender, um clamoroso abuso de direito por parte da Ré.
47.ª)
E, se alguma dúvida tivéssemos, a mesma dissipar-se-ia pelo depoimento da testemunha da Ré, I…, o qual como causa da Ré ter dispensado os serviços da Autora, ao minuto 07:06 referiu: “ Ora bem estava a começar a haver muito menos serviço em termos de encomendas deste género…
48.ª)
Tal depoimento atesta que o fundamento invocado pela Ré na no despedimento da Autora não é verdadeiro. Aliás, a ser verdadeiro tal fundamento invocado, o que de todo não aceitamos, sempre a Ré teria junto algum documento comprovativo de tal processo certificativo da qualidade, o que não logrou fazer!
49.ª)
Em bom rigor, nenhuma empresa organizada e com a dimensão da Ré trata destes assuntos, concretamente, “Processo de Certificação de Qualidade” de boca!
50.ª)
Sem esquecer que a mesma testemunha da Ré, I…, sobre a colagem manual de caixas de cartão, ao minuto 28:1 afirmou “Antes antes antes antes de dar de entregarmos o… o serviço às trabalhadoras esse serviço também era feito lá e continua a ser feito lá também” e que “ …quando há necessidade de fazer colagens e que as máquinas não suportam larguras em que a colagem seja automática essa colagem tem que ser sempre manual…” expressando ao minuto 28:45 que “ainda hoje…” a colagem manual de caixas continua a ser feito.
51.ª)
Perante tal depoimento somos forçados a tirar as seguintes conclusões: 1-Afinal, o serviço de colagem manual de caixas (o mesmo que a Autora fazia para a Ré no seu domicílio), ainda hoje continua a ser feito da mesma maneira; 2 -Pelas características das máquinas, a Ré continua a precisar de tais serviços, os quais, ainda hoje se fazem; 3 -O motivo invocado pela Ré na carta referida no ponto 4 dos factos provados (doc. 10 da p.i.) não corresponde à verdade, encontra-se despido de todo e qualquer fundamento e, portanto, o despedimento da Autora operado pela Ré configura, em nosso modesto entender um despedimento ilícito e, como tal, assim deveria ter sido declarado pelo Tribunal “ a quo”.
52.ª)
Por conseguinte, face à conjugação do disposto no n.º 2 do artigo 10.º da Lei 101/2009 de 8 de Setembro e, bem assim, do n.º 2 do artigo 11.º, o Tribunal “ a quo” deveria ter dado como provada a ilicitude do despedimento operado pela Ré e, em consequência, condená-la na indemnização ali prevista, que a Autora não recebeu, conforme referiu a testemunha F…, ao minuto 09:35 e, bem assim, a testemunha E… ao minuto 28:29, referindo ambos que após o despedimento a Ré nada pagou à Autora.
53.ª)
Nos termos já expostos supra, embora não conste da douta sentença recorrida, a Autora alegou que a Ré nunca lhe proporcionou formação profissional; ao longo dos quase oito anos que trabalhou para a Ré, a Autora sempre desenvolveu o seu trabalho com o máximo zelo, diligência e perfeição; por causa imputável à Ré, durante os quase oito longos anos que a Autora trabalhou para aquela, nomeadamente, entre Junho de 2006 a Abril de 2009 e Junho de 2009 a Novembro de 2013, registaram-se várias quebras na respetiva produção; na Segurança Social, a Ré sempre declarou as remunerações base da Autora como sendo subsídios, situação que não obstante as sucessivas reclamações desta, só foi regularizada mediante intervenção da própria Segurança Social no início de 2012 e que as situações acabadas de descrever, totalmente imputáveis ao comportamento culposo da Ré, acarretaram à Autora muita angústia e ansiedade, razões pelas quais, entre outros, a Autora peticionou danos morais no montante de € 5.000,00.
54.ª)
Ao contrário do que se entendeu na douta sentença recorrida que conclui pela ausência de prova quanto aos danos morais da Autora, os doc. de fls.7 a 8 v., atestam irregularidades praticadas pela Ré que causaram danos morais à Autora, resultando ainda prova quanto a tais danos do depoimento das testemunhas, D…, E…, F… e até da testemunha da Ré, I….
55.ª)
Sendo que, relativamente à falta de formação profissional, tal facto resulta dos depoimentos das testemunhas D…, a qual, ao minuto 08:26 referiu: “Pelo menos a mim não” e E… que ao minuto 21:36 expressou: “…os trabalhadores não tiveram, meia hora que seja de formação”.
56.ª)
Diz-nos a experiência comum que uma empresa com a dimensão da Ré teria que ter registos de eventual formação que tivesse proporcionado à Autora e, bem assim, às demais trabalhadoras no domicílio, documentos esses que, como é evidente, assim como a alegada formação, não existem!
57.ª)
No que concerne às quebras registadas na produção para além dos três meses e não remuneradas pela Ré, remetemos e damos aqui por reproduzidas integralmente as manifestações que expusemos quanto a este item no ponto 1) deste recurso.
58.ª)
E quanto à questão da participação das remunerações da Autora e segurança social pela Ré, diremos que assume aqui relevância o documento 2 da p.i. (doc. de fls 7 a 8 v.)
59.ª)
Ressalta com evidência deste doc. que de Abril a Dezembro de 2006, o salário da Autora foi participado pela Ré á Segurança Social como “REMUNERAÇÃO BASE”, a partir de Janeiro de 2007 até Maio de 2010, o salário da Autora foi participado à segurança Social como “SUBSÍDIO DE CARÁCTER REGULAR NÃO MENSAL”, em Junho de 2010, é participado como “REMUNERAÇÃO BASE”, de Julho de 2010 até Janeiro de 2012, volta a ser participado pela Ré como “SUBSÍDIO DE CARÁCTER REGULAR NÃO MENSAL” e a partir de Janeiro de 2012, depois de muita insistência e reclamação da Autora e, até, por ação da própria Segurança Social, volta a ser declarado como “RENUNERAÇAO BASE”.
60.ª)
Conforme já referimos, esta errada/ilícita comunicação da Ré para a Segurança Social, provocou danos morais à Autora, a qual conforme resulta da prova produzida supra transcrita, precisou de baixa médica e, em virtude dos salários serem declarados como “Subsídios de Carácter Regular Não Mensal”, não teve direito à mesma.
61.ª)
Ora, a Ré que emitia recibos de salário da Autora (cfr. doc. 3 a 9 da p.i. referidos no ponto 2 dos factos provados) e que, conforme consta dos mesmos, procedia aos descontos para a Segurança Social, bem sabia que tinha que participar os salários junto da Segurança Social como remunerações base, sob pena de causar danos à trabalhadora, aqui Autora.
62.ª)
No entanto, conforme resulta das folhas de remunerações (doc.2 da p.i. – referido no ponto 2 dos factos provados), durante anos (cfr. conclusão 59.ª) a Ré, empresa de grande dimensão e com escrita organizada, participou os salários da Autora como subsídios de carácter regular não mensal, o que impediu a Autora de aceder à baixa médica quando dela precisou.
63.ª)
É o que resulta do depoimento da testemunha F…, que ao minuto 11:01 referiu que quando precisou a Autora, aqui Recorrente, “…não teve direito a baixa”, sobre o porquê de tal situação ao minuto 11:06 respondeu: “Porque não pagavam para lá”, ao minuto 11:13 expressou que tinha ido com a Autora à Segurança Social nessa altura e que ali informaram “que não tinha direito a baixa e que de hoje para amanhã se quisesse ir para uma reforma que não tinha direito a nada” (minuto 11:07).
64.ª)
Para esclarecer esta anómala situação ilibando a Ré, melhor do que ninguém, seria a testemunha I… (Chefe dos serviços administrativos da Ré há já 41 anos). No entanto, quando lhe foi perguntado como é que participavam as remunerações dos trabalhadores no domicílio, “in casu” da Autora, ao minuto 11:14, referiu: “Inicialmente houve houve uma informação com um determinado código agora não posso não posso precisar se é o A se é o B se é o P não sei sei que todas as … houve uma comunicação da Segurança Social para fazer a correção e ela foi feita toda desde o início”, questionado sobre a advertência da Segurança Social no sentido de regularizar a situação, ao minuto 12:58, mais uma vez afirmou: “Para fazer a correcção e foi feita”. E mais à frente confrontado com o documento 2 da p.i. (doc. de fls.7 a 8 v.) ao minuto 16:33 voltou a afirmar: “Todos os X foram salvo o erro corrigidos é essa essa…” e ao minuto 19:40 reafirmou: “…o que seja X foi corrigido p’ra segurança social portanto e a porque tudo o que seja o X foi foi tudo corrigido”.
65.ª)
Porém, conforme documento que juntamos ao diante, datado de 30/04/2015 (doc. N.º 1), resulta que a situação da Autora junto da Segurança Social ainda não se encontra por regularizar, o que como é evidente, continua a causar danos à Autora.
66.ª)
E ainda no tocante aos danos morais, ao minuto 29:08 a testemunha, E…, referiu que “ … a D. B… ficou prejudicada…” e ao minuto 29:54 confirmou que a Autora andava nervosa e inquieta. Também a testemunha F…, ao minuto 15:09 afirmou “Ela toma medicação por causa da cabeça por causa desse trabalho que não ficou bem da cabeça”, ao minuto 15:23 referiu ainda: “Ela ficou abalada por causa disso” e ao minuto 15:28 confirmou que a Autora ainda hoje toma medicação.
67.ª)
Isto posto, parece-nos legítimo que a Autora tenha peticionado danos morais, os quais, salvo melhor opinião, face aos documentos de fls. 10, ou seja, a carta que a Ré enviou à Autora despedindo-a, em contraposição com o doc. de fls. 11, conjugados com os de fls.7 a 8 v., bem como, à prova produzida e supra transcrita, poderiam e deveriam ter sido dados como provados pela M.ma Juiza “a quo”.
68ª)
Alem disso, a indemnização por danos não patrimoniais, não tem que reportar-se exclusiva e necessariamente aos efeitos do despedimento ilícito, podendo também sustentar-se na violação culposa dos deveres contratuais por parte da entidade patronal durante a vigência do contrato.
69.ª)
Pelo que, ao contrário do que entendeu o douto Tribunal “a quo” cuidamos que a Autora foi injustamente atingida na sua dignidade de pessoa e de trabalhadora, sendo viável, a indemnização pelos danos morais que sofreu.
70.ª)
Por conseguinte, entendemos e, estamos crentes, assim doutamente se entenderá, que a douta sentença recorrida além de fazer errónea interpretação dos documentos e da prova testemunhal produzida em sede de julgamento nos pontos supra transcritos, foi proferida em violação do disposto nos artigos 5.º, 6.º, 7.º, 9.º, 10.º, n.º 2 e 11.º, n.º 2 da Lei 101/2009 de 8 de Setembro e, bem assim, do artigo 483.º e 496.º do C.Civil.
Termos em que, concedendo provimento ao recurso e, revogando a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que declare ilícito o despedimento operado pela Ré e, bem assim provados os demais pedidos formulados pela Autora, julgando, consequentemente, provada e procedente a ação por esta intentada, (…)”.
Juntou um documento (fls. 109 a 112).

A Recorrida contra-alegou, pugnando no sentido de ser desatendida a nulidade invocada, da rejeição do recurso quanto a parte da impugnação da decisão da matéria de facto e da improcedência do recurso.

A Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, sobre o qual as partes, notificadas, não se pronunciaram.

Colheram-se os vistos legais.
***
II. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância

“1 - FACTOS PROVADOS
1 - A Autora foi admitida ao serviço da Ré em 1 de Abril de 2006, para lhe prestar serviços de colagem, escolha, contagem e embalamento de caixas de cartão, em regime de prestação de trabalho no domicílio atividade que exerceu de forma contínua e ininterrupta, até 07/01/2014 (Art. 1º da petição inicial).
2 - Pelo exercício das suas funções a Autora foi remunerada com o salário de €155,63 em Janeiro de 2013; € 235,78 em Fevereiro de 2013; 147,42 €, em Março de 2013; € 223, 09 em Abril de 2013; € 558,24 em Maio de 2013; € 595,40 em Junho de 2013; € 584,47 e Setembro de 2013 (Art. 2º da petição inicial) – cfr. documentos juntos com a petição sob os nºs 2 a 9 (recibos de remuneração) e doc. nº 2 – extracto de remunerações, para os quais se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidos.
3 - A Autora exercia as ditas funções no seu domicílio, sito em Rua …, Bloco ., n.º .., R/C Esq., …, freguesia do concelho de Espinho (Art. 3º da petição inicial).
4 - Em 7 de Novembro de 2013, sob o assunto: “ Cessação do trabalho no domicílio com aviso prévio de 60 dias ”, a Ré enviou uma carta à Autora comunicando-lhe a cessação do contrato de trabalho, alegando como fundamento para o “…termo da colaboração …” “…razões ligadas com o processo de Certificação da Qualidade.” (Art. 4º da petição inicial e 3º da contestação) – cfr. doc. junto com a petição sob o nº 10, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido.
5 - Tendo a Autora deixado de trabalhar para a Ré desde então (Art. 5º da petição inicial).
6 - Conforme comunicação emitida pela R. em 5 de Março de 2012, enviada à A., sob o Assunto: “Avaliação de Fornecedores 2011”, ali consta: “No âmbito do sistema de Gestão da Qualidade implementado, vimos por este meio informar o v/resultado na avaliação de fornecedores, relativa ao ano de 2011” de onde consta o resultado de 100% em relação a cada um dos seguintes parâmetros: Prazo de entrega; Conformidade dos pedidos e Avaliação Global ( Art. 9º da petição inicial ) – cfr. doc. junto com a petição sob o nº 11, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido.
7 - A A. prestou serviço no seu domicílio para a R., de colagem manual de caixas de papel (materiais que a R. fornecia), incluindo limpar, cortar e colar, quando necessário, sem controlo da R., mediante remuneração (Art. 1º da contestação).
8 - A A. trabalhou para a R., como trabalhadora dependente, com a categoria de operadora de cartão canelado, de 1969 a finais dos anos 80, altura em que se demitiu por razões de saúde. (Art. 5º da contestação).
9 - A irmã da A., J…, é trabalhadora dependente da R., com a categoria de operadora de cartão canelado, desde 1973. (Art. 6º da contestação).
10 - A A. sabia que a R. fixava a remuneração dos trabalhadores no domicílio com base em tabelas, segundo o tamanho das caixas, e que esses valores incluíam todo o serviço prestado e os custos inerentes, nunca tendo a R. pago qualquer valor adicional a nenhuma trabalhadora no domicílio. (Art. 8º da contestação).
11 - Os valores das tabelas atendem aos preços de mercado praticados por fornecedores externos, a quem a R. também recorria. ((Art. 9º da contestação).
12 - A. pediu à A. para lhe dar trabalho para fazer em casa (Art. 10º da contestação).
13 - A A. recebeu as remunerações conforme o regime acordado até final, sem qualquer reclamação (Art. 11º da contestação).
*
NÃO PROVADOS
- Nas remunerações pagas à Autora pela Ré, esta nunca considerou os encargos relativos a energia, água, telefone, aquisição e manutenção dos equipamentos necessários e imprescindíveis ao exercício da actividade da Autora elevada a efeito no seu domicílio. (Art. 12º da petição inicial).
- Durante o período de 7 anos em que desenvolveu a sua atividade em benefício da Ré, a Autora teve os seguintes encargos nunca contemplados nas suas remunerações:
- eletricidade, a quantia média anual de € 180,00, num total de € 1.260,00 (€180,00X7 = € 1.260,00);
- água, a quantia média anual de € 20,00, num total de € 140,00 (€ 20,00X7 = €140,00);
- telefone, a quantia média anual de € 60,00, num total de € 420,00 (€ 60,00X7 = €420,00);
- equipamentos, nomeadamente, luvas, molas e tijolos, uma média anual de €123,60, num total de € 865,20 (€ 123,60X7 = € 865,20). (Art. 13º da petição inicial).
- Por causa imputável à Ré, durante os anos que a Autora trabalhou para aquela, nomeadamente, entre Junho de 2006 a Abril de 2009 e Junho de 2009 a Novembro de 2013, registaram-se várias quebras na respectiva produção, que a Ré nunca compensou (Art. 15º da petição inicial).”
*
Os demais factos alegados não se levam aos factos provados por não terem logrado obter adesão de prova ou serem displicentes à boa decisão da causa, ou ainda por conterem matéria conclusiva, repetida ou de direito.
Quanto aos factos não provados, consigna-se que nenhuma prova foi efectuada de molde a formar a convicção do tribunal, como adiante se explanará.
*
(…)”
***
III. Questão prévia

Com as alegações, a Recorrente juntou o documento de fls. 109 a 112, que consiste num extrato de remunerações emitido pela Segurança Social, que se reporta ao período de 2006/04 a 2014/02 e se encontra datado de 30.04.2015, documento esse a que a Recorrente se reporta na conclusão 65ª, na qual se diz que a situação da A. junto da Segurança Social “ainda não se encontra por regularizar”.
Tal redação - “ainda não se encontra por regularizar” - dever-se-á, certamente, ter ficado a dever a lapso de escrita, pois que: ou se diz que a situação ainda se encontra por regularizar [o que pensamos que corresponderá ao que a Recorrente pretendeu dizer] ou se diz que a situação já não se encontra por regularizar [ou que já se encontra regularizada].
Feito este aparte e partindo do princípio que a Recorrente pretendeu dizer que a situação “ainda se encontra por regularizar”, cabe apreciar da junção do referido documento.
Dispõe o art. 651º, nº 1, do CPC/2013 que “1. As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações a que se refere o art. 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância.”
Por sua vez, de harmonia com os arts. do referido diploma:
- Art. 423º: “1. Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. 2. Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 3. Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior. ”
- Art. 425º: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”.
No caso, a audiência de discussão e julgamento teve lugar aos 09.02.2015, sendo o documento em causa datado de momento posterior (30.04.2015). Não obstante, se, com ele, a A. pretende demostrar, como parece pretender, que a situação perante a Segurança Social não estaria ainda, em Abril de 2015, regularizada, há então que concluir que, à data do julgamento (09.02.2015), tal regularização também ainda não tinha ocorrido. Ora, assim sendo, deveria a Recorrente ter feito tal prova até à data do encerramento da audiência de discussão e julgamento, mormente através da junção de extrato da Segurança Social emitido até essa data, não se encontrando demonstrado, nem tão pouco alegada, qualquer impossibilidade dessa prova até ao encerramento do julgamento. Diga-se que a possibilidade de junção de documentos em fase posterior ao encerramento da audiência de discussão e julgamento apenas é admitida nos termos restritos previstos no citado art. 651º, nº 1, do CPC, não se destinando a facultar à parte a possibilidade de fazer a prova que deveria e poderia ter feito no momento processual adequado, mas que não fez.
De todo o modo, não podemos deixar de dizer que mal se compreende que pretenda a Recorrente, agora em sede recurso, provar que a situação contributiva ainda não estaria, em 2015, regularizada, quando foi ela própria quem alegou, no art. 24º da p.i. que “a Ré no que concerne à Segurança Social, sempre declarou as remunerações base da Autora como sendo subsídios, situação que não obstante as sucessivas reclamações desta, só foi regularizada mediante intervenção da própria Segurança Social no início de 2012”. Ou seja, foi a própria Recorrente quem, na petição inicial, alegou que a situação junto da Segurança Social foi regularizada no início de 2012.
Resta apenas esclarecer que a fls. 7/8 consta extrato de remunerações emitido pela Segurança Social, o qual foi junto com a p.i., de conteúdo idêntico ao documento ora em questão, salvo no que se reporta à data que dele consta como da sua emissão pela Segurança Social [o de fls 7/8, encontra-se apenas assinado pelo ISS, não contendo a data em que foi emitido, sendo que no de fls. 109 a 112 encontra-se aposta a data de 30.04.2015].
Assim, e porque extemporânea, não se admite a junção do documento de fls. 109 a 112, o qual deverá, oportunamente, ser desentranhado e devolvido à parte e a Recorrente condenada na multa de 1 (uma) UC, nos termos do art. 443º, nº 1, do CPC/2013.
***
IV. Fundamentação

1. Nos termos do disposto nos arts 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC/2013 (aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06), aplicável ex vi do art. 1º nº 2 al. a) do CPT (redação do DL 295/2009), as conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o objeto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
Daí que sejam as seguintes as questões suscitadas pela Recorrente:
- Nulidade da sentença;
- Impugnação da decisão da matéria de facto;
- Encargos suportados pela A.;
- Indemnização a que se reporta o art. 9º da lei 101/2009, de 08.09 [por “quebras na produção”];
- “Ilicitude do despedimento” e abuso de direito;
- Danos não patrimoniais;

2. Nulidade da sentença

Diz a Recorrente que: na p.i. alegou que a Recorrida não lhe deu formação profissional e, bem assim, que esta declarou à Segurança Social as remunerações daquela como sendo “subsídios”, situação que, não obstante as sucessivas reclamações da A., só foi regularizada mediante intervenção da Segurança Social no início de 2012, razão pela qual formulou o pedido de condenação no pagamento de €5.000,00 a título de indemnização por “danos morais”; sobre tais factos foi produzida prova testemunhal [que indica, transcrevendo segmentos dos depoimentos], assim como foi produzida prova documental quanto à questão da Segurança Social; não obstante, a sentença é totalmente omissa quanto a tais questões, pelo que se verifica a nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. d), 1ª parte, do CPC.

2.1. As alegadas nulidades, embora não hajam sido arguidas no requerimento de interposição do recurso [que, como se sabe, é dirigido à 1ª instância], foram todavia, em pagina a seguir a tal requerimento e após o endereço do recurso a esta Relação, imediatamente suscitadas e desenvolvidas, sob a epígrafe “Questão Prévia” e “Da nulidade da Sentença”.
Nos termos do art. 77º, nº 1, do CPT as nulidades de sentença devem ser suscitadas expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso.
Porém o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 304/2005, de 08.06.2005, DR II Série, de 05.08.2005, decidiu julgar inconstitucional tal norma na interpretação segundo a qual o tribunal superior não pode conhecer das nulidades de sentença que o Recorrente invocou numa peça única, contendo a declaração de interposição do recurso com referência a que se apresenta arguição de nulidades de sentença e alegações e, expressa e separadamente, a concretização das nulidades e as alegações, apenas porque o recorrente inseriu tal concretização após o endereço ao tribunal superior.
Ainda que a situação não seja inteiramente subsumível ao caso referido no mencionado Acórdão [já que, no requerimento de interposição do recurso não é feita referência à arguição de nulidades], ela é, todavia, muito similar, na medida em que, logo após o requerimento de interposição do recurso, a arguição é expressamente invocada e concretizada separadamente, sob a epígrafe “Questão Prévia” e “Da nulidade da Sentença” e com referência ao “comando do nº 1 do artigo 77º do CPT”.
Assim, entende-se ser de considerar tempestiva a arguição das invocadas nulidades de sentença.

2.2. Dispõe o art. 615º, nº1, al. d) do CPC/2013, que é nula a sentença quando: “d) O juiz dixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou (…)”.
A Recorrente parece confundir duas realidades distintas, como o são, por um lado, a nulidade de sentença por omissão de pronúncia e, por outro, o erro de julgamento, seja este quanto ao julgamento de facto, como quanto ao de direito. Aliás, tanto assim é, que a Recorrente invoca prova testemunhal para corroborar a alegada falta de formação profissional e prova documental para corroborar o que foi declarado à Segurança Social tudo com vista à questão do danos não patrimoniais, a significar que a sua alegação se prende com (eventual) erro de julgamento, mas não com omissão de pronúncia.
A sentença recorrida decidiu a matéria de facto nos termos acima referidos e, quanto aos danos não patrimoniais, nela referiu-se o seguinte:
“Impõe-se por fim analisar se a A tem direito, conforme peticiona, a uma indemnização por danos morais, alegadamente causados pelo comportamento do R.
Face a quanto antecede dúvidas não restam que não assiste à A. o direito a qualquer indemnização, não resultando demonstrados os requisitos exigidos para a procedência da responsabilidade civil da R. (cfr. art. 483º do C.C.).
Uma vez que resultou provado que a denúncia do contrato operada pela R. é lícita, improcede o peticionado quanto a danos não patrimoniais, sem necessidade de outros considerandos, por displicentes.”
Ou seja, pronunciou-se sobre o pedido relativo aos danos não patrimoniais, com o qual se prendia a factualidade em causa e a alegada nulidade de sentença, pelo que a mesma não se verifica.
Não estamos, pois, perante nulidades da sentença, mas sim (eventuais) erros de julgamento. Como o tribunal não se encontra vinculado à qualificação jurídica dada pelas partes, adiante abordaremos a questão na perspetiva da impugnação da decisão da matéria de facto.

2.3. De todo o modo, no que concerne à declaração de remunerações feita à Segurança Social, diga-se que no nº 2 da matéria de facto provada se remete para o extrato de remunerações que consta do documento que constitui fls. 7 e 8 dos autos, mais se referindo, em sede de fundamentação da decisão da matéria de facto, o seguinte: “No que concerne à situação das declarações à Segurança Social, consigna-se que em julgamento não foi efetuada prova apta a esclarecer o tribunal sobre as questões formais trazidas à lide pela A.”.
E, quanto à formação profissional, na sentença, em sede de fundamentação de direito, referiu-se o seguinte: “Comecemos por dizer que, não obstante a A. alegar na sua petição que não teve formação por parte da R., o certo é que a mesma nada reclama a este título, pelo que seria displicente apreciar fosse o que fosse em relação a este ponto em concreto. Todavia sempre se dirá que, do depoimento das testemunhas ouvidas e conforme acima explicitado em sede de motivação da matéria de facto, a R., efectivamente, ao chamar a A. e colegas para reuniões nas suas instalações, com o intuito de explicar como não fazer e ensinar a fazer, estava efectivamente a dar formação pelo que nada mais cumpre dizer a este propósito.”.
Ou seja, a sentença não é totalmente omissa sobre o que a Recorrente apelida de questões relativas à formação profissional e declarações de efetuadas à Segurança Social.

2.4. Improcede, pois, a arguida nulidade de sentença.

3. Impugnação da decisão da matéria de facto

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3.6. É, assim, a matéria de facto que se tem como assente, com as alterações por nós introduzidas [assinaladas a negrito]:
1 - A Autora foi admitida ao serviço da Ré em 1 de Abril de 2006, para lhe prestar serviços de colagem, escolha, contagem e embalamento de caixas de cartão, em regime de prestação de trabalho no domicílio atividade que exerceu de forma contínua e ininterrupta, até 07/01/2014 (Art. 1º da petição inicial).
2 - Pelo exercício das suas funções a Autora foi remunerada com o salário de €155,63 em Janeiro de 2013; € 235,78 em Fevereiro de 2013; 147,42 €, em Março de 2013; € 223, 09 em Abril de 2013; € 558,24 em Maio de 2013; € 595,40 em Junho de 2013; € 584,47 e Setembro de 2013 ( Art. 2º da petição inicial ) – cfr. documentos juntos com a petição sob os nºs 2 a 9 (recibos de remuneração) e doc. nº 2 – extracto de remunerações, para os quais se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidos.
3 - A Autora exercia as ditas funções no seu domicílio, sito em Rua …, Bloco ., n.º .., R/C Esq., …, freguesia do concelho de Espinho (Art. 3º da petição inicial).
4 - Em 7 de Novembro de 2013, sob o assunto: “ Cessação do trabalho no domicílio com aviso prévio de 60 dias ”, a Ré enviou uma carta à Autora comunicando-lhe a cessação do contrato de trabalho, alegando como fundamento para o “…termo da colaboração …”“…razões ligadas com o processo de Certificação da Qualidade.” (Art. 4º da perição inicial e 3º da contestação) – cfr. doc. junto com a petição sob o nº 10, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido.
5 - Tendo a Autora deixado de trabalhar para a Ré desde então (Art. 5º da petição inicial).
6 - Conforme comunicação emitida pela R. em 5 de Março de 2012, enviada à A., sob o Assunto: “Avaliação de Fornecedores 2011”, ali consta: “No âmbito do sistema de Gestão da Qualidade implementado, vimos por este meio informar o v/resultado na avaliação de fornecedores, relativa ao ano de 2011” de onde consta o resultado de 100% em relação a cada um dos seguintes parâmetros: Prazo de entrega; Conformidade dos pedidos e Avaliação Global (Art. 9º da petição inicial) – cfr. doc. junto com a petição sob o nº 11, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido.
7. A A. prestou serviço no seu domicílio para a R., de colagem manual de caixas de papel, incluindo limpar, cortar e colar, quando necessário, sem controlo da R., mediante remuneração (Art. 1º da contestação).
7-A – Para além do cartão para as caixas, cola e fio, a A., para execução do trabalho referido em 7, consumia eletricidade e água, utilizava molas e, por vezes, fazia telefonemas para a Ré.
7- B – A Ré entregava à A. o cartão para as caixas, a cola e o fio.
8. A A., em período muito anterior a 2006, havia trabalhado para a R., como trabalhadora dependente, havendo tal relação cessado por iniciativa da A. por razões de saúde.
9 - A irmã da A., J…, é trabalhadora dependente da R., com a categoria de operadora de cartão canelado, desde 1973. (Art. 6º da contestação).
10 - A A. sabia que a R. fixava a remuneração dos trabalhadores no domicílio com base em tabelas, segundo o tamanho das caixas, e que esses valores incluíam todo o serviço prestado e os custos inerentes, designadamente a eletricidade, água, telefone e molas, nunca tendo a R. pago qualquer valor adicional a nenhuma trabalhadora no domicílio.
11 - Os valores das tabelas atendem aos preços de mercado praticados por fornecedores externos, a quem a R. também recorria. (Art. 9º da contestação).
12 - A. pediu à A. para lhe dar trabalho para fazer em casa (Art. 10º da contestação).
13 - A A. recebeu as remunerações conforme o regime acordado até final, sem qualquer reclamação (Art. 11º da contestação).
14. A Ré, com referência ao período de abril de 2006 a fevereiro de 2014, declarou à Segurança Social as prestações que constam do documento que constitui fls. 7 e 8 dos autos, sendo que:
- com referência ao período de abril de 2006 a dezembro de 2006, mês de junho de 2006 e de janeiro de 2012 a novembro de 2013, os valores dele constantes encontram-se registados sob a designação de “remuneração de base”;
- com referência ao período de janeiro de 2007 a maio de 2010 e de julho de 2007 a dezembro de 2011, os valores dele constantes encontram-se registados sob a designação de “subsídio de carácter regular não mensal”.
- com referência ao mês de dezembro de 2013, não consta registo de remunerações;
- com referência aos meses de janeiro e fevereiro de 2014 dele constam registados valores designados de “equivalência por prestação de doença”.
15. É o seguinte o teor, que se passa a transcrever, do documento de fls. 11, referido no nº 4 dos factos provados:
“(…)
Assunto: CESSAÇÃO DO TRABALHO NO DOMICÍLIO COM AVISO PRÉVIO DE 60 DIAS
Exma. Senhora
Comunicamos-lhe que deixa de trabalhar no domicílio, para a C…, Ldª, findo o aviso prévio.
O termo da colaboração deve-se a razões ligadas com o processo de Certificação de Qualidade.
Com os nossos melhores cumprimentos, (…)”.

4. Dos encargos suportados pela A.

Tem a presente questão por objeto o pedido de pagamento dos encargos com eletricidade, água, telefone e materiais (luvas, molas e tijolos) que a Recorrente alegou haver suportado para o desempenho da sua atividade ao serviço da Ré e que não lhe terão sido, por esta, pagos.

Ao caso é aplicável a Lei 101/2009, de 08.09, que regula a prestação de atividade, sem subordinação jurídica, no domicílio, diploma este o invocado pela A./Recorrente e considerado na sentença recorrida, o que aliás não foi contestado, nem impugnado no recurso.
Na sentença, a propósito da questão ora em apreço, referiu-se o seguinte:
“Da leitura do art. 7º da lei já citada, resulta que os encargos peticionados pela A. só seriam pagos se não estivessem já contemplados e reflectidos no pagamento que a R. efectua. Ora, resultando que a A. era conhecedora do preço pago pela R. por cada caixa terminada e que a A. quis aderir ao sistema que a R. tinha implementado para o trabalho domiciliário, sistema que aceitou, nada mais pode exigir porquanto o valor acordado espelha e engloba todas as despesas que a A. tinha inerentes ao trabalho por si desenvolvido. Estando integrado no valor da remuneração da A. todos os custos que esta tinha pelo trabalho por si desenvolvido e provado em 1) dos Factos provados, sendo o valor do conhecimento da A. e por esta aceite, o valor que lhe foi pago encontra-se correctamente efectuado.”.
Dispõe o art. 7º, nº 1, als. a) e b), do mencionado diploma que: “1. Na determinação da remuneração do trabalho no domicílio, deve atender-se: a) Ao tempo médio de execução do bem ou serviço e à retribuição estabelecida em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável a idêntico trabalho prestado em estabelecimento em cujo processo produtivo se insere a actividade realizada ou, na sua falta, à retribuição mínima mensal garantida; b) Aos encargos do trabalhador inerentes ao exercício da actividade, nomeadamente relativos a energia, água, comunicações, aquisição e manutenção de equipamentos.”.
Do preceito transcrito decorre que a retribuição deverá atender a tais encargos, mas não já que estes tenham, necessariamente, que ser pagos de forma separada e autónoma.
O provimento do recurso, nesta parte, passava pela alteração da decisão da matéria de facto, pelo que, inalterada esta, improcede o recurso quanto a esta questão, concordando-se com as considerações tecidas na sentença e acima transcritas.
Com efeito, a A. era remunerada mediante o pagamento de determinada quantia por caixa, sendo que o preço estipulado pela Recorrida e que foi aceite pela Recorrente já englobava os custos inerentes à execução da atividade que a A. levava a cabo.
Assim e nesta parte, improcedem as conclusões do recurso.

5. Da indeminização a que se reporta o art. 9º da lei 101/2009, de 08.09 [por “quebras na produção”]

A Recorrente, invocando o disposto no art. 9º, nº 1, da citada Lei 101/2009 e a redução de atividade por causa imputável à Recorrida alegadamente demonstrada pelos montantes das retribuições declaradas à Segurança Social, reclamou o pagamento da quantia global de €16.263,77 [€7.162,10 referente ao período de junho/2006 e abril/2009 e de €9.101,67 referente ao período entre junho/2009 e novembro/2013, montantes esses que, diz, correspondem a metade da remuneração total auferida em tais períodos “não considerando os primeiros três meses de quebra”].
Dispõe o citado preceito que “1. A suspensão ou redução da actividade por facto imputável ao beneficiário desta, não recuperada nos três meses seguintes, confere ao trabalhador no domicílio o direito a compensação pecuniária por forma a perfazer, em relação ao período em causa, metade da remuneração que lhe corresponda ou, não sendo possível o seu apuramento, metade da remuneração média dos últimos 12 meses, ou dos meses de execução de contrato de duração inferior”.
Na sentença recorrida julgou-se improcedente tal pedido, para tanto referindo-se o seguinte:
“Quanto à questão das quebras de produção: quer os recibos de remunerações juntos pela A. quer o extracto de remunerações prova que a A. todos os meses recebeu remuneração paga pela R.. Mais resulta que aquela remuneração variou, sendo os valores variáveis pela natureza do próprio trabalho, - conforme resulta dos factos provados e da explicação dada pelas testemunhas em julgamento (cfr motivação acima alinhada), - pois não havia trabalho fixo, a remuneração variava em função da variação da quantidade do trabalho desenvolvido pela A..
A A. não aduz qualquer prova que justifique o direito a receber a compensação prevista no art. 9º da Lei 101/09 (falta de pagamento não recuperadas nos três meses seguintes). Nos termos do preceituado no Art. 9º, o ónus da prova é do trabalhador. A lei fala no “período em causa”. Mas que período? A A. não alega, muito menos faz prova da existência de suspensão ou redução de actividade imputada à R., coincidente com determinado período.
Pelo contrário, o que resulta provado é que a variação da remuneração da A. está relacionada directamente com a quantidade de trabalho desenvolvida por esta, não sendo invocado e concretizado pela A. a suspensão ou redução da actividade contratada pela R. e por culpa desta.”.
Concorda-se, no essencial, para a fundamentação transcrita, remetendo-se ainda para o que, a propósito desta questão, dissemos em sede de reapreciação da decisão da matéria de facto no ponto 3.5.2. e de onde resulta que não fez a Recorrente prova dos pressupostos do direito à compensação prevista no citado art. 9º, nº 1, mormente da existência de reduções de atividade, não recuperadas nos três meses seguintes aos da(s) alegada(s), mas não concretizadas, quebra(s), que fossem imputáveis à Recorrida.
Improcedem, assim e nesta parte, as conclusões do recurso.

6. Da “ilicitude do despedimento” e do abuso de direito

Reitera a Recorrente a questão da alegada “ilicitude do despedimento”, alegando em síntese que: a Recorrida não lhe facultou formação profissional; não obstante, conferiu ao trabalho da Recorrente uma qualidade de 100%; apesar da referência ao aviso prévio de 60 dias, invocou também para justificar o termo da colaboração razões ligadas ao “Processo de Certificação de Qualidade”; este fundamento não é verdadeiro, pelo que, nos termos do art. 11º, nº 2, da Lei 101/2009, o “despedimento” operado pela Recorrida deve ser considerado “ilícito” e esta ser, em consequência, condenada na indemnização prevista no citado preceito.

Na sentença recorrida referiu-se, a este propósito, o seguinte:
“Conforme resulta do manancial fáctico provado, a R. enviou à A. uma carta, em 7/11/2013, com efeitos para dali a 60 dias, a pôr termo ao contrato, por meio de denúncia (cfr. nº 2 do art. 10º do DL 101/09). Conforme decorre da leitura deste preceito, a denúncia do contrato no domicílio precedida do aviso prévio correspondente, não carece de qualquer motivo, sendo pois irrelevante o motivo que a R. invocou apara a cessação do mesmo.
Ora, fazendo a subsunção dos factos provados à legislação aplicável, resulta incontornável que a R. lançou mão do previsto no Art. 10º, nº 2 da lei 101/09 de 8 de Setembro, que regula o trabalho no domicílio, tendo respeitado os formalismos ali preceituados. Termos em que se conclui pela licitude da cessação levada a cabo pela R., não havendo pois lugar a qualquer indemnização ou compensação pela cessação do contrato, por não verificados quaisquer requisitos estipulados no Art. 11 do mesmo diploma legal.”.

Estamos, no essencial, de acordo com as considerações tecidas na sentença recorrida.
Dispõem os arts. 10º e 11º da Lei 101/2009 que:
Artigo 10º
Cessação do contrato
1. O trabalhador pode denunciar o contrato mediante comunicação escrita com a antecedência mínima de 7 ou 15 dias, consoante o contrato tenha durado até seis meses ou mais de seis meses, respectivamente, salvo se tiver incumbência de trabalho em execução, caso em que o aviso prévio se refere ao termo da execução com o máximo de 30 dias.
2. O beneficiário da actividade pode, mediante comunicação escrita com a antecedência mínima de 7, 30 ou 60 dias, consoante o contrato tenha durado até seis meses, até dois anos ou por período superior, respectivamente, denunciar o contrato para o termo de execução da incumbência de trabalho ou resolver o contrato por motivo justificativo não imputável a qualquer das partes.
3. Qualquer das partes pode resolver o contrato por motivo de incumprimento da outra parte, mediante comunicação escrita e sem necessidade de aviso prévio.
4. Salvo acordo em contrário, a falta de trabalho que origine a inactividade do trabalhador por prazo superior a 60 dias consecutivos implica a caducidade do contrato a partir desta data, desde que o beneficiário da actividade comunique por escrito a sua ocorrência.
5. Em caso de cessação do contrato, se o trabalhador recusar a devolução dos instrumentos de trabalho ou outros bens pertencentes ao beneficiário da actividade é responsável pelos danos causados, sem prejuízo da responsabilidade penal a que houver lugar pela violação das obrigações do fiel depositário.
Artigo 11.º
Indemnização e compensação
1. A inobservância de prazo de aviso prévio previsto no artigo anterior confere à outra parte o direito a indemnização no montante da remuneração correspondente ao período de aviso prévio em falta.
2. A insubsistência dos motivos alegados pelo beneficiário da actividade para resolução do contrato, nos termos dos n.os 2 ou 3 do artigo anterior, confere ao trabalhador o direito a indemnização igual a 60 ou 120 dias de remuneração, consoante o contrato tenha durado até dois anos ou mais de dois anos, respectivamente.
3. Em caso de caducidade do contrato nos termos do n.º 4 do artigo anterior, o trabalhador tem direito a compensação igual a 60 ou 120 dias de remuneração, consoante o contrato tenha durado até dois anos ou mais de dois anos, respectivamente.
4. Para efeitos de cálculo de indemnização ou compensação, toma -se em conta a média das remunerações auferidas nos últimos 12 meses ou nos meses de execução do contrato, caso seja de duração inferior.
Como decorre dos citados preceitos, o beneficiário da atividade pode, por sua iniciativa, fazer cessar o contrato de prestação de atividade no domicílio por denúncia ou resolução. Consubstanciam, ambas as formas de cessação, declarações de vontade unilaterais, porque não dependem da aceitação da outra parte, e de natureza receticia, na medida em que produzem efeitos quando chega ao conhecimento do destinatário.
Na denúncia, o legislador não faz depender a cessação do contrato de qualquer razão justificativa da mesma, a qual, independentemente de qualquer motivação, poderá sempre ter lugar, devendo porém ser observado o aviso prévio previsto na norma sob pena de, a sua inobservância, conferir à outra parte o direito a uma indemnização no montante da remuneração correspondente ao período do aviso prévio em falta.
Quanto à resolução, ela ocorrerá quando, existindo motivo justificativo não imputável a qualquer das partes ou por motivo de incumprimento da outra parte, o contraente pretenda fazer cessar imediatamente o contrato, sem necessidade de concessão do aviso prévio, sendo que, neste caso, a insubsistência dos motivos alegados pelo beneficiário da atividade para a resolução, confere ao trabalhador o direito a ma indemnização igual a 60 ou 120 dias de remuneração, consoante o contrato tenha durado até dois anos ou mais de dois anos.
Ou seja, desde logo e no rigor da terminologia, não se mostra correta a invocação pela Recorrente da existência de um “despedimento ilícito”, figura esta contemplada no Código do Trabalho para os contratos de trabalho e que tem um conteúdo e natureza jurídica diversos.
Feita tal observação, no caso, o contrato cessou, não por resolução, mas sim por denúncia através da carta datada de 07.11.2013 e na qual se refere que a cessação produziria efeitos findo o aviso prévio de 60 dias, decorrendo ainda do nº 1 dos factos provados, tal como aliás alegado pela A., que a relação contratual se manteve até 07.01.2014.
E tal denuncia não é descaracterizada pela circunstância de, nessa carta, a Recorrida ter aludido a “razões ligadas com processo de Certificação da Qualidade” como razão para a cessação do contrato. Trata-se, tão-só, de uma justificação, que nem seria necessária, sendo que foi concedido o aviso prévio de 60 dias, o que tanto basta para que a cessação opere os seus efeitos sem direito a qualquer indemnização.
Como se disse, a denúncia pode ter lugar independentemente de qualquer motivação ou razão justificativa, pelo que são irrelevantes as considerações tecidas pela Recorrente no sentido de sustentar que a razão invocada para a cessação seria injustificada e que, por isso e nos termos do nº 2 do citado art. 11º, teria direito à indemnização neste prevista. Ao caso não é aplicável o nº 2 desse preceito, uma vez que o contrato cessou por denúncia e não por resolução.

6.1. Alude também a Recorrente a “um clamoroso abuso de direito por parte da Ré” (cfr. conclusão 46ª).
Para além do que consta das conclusões e da referência ao mencionado abuso de direito, considerações que são similares às que constam do corpo das alegações, pouco ou nada mesmo mais alega a Recorrente, já que faz assentar o alegado abuso de direito na mesma fundamentação invocada para o que designou de “despedimento ilícito”, fundamentação essa já acima referida. Diga-se que a Recorrente, quanto a ambas as questões – “ilicitude do despedimento” e abuso de direito -, se espraia na transcrição de excertos do depoimento de uma testemunha (I…) para concluir que a colagem manual das caixas ainda hoje continua a ser feita da mesma maneira e que pelas características das máquinas a Ré continua a precisar de tais serviços.
Como se disse, a cessação do contrato operou-se por denúncia, e não por resolução, sendo que a denúncia pode ter lugar independentemente de qualquer motivo ou razão justificativa, pelo que se mostram irrelevantes as considerações tecidas no sentido de que a cessação seria injustificada.
E o mesmo se diga quanto ao abuso de direito.
De harmonia com o disposto no art. 334º do Cód. Civil “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”.
A Recorrente limita-se a aludir ao abuso de direito, sem qualquer outro desenvolvimento no sentido de o demostrar ou enquadrar em alguma das situações contempladas do preceito.
De todo o modo, diremos que não se vislumbra que a denúncia do contrato em causa exceda, muito menos manifestamente, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito.
O abuso de direito pressupõe a existência do direito; só que o seu exercício, porque excedendo os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, é considerado ilegítimo. Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume I, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 297, “a nota típica do abuso do direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que deve ser exercido.”. E, segundo Almeida Costa, Direito das Obrigações, 1979, Almedina, pág. 58/59 ocorrerá tal figura quando um certo direito – em si mesmo válido – seja exercido em termos que ofendam o sentimento de justiça dominante na comunidade social.
Tal instituto constitui uma válvula de escape do sistema aplicável às situações em que, pese embora a existência do direito, o seu exercício se mostraria intolerável face aos referidos limites.
No caso, não vislumbramos o alegado abuso de direito.
A lei confere ao beneficiário da atividade a faculdade de, com aviso prévio, denunciar o contrato, independentemente de qualquer motivo ou justificação, sendo que a Recorrida se limitou a recorrer a tal possibilidade, não se vendo que tal seja clamorosamente ofensivo dos mencionados limites; e, isto, diga-se que, mesmo que, porventura, a Ré tivesse continuado a carecer de recorrer à colagem de caixas, seja nas suas instalações, seja fora das mesmas. Resta dizer que o abuso de direito não constitui, nem pode constituir, panaceia ou remédio para toda e qualquer discordância ou inconformismo decorrente da aplicação da lei.
Improcedem, assim, e nesta parte as conclusões do recurso.

7. Dos danos não patrimoniais

A Recorrente, na petição inicial, para fundamentar o direito à indemnização por danos não patrimoniais, alegou que sofreu “muita angústia e ansiedade” em consequência da falta de formação profissional, da cessação do contrato sob a imputação infundada e injusta de falta de qualidade no serviço prestado, da declaração à Segurança Social da retribuição da A. como sendo “subsídios” e do não pagamento dos trabalhos de escolha, contagem e embalamento do produto (uma vez que, segundo diz, a remuneração paga apenas considerava o trabalho de colagem).

Dispõe o art. 483º do Cód. Civil que “1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação” e, o art. 496º do mesmo diploma que “1- Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
São quatro os requisitos da tutela dos danos não patrimomniais: (a) comportamento ilícito e culposo do agente; (b) existência de danos; (c) que esses danos, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito; (d) que se verifique um nexo causal entre aquele comportamento e o dano, por forma a que este seja daquele consequência.
Referem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, Vol. I, 4ª ed., p. 499 que “a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjetivos (…)”.
Por outro lado, não é qualquer dano que justifica a sua ressarcibilidade, devendo o mesmo mostrar-se de tal forma grave que justifique a tutela do direito, com essa gravidade não se compaginando, como tem sido entendido, os meros incómodos e os sentimentos de desgosto e tristeza.
Por fim, era à Recorrente que que incumbia o ónus da prova dos requisitos do direito à indemnziação por danos não patrimoniais por se tratar de matéria constitutiva do direito de que se arroga titular – art. 342º, nº 1, do Cód. Civil..

7.1. Revertendo ao caso em apreço:
Desde logo, não decorre dos factos provados que a A. haja sofrido os danos que invoca – “muita angústia e ansiedade” – e, mesmo que tivesse sido feita prova da ansiedade e da angústia, não se nos afigura que, só por si, constituam gravidade suficiente a reclamar a tutela do direito.
De todo o modo:
Quanto à alegada falta de formação profissional não foi feita prova da mesma, pelo que não foi feita prova de comportamento ilícito da ré; mas, mesmo que tivesse sido feita prova da alegada falta de formação, não foi, de todo em todo, feita prova do nexo causal entre essa falta de formação e os alegados danos.
Quanto à alegada cessação do contrato sob a “imputação infundada e injusta de falta de qualidade no serviço prestado”: como já referido, o contrato cessou validamente por denúncia operada pela Ré com concessão do aviso prévio legalmente estipulado, pelo que não existe comportamento culposo da Recorrida. E quanto à alegada “imputação infundada e injusta de falta de qualidade no serviço prestado” esta é uma conclusão que a Recorrente retira, porém sem qualquer suporte fático, mormente sem qualquer suporte no teor da carta em que a Ré comunica a cessação (carta de fls. 11), na qual apenas se alude ao “processo de Certificação de Qualidade”, não se vendo em que medida e como é que tal constituiria imputação à A. de “falta de qualidade no serviço prestado”, tratando-se, como se tratam de realidades distintas. Não se descortina, pois, qualquer comportamento ilícito, para além que não foi feita prova do nexo causal entre a alusão ao “processo de Certificação de Qualidade” e os invocados danos.
Quanto à declaração à Segurança Social da retribuição da A. sob a designação de “subsídios”, decorre efetivamente do extrato de remunerações de fls. 7/8 que, no período de janeiro de 2007 a dezembro de 2011, as quantias pagas à A. foram declarada à Segurança Social sob a designação de “subsídios de carácter regular não mensal”. Tal não basta, todavia, para fundamentar o direito a indemnização por danos não patrimoniais, sendo que não foi feita prova do nexo causal entre tal facto e os alegados danos (ansiedade e angustia). Acresce dizer que não foi feita prova de que A., devido à mencionada designação, tivesse ficado impedida de aceder a subsídio de doença, facto este apenas alegado pela Recorrente em sede de recurso, assim como não foi feita prova do nexo causal entre este (eventual) facto (não recebimento do subsídio de doença) e os danos invocados.
Quanto ao alegado não pagamento dos trabalhos de escolha, contagem e embalamento do produto (uma vez que, segundo diz, a remuneração paga apenas considerava o trabalho de colagem) não foi feita prova de tal facto, isto é, de que tarefas tivessem ficado em dívida e, muito menos, foi feita prova do nexo causal entre esse (eventual) facto e os danos invocados.
Assim sendo, improcedem, também nesta parte, as conclusões do recurso.
***
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Porto, 18.01.2016
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Maria José Costa Pinto