Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1133/13.9PHMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ CARRETO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
CONCEITOS VAGOS E IMPRECISOS
FACTOS GENÉRICOS
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
Nº do Documento: RP201507081133/13.9PHMTS.P1
Data do Acordão: 07/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I – O processo penal, atenta a sua natureza acusatória e sendo regido pelos princípios da tipicidade e da legalidade, impõe particulares exigências ao nível da certeza, da clareza, da precisão e da completude dos atos imputados, de forma que o arguido deles se possa eficazmente defender.
II – O crime de Violência doméstica não é, nem pode ser, um crime que, no final da vivência em comum de duas pessoas, vistoriando retroativamente, vá julgar o modo como o casal viveu a vida em comum e puni-los como se fosse um crime de "regime”.
III – Assim à luz do bem jurídico protegido (que legitima constitucionalmente a existência da incriminação) os factos devem apresentar-se para a vítima como dotados de um especial desvalor, pondo em causa a dignidade da pessoa enquanto tal nomeadamente pelo desejo de domínio da relação familiar existente.
IV – Inexiste uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia relevante – a exigir a comunicação prevista no n.º 1 do art. 358.º do CPP – se os factos provados são menos do que os que consta da acusação ou pronúncia.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec nº 1133/13.9PHMTS.P1
TRP 1ª Secção Criminal

Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto

No Proc. C.S. nº 1133/13.9PHMTS do Tribunal da Comarca do Porto
Matosinhos - Instância Local - Secção Criminal – J3 foi julgado o arguido
B......

A Assistente/Demandante C...... formulou pedido de indemnização civil, pedindo a condenação do arguido/Demandado no pagamento da quantia de €20.000, acrescida dos juros de mora desde a citação até integral e efectivo pagamento, a título de danos não patrimoniais;
A unidade local de saúde de matosinhos, e.p.e., deduziu pedido de indemnização civil contra o demandado B...... pedindo a sua condenação, na quantia de €85,91, relativa à assistência prestada a C.......

Após julgamento por sentença de 16/2/2015 foi proferida a seguinte decisão:
“Pelo exposto, julgo a PRONÚNCIA provada e procedente e, em conformidade:
Condeno o arguido B...... pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º n.º 1, al. a), e n. 2, do Código Penal, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, artigos 50.º, n. 1 e 2, do CP.
Condeno o(a) Demandado(a) B...... a pagar ao(à) demandante(s) C......, a quantia de €3.500, a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora, computados à taxa legal que em cada momento vigorar - cfr. arts. 559.º, n.º 1, 566.º, 804.º, 805.º, n.º 3, e 806.º, n. 1, do Código Civil, a partir da decisão.
No mais, vai absolvido.
Condeno o(a/s) Demandado(a/s) B...... pagar ao(à) demandante(s) UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DE MATOSINHOS, E.P.E., a quantia de €85,91, acrescida dos respectivos juros de mora.
Condeno, ainda, o(a/s) arguido(a/s) no pagamento das custas, cuja taxa de justiça fixo em 2 UC, art. 8.º, n. 9, do RPC e 513.º, 514.º, do CPP.
São devidas custas cíveis, art. 4º, al. n), do RCP, art.º 523.º, do CPP e art. 527.º, n. 1 e 2, do CPC, por Demandado(a/s) e Demando(a), na proporção do decaimento.”

Recorre o arguido o qual no final da sua motivação apresenta conclusões das quais resultam as seguintes questões:
- erro notório na apreciação da prova;
- insuficiência da matéria de facto;
- impugnação da matéria de facto;
- qualificação jurídica
- pedidos de indemnização civil;

O MºPº respondeu ao recurso pugnando pela manutenção da decisão;
A assistente respondeu defendendo a decisão
Nesta Relação o ilustre PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso;
Foi cumprido o artº 417º2 CPP

Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à conferência
Cumpre apreciar.
Consta da sentença recorrida (transcrição):
2. fundamentação
factos provados
1. O arguido B...... e a ofendida C...... conheceram-se no ano de 1996 e contrariam casamento entre si a 30/07/1999.
2. Fruto desse casamento, tiveram dois filhos – D......, nascido em 09/07/2003 e E......, nascido em 03/11/2009.
3. Após contraírem casamento, o arguido e a ofendida inicialmente habitaram na rua …., no Porto, e após fixaram residência na rua …., nº …, …º esquerdo, …., Matosinhos, onde coabitaram até 15/9/2013.
4. O arguido tem uma personalidade controladora e possessiva em relação à ofendida, controlando o seu telemóvel e contas pessoais.
5. Ao longo da relação, em diversas ocasiões, o arguido dirigiu à ofendida as seguintes expressões: ‘Não vales nada como mãe nem como mulher, tens amantes, puta’; ‘és uma frustrada porque não conseguiste tirar o curso’.
6. No ano de 1998, quando ainda mantinham uma relação de namoro, o arguido agrediu a ofendida com socos e pontapés o que lhe determinou o internamento hospitalar entre o dia 4 a 9 de Setembro.
7. Em data não concretamente apurada, quando passavam férias no Algarve, o arguido ameaçou a ofendia que lhe batia, levantando-lhe a mão com o propósito de a assustar, só não tendo concretizado os seus intentos por esta lhe dizer que faria queixa de si, o que prejudicaria a sua carreira militar.
8. Em Fevereiro de 2013, quando a ofendida se encontrava fragilizada em virtude de uma intervenção cirúrgica a que se submeteu, o arguido abeirou-se de si e apertou-lhe o pescoço com as duas mãos.
9. Numa outra ocasião, na cozinha da habitação, o arguido, muniu-se de uma placa do exaustor que se encontrava caída e atingiu a ofendida nas costas com tal objecto.
10. No dia 15/9/2013, pelas 22h40, no interior do domicílio de ambos, o arguido, na sequência de se ter desentendido com a ofendida, abeirou-se da mesma e colocou-lhe as mãos no pescoço apertando-o.
11. Após, atirou a ofendida para o chão, sentando-se sobre a mesma sem lhe largar o pescoço, só parando na sequência de o filho menor D...... ter ameaçado ir à cozinha buscar uma faca para se matar.
12. Perante tal atitude do menor D......, o arguido dirigiu-se para a cozinha atrás do mesmo, altura em que a ofendida se pôs em fuga para casa de uma vizinha.
13. Na sequência da conduta do arguido descrita em 10) e 11), a ofendida, além de dores, sofreu as seguintes lesões:
● Pescoço: equimose avermelhada com 5 cm de diâmetro na face posterior junto ao crânio. Equimose avermelhada com 5 por 3,5 cm na face posterior á esquerda. Equimose linear com escoriação, com 3 cm de comprimento na face lateral direita. Equimose avermelhada com 6 por 2,5 cm com 4 escoriações lineares com 1 cm na face anterior do pescoço á direita (supraclavicular);
● Tórax: equimose avermelhada com 1 cm de diâmetro com escoriação linear central. Na região esternal no terço superior. Equimose com 1 cm de comprimento avermelhada sobre a espinha da omoplata esquerda. Equimoses avermelhadas paralelas com 3 cm de comprimento, distando 1 cm umas das outras, na face posterior do hemitórax esquerdo. Equimose arroxeada com 7 por 4 cm na base posterior do hemitórax direito;
● Membro superior direito: equimose arroxeada com 1,5 cm de diâmetro na face posterior do ombro. Equimose avermelhada com 1 cm de diâmetro na face posterior do cotovelo. Equimose avermelhada com 1 cm de comprimento no terço inferior da face posterior do antebraço;
● Membro superior esquerdo: equimose arroxeada com 3 cm de diâmetro na face posterior do antebraço”.
14. Tais lesões determinaram necessária e directamente à ofendida 8 (oito) dias para a cura, 5 (cinco) deles com afectação da capacidade de trabalho geral e com afectação da capacidade de trabalho profissional.
15. Ao praticar as condutas supra referidas, o arguido tinha consciência de que molestava corporalmente e psicologicamente a ofendida e que lhe dirigia, de forma reiterada, palavras ofensivas da sua honra e consideração.
16. O arguido não se coibia de praticar tais fatos na frente dos seus filhos menores.
17. O arguido agiu livre, deliberada e consciente.
18. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

19. Em consequência da conduta do arguido descrita em 10) e 11), o(a) ofendido(a) foi assistido(a) na unidade local de saúde de matosinhos, e.p.
20. Tal assistência importou em €85,91.
21. Na sequência da(s) conduta(s) do arguido descrita(s) em 4) a 11) o(a) ofendido(a) sofreu, angustia, revolta, humilhação, desânimo e tristeza, deixando de conviver como o fazia até então.

22. O arguido foi militar durante 26 anos, constando da sua folha de matrícula louvores e condecorações, encontrando-se, presentemente, na reserva.
23. Recebe €1.030 mensais.
24. Vive em casa própria.
25. Paga de prestação de empréstimo à habitação €300.
26. Tem 4 filhos de 5, 11, 20 e 22, anos de idade, integrando o seu agregado os dois mais novos. Os dois mais velhos estudam, um na universidade de medicina, fora do país, e outro no país, a quem paga a prestação de €150 de alimentos.
27. É advogado estagiário e Mestre em Direito Administrativo.
28. É considerado pelos vizinhos e conhecidos como pessoa pacífica, educada, calma e respeitadora.
29. O arguido não regista condenações.

factos não provados.
30. Que o arguido, desde sempre, ameaçava a ofendida que a matava.
31. Que a assistente é pessoa temperamental, impulsiva, conflituosa e agressiva.
Não se provaram outros factos com interesse para o objecto deste processo.

motivação de facto
A convicção do tribunal formou-se com base na análise conju1gada e crítica, da prova produzida e carreada para os autos, nomeadamente, no auto de denúncia de fls. 3, aditamento de fls. 44, auto de apreensão de fls. 45, relatório de entrevista social, 34, relatório da perícia de avaliação do dano corporal, de fls. 39 (C.....), avaliação de risco de fls. 48, estatuto de vitima 51, auto de exame (armas), de fls. 57, informação clínica de fls. 93, relatório observação psicológica de fls. 94 (menor D......), auto de apreensão de fls. 102, fotogramas de fls. 109 a 105, factura de 114/118 (Câmara) e respectivo pedidos de encomenda, ficha de urgência de fls. 121, fichas de urgência e relatórios médicos do Hospital Militar da C....., de fls. 160-197 e 201 a 203, onde se incluem os relativos ao internamento do ano de 1998, fls. 192 a 193 e 202, relatório da perícia de avaliação do dano corporal e ficha de urgência, (Alcides), de fls. 232 e 235, exame toxicológico de fls. 245, certidão de fls. 273/274, relatório de perícia psicológica, de fls. 344, factura hospitalar, de fls. 521, certidão de 524, ficha de matricula, do Ministério da Defesa Nacional, Exercito Português, de fls. 689, CRC de fls. 587. Com os meios de prova atrás indicados, foram conjugados o(s) depoimento(s) da(s) testemunha(s) ouvida(s), F......, G......, H......, I......, J......, K......, L....., M..... e N....., assim como as declarações do(s) assistente C..... e arguido(s) B....., apreciando-as à luz das regras da experiência e da livre apreciação (art. 127.º, do CPP).

Factos assentes em 1) a 3)
Atentou-se nas declarações conjugadas da assistente C..... e do arguido B..... para prova da data da celebração do casamento entre si, do nascimento dos filhos em comum e do local onde fixaram residência, em conformidade com a certidão junta a fls. 273/274.

Factos assentes em 4) a 5)
Foram relevantes as declarações da C....., para prova de que o arguido era um homem controlador da sua vida pessoal e profissional, desde a instalação do GPS no seu telefone, sabendo, assim, sempre onde se encontrava, passando pelos extractos bancários, da sua conta, que nem era titular, até à colocação de câmaras de vigilância no escritório e em casa, o que descobrira quando o mesmo foi em peregrinação para Santiago de Compostela, que culminara com o episódio ocorrido em 15/9/2913. Durante as discussões era habitual chamar-lhe puta, que tinha amantes, principalmente quando fazia caminhadas que dizia que ia encontrar-se com homens, que era uma frustrada, uma incompetente e uma má mãe, salientando que a forma como o arguido olhava para si, acrescentando que nessas alturas sabia exactamente o que ia acontecer de seguida.
Foram, também, relevantes os depoimentos das testemunhas L....., M....., N…., respectivamente, cabeleireira/esteticista, amiga do casal e amiga da assistente, que confirmaram a pressão psicológica que o arguido exercia sobre a C…., através de chamadas telefónicas e sms, persistentemente, com o intuito de saber onde se encontrava, mesmo após escassos momentos após ter saído de casa, demonstrando as duas últimas conhecimento do conteúdo de algumas sms que leram, onde o arguido lhe chamava ‘puta’, sabendo mais tarde pela C..... que o mesmo sabia de todos os passos que dava através do GPS do seu telemóvel.
No que tange às marcas relativas às agressões perpetradas pelo arguido, tal como constam da acusação, as quais não foram presenciadas por nenhuma das testemunhas de acusação ouvidas em julgamento, foi esclarecedor o depoimento da L....., que lhe fazia a depilação, uma vez por mês, assim como massagens, por vezes, e assinalou que as viu em três momentos distintos, sendo um em que viu hematomas na perna e braços, outro viu-lhe um dos dedos ligado (compatível com a altura em que se cortou na sequência dos factos assentes em 9) e o último com marcas no pescoço, as quais escondia com um lenço.
A N..... salientou que a C..... a partir do pós-operatório, a uma cirurgia a que se submetera, passou a andar mais triste e muito fragilizada, tendo sido desde então que, aos poucos, se foi abrindo e lhe passou a contar alguns dos problemas vivenciados com o arguido (factos assentes em 8), recordando-se, no entanto, de a ver de lenço ao pescoço num verão, vindo depois a contar-lhe os verdadeiros motivos (coincidente com os factos de assentes em 10) e 11).

Factos assentes em 6) a 12)
Foram determinantes as declarações da assistente C..... que contextualizou o envolvimento inicial com o arguido em 1996, na sequência de um acidente sofrido por este, sendo ela na altura socorrista, a que se seguiu um período de namoro, durante o qual num fim de semana que passaram juntos, no ano de 1998, fora esmurrada pelo arguido aquando de uma discussão. Explicitou que nessa altura apesar de ter sido assistida no Hospital Militar e ouvida pela policia Militar, omitiu ter sido agredida e disse que tais lesões lhe haviam sido infligidas por um assaltante, o que disse ter feito para o não prejudicar e com a justificação que, também, estava apaixonada por ele, acabando por o perdoar, cujas lesões e período de internamento constam dos documentos médicos de fls. 92 a 193 e 202, factos assentes em 6).
Disse que mais tarde, numas férias no Algarve, durante uma discussão, em que o arguido lhe dissera que era uma incompetente e como lhe respondera, como forma de se defender, tentou bater-lhe com a mão, o que só não acontecera porque o ameaçou que faria queixa dele, o que o prejudicaria ao nível das suas funções militares, factos assentes em 7).
Relatou que após o arguido ter saído da Instituição Militar, no mês de Dezembro de 2012, como teve de aguardar durante um ano para aceder ao estágio de Advocacia, nesse período passou a andar mais nervoso e implicativo. Assim, em Fevereiro de 2013, data em que saíra do Hospital após se ter submetido a uma intervenção cirúrgica em resultado do aumento de peso, na sequência da gravidez do filho mais novo, o arguido apertou-lhe o pescoço, à frente do filho, pelo facto de ter pedido a uma vizinha para a ajudar a por a roupa a secar, factos assentes em 8).
Numa outra altura, após esse episódio, cuja data disse não ter memória, mas coincidente com a altura em que o filho andava no ‘carate’ e era ela quem o levava e o arguido confeccionava a respectiva refeição, quando regressara a casa e posto que este se esquecera de puxar a placa do exaustor fê-lo ela e dado que a mesma caiu ao chão o arguido empunhou-a e bateu-lhe com mesma nas costas, na frente do filho, factos assentes em 9).
Em 15/9/2013 os colegas da instituição onde a assistente fazia voluntariado decidiram organizar-lhe uma festa, tendo-lhe pedido uma fotografia tendo sido nessa altura que quando pretendia entrar no email para daí a retirar, apercebeu-se que a password havia sido mudada, descobrindo, também, através do filho D...... que entrou no email do pai, que o arguido havia comprado, via internet, câmaras de filmar, as quais veio a descobrir que estavam ligadas a um computador para a vigiar, estando uma delas no escritório apontada à sua secretaria e uma outra na casa de morada de família. Decidiu então retirar do cofre as armas, além de outros objectos. Nesse dia quando o arguido regressara de Santiago de Compostela, gerou-se uma discussão entre o casal a propósito daquilo que a assistente havia descoberto e com a retirada das armas do cofre, tendo sido nessas circunstâncias que o arguido lhe apertara o pescoço, a encostara contra a parede, acabando de a deitar chão. Já caída, de costas no solo, o arguido colocou-se por cima da assistente continuando a apertar-lhe o pescoço, sendo nessa altura que a mesma lhe apertou os testículos com os dentes e surgiu o filho D...... com uma faca de cozinha a dizer que se matava! Após se ter libertado fugiu em direcção a casa dos vizinhos da frente onde pediu ajuda, factos assentes em 10) e 11). Circunstância confirmada pelas testemunhas F...... e G......, então seus vizinhos da frente, cujos depoimentos se complementaram, que abriram a porta da sua casa à assistente na sequência do pedido desta para entrar, apresentando-se a mesma, chorosa, ofegante, com dificuldade em respirar, com a roupa e o cabelo desalinhados, sendo visíveis os vermelhões no pescoço, queixando-se de dores lombares e a acompanharam ao hospital. Ele disse que se dirigiu a casa do casal, estando as crianças muito chorosas e o arguido a fazer a mala, ali continuando até que chegou um casal sénior, os supostos avós afectivos, as testemunhas I...... e J......, altura em que levaram a assistente ao hospital.
Do mesmo passo, também a testemunha H......, vizinho do r/c do então casal, referiu que num dia e mês, que não conseguira concretizar, do ano de 2013, após o jantar, a assistente lhe tocara à porta, acompanhada das testemunhas F...... e mulher que lhe disse que havia sido agredida pelo arguido, sendo visíveis as escoriações, pedindo-lhe conselhos quanto ao que deveria fazer nessa situação, atenta a sua qualidade de Agente da PSP. Esclareceu que uns dias depois deste episódio, acompanhara a assistente à esquadra, a seu pedido, para entrega das armas que disse serem do arguido.
As testemunhas I...... e J...... que conviviam com o casal, por esta última ter sido ama de ambos os seus filhos, depuseram de forma comprometida, parcial e incongruente, pretendendo fazer crer, por um lado, que se tratava de um casal muito harmonioso, sendo constantes as demonstrações de carinho entre ambos, mas, por outro, tentaram criar cenários tendentes a demonstrar que a assistente era uma pessoa agressiva, brusca e áspera com o arguido, falando-lhe em tom elevado, e que tinha reacções inesperadas que o colavam mal, ao mandá-lo calar em público.
Concretamente, o I...... apesar de ter confirmando que no dia 15/9/2013 se deslocou a casa do casal e a assistente lhe disse que estava magoada mas nada vira, quando confrontado com a versão que tinha dado quando ouvida em fase de inquérito, a fls. 148, ao abrigo do disposto no art. 365º, n. 2, al. b) e 5, do CPP, que disse claramente que lhe viu vermelhões na zona do peito, esclareceu que o que pretendida dizer era que efectivamente a C..... lhe terá dito que tinha vermelhões, mas não os viu, e que se tinham agarrado mutuamente. Do mesmo modo que a anterior testemunha, a J...... também disse não ter visto as marcas no pescoço, mas disse tê-la visto, nos dias que se seguiram, com um lenço/cachecol, no pescoço, relato compatível com a versão da assistente e das testemunhas L..... N...... Curiosamente, esta testemunha fez questão de salientar que nessa noite a assistente pedira-lhe para ficar com os filhos enquanto ia à polícia, o que foi contraditado pelo relato da G...... que referiu que apenas se falou no hospital e nunca na polícia.
O Agente da PSP K...... disse ter tomado conta da ocorrência quando se encontrava de serviço no Hospital de Pedro Hispano, em 15/9/20913, confirmou o teor do auto de notícia, demonstrou ter memória visual quanto às lesões que vira à assistente, com arranhões e vermelhões no pescoço, sendo visível o nervosismo em que se encontrava. Nesta sequência foi a assistente C..... questionada sobre o teor do auto de denúncia, no que tange à parte que dali consta em que terá relatado que o arguido ‘nunca a agredindo, nem tinham discutido na presença dos filhos, mas hoje agrediu-a na presença do filho mais pequeno’, contrariamente ao que dissera em tribunal, com o relato de outros episódios de agressões ocorridos na presença dos filhos, esclareceu que não ter dúvidas que foi respondendo a todas (várias) perguntas do Sr. Agente, não tendo dúvidas que essa resposta se inseriu na questão que lhe colocou quanto à existência de outras situações em que tenha participado, o que efectivamente nunca fizera. Perguntada se o teor do lhe fora mostrado, disse que não, o que confirmado pelo Sr. Agente.
O arguido B....., inicialmente usou do direito ao silêncio, consagrado, no que ao caso interessa, nos artigos 61.°, nº l, al. c) e 343.º, n.º 1, do CPP e unanimemente considerado como de tutela constitucional implícita, tendo prestado declarações na segunda sessão de julgamento, as quais não afectaram os resultados probatórios a que conduziram os meios de prova atrás explanados. Importa salientar que o arguido, à excepção dos factos assentes em 1) a 3), negou todos os demais, argumentando que era a C..... quem o agredia verbalmente e com tentativas de agressões físicas, principalmente após o ano de 2012, em resultado das dietas de emagrecimento que fizera, que se tornou mais agressiva. Reconheceu, contudo, a existência da câmara no escritório, afirmando que era do conhecimento da C....., mas com o fundamento na protecção relativamente a eventuais furtos, assim como o episódio do dia 15/9/2015, dando-lhe, porém, conotação diversa ao afirmar que fora na sequencia de uma discussão quanto aos objectos que a mesma fizera desaparecer do cofre, que a agarrou pelos braços e caíram ambos ao chão (tendo a C..... batido com as costas no sofá), altura em que ela lhe mordera os testículos limitando-se o mesmo a empurrá-la, colocando-lhe para o efeito as mãos no pescoço.
No mesmo sentido do arguido depuseram as testemunhas N…. e O….., vizinhos do casal, que nada presenciaram, tendo a 1ª dito que estava de mal com a C....., que referiram que esta era instável e impulsiva, em termos de humor, mas equilibrada como concluiu o 2º. A P….., ex-mulher do arguido, com quem tem um filho em comum, sustentou que tiveram uma relação saudável durante os três anos de casamento em comum, precedidos de um namoro de 10 anos, sem qualquer violência.
O tipo de crime de violencia doméstica raramente têm prova testemunhal, porque é no ‘seio e segredo do lar’ que o mesmo é, na maioria das vezes, cometido, perservadas da observação alheia, só sendo presenciadas pelo agressor e a vitíma, na maioria das vezes, e por vezes também pelos filhos.
Neste contexto, quando os arguidos escassamente confessam os factos, como aconteceu no caso dos autos, as declarações da vitíma devem merecer a devida ponderação do julgador, no âmbito do princípio da livre apreciação, plamado no art. 127.º, do CPP. A assistente revelou grande lucidez e consistencia, detalhando os epsisódios por si vivenciados de forma clara e coerente, e pese embora em alguns deles não tenha conseguido enquadrá-los em termos temporais, de forma expontanea e por referência a factos ligados à vivência pessoal e familiar, como as férias, o caraté do filho, a sua cirurgia, enquadrou-os devidamente, como se extrai das suas declarações, compativeis com a sua vivência, atentos os pormenores relatados, com marcas psicológoicas perfeitamente visiveis. Não obstante, não será, por certo, pelo facto de a assistente ser uma mulher afirmativa na forma como fala, como se percebeu em julgamento, em tom audivel, como de resto a própria assumiu, e porque respondia e argumentava nas discussões com o arguido, ao ponto de afirmar que os vizinhos achavam que eram um casal exemplar, ficando os mesmos a pensar que fora ela a culpada da separação, e com genica, enquanto mulher e mãe, como sustentara a testemunha G......, vizinha da frente, que a via com os filhos e as compras, que deixará de ser mais uma vitima de violência doméstica!!

Factos assentes em 13) e 14)
Quanto às lesões sofridas, atendeu-se, além das declarações da própria assistente C..... a par do exame pericial, de fls. 39).

Factos assentes em 15) a 18)
Como os mesmos se reportam a uma atitude interior do arguido - a uma atitude psicológica – o tribunal socorreu-se, para os apreciar, dos elementos de natureza objectiva e de presunções e ilações ligadas ao princípio da normalidade da vida e da experiência comum, para concluir que o arguido sabia o que fazia, sendo óbvio que quem adopta as condutas sabe da ilicitude das mesmas, a par da confissão parcial do arguido, dos factos 10) e 11).

Factos assentes em 12) a 21)
Relativamente à matéria de facto com relevo para a apreciação dos pedidos de indemnização civil, para prova dos factos relativos à instancia cível conexa, o Tribunal valorou as declarações do(a) demandante C....., nos termos do disposto no art.º 145º, nº 1, do CPP), que sustentou que em resultado da conduta do arguido/Demandado indicada em elencada em 4) a 11), sentiu-se humilhada, envergonhada, nomeadamente perante os vizinhos, desamparada, pois não tinha família no Porto e era do homem que amava, com quem pensara ficar a sua vida toda, que esperava protecção, tendo tais circunstâncias determinantes na alteração do seu humor, passando a ser mais introvertida, a andar mais triste, deixar de sair e conviver, tendo pedido apoio psiquiátrico, factualidade corroborada pelas testemunhas L....., M..... e N..... que demonstraram boa razão de ciência. Foi considerada, também a ficha de urgência e factura hospitalar, de fls. 121 521.

Factos assentes em 22) a 27)
Quanto às condições pessoais e sócio-económicas do arguido, o Tribunal atendeu às suas declarações que se mostraram sinceras.

Factos assentes em 28)
Abonaram o comportamento do arguido as testemunhas I......, J......, N…., O…. e P…., descrevendo-o como pessoa pacífica, educada, calma e bem conceituado no meio onde vive.

Factos assentes em 29)
Para prova de que o arguido não regista condenações, foi determinante o CRC junto aos autos.
factos não provados em
Não foi feita prova que os demonstrasse.”
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São as seguintes as questões a apreciar:
- erro notório na apreciação da prova;
- insuficiência da matéria de facto;
- impugnação da matéria de facto;
- qualificação jurídica
- pedidos de indemnização civil;
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O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP, Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), mas há que ponderar também os vícios e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 in DR I-A de 11/12/94 e 7/95 de 19/10 in DR I-A de 28/12 - tal como, mesmo sendo o fundamento de recurso só de Direito: a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou o erro notório na apreciação da prova (Ac. Pleno STJ nº 7/95 de 19/10/95 do seguinte teor :“ é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) mas que, terão de resultar “ do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” – artº 410º2 CPP, “ não podendo o tribunal socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo” in G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III vol. pág. 367, e Simas Santos e Leal Henriques, “C.P.Penal Anotado”, II vol., pág. 742, sendo tais vícios apenas os intrínsecos da própria decisão, considerada como peça autónoma, não sendo de considerar e ter em conta o que do processo conste em outros locais - cfr. Ac. STJ 29/01/92 CJ XVII, I, 20, Ac. TC 5/5/93 BMJ 427, 100 - e constitui a chamada “ revista alargada” como forma de sindicar a matéria de facto.
De tais vícios são alegados o erro notório na apreciaçao da prova e a insuficiência da matéria de facto.
Mas cremos que sem razão desde logo porque o são no contexto da impugnação da matéria de facto, quando revestem caracter autónomo como vícios da decisão, e depois porque tal como devem ser entendidos não se verificam.
Pois que:
- A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art. 410.º-2-a) C.PP ) é vício que só pode existir e ser demonstrado dentro da própria sentença sem ter de se recorrer a outros elementos externos àquela que não sejam as regras da experiência comum ou elementos de prova vinculada existentes no processo (vg. perícias, exames, relatórios, documentos autênticos )
A al. a) do nº 2 refere-se à insuficiência que decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados pela acusação ou defesa ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão. Ocorre este vício quando, da factualidade vertida na decisão em recurso, se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição, ou seja, quando: ( 1 ) os factos provados não são suficientes para justificar a decisão; ( 2 ) o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite a aplicação do direito ao caso submetido a apreciação; ( 3 ) no cumprimento do dever de descoberta da verdade material, que lhe é imposto pelo normativo do art.º 340.º CPP, o tribunal podia e devia ter ido mais longe, e não o tendo feito ficaram por averiguar factos essenciais, cujo apuramento permitiria alcançar a solução legal e justa, determinando ou a alteração da qualificação jurídica ou da medida da pena ou de ambas ( Ac. STJ de 99/06/02 Proc. n.° 288/99). Mas é necessário que esses factos possam ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis e que, vindo a ser provados, determinarão ou a alteração da qualificação jurídica ou da medida da pena ou de ambas (Ac. citado )
A insuficiência pode revelar-se através de uma avaliação quantitativa ou qualitativa, mas quer numa perspectiva quer noutra, apresenta-se sempre como um minus em relação à totalidade, sem o qual não se consegue chegar ao todo. Daí que aquela alínea se refira à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova (art.° 127.°), que é insindicável em reexame da matéria de facto (Ac STJ, de 13/1/1993, AJ, 15/16, pág. 7; Ac STJ, de 23/9/98, BMJ, 479º- 252 )
Por isso tal vício, como se escreve no Ac. do STJ de 13/7/2005 “supõe que os factos provados não constituem suporte bastante para a decisão que foi tomada, quer porque não permite integrar todos os elementos materiais de um tipo de crime, quer porque deixem espaços não preenchidos relativamente a elementos essenciais à determinação da ilicitude, da culpa ou outros necessários para a fixação da medida da pena. A insuficiência significa, que seja também possível uma decisão diversa da que foi tomada; se não for o caso, os factos podem não ser bastantes para constituir a base da decisão que foi tomada, mas permitir suficientemente uma decisão alternativa, mesmo de non liquet em matéria de facto. Por fim, a insuficiência da matéria de facto tem de ser objectivamente avaliada perante as várias soluções possíveis e plausíveis dentro do objecto do processo, e não na perspectiva subjectiva decorrente da interpretação pessoal do interessado perante os factos provados e as provas produzidas que permitiram a decisão sobre a matéria de facto.”
O recorrente invoca tal vicio porque entende não haver sido feita prova de dados factos (vg através de perícia ao telemóvel) ou seja insuficiência de prova; só que esta a “ insuficiência da prova” para decidir, é irrelevante como fundamento da alteração da matéria de facto (cfr. Ac. STJ 9/12/98 BMJ 482, 68), e manifestamente não constitui o vício invocado;
- Por seu lado o “erro notório na apreciação da prova” que é aquele erro ostensivo, o erro que é de tal modo evidente que não possa passar despercebido ao comum dos observadores, “como facto de que todos se apercebem directamente, ou que, observados pela generalidade dos cidadãos, adquire carácter notório” Ac. STJ 6/4/94 CJ STJ II, 2, 186), ou “ não escapa à observação do homem de formação média” Ac. STJ 17/12/98 BMJ 472, 407, quando procede á leitura do acórdão ou “… quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta” (G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III vol., 3ª ed. 2009, pág. 336, ou por referencia aos magistrados que hão-de apreciar a decisão o ac. STJ 9/2/2000 BMJ 494, 207, ou ainda “ … quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional ou lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida.
Mas existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis ...” (Simas Santos e Leal Henriques, “C.P.Penal Anotado”, II vol., pág. 740)
No fundo, quando “…no texto e no contexto da decisão recorrida, …existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável…” Ac. STJ de 9/2/05 - Proc. 04P4721 www.dgsi.pt, e essa “… incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da experiência comum” cf., também neste sentido, entre muitos outros, podem-se ver os Ac. do STJ de 13/10/99 CJ STJ III 184, e de 16/6/99 BMJ 488/262; ou ainda quando “…resulta que se deram como provados factos que para a generalidade dos cidadãos se apresente como evidente que não poderiam ter ocorrido ou são contraditados por documentos que façam prova plena e não tenham sido arguidos de falsos. Ou, no aspecto negativo, que nessas circunstâncias, tenham sido afastados factos que o não deviam ser. O toque característico do conceito consiste na evidência, na notoriedade do erro, facilmente captável por qualquer pessoa de média inteligência, sem necessidade de particular exame de raciocínio mental.”- Ac. STJ 22/3/2006 www.dgsi.pt/jstj Cons. Silva Flor.
Ora vista a motivação do recorrente ele invoca tal erro porque a prova foi mal apreciada e sendo assim tal não constitui o erro notório do artº 410º2c) CPP de que estamos a cuidar, que tem de ser revelado no texto da decisão, sem recurso a qualquer meio de prova exterior àquela como prevê o artº 410º2 CPP, “ não podendo o tribunal socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo” in G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III vol. pág. 367, e Simas Santos e Leal Henriques, “C.P.Penal Anotado”, II vol., pág. 742,
Não demonstra assim a sentença por si só tal erro pelo que não pode como tal ser declarado, e improcede, assim a invocação de tal vicio
Não são invocados outros vícios da sentença nem vista esta se nos afigura existirem.
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Nos termos do n.º 1 do art.º 428º do CPP, as Relações conhecem de facto e de direito, e podem modificar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto artº 431º CPP), pela via da “ revista alargada” dos vícios do artº 410º2 CPP (supra) e através da impugnação ampla da matéria de facto regulada pelo artº 412º CPP.
Na revista alargada está em causa a apreciação dos vícios da decisão, cuja indagação tem de resultar do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo admissível o recurso a elementos estranhos á decisão, como os dados existentes nos autos ou resultantes da audiência de julgamento (cfr. Maia Gonçalves, CPP Anotado, 10 ª ed. pág. 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal Vol III, verbo 2ª ed. pág. 339, e Simas Santos et alli, Recursos em Processo Penal, 6ª ed. pág. 77), que são os já apreciados.
No 2º caso - impugnação ampla - a apreciação da matéria de facto alargasse à prova produzida em audiência (se documentada) mas com os limites assinalados pelo recorrente em face do ónus de especificação que lhes é imposto pelos nºs 3, 4 do artº 412º CPP, nos termos dos quais:
“3. Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas;
4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta nos termos do nº2 do artigo 364º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
… … …
6. No caso previsto no nº4 o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”
Todavia há que ter presente que tal recurso não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, mas constitui apenas um remédio para eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida (erros in judicando ou in procedendo) na forma como o tribunal recorrido apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente, pelo que não pressupõe a reapreciação total dos elementos de prova produzidos em audiência e que fundamentaram a decisão recorrida, mas apenas aqueles sindicados pelo recorrente e no concreto ponto questionado, constituindo uma reapreciação autónoma sobre a bondade e razoabilidade da apreciação e decisão do tribunal recorrido quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorrectamente julgados.
Para essa reapreciação o tribunal verifica se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida e em caso afirmativo avalia-os e compara-os de molde a apurar se impõem ou não decisão diversa (cfr. Ac. STJ 14/3/07 Proc. 07P21, e de 23/5/07 Proc. 07P1498, in www. dgsi.pt/jstj).
A especificação dos “concretos pontos de facto” constituem a indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados,
e as “concretas provas” consistem na identificação e indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas “provas” impõem decisão diversa da recorrida, e
havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, e dentro destas tem o recorrente de indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação;
Mas o Tribunal pode sempre apreciar outras que ache relevantes (nº 4 e 6 do artº412º CPP)

O recorrente satisfaz parcialmente esses requisitos, quer com indicação do concreto ponto da gravação de determinada prova quer procedendo à transcrição parcial dos depoimentos que indica como relevantes, pelo que o conhecimento da prova indicada pelo recorrente está limitada à sua concreta indicação (e no caso transcrição) na medida em que o recorrente delimita desse modo a impugnação e o conhecimento, delimitação que o STJ através do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2012 in DR 18/4/2012 legitima “Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações”. Assim, não será apreciada a prova por ele indicada quando se limita a discorrer sobre o depoimento em causa, sem observar aqueles requisitos ou a indicar o depoimento na sua totalidade, por estar em desconformidade legal (salvo se o tribunal entender dever fazê-lo como lhe é permitido legalmente)
Mas mesmo essa reapreciação, como assinala o STJ no ac. 2/6/08, no proc. 07P4375, in www.dgsi.pt. Cons. Raul Borges sofre as limitações consistentes nas que decorrem
- da necessidade de observância pelo recorrente do ónus de especificação, restringindo como assinalado o conhecimento aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, e
- da falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações, postergando-se assim a “sensibilidade” que decorre de tais princípios; e resultam
- de a análise e ponderação a efectuar pela Relação não constituir um novo julgamento, porque restrita á averiguação ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros indicados pelo recorrente; e de
- o tribunal só poder alterar a matéria de facto impugnada se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do nº 3 do citado art. 412º) (cfr. também o Ac. RLx de 10/10/07, no proc. 8428/07, em www.dgsi.pt/jtrl), e não apenas a permitirem;
Acresce, em consonância com o descrito, que a reapreciação da prova na 2ª instância, limita-se a controlar o processo de formação da convicção decisória da 1ª instância e da aplicação do princípio da livre apreciação da prova, tomando sempre como ponto de referência a motivação/ fundamentação da decisão, e
neste recurso de impugnação da matéria de facto, o Tribunal da Relação não vai à procura de uma nova convicção - a sua - mas procura saber se a convicção expressa pelo Tribunal recorrido na fundamentação tem suporte adequado na prova produzida e constante da gravação da prova por si só ou conjugados com as regras da experiencia e demais prova existente nos autos ( documental, pericial etc..) e,
em face disso, obviamente o controlo da matéria de facto apurada tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, mas não pode subverter ou aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída, dialecticamente, na base da imediação e da oralidade, tendo presente que como expressa o Prof. Figueiredo Dias, in Dto Proc. Penal, 1º Vol. Coimbra ed. 1974, pág. 233/234, só aqueles princípios da imediação e da oralidade “… permitem …avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações pelos participantes processuais”.
Tal significa que sem dispor da apreciação directa e imediata da prova, ao tribunal de recurso cabe apenas averiguar se existe o erro de julgamento na fixação da matéria de facto, por se evidenciar que as provas valoradas pelo tribunal recorrido eram provas proibidas ou o foram com violação das regras sobre a apreciação da prova, e nomeadamente o principio da livre apreciação, do princípio in dubio pro reo ou prova vinculada, ou as regras da experiencia ou ainda se a convicção formada pelo tribunal de recurso não era possível, pois se for uma das possíveis não pode o tribunal de recurso interferir nessa apreciação.

Vejamos então o que está em questão.
O arguido impugna a matéria de facto provada, por grupos e assim sob os nºs 4 e 5, 6 a 9, 10 a 12 e por arrastamento os nºs 15 e 16;

Apreciando:
Os factos provados nºs 4 e 5 têm a seguinte redacção:
“4. O arguido tem uma personalidade controladora e possessiva em relação à ofendida, controlando o seu telemóvel e contas pessoais.
5. Ao longo da relação, em diversas ocasiões, o arguido dirigiu à ofendida as seguintes expressões: ‘Não vales nada como mãe nem como mulher, tens amantes, puta’; ‘és uma frustrada porque não conseguiste tirar o curso’”
Indica como prova a impor decisão diversa (de não provado):
A ausência de perícia ao telemóvel, de modo a saber se permitia a incorporação do GPS, e se continha os sms imputados (e sua transcrição) e quem os enviara, e despacho de arquivamento do MºPº sobre as camaras de vigilância e o conhecimento que ela tinha das mesmas;
- o recibo de compra das camaras de 3/9/2013 sendo a encomenda feita pela empresa da assistente e ali entregue;
- os relatórios de avaliação psicológica ao arguido e à assistente;
Consta da fundamentação da sentença:
“Factos assentes em 4) a 5)
Foram relevantes as declarações da C....., para prova de que o arguido era um homem controlador da sua vida pessoal e profissional, desde a instalação do GPS no seu telefone, sabendo, assim, sempre onde se encontrava, passando pelos extractos bancários, da sua conta, que nem era titular, até à colocação de câmaras de vigilância no escritório e em casa, o que descobrira quando o mesmo foi em peregrinação para Santiago de Compostela, que culminara com o episódio ocorrido em 15/9/2913. Durante as discussões era habitual chamar-lhe puta, que tinha amantes, principalmente quando fazia caminhadas que dizia que ia encontrar-se com homens, que era uma frustrada, uma incompetente e uma má mãe, salientando que a forma como o arguido olhava para si, acrescentando que nessas alturas sabia exactamente o que ia acontecer de seguida.
Foram, também, relevantes os depoimentos das testemunhas L....., M....., N....., respectivamente, cabeleireira/esteticista, amiga do casal e amiga da assistente, que confirmaram a pressão psicológica que o arguido exercia sobre a C....., através de chamadas telefónicas e sms, persistentemente, com o intuito de saber onde se encontrava, mesmo após escassos momentos após ter saído de casa, demonstrando as duas últimas conhecimento do conteúdo de algumas sms que leram, onde o arguido lhe chamava ‘puta’, sabendo mais tarde pela C..... que o mesmo sabia de todos os passos que dava através do GPS do seu telemóvel.”

Apreciando:
No que se refere à prova indicada pela sentença afigura-se-nos evidente que assentando o sistema probatório penal na admissibilidade de todas as provas, excepto se proibidas por lei (artº 125º CPP) e sem imposição (em regra) de meio de prova especifico, e o principio da suficiência do processo penal (artº 7º CPP) nada impede o tribunal de aceitar, como prova e em face disso convencer-se da verdade do facto relatado pelas testemunhas. Serve isto para dizer que nada impede o tribunal para prova da existência dos sms de aceitar a prova testemunhal.
Como se vê dos factos em apreciaçao / impugnados o seu verdadeiro objecto não é nem os sms, nem as câmaras de vigilância.
Todavia não deixa de ser relevante que a aquisição da camara de vigilância/ filmar tenham sido adquiridas/ encomendadas em 3/9/2013 em nome da empresa da assistente “apoioconstante lda” - fls 114 a118 e pelo email respectivo, retratando-se ali os contornos do negócio e o modo de pagamento, escassos dias antes dos factos mais graves relatados, não podendo cremos fundamentar um juízo como o do nº4 sobre a personalidade do arguido, o que aliado ao teor do relatório de perícia psicológica, a que a sentença faz apenas referencia sobre a sua existência, verifica-se que as mesmas provas não foram ponderadas pelo tribunal recorrido, e inferem um sentido contrário ao decidido sobre a personalidade controladora e possessiva em relação à ofendida (pois naquele relatório tais situações não só não se mostram identificadas, como ali se identificam como improváveis, por referencia a ambos os cônjuges).
Como só pode ser alterada a matéria de facto, se as provas indicadas impuserem uma decisão diversa, apenas naquele ponto o nº4 dos factos provados pode ser alterado o qual passará a ter a seguinte redacção: “ 4. O arguido controlava o telemóvel e as contas pessoais da assistente”

No que ao nº 5 se refere, e que é extensível a outros pontos da matéria de facto impugnada, como os nºs 6, 7 e 9 importa considerar o seguinte:
Ali é referido que o arguido “ ao longo da relação, em diversas ocasiões”, no ano de 1998 quando ainda mantinham uma relação de namoro”, em data não concretamente apurada, quando passavam férias no Algarve”, “numa outra ocasião”
Ora estamos no âmbito do direito penal, o qual revestindo quanto ao processo natureza acusatória, e sendo regido pelos princípios da tipicidade e da legalidade quanto ao crime impõe particulares exigências ao nível da certeza, da clareza e da precisão e da completude dos actos imputados de tal forma que o arguido acusado deles se possa eficazmente defender, e daí que a própria norma processual impunha a narração dos factos imputados e sendo possível “ o lugar, o tempo e a motivação da sua pratica…” artº 283º 1b) CPP, o que é relevante não apenas para eficazmente o arguido/ acusado poder exercer o seu direito de defesa (porque no dia X estava no local Y e não no local A, etc …), mas também para averiguar da ausência de condições de procedibilidade (v.g exercício do dto de queixa) ou factos extintivos do procedimento criminal (v.g. prescrição) ou até da existência de crime.
O crime de violência domestica não é, nem pode ser, um crime que no final da vivência em comum de duas pessoas, vistoriando, retroactivamente o que foi a vivência conjugal ou familiar, vá julgar o modo como o casal viveu a vida em comum e puni-los como se fosse um crime de “ regime”. Nem tão pouco é um crime residual, no âmbito do qual cabe tudo o que não cabe nos demais tipos legais de crime, mas antes é um crime específico ou especial;
Desde há muito o STJ tem entendido que devendo os factos imputados ser claros e precisos, não podem ser utilizados / imputados na acusação (e consequentemente na sentença) conceitos vagos e imprecisos, genéricos e conclusivos porquanto isso não apenas impede um eficaz exercício do direito de defesa, como impede o exercício do contraditório ínsito naquele.
A esse propósito (embora relativo a outro tipo de crime) diz-se no Ac.STJ de 17/1/2007 Proc 06P3644 Silva Flor www.dgsi.pt que “ uma imputação genérica …, sem individualização dos actos integrantes dessa actividade, não podendo relevar para o efeito do enquadramento jurídico-penal dos factos, já que inviabiliza o exercício do direito de defesa consagrado no art. 32.º da CRP.”, por ficar “ impedido de organizar adequadamente a sua defesa, contraditando as provas apresentadas e oferecendo provas de que não cometeu actos …. Este o sentido em que se tem pronunciado alguma jurisprudência deste STJ – Acs. de 06-05-2004, Proc. n.º 908/04, de 04-05-2005, Proc. n.º 889/05, e de 07-12- 2005, Proc. n.º 2942/05, entre outros.”
O que é reafirmado no ac STJ 21/2/2007 Proc 06P3932 ao expressar que:
VIII - O arguido só pode contrariar a acusação ou a pronúncia, de forma adequada e eficaz, se naquelas peças processuais se encontrarem vertidos especificadamente e com clareza os factos imputados, isto é, o caso concreto ou particular submetido a julgamento. De outro modo, ou seja, perante uma acusação ou uma pronúncia constituídas por factos genéricos, não individualizados, fica ou pode ficar prejudicada a possibilidade de o arguido se defender.
IX - Com efeito, ninguém pode contestar, eficazmente, a imputação de uma situação abstracta ou vaga, muito menos validamente contraditar a prova de uma tal situação. Neste preciso sentido tem-se pronunciado este STJ, designadamente em matéria de tráfico de estupefacientes, ao defender que não são factos susceptíveis de sustentar uma condenação penal as imputações genéricas, em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado, visto que as afirmações genéricas não são susceptíveis de impugnação, pois não se sabe o lugar em que o agente vendeu os estupefacientes, o local em que o fez, a quem, o que foi efectivamente vendido, sendo que a aceitação das afirmações genéricas como «factos» inviabiliza o direito de defesa que ao arguido assiste, constituindo grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no art. 32.° da CRP.
E mais recentemente no ac. 15/12/2011 Proc 17/09.0TELSB.L1.S1 Raul Borges www.dgsi.pt se confirma esta Jurisprudência:
“XXI - Como vem sendo afirmado pela jurisprudência dominante deste STJ, as imputações genéricas, designadamente no domínio do tráfico de estupefacientes, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizou o imputado comércio e do tempo e lugar em que tal aconteceu, por não serem passíveis de um efectivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado, não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente.”
Tal é a situação que e se extrai dos nºs 5, 6, 7, 8 e 9.
Na verdade no nº5 diz-se que ao longo da relação em diversas ocasiões, sem se precisar quando, e sem se saber o nºs de vezes (mesmo aproximado) sendo que a relação já dura há muitos anos, e nem diz sequer como o fez, para não falar no porquê;
O mesmo ocorre quanto ao nº 6 porque relativo ao ano de 1998, quando existia uma relação de namoro, sendo que nessa altura não eram casados (nº1 casaram em 1999), não se mostra que existisse uma relação análoga à dos cônjuges e a existência de uma relação de namoro não integrava as situações típicas (de vivencia) previstas no tipo legal, pois apenas com a lei 19/2013 de 21/2 que alterou o artº 152º 1 b) CP, passou a dele constar como elemento típico a existência de uma “relação de namoro” (cujo conteúdo é necessário preencher) pelo que não pode integrar tal acto um crime de violência domestica, sob pena de violação do principio da legalidade mas diversas vertentes do principio da tipicidade e da não retroactividade da norma incriminadora, e isto sem cuidar também que tais factos não podem ser repristinados após a sua extinção, pelo menos por prescrição, face ao tempo decorrido (17 anos), e ou aos quais não foi concedida relevância criminal v.g. por ausência de queixa, impeditiva do procedimento criminal.
Iguais considerações são aplicáveis aos nºs 7, relativa ao levantamento da mão para lhe bater, numa data qualquer quando passavam férias no Algarve, ou nº 9 numa outra ocasião na cozinha da habitação.
Temos assim que na sequência do expendido, que não podem ser valorados os factos genéricos e vagos sem indicação do tempo, local e modo de cometimento dos factos, tal como não pode ser valorados os factos que não constituíam crime à data da sua ocorrência e os que se mostrem prescritos, sob completa subversão dos princípios de direito penal, e o processo por violência domestica virar um manifesto processo kafkiano, ou se traduzir no diário intimo de apenas um dos membros do casal no qual anota diariamente as discussões, as arrelias, os amuos, as divergências sobre a condução da vida ou dos negócios comuns, os atrasos ou ausência de cumprimento dos deveres conjugais, familiares ou sociais e tudo o que seja susceptível de gerar mau ambiente ou potenciar discussões ou v.g. agressões, que irão ser julgados no final da vida em comum;
Acresce por outro lado, também conexo com as questões relativas aos nºs 6 a 9 impugnados pelo arguido, e que têm a seguinte redacção:
“6. No ano de 1998, quando ainda mantinham uma relação de namoro, o arguido agrediu a ofendida com socos e pontapés o que lhe determinou o internamento hospitalar entre o dia 4 a 9 de Setembro.
7. Em data não concretamente apurada, quando passavam férias no Algarve, o arguido ameaçou a ofendia que lhe batia, levantando-lhe a mão com o propósito de a assustar, só não tendo concretizado os seus intentos por esta lhe dizer que faria queixa de si, o que prejudicaria a sua carreira militar.
8. Em Fevereiro de 2013, quando a ofendida se encontrava fragilizada em virtude de uma intervenção cirúrgica a que se submeteu, o arguido abeirou-se de si e apertou-lhe o pescoço com as duas mãos.
9. Numa outra ocasião, na cozinha da habitação, o arguido, muniu-se de uma placa do exaustor que se encontrava caída e atingiu a ofendida nas costas com tal objecto.”,
o seguinte:
característica indelével do crime de violência doméstica é o seu bem jurídico, que lhe confere não apenas autonomia mas legitimidade constitucional ( artº 18º CRP) de interferência / regulação/ limitação, nas relações humanas e sociais, num âmbito específico destas (relações familiares ou análogas).
Assim fundamental na apreciaçao de tal ilícito é que os factos em que se desdobra (ou o facto em que se traduz - pois que tanto pode ser um como vários - de modo reiterado ou não, infligir maus tratos – artº 152º 1 CP) signifiquem a afetação da dignidade pessoal da vítima através do seu desrespeito como pessoa traduzida a mais das vezes no desejo de sujeição/dominação sobre a mesma e a sua manipulação.
Nos termos legais comete tal crime (artº 152º1 CP) “1. Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais… “ donde resulta que o conceito de violência doméstica podendo traduzir-se em actos reiterados ou não, deles tem de resultar “ maus tratos físicos ou psíquicos”, o resultado da actuação tem de traduzir uma gravidade que vá para além da simples ofensa em causa.
Mau trato, traduz a nosso ver, uma ofensa à dignidade humana (em concreto da pessoa visada, e em toda a sua plenitude: física e mental), bem jurídico abrangente que (para além da saúde) está subjacente a toda a proteção legal (cfr. Comentário Conimbricense do Cód Penal, I, Coimbra, 1999, pág. 232), o que tem de ser entendido para além da integridade física ou da honra (objecto de protecção de outras normas penais, cf. ac RG.10/7/2014 www.dgsi.pt: “Essencial é que os comportamentos assumam uma gravidade tal que justifique a sua autonomização relativamente aos ilícitos que as condutas individualmente consideradas possam integrar”), e se não necessita de uma reiteração (face à norma legal) não prescinde de uma gravidade que vá para além e ultrapasse a ofensa à integridade física ou à honra (sob pena de o crime de violência doméstica se traduzir apenas num crime familiar), ou seja é necessário que justifique a sua autonomia, pondo em causa a relação existente entre agressor e ofendido.
Não cremos que o artº152º CP deva ser entendido como a balança onde no fim de uma relação de vida entre duas pessoas, esta relação vai ser objecto de julgamento, dela saindo um violentador e um violentado.
Razões pelas quais cremos dever entender que infligir maus tratos físicos e/ou psíquicos, significa na economia do artº 152º CP, pôr em causa a saúde do ofendido nas suas diversas vertentes: física (ofensa á integridade física), psíquica (humilhações, provocações, ameaças, coacção ou moléstias), desenvolvimento e expressão da personalidade e dignidade pessoal (castigos corporais, privações de liberdade e ofensas sexuais, etc.) - que constituem o complexo bem jurídico protegido pela norma incriminadora e traduzem-se num complexo de acções por parte do agente que pressupõem na maioria das vezes “ uma reiteração das respectivas condutas” – cfr. por todos, Comentário Conimbricense ao Cód Penal, tomo I, págs. 332 a 334, ou quando assim não seja - sendo uma só acção - como se expressa o STJ no Ac de 14/11/97 CJ III, 235 “… as ofensas corporais, ainda que praticadas uma só vez, mas que revistam uma certa gravidade, ou seja, que traduzam crueldade, insensibilidade ou até vingança desnecessária da parte do agente é que cabem na previsão do art. 152.º do Código Penal” ou quando a conduta do arguido “se revista de uma gravidade tal que seja suficiente para … comprometer a possibilidade devida em comum” -Ac. R. Évora 23/11/99 CJ V, 283, ou “se revelar de uma certa gravidade ou traduzir, da parte do agente, crueldade, insensibilidade ou até vingança” -Ac. R. E. 25/1/05, CJ I, 260, ou ainda “O crime de maus tratos exige uma pluralidade de condutas ou, no mínimo, uma conduta complexa, que revista gravidade e traduza, por exemplo, crueldade ou insensibilidade” - Ac. R. Porto 12/5/04, www.dgsi.pt, proc. 0346422.
Assim à luz do bem jurídico protegido (que legitima constitucionalmente a existência da incriminação), os factos devem apresentar-se perante a vítima como dotados de um especial desvalor face àquele bem (pondo em causa a dignidade da pessoa enquanto tal, nomeadamente pelo desejo de domínio da relação familiar existente), sob pena de não se verificar o ilícito de violência doméstica.
Cremos ser este o sentido do Ac. RC 21/10/2009 www.dgsi.pt, e do ac. R.P 30/1/2013 www.dgsi.pt/jtrp, sob pena de não revelando a conduta do agente o “especial desvalor da acção” ou a “particular danosidade social do facto” (cf. Valadão e Silveira, Maria Manuela “Sobre o Crime de Maus Tratos Conjugais”, in APMJ, Do Crime de Maus Tratos, Lisboa, 2001, pág.21) o crime não se mostrar fundamentado.
O que fundamenta tal ilícito são pois os actos que, como expressa o Ac. TRP 28/9/2011 www.dgsi.pt/jtrp… pelo seu caráter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, evidenciem um estado de degradação, enfraquecimento ou aviltamento da dignidade pessoal quanto de perigo ou de ameaça de prejuízo sério para a saúde e para o bem-estar físico e psíquico da vítima.” e nos casos de actos singulares tem de se verificar esta especial qualidade da acção, sob pena de não se mostrar preenchido o ilícito em causa. Cfr. Ac.R.P de 30/1/2008 www.dgsi.pt/jtrp “Muito embora, em princípio, o preenchimento do tipo do crime de maus-tratos previsto no art. 152º do C. Penal não se baste com uma acção isolada (nem tampouco com vários actos temporalmente muito distanciados entre si), vem entendendo a generalidade da jurisprudência que existem casos em que uma só conduta, pela sua excepcional violência e gravidade, basta para considerar preenchida a previsão legal.”
Daí resulta, e em conclusão, que é à luz da ofensa do bem jurídico protegido e logo da mens legislatoris que as condutas ilícitas únicas ou reiteradas devem ser apreciadas no sentido de preencherem ou não o tipo legal, no sentido de revelarem um tratamento insensível ou degradante da condição humana da pessoa atingida. (cfr. também ac. TRP 26/5/2010 www.dgsi.pt/jtrp), e de modo a evitar uma situação de “…domínio ou uma subjugação sobre a pessoa da vítima, sobre a sua vida ou (e) sobre a sua honra ou (e) sobre a sua liberdade e a reconduz a uma vivência de medo, de tensão e de subjugação.” in Ac. TRP 9/1/2013 www.dgsi.pt/jtrp.

Ora visto o acima expendido, acerca dos nºs 5, 6, 7 e 9, dos quais resulta que tais factos atenta a sua natureza, não podem ser-lhes atribuída relevância penal, resta para apreciação, o facto ínsito no nº8 ocorrido em Fevereiro de 2013, e o ocorrido em 15/9/2013, objecto de impugnação.

E quanto ao nº8 que tem a seguinte redacção: “8.Em Fevereiro de 2013, quando a ofendida se encontrava fragilizada em virtude de uma intervenção cirúrgica a que se submeteu, o arguido abeirou-se de si e apertou-lhe o pescoço com as duas mãos” indica o arguido como impondo decisão diversa:
- O auto de notícia;
- as declarações da assistente,
- o depoimento de K......, agente da PSP que recebeu a queixa,
- o relatório de avaliação psicológica do arguido e da assistente;
- depoimento de I….. e J…..
- depoimento de L....., M..... e N......
Vista a prova indicada pelo recorrente cumpre desde já salientar, que toda a prova testemunhal indicada que não seja transcrita ou individualizado o local concreto da sua gravação, não pode ser apreciado por inobservância dos requisitos legais do artº 412º CPP já supra explicados, e estão neste campo a prova relativa ao depoimento de L....., M..... e N......
Vista a demais prova indicada ela não implica decisão diversa quanto à matéria de facto do nº8 dos factos provados, pois não tem sequer a ver com ela em concreto, pois diz respeito à credibilidade das declarações da assistente nomeadamente em confronto com o depoimento do agente da PSP Q….., e da personalidade do arguido e da assistente, nomeadamente quanto a esta do seu caracter / personalidade agressivo/ hostil, o que é relatado pelas testemunhas I…. e J…. e pelo relatório de avaliação psicológica e pelas suas próprias declarações (estas relativas à situação do filho mais velho: ou lhe batia ou o enviava para o pai), o que poderá relevar noutra sede, e nomeadamente de valoração dos factos e enquadramento jurídico, que não nesta, mantendo-se por isso o facto sem alteração.

Os nºs10 a 12 dos factos provados têm a seguinte redacção:
“10. No dia 15/9/2013, pelas 22h40, no interior do domicílio de ambos, o arguido, na sequência de se ter desentendido com a ofendida, abeirou-se da mesma e colocou-lhe as mãos no pescoço apertando-o.
11. Após, atirou a ofendida para o chão, sentando-se sobre a mesma sem lhe largar o pescoço, só parando na sequência de o filho menor D...... ter ameaçado ir à cozinha buscar uma faca para se matar.
12. Perante tal atitude do menor D......, o arguido dirigiu-se para a cozinha atrás do mesmo, altura em que a ofendida se pôs em fuga para casa de uma vizinha.”
Indica como impondo decisão diversa:
- as suas declarações “in toto”.
- o depoimento de P…..
Na fundamentação consta ao seguinte:
“Em 15/9/2013 os colegas da instituição onde a assistente fazia voluntariado decidiram organizar-lhe uma festa, tendo-lhe pedido uma fotografia tendo sido nessa altura que quando pretendia entrar no email para daí a retirar, apercebeu-se que a password havia sido mudada, descobrindo, também, através do filho D...... que entrou no email do pai, que o arguido havia comprado, via internet, câmaras de filmar, as quais veio a descobrir que estavam ligadas a um computador para a vigiar, estando uma delas no escritório apontada à sua secretaria e uma outra na casa de morada de família. Decidiu então retirar do cofre as armas, além de outros objectos. Nesse dia quando o arguido regressara de Santiago de Compostela, gerou-se uma discussão entre o casal a propósito daquilo que a assistente havia descoberto e com a retirada das armas do cofre, tendo sido nessas circunstâncias que o arguido lhe apertara o pescoço, a encostara contra a parede, acabando de a deitar chão. Já caída, de costas no solo, o arguido colocou-se por cima da assistente continuando a apertar-lhe o pescoço, sendo nessa altura que a mesma lhe apertou os testículos com os dentes e surgiu o filho D...... com uma faca de cozinha a dizer que se matava! Após se ter libertado fugiu em direcção a casa dos vizinhos da frente onde pediu ajuda, factos assentes em 10) e 11). Circunstância confirmada pelas testemunhas F...... e G......, então seus vizinhos da frente, cujos depoimentos se complementaram, que abriram a porta da sua casa à assistente na sequência do pedido desta para entrar, apresentando-se a mesma, chorosa, ofegante, com dificuldade em respirar, com a roupa e o cabelo desalinhados, sendo visíveis os vermelhões no pescoço, queixando-se de dores lombares e a acompanharam ao hospital. Ele disse que se dirigiu a casa do casal, estando as crianças muito chorosas e o arguido a fazer a mala, ali continuando até que chegou um casal sénior, os supostos avós afectivos, as testemunhas I...... e J......, altura em que levaram a assistente ao hospital.
Do mesmo passo, também a testemunha H......, vizinho do r/c do então casal, referiu que num dia e mês, que não conseguira concretizar, do ano de 2013, após o jantar, a assistente lhe tocara à porta, acompanhada das testemunhas F...... e mulher que lhe disse que havia sido agredida pelo arguido, sendo visíveis as escoriações, pedindo-lhe conselhos quanto ao que deveria fazer nessa situação, atenta a sua qualidade de Agente da PSP. Esclareceu que uns dias depois deste episódio, acompanhara a assistente à esquadra, a seu pedido, para entrega das armas que disse serem do arguido.
As testemunhas I...... e J...... que conviviam com o casal, por esta última ter sido ama de ambos os seus filhos, depuseram de forma comprometida, parcial e incongruente, pretendendo fazer crer, por um lado, que se tratava de um casal muito harmonioso, sendo constantes as demonstrações de carinho entre ambos, mas, por outro, tentaram criar cenários tendentes a demonstrar que a assistente era uma pessoa agressiva, brusca e áspera com o arguido, falando-lhe em tom elevado, e que tinha reacções inesperadas que o colavam mal, ao mandá-lo calar em público.
Concretamente, o I...... apesar de ter confirmando que no dia 15/9/2013 se deslocou a casa do casal e a assistente lhe disse que estava magoada mas nada vira, quando confrontado com a versão que tinha dado quando ouvida em fase de inquérito, a fls. 148, ao abrigo do disposto no art. 365º, n. 2, al. b) e 5, do CPP, que disse claramente que lhe viu vermelhões na zona do peito, esclareceu que o que pretendida dizer era que efectivamente a C..... lhe terá dito que tinha vermelhões, mas não os viu, e que se tinham agarrado mutuamente. Do mesmo modo que a anterior testemunha, a J...... também disse não ter visto as marcas no pescoço, mas disse tê-la visto, nos dias que se seguiram, com um lenço/cachecol, no pescoço, relato compatível com a versão da assistente e das testemunhas L..... N...... Curiosamente, esta testemunha fez questão de salientar que nessa noite a assistente pedira-lhe para ficar com os filhos enquanto ia à polícia, o que foi contraditado pelo relato da G...... que referiu que apenas se falou no hospital e nunca na polícia.
O Agente da PSP K...... disse ter tomado conta da ocorrência quando se encontrava de serviço no Hospital de Pedro Hispano, em 15/9/20913, confirmou o teor do auto de notícia, demonstrou ter memória visual quanto às lesões que vira à assistente, com arranhões e vermelhões no pescoço, sendo visível o nervosismo em que se encontrava. Nesta sequência foi a assistente C..... questionada sobre o teor do auto de denúncia, no que tange à parte que dali consta em que terá relatado que o arguido ‘nunca a agredindo, nem tinham discutido na presença dos filhos, mas hoje agrediu-a na presença do filho mais pequeno’, contrariamente ao que dissera em tribunal, com o relato de outros episódios de agressões ocorridos na presença dos filhos, esclareceu que não ter dúvidas que foi respondendo a todas (várias) perguntas do Sr. Agente, não tendo dúvidas que essa resposta se inseriu na questão que lhe colocou quanto à existência de outras situações em que tenha participado, o que efectivamente nunca fizera. Perguntada se o teor do lhe fora mostrado, disse que não, o que confirmado pelo Sr. Agente.
O arguido B....., inicialmente usou do direito ao silêncio, consagrado, no que ao caso interessa, nos artigos 61.°, nº l, al. c) e 343.º, n.º 1, do CPP e unanimemente considerado como de tutela constitucional implícita, tendo prestado declarações na segunda sessão de julgamento, as quais não afectaram os resultados probatórios a que conduziram os meios de prova atrás explanados. Importa salientar que o arguido, à excepção dos factos assentes em 1) a 3), negou todos os demais, argumentando que era a C..... quem o agredia verbalmente e com tentativas de agressões físicas, principalmente após o ano de 2012, em resultado das dietas de emagrecimento que fizera, que se tornou mais agressiva. Reconheceu, contudo, a existência da câmara no escritório, afirmando que era do conhecimento da C....., mas com o fundamento na protecção relativamente a eventuais furtos, assim como o episódio do dia 15/9/2015, dando-lhe, porém, conotação diversa ao afirmar que fora na sequencia de uma discussão quanto aos objectos que a mesma fizera desaparecer do cofre, que a agarrou pelos braços e caíram ambos ao chão (tendo a C..... batido com as costas no sofá), altura em que ela lhe mordera os testículos limitando-se o mesmo a empurrá-la, colocando-lhe para o efeito as mãos no pescoço.
No mesmo sentido do arguido depuseram as testemunhas N….. e O….., vizinhos do casal, que nada presenciaram, tendo a 1ª dito que estava de mal com a C....., que referiram que esta era instável e impulsiva, em termos de humor, mas equilibrada como concluiu o 2º. A P…., ex-mulher do arguido, com quem tem um filho em comum, sustentou que tiveram uma relação saudável durante os três anos de casamento em comum, precedidos de um namoro de 10 anos, sem qualquer violência.”
Ora vista esta fundamentação e as provas indicadas pelo recorrente, não vemos que esta matéria provada tenha de ser simplesmente alterada para não provada.
O que nos parece evidente é que o tribunal não retirou, como devia e podia, pois a isso faz expressa referência na fundamentação, todos os factos ocorridos como lhe é imposto pela lei, pois objecto de prova são todos os factos que constam da acusação, da contestação e os que resultarem da discussão da causa, com vista à boa decisão (e nomeadamente tendo em vista os critério de determinação da pena do artº 71º CP), pois não interessa apenas o que aconteceu, mas como aconteceu, e porque aconteceu (para além de quando ocorreu), pois só assim se pode atingir o facto global (crime) submetido a julgamento.
Assim, e formalmente a indicação de todo o depoimento a ouvir não serve o desiderato legal, nos termos já explicados, até porque como resulta da motivação não é posta em causa a totalidade daqueles nºs mas o seu desenrolar e a intervenção do menor (filho).
Pese embora tal facto, evidente nos parecem três coisas: o motivo da discussão, que houve efectivamente uma discussão mutua e uma agressão mutua.
Na verdade resulta das declarações o arguido e da assistente que estando o arguido fora de casa (em peregrinação a Santiago de Compostela) a assistente de motu proprio e sem que exista nos autos qualquer motivação retira por sua vontade armas e outros objectos (documentos e incluindo ouro – fls.838) que estavam guardados num cofre; ao regressar a casa, a assistente e o arguido envolvem-se em discussão por esses factos e no seu decurso agridem-se mutuamente, aquele aperta-lhe o pescoço e esta morde-lhe os testículos. E sobre este aspecto a sentença não esclarece como é que a ofendida se estava com o pescoço apertado consegue morder os testículos ao ofendido, ou se para tal o arguido tinha de estar com os testículos junto à boca da ofendida como é que aquele lhe aperta o pescoço (ou seja qual o efectivo posicionamento de ambos, de modo a quem um aperte o pescoço e o outro morda os testículos).
Claro que a versão é contraditória sobre o modo de ocorrência e não vemos como solucionar ou contornar essa contraditoriedade, tendo em conta algo que ressuma dos autos: estamos perante duas personalidades fortes, não sendo a da assistente menos “aguerrida” pois sempre nas discussões lhe respondeu e o insultava (fls 834), do que a do arguido;
Este morder dos testículos surge evidenciado não apenas na fundamentação da sentença fruto das declarações do arguido e da ofendida mas também na ficha de urgência e exame médico de fls 121 e 232 a 234;
Nessa medida, há motivo para alterar os nºs 10 e 11º dos factos provados (mantendo-se o nº12) nos seguintes termos:
- 10º e 11º : No dia 15/9/2013, pelas 22,40 h no interior do domicilio de ambos, ao regressar de Santiago de Compostela, por a assistente haver retirado as armas e demais objectos existentes no cofre de casa na ausência do arguido e ela ter descoberto as camaras de filmar, o arguido e a assistente envolveram-se em discussão e em agressão física no decurso da qual a assistente caiu ao chão e o arguido lhe apertou o pescoço e esta lhe mordeu os testículos, situação que só parou na sequencia de o filho D...... ter ameaçado ir à cozinha buscar uma faca para se matar.
Em face do exposto, e necessariamente, como invoca o recorrente impõe-se alterar os nºs 15º e 16 dos factos provados, de modo a harmonizá-los com os dados objectivos provados, e assim ficam com a seguinte redacção:
“15.Ao praticar as condutas supra referidas, o arguido tinha consciência de que molestava corporalmente a ofendida;
16º.O arguido praticou o facto descrito em 10 e 11º na frente do seu filho menor D.......
Procede assim parcialmente a impugnação da matéria de facto.

Chegados aqui e em consequência do exposto e da alteração verificada na matéria de facto impõe-se apreciar o enquadramento jurídico dos factos provados.
Em resultado dessa alteração verifica-se que como suporte à “qualificação jurídica da conduta do agente” (cf.supra) restam-nos duas situações: a ocorrida em Fev/ 2013 (nº8 dos factos provados) em que o arguido lhe apertou o pescoço, e a ocorrida em 15/9/2013 discussão e agressão mutua com queda, aperto do pescoço e mordidela dos testículos.
Apenas na relativa aos factos de 15/9/2013 temos o respectivo enquadramento fáctico (após a alteração da matéria de facto), do que aconteceu, como e porquê e em que circunstancias e consequências; no facto de Fev/ 2013 nada sabemos.
Nestas circunstâncias importa deslindar se os mesmos integram o tipo de crime de violência doméstica, em face do bem jurídico protegido.
E visto o que deixamos expresso supra, cremos que não.
Acrescentamos. Diz-se no Ac. TRP de 29/02/2012 : I. Os maus-tratos previsto pelo crime de Violência doméstica, do art. 152.º do Cód. Penal, têm subjacente um tratamento degradante ou humilhante de uma pessoa, capaz de eliminar ou limitar claramente a sua condição e dignidade humanas.(…)III. O relevante é que os maus-tratos psíquicos estejam associados a posição de controlo ou de dominação que o agressor pretenda exercer sobre a vítima, de que decorre uma maior vulnerabilidade desta” - http://www.pgdlisboa.pt/leis
Na verdade aqueles actos isolada ou conjuntamente apreciados, em vista da vivência conjugal, e das razões, motivos, modo de actuação de ambos os cônjuges não atinge o grau de ofensa corporal que vão para além desta (ofensa à integridade física), por se nos afigurar que não revelam por parte da actuação do arguido insensibilidade e desprezo para com a esposa pondo em causa a sua dignidade pessoal como tal, e por isso não são dotados de “… intensidade adequada a ofender de forma significativa a dignidade da vítima.” -Ac. R.C. 2/10/2013 www.dgsi.pt/jtrc; - pois que, apesar da ilicitude e sua gravidade, não estamos perante nenhum tratamento desumano ou degradante que ofenda a dignidade da pessoa humana, pois que se em relação ao 1º caso não conhecemos as razões ou motivos e por isso não pode tal acção ser valorado para além dela mesma e seu conteúdo, na segunda já existe um motivo válido e forte para a discussão mutua (a esposa retirar de casa bem do cônjuge na sua ausência e sem conhecimento - e ninguém se referiu à necessidade preventiva de retirar armas do cofre de casa e não vemos que prevenir, positivamente, com a retirada do ouro do cofre de casa, e a descoberta das camaras de filmar, factos imputáveis um a cada um deles), a agressão de igual modo mutua (independente do seu começo que ninguém apurou) e das suas consequências para ambos (lesões corporais na assistente descriminadas nos factos provados e mordidela dos testículos do arguido, causa, no mínimo, de dores). Desse acontecimento se algo há a realçar como degradante e motivo de “chacota” e “ gáudio” é a assistente ter mordido os testículos do arguido (tal como ocorreria esse sentimento de degradação se tivesse sido o arguido a fazer tal acto numa zona erógena da ofendida).
E tal acontecimento é compatível com os factos apurados relativos à personalidade de cada um a que já fizemos referência: a assistente responde sempre nas discussões e insultava-o no seu decurso com palavras (motivação a fls 834), isto é não era uma vítima/ agente com personalidade diferente da do arguido, era no que podemos denominar uma vítima participativa, e que de algum modo se autocolocava em lesão ou em perigo, o que pode levar a questionar a fundamentação do facto como ilícito criminal na vertente de violência doméstica, em face da mutua agressão.
Sendo a própria finalidade da previsão normativa - protecção do bem jurídico - tutelando em geral a dignidade da pessoa humana – (em toda a sua plenitude: física e mental, numa relação próxima do ambiente familiar ou análogo, onde existem sentimentos de afectividade, de convivência, confiança, conhecimento mútuo, e ocorram actos de intimidade e de partilha da vida em comum, numa relação de viva de cooperação mutua) - que permite e justifica a relação de especialidade com outras normas punitivas, que protegem os mesmo bem (geral: a dignidade da pessoa humana), importa verificar se não preenchendo a conduta apurada os elementos típicos do crime de violência doméstica resta a sua apreciação como crimes de ofensa à integridade física (artº 143ºCP), os quais como crimes de natureza semi publica (nº2) o procedimento criminal depende de queixa, o que implica o exercício desse direito no prazo de 6 meses após o facto (artº 115º1 CP) sob pena de extinção de tal direito.
Assim quanto aos factos de Fev/ 2013 o direito de queixa devia ser exercido até Agosto de 2013 e não se mostra que tenha ocorrido.
A única queixa é a apresentada em 15 ou 16/9/2013 (surgem as duas datas) e é a relativas aos factos de 15/9/2013, não sendo sequer nela mencionados quaisquer outros, pelo que apenas esta foi apresentada em tempo.
A única referencia àqueles factos surge nas declarações prestada em inquérito em 2/10/2013 (fls 24) nas quais expressa a vontade de procedimento criminal;
Resulta daí portanto que por ausência de queixa o procedimento criminal relativo aos factos de Fev/2013 se encontra extinto, e como tal deve ser declarado.

Quanto aos factos de 15/9/2013:
Vistos os factos provados e a norma legal (artº 143º1 CP), verifica-se que se mostram preenchidos os elementos típicos objectivos e subjectivos de tal ilícito, pois que o arguido de modo voluntário e querido agrediu a esposa, causando-lhe lesões corporais, e não existe causa que exclua a ilicitude de tal conduta ou a sua culpa ou que constitua causa de desculpa.
Por outro lado não ocorre motivo justificado para a aplicação da dispensa de pena (artº 143º2 e artº 74º CP), pois nem a ilicitude dos factos nem a culpa são diminutas antes inserindo-se numa relação familiar, agressiva, mesmo que momentânea (apertar o pescoço e morder os testículos) apesar de não se saber quem começou a agressão, sendo certo que não se indicia nem demonstra que a acção do arguido tenha sido de mera retorsão.

Importa todavia apurar se este tribunal de recurso pode sem mais conhecer desse crime, pela eventualidade de ser necessário cumprir o disposto no artº 358º CPP por se poder estar perante uma alteração não substancial de factos a impor aquele cumprimento.
E analisando essa questão, cremos assim não dever ser, pois apesar de se tratar de crime diverso no seu nomen juris se trata da mesma matéria de facto imputada na acusação e pronúncia, da qual resultou apenas menos factos provados, em resultado do que o crime verificado estava em concurso aparente com o acusado/ pronunciado. Existe entre o crime de violência de domestica, pronunciado e o crime de ofensa à integridade física, verificado, uma relação de menos que naquele se contém, não há que proceder à comunicação a que se refere o artº 358º1 CPP, nem é aplicável o artº 358º3 CPP o qual pressupõe os mesmos factos e apenas diversa qualificação jurídica.
É que para além dos casos em que o tribunal se limita a pormenorizar ou a concretizar os factos que já constam da acusação e em que não ocorre qualquer alteração relevante, há também aqueles em que os factos provados são menos do que aqueles que constam da acusação e da pronuncia (desiderato de qualquer defesa: a não prova ou a menor prova possível dos factos acusados) em que obviamente não existe uma qualquer alteração dos factos existindo apenas menos factos provados, pelo que não ocorre uma alteração de factos juridicamente relevante.
Tal é também o caso assinalado no Ac. TRP de 18/04/2007 www.dgsi.pt/ em que não ocorre uma alteração de factos “ quando a factualidade dada como provada no acórdão condenatório consiste numa mera redução daquela que foi indicada na acusação ou na pronúncia, por se não terem dado como assentes todos os factos aí descritos, ou quando apenas existam alterações de factos relativos a aspectos não essenciais, manifestamente irrelevantes para a verificação da factualidade típica ou da ocorrência de circunstâncias agravantes.”.
Cremos assim que não ocorre qualquer alteração de facto a impor o cumprimento do artº 358º CPP, e isto sem cuidar, que podemos estar perante factos alegados pela defesa, no dizer do Ac. TRP de 12/07/2006 www.dgsi.pt ao doutrinar que “A expressão «factos alegados pela defesa» abrange os factos relatados pelo arguido na audiência”, e o arguido só sobre esses factos se pronunciou em audiência, exercendo plenamente o seu direito de defesa;
No mesmo sentido se expressa a R. Ev. no seu ac de 5/3/2013 www.dgssi.pt/ ao entender que “1. O crime de ameaça é um minus relativamente ao crime de violência doméstica. 2. Não carece de ser comunicada nos termos do artº 358º do CPP a alteração resultante da imputação de um crime menos grave (ameaça) que o constante da acusação (violência doméstica), em consequência da simples redução da matéria de facto na sentença”, ou a R C no ac. 14/5/2014 www.dgsi.pt/ “A condenação de arguido pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa á integridade física qualificada p. e p. pelos arts. 143.º, n.º 1, 145.º, n.ºs 1, al. b), e 2, por referência á al. b) do n.º 2 do art. 132.º (todas estas normas são do CP), num contexto em que, pelos mesmos factos, ao mesmo estava imputado, na acusação pública, um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.ºs 1 e 2, do referido diploma legal, consubstancia tão só alteração de qualificação jurídica, que não carece de comunicação, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 358.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, porquanto, constituindo o primeiro dos ilícitos um «minus» em relação ao segundo, o visado teve necessariamente conhecimento de toda a factualidade integrante dos seus elementos constitutivos.”
Sendo que tal interpretação é conforme à constituição, como decidiu o TC no seu ac. nº 330/97 - http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19970330.html
onde “ Não julga inconstitucionais as normas dos artºs 358 e 359º do CPP quando interpretadas no sentido de permitirem a condenação por infracção diversa e menos grave do que aquela que vinha acusada, em consequência da redução da matéria de facto constante da acusação”.

Assim sendo importa determinar a medida da pena, e neste âmbito sendo a previsão da norma legal de prisão até 3 anos ou com pena de multa, cremos que ao abrigo do artº 70º CP, e em face do principio da preferência pelas penas não detentivas, se justifica plenamente a opção pela pena de multa, pois o arguido se mostra inserido socialmente, sendo útil à sociedade, a quem alias serviu como militar;
Feita esta opção, importa determinar a medida da pena, e neste âmbito, “ grosso modo” a determinação da medida da pena concreta a aplicar ao arguido envolve diversos tipos de operações mentais e materiais, sendo que
- em face do artº 40ºCP, as finalidades das penas reconduzem-se à protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), e
dentro da moldura legal (pena abstracta: mínimo e máximo prevista na norma incriminadora, acrescida caso haja da aplicação das circunstancias modificativas ), estabelece o artº71º nº 1 CP, que a pena concreta é achada “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, sendo a culpa o suporte axiológico de toda a pena.
Tem-se defendido (e assim Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, págs. 227 e sgt.s) que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade e que, neste quadro conceptual, o processo de determinação da pena concreta seguirá a seguinte metodologia: a partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma sub-moldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela de bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Dentro dessa moldura de prevenção actuarão, de seguida, as considerações extraídas das exigências de prevenção especial de socialização. Quanto à culpa, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a estabelecer; ou como se expressa o STJ Ac. 17/4/2008 in www.dgsi.pt/jstj
“A norma do artigo 40º condensa, assim, em três proposições fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: protecção de bens jurídicos e socialização do agente do crime, senda a culpa o limita da pena mas não seu fundamento.
Neste programa de política criminal, a culpa tem uma função que não é a de modelar previamente ou de justificar a pena, numa perspectiva de retribuição, mas a de «antagonista por excelência da prevenção», em intervenção de irredutível contraposição à lógica do utilitarismo preventivo.
O modelo do Código Penal é, pois, de prevenção, em que a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do artigo 40º determina, por isso, que os critérios do artigo 71º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição; no (actual) programa político criminal do Código Penal, e de acordo com as claras indicações normativas da referida disposição, não está pensada uma relação bilateral entre culpa e pena, em aproximação de retribuição ou expiação.
O modelo de prevenção - porque de protecção de bens jurídicos - acolhido determina, assim, que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
O conceito de prevenção significa protecção de bens jurídicos pela tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada (cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 227 e segs.).
A medida da prevenção, que não podem em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está, assim, na moldura penal correspondente ao crime. Dentro desta medida (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.
Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para codeterminar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
Na determinação da medida concreta da pena, o tribunal está vinculado, pois, nos termos do artigo 71º, nº 1, do Código Penal, a critérios definidos em função de exigências de prevenção, limitadas pela culpa do agente. “

Assim, no que à pena concreta se refere atender-se-á à culpa do arguido (suporte axiológico de toda a pena) ou “ A culpa é o pressuposto e fundamento da responsabilidade penal. A responsabilidade é a consequência ou efeito que recai sobre o culpado. (...) Sendo pressuposto e fundamento da responsabilidade deve ser também a sua medida, (...). O domínio do facto pelo agente é o domínio da sua vontade racional e livre, e é esta que constitui o substrato da culpa” - Prof. Cavaleiro Ferreira, Lições de Dto. Penal, I, págs. 184 e 185, sendo que o principio da culpa é a “consequência da exigência incondicional da defesa da dignidade da pessoa humana que ressalta dos artigos 1º, 13º, n.º 1 e 25º, n.º 1 da Constituição da Republica Portuguesa” - Figueiredo Dias in As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 84, e às exigências de prevenção, que neste campo são acentuadas em termos gerais (ofensas à integridade física), face à quantidade de ilícitos desta natureza em curso (entre cônjuges ou pessoas a viver em comum), não o sendo em termos especial, e há a ponderar ainda, o grau de ilicitude do facto que se revela mediano, o dolo directo, e as condições pessoais, sociais e económicas e modo de vida do arguido apuradas, as circunstancias apuradas do cometimento dos factos e a participação de ambos neles, as suas consequências e ainda a ausência de antecedentes criminais e a sua idade, situando-se o arguido no nível social médio da sociedade portuguesa, a exigir por isso e em face dos seus conhecimentos uma maior capacidade de conformação com os valores da Ordem Jurídica, pelo que se justifica uma pena de 120 dias de multa.
No que respeita ao quantitativo diário é ele fixado de acordo com a sua situação económica e financeira e os seus encargos pessoais ( artº 47º2 CP mas tendo em conta a taxa diária entre 5,00€ e 500,00€.
E vistos estes critérios e os factos apurados consistentes em
“23.Recebe €1.030 mensais.
24.Vive em casa própria.
25.Paga de prestação de empréstimo à habitação €300.
26. Tem 4 filhos de 5, 11, 20 e 22, anos de idade, integrando o seu agregado os dois mais novos. Os dois mais velhos estudam, um na universidade de medicina, fora do país, e outro no país, a quem paga a prestação de €150 de alimentos.
27. É advogado estagiário e Mestre em Direito Administrativo.”
de que podemos inferir um nível financeiro e económico compatível com o nível de vida que sempre teve (quer em termos de património quer em termos de dinâmica financeira mensal), e tendo presente que
na fixação da pena de multa e no seu montante não se pode perder de vista a função penal da multa pois que o legislador penal ao ter querido valorar esta pena só pode ter querido que ela “ ... surja... como autentica pena criminal..”, e por isso “Impõe-se,...que a aplicação da pena de multa represente, em cada caso, uma censura suficiente do facto ... “ Prof. F. Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Noticias, 1993, pág. 118/119, (caso contrário implicaria a adopção de penas mais graves e/ou mais penosas, por a multa não cumprir a sua função de pena) donde “...a multa deve traduzir-se num encargo sensível,...” Leal Henriques et alli, C.Penal, Vol I, 1995, pág. 427, e “... o montante diário da mesma deve ser fixado em termos de tal sanção representar um sacrifício real para o condenado ...” Ac. STJ 210/97 CJ STJ, V, 3, 184, ou “ A pena de multa tem de representar uma censura suficiente do facto, sentida verdadeiramente pelo arguido e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada” Ac. R P. 19/2/03 www.dgsi.pt /jtrp, proc. 0213013, afigura-se-nos como justo e adequada ao arguido a taxa diária de 15,00€.
Ascende assim a multa a mil e oitocentos euros (1800,00€), a que corresponde a prisão subsidiária de 80 dias;

Importa agora aquilatar da repercussão dos factos apurados nos pedidos de indemnização civis formulados, por um lado pela arguida e por outro pela Unidade Hospitalar que assistiu medicamente a assistente.
A assistente deduziu pedido civil pedindo a condenação do arguido no pagamento da quantia de €20.000, acrescida dos juros de mora desde a citação até integral e efectivo pagamento, tendo obtido provimento quanto “à quantia de €3.500, a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora, computados à taxa legal que em cada momento vigorar - cfr. arts. 559.º, n.º 1, 566.º, 804.º, 805.º, n.º 3, e 806.º, n. 1, do Código Civil, a partir da decisão.”, e
Por seu lado a Unidade Local de Saúde EPE, pediu a condenação na quantia de 85,91 € pelos cuidados de saúde prestados à assistente, tendo sido proferida decisão que o condenou a pagar “pagar ao(à) demandante(s) unidade local de saúde de matosinhos, e.p.e., a quantia de €85,91, acrescida dos respectivos juros de mora.”

Ora, dispõe o artº 400º2 CPP “(…) o recurso da parte da sentença relativa á indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada” .
Estabelecia o artº 24º da LOTJ (redacção da Lei 3/99 de 13/1) que:
“1 - Em matéria cível a alçada dos tribunais da Relação é de 3 000 000$ e a dos tribunais de 1.a instância é de 750 000$. 2 - Em matéria criminal não há alçada, sem prejuízo das disposições processuais relativas à admissibilidade de recurso. 3 - A admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a acção”.
Valores esses que a Lei 105/03 de 10/12 veio converter em euros ao dispor que “Em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de €14 963,94 e a dos tribunais de 1.a instância é de € 3740,98.”
Desde 1/1/08 o artº 24 º 1 da LOTJ na redacção do artº 5º DL 303/07 de 24/8 veio estabelecer que: ”1- Em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de € 30 000 e a dos tribunais de 1.ª instância é de € 5000.”
Do mesmo modo o artº44.º Lei 62/2013 de 26/8 (Lei da Organização do Sistema Judiciário) actualmente em vigor, manteve que “1 - Em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de € 30 000 e a dos tribunais de primeira instância é de € 5000.
2 - Em matéria criminal não há alçada, sem prejuízo das disposições processuais relativas à admissibilidade de recurso.
3- A admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a ação.”
Tendo em conta o pedido civil deduzido pela lesada Unidade Local de Matosinhos verifica-se que não é superior ao valor da alçada do tribunal recorrido pelo que se constata que não se verificam os requisitos da mencionada norma relativa à admissibilidade do recurso instaurado pelo arguido em relação do pedido civil de indemnização decorrente do crime o que implica o não conhecimento do mesmo e a sua rejeição.
Assim o recurso do arguido é inadmissível nesta parte, pelo que de ser rejeitado (artºs 414º2, 417º6b), e 420º1b) CPP).
Tal não prejudica a extracção quanto ao pedido de indemnização das consequências que possam decorrer da procedência do recurso na parte criminal, se for o caso.

Há que apreciar por isso apenas o recurso quanto ao pedido civil formulado pela assistente, e neste âmbito diz-se na sentença recorrida:
“No âmbito do processo penal, o pedido de indemnização civil nele deduzido, por perdas e danos emergentes do crime, é regulado pela lei civil - cfr. os arts. 129.º do Cód. Pen. e 71.º e segs. do Cód. Proc. Pen. .
Uma das fontes das obrigações civis é a responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, a qual emerge, nos termos do disposto no artº 483º, nº 1, do Código Penal, sempre que alguma pessoa ‘com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios’.
E para existir responsabilidade civil do agente, têm que estar preenchidos os pressupostos contidos no art.º 483º, nº 1 do C. Civil, a saber: o facto voluntário do responsável; a ilicitude; a culpa; o dano. A estes quatro pressupostos deve, no entanto, ser acrescentado um quinto: a existência de um nexo de causalidade adequada - cfr. art. 563.º do C.C. .
Em regra, a responsabilidade extracontratual assenta na culpa, nos termos do nº 2 do citado artº 483º.
Como diz o Prof. Germano Marques da Silva , ‘o pedido de indemnização civil, a deduzir no processo penal, há-de ter por causa de pedir os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido é acusado’.
Ficou provado que:
• Em consequência da conduta do(a) arguido(a)/ Demandado(a), descrita em 4) a 11) o(a) ofendido(a)/ demandante sofreu, angustia, revolta, humilhação, desânimo e tristeza, deixando de conviver como até então o fazia.
(…)
O artº 70º, nº 1, do Código Civil, estabelecendo genericamente a tutela dos direitos de personalidade, ‘protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral’.
De entre essas ofensas, conta-se um vasto elenco de lesões a direitos inerentes à pessoa humana, de entre os quais emergem os direitos à vida, à saúde física, à integridade física, à honra, à consideração e ao bom-nome.
Nos termos do artigo 496º, n.º 1 do Código Civil, ‘na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito’. E, segundo o n.º 3 do mesmo artigo, ‘o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, as circunstâncias referidas no artigo 494.º do Código Civil’.
A quantificação dos danos não patrimoniais não resulta de operações matemáticas. Nesta sede, a ideia não é a de ressarcir o que quer que seja (dores, lesões físicas, humilhações, vergonhas, não são susceptíveis de tradução pecuniária), mas a de compensar, de algum modo, os danos sofridos.
Haverá que atentar no grau de culpabilidade do lesante, na situação económica deste e da lesada e nas demais circunstâncias relevantes do caso concreto.
O demandado agiu com dolo directo. O grau de culpa do demandado é médio.
Mostram-se verificados todos os pressupostos do art. 483º, n.º 1 do Código Civil e a existência de um nexo de causalidade adequada - cfr. art. 563.º do C.C..
Por outro lado, resulta inequívoco a verificação do exigido nexo causal.
Tudo ponderado, e tendo presentes todos os factos que ficaram provados, considera se adequado o arbitramento da indemnização de €3.500 para compensação dos danos não patrimoniais. (…)
A este(s) valor(es) de capital acrescem os juros de mora, computados à taxa legal que em cada momento vigorar, de conformidade com os artigos 559º, nº 1, 804º, nº 1, 805º, nºs 1 e 3, e 806º, nºs 1 e 2, do Código Civil, os quais devem ser contados desde a altura da liquidez do pedido, coincidente com a data desta sentença, sendo certo que, pela sua natureza, até esta data não era líquido o seu valor.”
Ora visto o decidido e os factos a ter em conta verificamos que a indemnização arbitrada à assistente partiu da relevância penal dos factos provados descritos sob os nºs 4 a 11;
Todavia como explanamos supra a relevância penal para o presente caso teriam apenas os factos decorrentes dos ilícitos descritos no nº 8, e nos nºs 10 a 14, todavia e por força do não exercício atempado do direito de queixa apenas podem ser ponderados, por se tratar de facto criminal os factos e suas consequências emergentes dos nºs 10 a 14, o que impõe uma reapreciação do montante indemnizatório.

Assim e estando apenas em causa danos não patrimoniais, e de a nosso ver ao montante dos danos não dever acrescer qualquer montante punitivo, mas antes e apenas ponderar devidamente os factores legais e os factos provados, cremos que a quantia deve ser substancialmente reduzida, face aos novos factos a atender.
Na fixação do "quantum" indemnizatório relativo aos danos não patrimoniais, manda a lei atender a juízos de equidade - artº.494º e 496º3 CC, o que implica ter-se em conta critérios de proporção, adequação às circunstâncias, objectividade e razoabilidade (D. Martins de Almeida, Manual Ac. viação, 3ª ed. pág. 110), tendo em atenção o pedido formulado, pois são comuns a todos os juízos de equidade.
Assim, há que ponderar tais critérios e os demais previstos no art.º 494º CC como sejam o dolo do arguido directo, o modo como agiu (apertando o pescoço, e queda) e as consequências que dá emergiram, desde as lesões e locais atingidos (pescoço e tórax e braços) e tempo de doença e incapacidade para o trabalho, e as dores e sentimentos e estado de espirito por que passou, as situações económicas do arguido/lesante e do ofendido/ lesado como emergem dos factos apurados, as circunstancias do caso, com o seja o local e momento das acções lesivas e as razoes e motivos da sua ocorrência, a discussão mutua e as repercussões futuras que teve inclusive entre ambos e os valores actuais fixados pela jurisprudência (cfr. Ac. R.Lx 20/2/90 CJ 90, 1,188, Acs. STJ 6/6/93 CJ Ano I, II, 186, 11/10/94 CJ STJ, 94, III, 89 entre outros) a que se deve atender a fim de afastar a subjectividade (Ac. STJ 23/10/79, RLJ 113º 91 com anotação concordante de Vaz Serra, cit. no Ac. STJ 26/5/93 CJ Ano I,II, 130).
Atendendo assim às particularidades do caso, nos termos expostos e que efectivamente a indemnização não deve ser miserável e antes deve ser suficiente ressarcidora e compensadora dos danos causados a este nível, e se como expende Antunes Varela et alli, Cod. Civil Anot. I Vol., notas ao artº 494º CC: os tribunais de recurso devem “limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida ” o certo é que na presente circunstancia estamos perante menos factos do que aqueles que teve de ponderar o tribunal recorrido, pelo que se nos afigura justo e equitativo fixar a indemnização por tais danos na quantia de mil euros, a que acrescerão os juros peticionados à taxa legal em cada momento em vigor;

No que respeita ao pagamento das despesas hospitalares, elas tiveram como causa o acto ofensivo do arguido, e por esse acto foi condenado, pelo que são da sua responsabilidade e como tal foi condenado, não se repercutindo assim a procedência parcial do recurso no pedido de indemnização formulado pela ULS Matosinhos que assim de mantém.
Não há outras questões de que cumpra conhecer.
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Pelo exposto o Tribunal da Relação do Porto decide:
Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido e em consequência,
a) Elimina da matéria de facto provado os nºs 5, 6, 7 e 9;
b) Altera a matéria de facto provada, nos seguintes termos:
-o nº4 passa a ter a seguinte redacção: “ O arguido controla o telemóvel da ofendida e as suas contas pessoais”
- os nºs 10 e 11º dos factos provados passam a ter a seguinte redacção: “ No dia 15/9/2013, pelas 22,40 h no interior do domicilio de ambos, ao regressar de Santiago de Compostela, por a assistente haver retirado as armas e demais objectos existentes no cofre de casa na ausência do arguido e ela ter descoberto as camaras de filmar, o arguido e a assistente envolveram-se em discussão e em agressão física no decurso da qual a assistente caiu ao chão e o arguido lhe apertou o pescoço e esta lhe mordeu os testículos, situação que só parou na sequencia de o filho D...... ter ameaçado ir à cozinha buscar uma faca para se matar.
- os nºs 15º e 16º dos factos provados passam a ter a seguinte redacçao:
15. Ao praticar as condutas supra referidas, o arguido tinha consciência de que molestava corporalmente a ofendida;
16º. O arguido praticou o facto descrito em 10 e 11º na frente do seu filho menor D.......”,
- no n º21 dos factos provados a referencia aos nºs 4) a 11) é substituída pela referência aos nºs 10 a 14 dos factos provados;
- c) Absolve o arguido do crime de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º n.º 1, al. a), e n. 2, do Código Penal;
- d) Julga extinto o procedimento criminal pelo crime de ofensa à integridade física p.p. pelo artº 143º1 CP (factos de Fev/ 2013);
-e) Como autor de um crime de ofensa à integridade física p.p. pelo artº 143º1 CP (factos de 15/9/2013) e ponderando o disposto no s artºs 70º, 71º CP condena o arguido na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de 15.00€ (quinze euros) o que perfaz a quantia de mil e oitocentos euros (1800,00€), a que correspondem oitenta dias de prisão subsidiaria;
f) Rejeita o recurso na parte civil contra a ULS Matosinhos, por irrecorribilidade;
g) Condena o arguido a pagar à ofendida / assistente pelos danos não patrimoniais causados a quantia indemnizatória que fixa em mil euros (1.000,00), acrescida dos juros à taxa legal peticionados;
Sem custas;
Notifique.
Dn
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Porto, 8/7/2015
José Carreto
Paula Guerreiro