Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
60/10.6PEMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NETO DE MOURA
Descritores: JOGOS DE FORTUNA OU AZAR
CRIME
MODALIDADES AFINS DOS JOGOS DE FORTUNA OU AZAR
Nº do Documento: RP2015020460/10.6PEMTS.P1
Data do Acordão: 02/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Constitui um crime de Exploração ilícita de jogo, do art. 108.º, n.º 1, da Lei no Jogo, a exploração de uma máquina com o seguinte modo de funcionamento: - após a introdução de uma moeda, os led que formam um círculo iluminam-se sequencialmente, executando um movimento giratório; esse movimento termina no momento em que apenas um deles permanece iluminado; - nessa altura, uma de duas situações pode ocorrer: ou o led que permanece iluminado corresponde a um dos oito identificados com os números referidos (1, 50, 2, 100, 5, 20, 200 e 10) e nesse caso, o jogador tem direito aos pontos correspondentes, que oscilam entre 1 e 200, convertidos em €1,00 por cada ponto (tais pontos são creditados e visualizados através da respetiva janela); ou o led que permanece iluminado não se encontra identificado e o jogador não tem direito a qualquer prémio; - em ambas as situações as jogadas sucedem-se automaticamente até se esgotarem os créditos provenientes das moedas introduzidas; - no final, se houver pontos acumulados o jogador pode solicitar ao explorador a quantia monetária que lhes corresponda ou pode premir o botão que lhe concede um bónus de duas jogadas por cada crédito ganho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 60/10.6PEMTS.P1
Recurso penal
Relator: Neto de Moura

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto

I – Relatório

No âmbito do processo comum que, sob o n.º 60/10.6PEMTS, corria termos pelo 1.º Juízo de Competência Criminal do (entretanto extinto) Tribunal Judicial da Comarca da Maia (e agora corre pela Secção Criminal da Instância Local da Maia, Comarca do Porto) mediante acusação do Ministério Público, foram os arguidos B… e C…, melhor identificados nos autos, submetidos a julgamento em tribunal singular, acusados que estavam da prática, em co-autoria material, de um crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar.
Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, foi proferida sentença, datada de 15.07.2014 (fls. 253 e segs.) e depositada na mesma data, com o seguinte dispositivo:
“Por todo o exposto, julgo parcialmente procedente, por provada, a acusação deduzida contra a arguida C… pelo que a condeno pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelos artigos 1.º, 4.º n.º 1 alínea g) e 108 do Dec./Lei 422/89 de 02.12, nas penas de 90 dias de multa, à taxa diária de 6 €, e na pena de 4 meses de prisão, que substituo por 120 dias de multa, à taxa diária de 6 €, do que resulta a pena única de 210 dias de multa, à taxa diária de 6 €, perfazendo um total de 1260 € (mil duzentos e sessenta euros).
No demais julgo improcedente, por não provada, a acusação deduzida contra a arguida C… pelo que a absolvo da prática do segundo crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelos artigos 1.º, 4.º n.º 1 alínea g) e 108 do Dec./Lei 422/89 de 02.12.
Julgo improcedente, por não provada, a acusação deduzida contra o arguido B… pelo que o absolvo da prática, em co-autoria, do crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelos artigos 1.º, 4.º n.º 1 alínea g) e 108 do Dec./Lei 422/89 de 02.12”.
Inconformada, almejando a revogação da sentença e a sua absolvição ou, quando menos, a redução da pena aplicada, veio a arguida C… interpor recurso da decisão condenatória para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação, que “condensou” nas seguintes “conclusões” (reprodução integral):
A. “No que se refere à subsunção da conduta que se imputa à Recorrente em sede de factualidade tida como provada, entende modestamente aquela que, ao contrário do decidido na douta Sentença sob recurso, não se poderia haver concluído por preenchidos os elementos constitutivos do tipo legal em causa relativamente à máquina apreendida a 02 de Dezembro de 2010.

B. Na verdade, entende-se que não será de limitar a exploração do jogo ora em causa aos casinos existentes nas referidas zonas de jogo, pois que, não será de entender o mesmo jogo como um qualquer desses jogos nefastos (em que efectivamente “pensava” o legislador quando decidiu restringir a sua prática/exploração às zonas de jogo) cuja exploração a tais zonas se limita,

C. Ainda que mais não seja por não se afigurar de todo possível uma qualquer viciação em jogo tão rudimentar (sem qualquer pagamento directo de prémios e/ou atribuição de fichas, logo, sem toda a “envolvência” dos denominados jogos de casino), a que acresce o facto de os valores despendidos com o mesmo serem de pouca relevância e não lesarem uma qualquer família ou património.

D. O jogo em causa não desenvolve um qualquer tema próprio dos jogos de fortuna ou azar, como seja, uma qualquer roleta electrónica, pois que, para além do valor “apostado” não influir por qualquer modo numa qualquer esperança de ganho, não existe uma qualquer aposta concreta em qualquer um dos números ou pontos presentes naqueles jogos, ao contrário do que sucede com uma qualquer roleta de um qualquer casino, tão pouco são permitidas quaisquer apostas múltiplas ou mesmo um qualquer dobrar de apostas.

E. Sendo que, tendo por base e fundamento a Jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu douto Acórdão n. 4/2010 (proferido no Processo n.º 2485/08 e publicado na 1.ª Série, N.º 46º, do D.R. de 08 de Março de 2010), sempre se questiona a Recorrente de quais as diferenças existentes entre o jogo desenvolvido pela máquina dos autos e aquele outro jogo que foi objecto do citado Acórdão de Fixação de Jurisprudência, para além daquela diferença óbvia de que a máquina ora em causa depende de impulso electrónico, enquanto que aquela outra depende de impulso mecânico?

F. Não obstante, e sem descurar do exposto, apraz referir que, após rigorosa análise e enquadramento de tudo o vertido em tal douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência n. 4/2010, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, no seu douto Acórdão de 02.02.2011 (proferido no âmbito do Proc. n.º 21/08.5FDCBR.C2 e disponível in www.dgsi.pt), e aquando da análise comparativa entre o jogo em causa nos autos onde veio a ser fixada a aludida Jurisprudência e naqueles autos de recurso (nos quais, por sua vez, o jogo era absolutamente similar ao desenvolvido pela máquina ora em causa), entendeu que máquinas como a ora em causa nos presentes autos não consubstanciam a prática de um qualquer jogo de fortuna ou azar.

G. Porquanto, concluiu desde logo aquele Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que, sendo devidamente analisado o conteúdo legal da proibição da exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados, «nunca merecerá a qualificação de crime a exploração de jogos que se enquadram num mecanismo em que os prémios se encontram previamente definidos.»,

H. Ainda que tais jogos possam mesmo atribuir prémios em dinheiro ou desenvolver temas de jogos de fortuna ou azar, até porque, e ainda segundo o vertido naquele douto Acórdão, mesmo «às modalidades afins que atribuam prémios em dinheiro ou fichas a lei não deixa de designar como modalidades afins», constituindo uma qualquer sua exploração ilícita uma “mera” contra-ordenação, conforme preceituado no art. 163º,

I. Pois que, conclui então aquele Venerando Tribunal da Relação de Coimbra «ser esta a tese que está imanente ao acórdão de fixação de jurisprudência e que importa considerar até em obediência ao princípio da igualdade plasmado no artigo 13º da Constituição da República.».

J. Donde, atento o vertido no douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n. 4/2010, e, bem assim, nos, doutos Acórdãos da Veneranda Relação de Coimbra, de 02.02.2011 e 25.06.2014, douto Acórdão da Veneranda Relação de Évora, de 31.05.2011, douto Acórdão da Veneranda Relação de Lisboa, de 01.06.2011, bem como, doutos Acórdãos desta Veneranda Relação do Porto, de 11.12.2013 e 12.02.2014 e 02.07.2014, está em crer modestamente a Recorrente que a máquina em causa nos presentes autos, não poderá ser entendida como desenvolvendo um qualquer jogo de fortuna ou azar.

K. Sendo, nessa sequência, forçoso concluir-se que, atentos os factos por si dados como provados, nomeadamente, quanto às características da máquina em causa, e por estar em causa apenas factualidade relacionada com a exploração de tal máquina, não poderia o Digníssimo Tribunal “a quo” ter concluído pela subsunção da conduta da Recorrente à prática de um qualquer crime de exploração ilícita de jogo, impondo-se a sua absolvição.

L. Mais que não seja porque, e abordando-se a questão por outro prisma, e tal qual resulta do vertido no aludido douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2010, sendo o tipo legal em causa (exploração ilícita de jogo) dotado de uma certa rigidez, que o constitui como tipo de garantia, sendo essa precisamente uma das manifestações do princípio da legalidade, claramente será de excluir o jogo dos autos das previsões de punição penal decorrentes do preceituado nos artigos 1.º, 3.º, 4.º e 108.º da “Lei do Jogo”,

M. Pois que para se concluir pela exploração de um qualquer jogo de fortuna ou azar terão que se ter por verificados os 3 (três) pressupostos elencados na lei, como seja, a dependência da sorte, o desenvolvimento de temas próprios dos jogos de fortuna ou azar e, bem assim, o pagamento feito directamente em fichas ou moedas, na medida em que, esse é o pagamento efectuado nos “jogos de casino” – Cfr. arts. 1º e 4º, n.º 1, als. f) e g).

N. Isto sem descurar do facto de a própria “Lei do Jogo” (artigos 1.º e 4.º do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, na redacção do D.L. n.º 10/95, de 19 de Janeiro), na definição de jogos de fortuna ou azar, combinar uma fórmula generalizadora (art. 1.º) com a técnica exemplificativa (art. 4.º), donde resulta que os diversos tipos de jogos considerados como de fortuna ou azar e que são autorizados nos casinos são os que estão especificados na lei, e não outros,

O. Pois que, não obstante exemplificativa, a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, sempre tal especificação é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia,

P. Ao que acresce o facto de, nem mesmo pelas Portarias actualmente em vigor (n. ° 817/2005, de 13 de Setembro e 217/2007, de 26 de Fevereiro), relativamente às regras de execução dos jogos de fortuna ou azar, porque os tipos de jogos (bancados, não bancados, e, em máquinas electrónicas) quase totalmente coincidentes com os especificados no D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, se poder concluir pela observância por parte do jogo da máquina dos autos das características dos denominados jogos de casino.

Q. Pois que, tal como se infere do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010 (Diário da República, 1ª série - N,º 46 - 8 de Março de 2010), tendo o critério de distinção entre o ilícito criminal e o ilícito contraordenacional que ser um critério material, imposto pelo princípio da legalidade e pela função de garantia inerente a cada tipo de crime,

R. Sempre os jogos de fortuna ou azar serão aqueles que se encontram especificados no n.º 1 do artigo 4.º, e, como tal, nunca a máquina dos autos poderá ser enquadrada nesses jogos, pois que, relativamente a ela, está totalmente afastado o preceituado na al. j) do n.º 1 daquele artigo 4º, na medida em que, não pagava directamente prémios em fichas ou moedas, mas tão só apresentava pontuações, as quais dependiam então da sorte e poderiam então, e alegadamente, ser convertíveis posteriormente em numerário,

S. No entanto, sempre se diga que, nem essa possibilidade de conversão das aludidas pontuações em numerário poderá, por si só, fazer precludir a sua "integração" enquanto mera modalidade afim dos jogos de fortuna ou azar, mas tão só, poderá consubstanciar, ela própria, uma distinta contra-ordenação.

T. No sentido de que máquinas como a dos autos não consubstanciam um qualquer jogo de fortuna ou azar, antes sim, apenas e só, uma mera modalidade afim, pronunciou-se este Venerando Tribunal da Relação do Porto, no seu douto Acórdão de 11.12.2013 (proferido no âmbito do Proc. n.º 626/11.7GDGDM da 1ª, Secção e disponível in www.dgsi.pt), já "confirmado" pelo ainda mais recente douto Acórdão de 12.02.2014 (proferido no âmbito do Proc. n.º 2084/12.0 TAVLG.PI da 1.ª Secção - ainda não "publicado"), o que fez, tendo por "base" o vertido nos aludidos doutos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e dos Tribunais da Relação de Coimbra e Évora.

U. Na medida em que, atento o seu funcionamento, «se conclui que o "jogo" desenvolvido pela máquina não corresponde a qualquer dos temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, sendo antes uma modalidade afim destes jogos. Aliás e para sermos mais impressivos, podemos afirmar que este tipo de máquinas não tem qualquer correspondência com nenhuma existente nos casinos, antes pelo contrário»,

V. Sendo que, «apesar de o jogo em causa depender exclusivamente da sorte, o certo é que, também previamente, o jogador sabia que o prémio que iria receber era necessariamente variável entre € 1,00 e € 200,00.»,

W. Ao que acresce ainda o facto de, «Para além de o tema do jogo não se assemelhar ao promovido noutra espécie de máquinas que desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar (cf art. 4 n° 1-g) do citado diploma legal), o prémio não era pago directamente pela máquina em "fichas ou moedas" (cf. art. 4 n° 1-f do mesmo diploma legal).».

X. Neste mesmo sentido, e ainda mais recentemente, através de douto Acórdão subscrito por um outro Exmo. Desembargador Relator, veio igualmente pronunciar-se este Venerando Tribunal da Relação do Porto, no seu douto Acórdão de 09.07.2014 (proferido no âmbito do Proc. 514/13.2 EAPRT.P1 da 1.ª Secção, e disponível em www.dgsi.pt), o qual, após enumeração de toda uma série de “requisitos/pressupostos” que pudessem então servir para diferenciar uns e outros jogos (os de fortuna ou azar e as suas modalidades afins), conclui ser possível “isolar uma característica comum a todas as modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, de resto imediatamente apreensível e que se não verifica nos jogos de fortuna ou azar: a predeterminação do respectivo prémio. A que acresce estoutra: a pequena dimensão daquilo que o jogador arrisca, que até pode ser pura e simplesmente insignificante” (negrito e sublinhado nossos),

Y. Concluindo então que, atendendo ao valor do prémio (sempre entre € 1,00 e € 200,00) e ao valor da jogada (sempre de € 0,50, num máximo de introdução de e 2,00) «parece evidente que estamos perante um jogo que se configura como uma tômbola mecânica ou electrónica em que o valor arriscado pelo jogador é diminuto ou de pequena dimensão e o prémio a que se habilitava estava logo à partida predeterminado, devendo, por consequência, ser qualificado como de modalidade afim dos jogos de fortuna ou azar. Pelo que a exploração da máquina por onde o jogo corria não constituía um crime de exploração ilícita de jogo mas uma contra-ordenação» (negrito e sublinhado nossos)

Z. Por fim, de referir que, temos por inconstitucional a interpretação das normas contidas nos nºs 4.°, 108.° e 115.° do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, quando efectuada (como sucede no caso dos autos) no sentido de que um qualquer jogo desenvolvido por máquina electrónica, cujo resultado dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte, mas cujos limites máximos de "prémios" a atribuir estejam já previamente definidos e delimitados e sejam do conhecimento dos utilizadores, consubstancia um qualquer jogo de fortuna ou azar,

AA. Pois que, uma tal interpretação é claramente inconstitucional por violação dos princípios da "liberdade individual" e da "proporcionalidade", designadamente, das normas constante nos arts. 13.º e 18.° da Constituição da República Portuguesa, e, bem assim, por clara violação do supra referido princípio da "legalidade", na vertente de "nullum crimen sine lege certa", logo, por violação do disposto no artigo 29. ° da Constituição da República Portuguesa (Neste sentido, cfr. Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação do Porto de 21.05.2008, proferido no Proc. n. ° 2492/08-1, e acessível in www.dgsi.pt).

BB. E sem conceder do exposto, apraz referir que, delimitando-se a pena a aplicar à Recorrente na culpa desta, e, bem assim, nas exigências de prevenção, geral e especial, sempre resulta que, de forma alguma de poderá compreender e aceitar a(s) pena(s) aplicada(s), na medida em que, extravasa claramente a culpa desta e as próprias necessidades de prevenção, e, não tem, devidamente, em conta as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor da mesma Recorrente.

CC. É de todo incompreensível, porque exagerada e desproporcionada, a pena aplicada à Recorrente, ainda que mais não seja pelo facto de a actuação do Recorrente passível de censura se “traduzir” tão só na exploração de uma única máquina, a qual permitia unicamente apostas de valor reduzido, facto que, naturalmente, sempre obstaria a um qualquer delapidar grave e sério do património dos seus utilizadores e, bem assim, sempre limitaria quaisquer benefícios económicos que para o Recorrente pudessem vir a resultar de tal exploração.

DD. Além do que, de forma alguma se compreende como se afigurou sustentável ao Digníssimo Tribunal “a quo” aplicar, numa moldura penal como a supra referida, e até por contraposição com a pena de prisão aplicada, uma pena de multa que se situa num patamar do meio da pena abstractamente aplicável.

EE. Já no que respeita às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor da Recorrente, é de referir que, não parece ter sido devidamente valorada a ausência de antecedentes criminais à data dos factos ora em causa nos presentes autos, bem como não parece ter sido devidamente valorada a sua inserção social, familiar e profissional e, bem assim, a ausência de uma qualquer notícia posterior da prática de factos similares, ou quaisquer outros factos ilícitos, da sua parte.

FF. No caso presente, e por de aplicação ao mesmo, atenta a problemática em apreço, deverá relevar-se tudo quanto vem vertido no recente douto Acórdão desta Relação do Porto, de 18/09/2013 (proferido pela 4ª Secção no âmbito do Proc. N.º 311/10.7 EAPRT.P1), que nos refere estarmos perante o «domínio das denominadas “bagatelas penais”», com um pequeno grau de ilicitude dos factos e com pequenas necessidades de prevenção geral, porquanto, o tipo em causa não é causador de grande alarme social.

GG. Ademais, e na sequência da recentemente decidido pelo STJ, no seu douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência, n.º 8/2013, sempre temos que a substituição da pena de prisão aplicada deveria ter sido efectivada, não em medida igual ou proporcional àquele prazo, mas sim em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, apresentando-se assim como exagerada e desproporcional a pena aplicada, impondo-se em medida inferior.

HH. A pena aplicada ao ora Recorrente, não é de forma alguma correcta e justa, revelando-se, aliás, como desproporcionada às exigências de prevenção geral e especial aqui reclamadas, não se enquadrando, por isso, de forma alguma, nos princípios legais reguladores da presente matéria, como sejam, os arts. 40º e 71º do C.Penal,

II. Donde, sempre será de concluir que, no caso presente, e atento tudo o exposto, sempre deverá decidir-se pela aplicação de pena substancialmente inferior, na medida em que, da mesma sempre resultarão perfeitamente prosseguidas as exigências de prevenção, resultando, daí, por realizadas, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.

JJ.A douta Sentença sob recurso violou os arts. 40º, 43º e 71º, nºs 1 e 2 do C.Penal, 1º, 3º, 4º e 108º, todos do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, e 13º, 18º, 29º e 32º da C.R.P.”.
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Admitido o recurso (despacho a fls. 304) e notificado o Ministério Público, veio este apresentar resposta à respectiva motivação, concluindo que não merece provimento e por isso pugna pela confirmação da decisão recorrida.
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Ordenada a subida dos autos ao tribunal de recurso, e já nesta instância, na intervenção a que alude o art.º 416.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso.
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Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, veio a recorrente apresentar resposta em que reitera o que foi por si alegado na motivação do seu recurso.
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Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

II – Fundamentação
São as conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 412.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj)[1] e, portanto, delimitam o objecto do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso.
A recorrente não impugna a decisão em matéria de facto.
Insurge-se, isso sim, contra o enquadramento jurídico-penal dos factos provados, pois considera que a máquina que tinha em exploração no seu estabelecimento comercial não desenvolvia qualquer jogo que pudesse qualificar-se como jogo de fortuna ou azar e, por conseguinte, não se verifica o crime por que foi condenada.
Além disso, afirma que o tribunal a quo fez uma interpretação inconstitucional das normas dos artigos 4.º, 108.º e 115.º do Dec. Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, porque violadora dos princípios da liberdade individual, da proporcionalidade e da legalidade, “na vertente de «nullum crimen sine lege certa»”.
Por último, não se conforma com a medida da pena aplicada, que considera desproporcionada.
Assim, são questões a apreciar e decidir neste recurso:
- se as características do jogo desenvolvido pela máquina que a arguida/recorrente tinha e explorava no seu estabelecimento comercial implica a sua qualificação como jogo de fortuna ou azar ou como modalidade afim;
- se o tribunal, para decidir como decidiu, adoptou interpretação normativa inconstitucional dos referidos preceitos legais;
- medida da pena.
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Identificado e delimitado o objecto do recurso, importa conhecer a factualidade em que assenta a condenação proferida:
Factos provados:
a) À data dos factos infra descritos, a arguida C… dirigia e explorava o estabelecimento comercial denominado “D…”, sito na Rua …, n.º .., …, Maia.

b) O arguido é casado com a arguida e em 2 de Dezembro de 2010 também trabalhava naquele estabelecimento.

c) No dia 2 de Dezembro de 2010, pelas 11 horas e 10 minutos, no interior daquele estabelecimento, sobre o balcão de atendimento aos clientes, e para utilização por qualquer cliente, ligada à corrente eléctrica, encontrava-se uma máquina eléctrica/electrónica, com móvel portátil, estrutura em metal, sem qualquer referência exterior quanto à origem, fabricante, n.º de fabrico ou série.

d) Nessa altura, o cofre da máquina tinha a quantia de €4,00 (quatro euros), proveniente de jogadas que até então tinham sido efectuadas por clientes e que ainda não tinha sido retirada.

e) Tal máquina não tinha qualquer referência quanto à origem e tinha as seguintes características exteriores:
- na parte frontal tinha um painel em vidro acrílico, através do qual se visualizava um mostrador circular dividido em oito pontos, identificados pelos seguintes números e palavras: 1 Biglie; 50 Biglie; 2 Biglie; 100 Biglie; 5 Biglie; 20 Biglie; 200 Biglie; e 10 Biglie.
- o mostrador circular era composto por vários led´s (pequenas lâmpadas) equidistantes, oito deles identificados com os números e letras referidas, que após a introdução de €50 (mínimo para se poder dar início à jogada), se iluminavam sequencialmente, executando, no mesmo sentido, um movimento giratório;
- no centro do mostrador circular existia uma janela digital através da qual eram visualizados os pontos provenientes de eventuais jogadas premiadas e, no lado direito, encontrava-se uma nova janela digital, através da qual eram informados os créditos provenientes de introdução de moedas; cada 50 cêntimos proporcionava 50 pontos;
- no final do movimento giratório, um dos led´s identificados ficava iluminado, bem como todo o mostrador, dando indicação de jogada premiada;
- na parte lateral direita encontrava-se o mecanismo para introdução de moedas de €0,50, €1,00 e €2,00 e dois pontos metálicos que permitiam fazer o reset aos pontos provenientes de eventuais jogadas premiadas; e
- na parte frontal tinha um botão encarnado que permitia ao jogador utilizar os pontos acumulados; por ponto ganho, o jogador tinha direito a mais duas jogadas.

f) O sistema de funcionamento da máquina era o seguinte:
- após a introdução de uma moeda, os leds que formavam o círculo iluminavam-se sequencialmente, executando um movimento giratório; e esse movimento terminava no momento em que apenas um deles permanecia iluminado; - nessa altura, uma de duas situações podia ocorrer: ou o led que permanecia iluminado correspondia a um dos oito identificados com os números referidos e, nesse caso, o jogador tinha direito aos pontos correspondentes, que oscilavam entre 1 e 200, convertidos em €1,00 por cada ponto; tais pontos eram creditados e visualizados através da respectiva janela; ou o led que permanecia iluminado não se encontrava identificado, e o jogador não tinha direito a qualquer prémio; - em ambas as situações as jogadas sucediam-se automaticamente até se esgotarem os créditos provenientes das moedas introduzidas; - no final, se houvesse pontos acumulados, o jogador poderia solicitar ao explorador a quantia monetária que lhes correspondia, ou poderia premir o botão que lhe concedesse um bónus de duas jogadas por cada crédito ganho.

g) A arguida não tinha qualquer autorização para explorar tal jogo no estabelecimento mencionado e o arguido tinha conhecimento de tal facto.

h) Todavia, em dia que não foi possível apurar, colocou a arguida naquele estabelecimento a máquina de jogo mencionada, a fim de ser ali exposta em funcionamento e ao dispor do público e obter quantias monetárias provenientes do jogo que a mesma desenvolvia.

i) Os arguidos conheciam as características da máquina supra referida, bem como o jogo que desenvolvia e a arguida adquiriu-a em circunstâncias que não foi possível apurar.

j) Ao actuar conforme o supra descrito, a arguida agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que se tratava de jogo cuja exploração apenas é permitida em casinos ou em locais autorizados e não ignorando que essa sua conduta era proibida por lei.

k) No dia 1 de Junho de 2012, pelas 19 horas e 50 minutos, no interior daquele estabelecimento, sobre o balcão de atendimento aos clientes, e para utilização por qualquer cliente, ligada à corrente eléctrica, encontrava-se uma máquina electrónica, com móvel portátil, com a designação “Teste de Alcoolémica”, sem qualquer referência exterior quanto à origem do fabricante.

l) Tal máquina tinha as seguintes características exteriores:
- na parte frontal apresentava uma imagem protegida por um painel em acrílico, onde surgiam oito pontos luminosos identificados com a cor verde e com a palavra “OK”; a cor amarela e a palavra “CUIDADO”; a cor vermelha e palavra “PERIGO”;
- na parte superior, apresentava dois botões, um com a indicação para dar início ao “teste” e outro para dar início ao “contra-teste”;
- abaixo de tais botões, existia um mostrador digital, ladeado por duas pequenas lâmpadas correspondentes a tais botões, e junto a uma dessas lâmpadas (do lado esquerdo) encontrava-se uma abertura no painel para encaixar uma palhinha.

m) A arguida adquiriu a máquina referida, em circunstâncias que não foi possível apurar, para a colocar no estabelecimento.

n) Os arguidos não têm antecedentes criminais

o) A arguida continua a explorar o estabelecimento referido em a)

Factos não provados:
No tribunal a quo considerou-se que a prova produzida não permitia dar como assente que:
1. O arguido trabalhasse no estabelecimento referido em a) durante Novembro de 2010.

2. O arguido colaborasse na gestão e exploração do “D…”.

3. O arguido tivesse actuado pela forma descrita em h)

4. O sistema de funcionamento da máquina referida em k) fosse o seguinte:
- desliga-se a máquina e liga-se com a utilização de uma ficha, na parte lateral esquerda, num local pré-estabelecido, assinalado, por forma a que carregando em simultâneo no botão verde (lado esquerdo), o leitor magnético instalado no interior da máquina efectue a respectiva activação;
- após a activação e a introdução de uma moeda de €1.,00 no moedeiro e carregar no botão verde, as lâmpadas localizadas junto a oito quadrados começavam a piscar aleatoriamente diminuindo de intensidade até ocorrer um de duas situações: ou não permanecia qualquer das oito lâmpadas iluminadas e o jogador não tinha direito a qualquer crédito em pontos; ou uma das oito lâmpadas permanecia iluminada e eram atribuídos, de forma automática um determinado número de créditos conforme a lâmpada iluminada, ou seja, a lâmpada correspondente a “OK” atribuía 1 crédito; a lâmpada correspondente a “CUIDADO” atribuía 10 créditos; a lâmpada correspondente a “PERIGO” atribuía 200 créditos; - tais créditos que oscilavam entre 1 e 200 eram convertidos em €1,00 por cada crédito
- em ambas as situações as jogadas sucediam-se automaticamente até se esgotarem os créditos provenientes das moedas introduzidas;
- no final, se houvesse pontos acumulados, o jogador poderia solicitar ao explorador a quantia monetária que lhes correspondia, ou poderia premir o botão que lhe concedesse um bónus de duas jogadas por cada crédito ganho. A máquina referida tivesse a designação de “teste de alcoolémica”, mas não funcionasse como tal.
5. Na altura em que foi encontrada a máquina referida em k) encontrava-se bloqueada, com as lâmpadas sinalizadoras dos botões a piscar indefinidamente. Tinha um leitor de cartões magnéticos para permitir o acesso ao jogo supra referido, servindo como código de acesso e não tinha qualquer utilidade na funcionalidade da máquina.

6. Desenvolvia o jogo referido que se encontrava camuflado, ou seja, aparentemente e sem activação do referido cartão magnético, a máquina só exercia a função de teste de alcoolemia. O cartão magnético não tinha qualquer utilidade na funcionalidade da máquina como teste de alcoolemia; e a mesma apresentava o mesmo resultado quer utilizando o detector de alcoolemia (utilizando a palhinha) ou pressionando os respectivos botões.

7. A arguida mantivesse a máquina em funcionamento para obter quantias monetárias provenientes do jogo que a mesma desenvolvia.

8. A arguida não tinha qualquer autorização para explorar tal jogo no seu estabelecimento.

9. Conhecia as características da máquina e quis actuar conforme o supra descrito, de forma livre e consciente, bem sabendo que se tratava de jogo cuja exploração apenas é permitida em casinos ou em locais autorizados e não ignorando que essa sua conduta era proibida por lei.
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Valoração jurídico-penal dos factos provados - jogo de fortuna ou azar ou modalidade afim?
A censura que a recorrente dirige à sentença está especialmente focada na qualificação do jogo que a máquina apreendida (identificada nas alíneas c) a f) do elenco de factos provados) proporciona.
Grande parte do seu discurso argumentativo crítico visa a demonstração de que, ao contrário do que foi entendido na primeira instância, tal máquina “não desenvolve um qualquer tema próprio dos jogos de fortuna ou azar”, designadamente “uma qualquer roleta electrónica” (conclusão D)), mas sim uma modalidade afim desses jogos e afirma que a sua tese é sustentada em várias decisões jurisprudenciais, entre as quais o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2010, de 04.02.2010 (DR, I-A, de 08.03.2010) que uniformizou jurisprudência no seguinte sentido:
Constitui modalidade afim, e não jogo de fortuna ou azar, nos termos dos artigos 159.º, n.º 1, 161.º, 162.º e 163.º do DL n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do DL n.º 10/95, de 19 de Janeiro, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário, no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público”.
Nos termos do artigo 108.º do Dec. Lei n.º 422/89, de 02 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Dec. Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, constitui crime:
a exploração, por qualquer forma, de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados.
Os locais autorizados para esse efeito são, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1:
- por regra, os casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário, criadas por decreto-lei;
- excepcionalmente, em percursos turísticos e aeroportos e em estabelecimentos hoteleiros ou complementares, em localidades em que a actividade turística seja predominante (artigo 6.º);
A exploração do jogo do “bingo” tem regulamentação específica.
Da descrição típica contida no citado artigo 108.º facilmente se extrai que para a definição do ilícito criminal (e para a sua distinção do ilícito contra-ordenacional) é fundamental a caracterização dos jogos de fortuna ou azar (e a sua distinção das chamadas "modalidades afins").
Com efeito, é a distinção entre jogos de fortuna ou azar e modalidades afins que serve de base à construção dos tipos de ilícito em causa: ilícito criminal em caso de exploração dos primeiros fora dos locais legalmente autorizados e ilícito contra-ordenacional quando se trate de modalidade afim.
Por isso é pertinente uma abordagem, ainda que breve e despretensiosa, desta questão, que tanta polémica tem suscitado. Na verdade, a discussão sobre o critério de distinção entre jogos de fortuna ou azar e modalidades afins é uma polémica que se eterniza e, como se depreende dos (seis) votos de vencido lavrados no citado AUJ n.º 4/2010 e da jurisprudência, entretanto, produzida, está longe de poder considerar-se ultrapassada.
Porventura, o único ponto que reúne consenso é o de que o critério de distinção não está na aleatoriedade do resultado, pois que, também nas modalidades afins de jogos de fortuna ou azar, o resultado pode estar dependente “somente da sorte”.
Com efeito, é indiscutível que o critério que faz depender o resultado do jogo exclusivamente da sorte foi ultrapassado pela legislação, logo a partir da versão originária do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, e, mais acentuadamente, a partir da alteração deste pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro.
Também o critério da natureza do prémio é, para o efeito que aqui nos interessa, imprestável, pois a atribuição de prémios em dinheiro, por si só, não integra a específica configuração em que está definido o pagamento de prémios nos jogos de fortuna ou azar, cujo pagamento pode consistir, pelo menos imediatamente, em fichas e o resultado ser apresentado como pontuações.
Essas definição e distinção resultam da combinação de uma cláusula geral ou fórmula generalizadora:

Jogos de fortuna ou azar” são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte (artigo 1.º).

Depois, no art.º 4.º, a complementar essa fórmula genérica, vem uma concretização exemplificativa dos vários tipos de jogos de fortuna ou azar, cuja exploração é autorizada nos casinos:

- jogos bancados (alíneas a) a d));

- jogos não bancados (alínea e));

- jogos em máquinas (alíneas f) e g)).

Relativamente aos jogos em máquinas (aqueles que para o caso nos interessam), temos:

- aqueles que pagam directamente prémios em fichas ou moedas (alínea f)) e

- aqueles que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte (alínea g)).

Modalidades afins (dos jogos de fortuna ou azar) são “as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico” (artigo 159.º).
Como modalidades afins, a lei refere, exemplificativamente, as rifas, as tômbolas, os concursos publicitários, os sorteios, os concursos de conhecimentos e os passatempos.
Cabe assinalar que são, expressamente, excluídos do conceito de “modalidade afim” os jogos que desenvolvam temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, nomeadamente o póquer, frutos, campainhas, roleta, dados, bingo, lotaria de números ou instantânea, totobola, totoloto ou substituam por dinheiro as fichas ou os prémios atribuídos.
No acórdão de unificação de jurisprudência frisa-se que “…. não obstante exemplificativa a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, ela é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia[2]. Todas as modalidades de jogos que não correspondam às características descritas e especificadas nos referidos artigos 1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, embora os seus resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, revertem para as modalidades afins, como se defende no acórdão-fundamento”[3] .
Decisivo será, então, saber se está preenchida a previsão das normas citadas, ou seja, se a máquina em causa desenvolvia modalidade de jogo que se enquadre em algumas das categorias especificadas nos artigos 1.º e 4.º daquele diploma legal.
É a altura certa para recordarmos os factos que, com relevância para esta questão, o tribunal a quo deu como provados (e que a recorrente não põe em causa).
A máquina apresentava as seguintes características exteriores:
- na parte frontal tinha um painel em vidro acrílico, através do qual se visualizava um mostrador circular dividido em oito pontos, identificados pelos seguintes números e palavras: 1 Biglie; 50 Biglie; 2 Biglie; 100 Biglie; 5 Biglie; 20 Biglie; 200 Biglie; e 10 Biglie.
- o mostrador circular era composto por vários led´s (pequenas lâmpadas) equidistantes, oito deles identificados com os números e letras referidas, que após a introdução de € 0,50 (mínimo para se poder dar início à jogada), se iluminavam sequencialmente, executando, no mesmo sentido, um movimento giratório;
- no centro do mostrador circular existia uma janela digital através da qual eram visualizados os pontos provenientes de eventuais jogadas premiadas e, no lado direito, encontrava-se uma nova janela digital, através da qual eram informados os créditos provenientes de introdução de moedas; cada 50 cêntimos, proporcionava 50 pontos;
- no final do movimento giratório, um dos led´s identificados ficava iluminado, bem como todo o mostrador, dando indicação de jogada premiada;
- na parte lateral direita encontrava-se o mecanismo para introdução de moedas de € 0,50, € 1,00 e € 2,00 e dois pontos metálicos que permitiam fazer o reset aos pontos provenientes de eventuais jogadas premiadas; e
- na parte frontal tinha um botão encarnado que permitia ao jogador utilizar os pontos acumulados; por ponto ganho, o jogador tinha direito a mais duas jogadas.
O modo de funcionamento da máquina era o seguinte:
- após a introdução de uma moeda, os leds que formavam o círculo iluminavam-se sequencialmente, executando um movimento giratório; e esse movimento terminava no momento em que apenas um deles permanecia iluminado; - nessa altura, uma de duas situações podia ocorrer: ou o led que permanecia iluminado correspondia a um dos oito identificados com os números referidos e, nesse caso, o jogador tinha direito aos pontos correspondentes, que oscilavam entre 1 e 200, convertidos em € 1,00 por cada ponto; tais pontos eram creditados e visualizados através da respectiva janela; ou o led que permanecia iluminado não se encontrava identificado, e o jogador não tinha direito a qualquer prémio; - em ambas as situações as jogadas sucediam-se automaticamente até se esgotarem os créditos provenientes das moedas introduzidas; - no final, se houvesse pontos acumulados, o jogador poderia solicitar ao explorador a quantia monetária que lhes correspondia, ou poderia premir o botão que lhe concedesse um bónus de duas jogadas por cada crédito ganho.
Para a recorrente, tal máquina é em tudo semelhante àquela a que se reporta o AUJ n.º 4/2010, com a “diferença óbvia de que a máquina ora em causa depende de impulso electrónico, enquanto que aquela outra depende de impulso mecânico” (conclusão E)), “não tem qualquer correspondência com nenhuma existente nos casinos, antes pelo contrário” (conclusão U)) e o tema de jogo que desenvolve nunca poderá ser enquadrado nos jogos de fortuna ou azar especificados no n.º 1 do artigo 4.º, “pois que, relativamente a ela, está totalmente afastado o preceituado na al. g) do n.º 1 daquele artigo 4º, na medida em que, não pagava directamente prémios em fichas ou moedas, mas tão só apresentava pontuações, as quais dependiam então da sorte e poderiam então, e alegadamente, ser convertíveis posteriormente em numerário” (conclusão R)).
Entendimento que, diga-se, tem apoio em alguma jurisprudência incidindo sobre casos em que estava em causa a exploração de máquinas que desenvolviam jogos iguais ou muito idênticos a este de que nos ocupamos.
Lê-se, por exemplo, no acórdão desta Relação, de 11.12.2013 (disponível em ww.dgsi.pt):
“Para além de o tema do jogo não se assemelhar ao promovido noutra espécie de máquinas que desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar (cf. art. 4 nº 1-g) do citado diploma legal), o prémio não era pago diretamente pela máquina em “fichas ou moedas” (cf. art. 4 nº 1-f) do mesmo diploma legal).
Aliás e para sermos mais impressivos, podemos afirmar que este tipo de máquinas não tem qualquer correspondência com nenhuma existente nos casinos, antes pelo contrário”.
No acórdão da Relação de Coimbra de 02.02.2011[4] (que a recorrente, entusiástica e frequentemente, cita) sustenta-se que a diferença entre a máquina do AUJ n.º 4/2010 e as máquinas como a destes autos está em que, naquela, os prémios estão anunciados em cartaz e correspondem a determinado número ou referência existente numa bola, ao passo que nestas é a própria máquina que tem assinalados os orifícios a que correspondem prémios, dependendo a sua atribuição de a luz parar ou não num deles, e conclui assim:
“Como verificamos a máquina em causa nos autos não tem mecanismo de jogo idêntico aquele que determinou o acórdão de fixação de jurisprudência embora substancialmente a distinção esteja principalmente ao nível do valor dos prémios que na máquina em causa nos autos pode ser de valor quatro vezes superior, mas que também se encontra previamente determinado, não em cartaz mas na própria máquina”.
Ainda desta Relação, o acórdão de 09.07.2014 em que se perfilha idêntico entendimento:
“Assim sendo, parece evidente que estamos perante um jogo que se configura como uma tômbola mecânica ou electrónica em que o valor arriscado pelo jogador é diminuto ou de pequena dimensão e o prémio a que se habilitava estava logo à partida predeterminado, devendo, por consequência, ser qualificado como de modalidade afim dos jogos de fortuna ou azar”.
Porém, entre os dois tipos de máquinas (a do acórdão de uniformização de jurisprudência e as dos acórdãos acabados de citar, tal como a máquina destes autos) e de jogos que desenvolvem há uma diferença óbvia, mas muito convenientemente ignorada, que é fundamental: na primeira, a do AUJ 4/2010, que se considerou funcionar como uma espécie de tômbola mecânica, introduzida a moeda, rodado o manípulo e assim extraída uma cápsula contendo uma ou mais senhas nas quais está inscrito um número que pode, ou não, ser premiado, conforme corresponda, ou não, a um dos números inscritos num cartaz, o jogo termina e, portanto, o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação, se o jogador quiser continuar; as outras, como a destes autos, possibilitam uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, tal como acontece com os jogos de casino. Isto porque os pontos obtidos (nas jogadas premiadas) podem ser usados em jogos sucessivos e o próprio funcionamento do jogo induz à cumulação de pontos e a essa utilização em jogos sucessivos.
Por outro lado, a máquina destes autos desenvolve tema próprio dos jogos de fortuna ou azar, concretamente, o jogo da roleta.
Diversamente do que é entendimento da recorrente e parece ser o entendimento adoptado no citado acórdão desta Relação de 11.12.2013, para que possa considerar-se jogo de fortuna ou azar, o jogo que estas máquinas proporcionam não tem de ser exactamente igual aos jogos de casino nem as máquinas têm de ser iguais à “roleta electrónica” ou às “slot machines” que podemos encontrar nos casinos.
O que importa é que, na sua substância, o tema desenvolvido é igual ou muito similar, pois que, como bem se refere no acórdão desta Relação de 08.10.2014, obedecem aos mesmos princípios e critérios de atribuição de pontos convertíveis em dinheiro que podem ser recebidos de imediato ou gastos em novas jogadas.
Fica, pois, claro que o jogo proporcionado pela máquina dos autos não é “uma tômbola de números ou rifas” e se o resultado, também, depende, exclusivamente da sorte, o jogo em si é substancialmente diferente do proporcionado pela máquina do acórdão de fixação de jurisprudência.
Dúvidas não restam de que o tema do jogo que a máquina dos autos desenvolve é, na sua essência, idêntico ao típico jogo de roleta, pelo que é de rejeitar a sua integração nas modalidades afins de jogos de fortuna ou azar, não só porque a tanto se opõe o disposto no artigo 161.º, n.º 3, do Dec. Lei n.º 422/89, mas também, e sobretudo, porque se trata de jogo cuja exploração é autorizada em casinos e tem as características de um dos jogos descritos no n.º 1 do art. 4.º daquele diploma legal.
Foi, também, neste sentido que se decidiu no acórdão[5] do STJ de 27.10.2010, acessível em www.dgsi.pt/jstj (Cons. Pires da Graça), de cujo sumário destacamos o seguinte excerto:
“IV - No caso em apreciação, as máquinas examinadas desenvolvem jogos em tudo semelhantes ao modo de operação típico do jogo de roleta, de fortuna e azar, cuja exploração só pode ser realizada em casinos. O jogador só tem intervenção activa no início do jogo quando coloca a moeda na máquina, não podendo através da sua perícia influenciar o resultado, que fica exclusivamente dependente da sorte ou do acaso, podendo auferir uma vantagem patrimonial de valor variável ou nem sequer auferir qualquer prémio. A mesma máquina não desenvolve tema de espécie de rifa ou tômbola, independentemente de ser mecânica ou eléctrica.
V - O jogo na referida máquina apresenta como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte, que se premiadas traduzem-se as mesmas em dinheiro. Por isso, o jogo da máquina no presente caso, é jogo de fortuna ou azar, estando aliás em conformidade com a interpretação legal veiculada no referido AFJ sobre a definição de jogo de fortuna ou azar”.
Também com interesse para o caso, o acórdão do STJ de 25.11.2010 (Proc n.º 137/08.8 ECLSB.S1), de que destacamos o seguinte excerto do respectivo sumário:
V - De qualquer modo, a solução a que se chegou na sentença recorrida não contraria o Ac. n.º 4/2010. Neste acórdão uniformizador entendeu-se não serem jogos de fortuna ou azar todos aqueles que não tenham as características descritas e especificadas no art. 4.º do DL 422/89 e que era esse o caso dos jogos que ali estavam em causa, não se preenchendo a previsão das als. f) e g) do n.º 1, na medida em que as máquinas respectivas não desenvolviam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar e, se proporcionavam também prémios em dinheiro, o seu pagamento não assumia a configuração típica: pagamento directo em fichas ou moedas.
VI -No caso, é diferente o jogo desenvolvido pela máquina. Se não pagava prémios directamente em fichas ou moedas, apresentava como resultado pontuações dependentes exclusivamente da sorte, facto que, relevando no âmbito da parte final daquela al. g), não se verificava nas situações apreciadas no acórdão de fixação de jurisprudência. Acresce que o tribunal recorrido considerou ainda que a máquina em causa desenvolvia temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, sendo que o acórdão uniformizador, não tendo em vista uma máquina com este funcionamento, não decidiu o contrário.
De salientar que um dos subscritores deste segundo aresto foi o relator do AUJ n.º 4/2010.
Volvendo ao caso concreto, constata-se que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas (e, portanto, não sendo o caso subsumível à previsão da alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º), as máquinas do tipo da que está aqui em causa desenvolvem, no entanto, tema próprio dos jogos de fortuna ou azar (1.ª parte da alínea g) daquele preceito legal), o que o exclui, imediatamente, das modalidades afins. Mas, mesmo que assim não pudesse ser considerado o jogo proporcionado pela máquina, o certo é que apresenta como resultado pontuações dependentes exclusivamente da sorte, sendo o jogador premiado em função da pontuação obtida, pelo que sempre estaria preenchida a previsão da 2.ª parte daquela mesma alínea g)[6].
Verificando-se essa correspondência formal entre a hipótese legal e o caso concreto submetido a apreciação judicial, haverá de concluir-se que a exploração, pela arguida/recorrente, da máquina descrita nas alíneas e) e f) do elenco de factos provados integra a prática do crime previsto no artigo 108.º, n.º 1 do diploma referido.
Por isso que no acórdão da Relação de Lisboa, de 26.10.2005 (Processo n.º 7610/2005, 3.ª Secção) se manifestou o entendimento[7] de que, sobretudo a partir de Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, deixou de haver qualquer distinção material entre os dois conceitos, pelo que o critério a adoptar teria de ser formal: jogos de fortuna ou azar seriam, apenas, aqueles cuja exploração, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do art. 4.º do Dec. Lei n.º 422/89 é autorizada nos casinos. Todas as modalidades de jogos que não correspondam às características descritas e especificadas nos artigos 1.º e 4.º daquele diploma legal reverteriam para as modalidades afins.
Mas, como se expendeu no acórdão uniformizador, “o critério para se distinguirem os dois tipos de ilícito – ilícito criminal e ilícito de mera ordenação social – não pode deixar de ser material, no sentido de que se há-de partir das próprias categorias legais, em que assumem, quanto aos tipos legais de crime, relevo especial, na respectiva interpretação, o critério teleológico, fundamentalmente ligado à protecção de um bem jurídico, como expressão do princípio da legalidade, não só na sua feição formal, mas também na sua vertente material (nullum crimen sine lege, certa et prior) e a que estão associados princípios de matriz constitucional tão importantes como os da dignidade penal, de carência de pena e de máxima restrição penal. Destes princípios decorre que, traduzindo-se a estatuição da pena numa limitação mais ou menos grave da liberdade, a sanção só se justifica quando esteja em causa a necessidade de protecção de um relevante valor com ressonância ético-social, prévio à constituição do tipo legal de crime, ao contrário do que sucede com as contra-ordenações, que são ético-socialmente indiferentes e em que a ilicitude deriva da valoração delas pela lei como proibidas, dando origem a uma sanção de carácter não penal – uma coima. Daí que as sanções penais, enquanto atentam contra o direito fundamental à liberdade, devem limitar-se ao mínimo imprescindível para garantir a paz na vida em comunidade”.
Aplicando o critério interpretativo assim definido, ponderou-se no AUJ n.º 4/2010:
“Acresce que a tutela penal adscrita à proibição dos jogos de fortuna ou azar fora dos locais autorizados encontra fundamento, como se viu (Cf. supra 7.1.1.), em valores de relevante ressonância ético-social, nomeadamente pelos efeitos devastadores a nível social, familiar, económico e laboral, com incremento de criminalidade grave, não só de carácter patrimonial, mas também de carácter pessoal (vida, integridade física, ameaça, coacção) que a dependência de jogos de grande poder aditivo e potenciação de descontrole pode acarretar. Tal não sucede relativamente aos jogos em máquinas automáticas que funcionam como espécies de rifas ou tômbolas mecânicas, em que o que se arrisca assume dimensão pouco significativa, pois a expectativa é limitada ou predefinida e o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação, ao contrário do que sucede com os jogos de casino, mesmo em máquinas, possibilitando uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre o risco de se envolver emocionalmente”.
É neste trecho da fundamentação do acórdão uniformizador que os defensores da proposição segundo a qual o jogo proporcionado pelas máquinas do tipo daquela que a arguida/recorrente explorava no seu estabelecimento comercial denominado “D…” não constitui jogo de fortuna ou azar, mas sim modalidade afim, buscam arrimo para a sua tese.
No já citado acórdão da Relação de Coimbra, de 02.02.2011, discorreu-se assim:
“Parece-nos claro que a ideia que está na base dos termos utilizados tem a ver com o acréscimo de compulsividade que a atribuição de fichas e de pontos confere ao jogo, o mesmo acontecendo com as moedas. Com efeito, quer as moedas quer as fichas podem ser imediatamente utilizadas para que o jogador continue indefinidamente o jogo, funcionando a atribuição de pontuações que se vão somando do mesmo modo. Mas tal ocorre porque o que caracteriza tais jogos, embora a lei não o diga, é a natureza indefinida do prémio e a possibilidade de num percurso intermédio o jogador perder tudo o que havia ganho”.
Apesar da proibição (de que as “modalidades afins” desenvolvam temas de jogos de fortuna ou azar) contida no artigo 161.º, n.º 3, manifesta-se o entendimento de que não obsta à qualificação como contra-ordenação a exploração de máquinas que proporcionem jogos que desenvolvam esses temas, pois que “o que verdadeiramente separa os jogos de fortuna ou azar e as modalidades afins” seria, por um lado, “a dimensão daquilo que o jogador arrisca, que até pode ser pura e simplesmente insignificante” e, por outro, e sobretudo, a “predeterminação do respectivo prémio” (cfr. acórdão desta Relação de 09.07.2014), já que “nenhum jogo que tenha os prémios previamente definidos, ainda que atribua prémios em dinheiro ou desenvolva temas de jogos de fortuna ou azar, integra a classificação de jogos de fortuna ou azar e pode a sua exploração constituir crime” e seria esse o caso das máquinas como a destes autos que, “quer pelos valores a introduzir - € 050, € 1,00 ou € 2,00 -, quer quanto aos prémios a atribuir – variáveis entre € 1,00 e € 200,00”, não passariam de espécies de rifas ou tômbolas mecânicas, “sendo inclusivamente esta a tese imanente ao Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010” (acórdão desta Relação de 11.12.2013).
Sendo relevante (nomeadamente para a determinação do grau de ilicitude) a dimensão do valor arriscado pelo jogador, não pode constituir critério válido de distinção entre jogos de fortuna ou azar e modalidades afins, até porque o dispêndio de € 100,00 por mês por um jogador que aufere, mensalmente, € 1000,00 não tem o mesmo significado que o dispêndio da mesma quantia por um jogador que aufere o salário mínimo nacional e tem família para sustentar.
Mas o que se revela, manifestamente, inconsistente e mesmo falacioso (com o devido e bem merecido respeito que nos merecem os defensores da referida tese) é o argumento de que não se verificaria aqui o tal “acréscimo de compulsividade” para o jogo que, podendo pôr em causa os tais “valores de relevante ressonância ético-social”, justifica a qualificação como crime da exploração das máquinas como a dos autos, porque existiria predeterminação do prémio.
Um utilizador dessas máquinas de jogo, mesmo não despendendo um montante significativo, pode estar uma tarde inteira a jogar. Se fizer 100 jogadas, no final, tanto pode não ganhar nada como pode obter (se for bafejado pela fortuna) uma boa maquia, da ordem dos milhares de euros (se, por exemplo, em 10 das 100 jogadas, obtiver a pontuação máxima – 200 pontos).
É esse objectivo (que sabemos ser extremamente difícil de alcançar, mas que, pelo menos em teoria, é possível), almejado pelo jogador, de obter o máximo de pontuação e assim poder continuar (quase ilimitadamente) a jogar, que pode levá-lo a envolver-se emocionalmente, “numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo”, como acontece com as máquinas dos casinos que desenvolvem o jogo da roleta.
Como melhor se diz no acórdão desta Relação de 07.05.2014, acessível em www.dgsi.pt, “os pontos adquiridos podem ser usados em jogos sucessivos e o próprio funcionamento do jogo induz à cumulação de pontos e a essa utilização em jogos sucessivos. Neste aspecto, os efeitos do uso da máquina em apreço nestes autos podem ser substancialmente equiparados aos do jogo da roleta dos casinos, independentemente das diferenças de características entre ambos. A indução de comportamentos compulsivos com reflexos sociais danosos representa um malefício que a criminalização da exploração ilícita do jogo pretende combater e, porque tal risco se verifica no uso da máquina em questão, justifica-se a criminalização da sua exploração ilícita”.
É essa possibilidade que a máquina dos autos proporciona, o que, manifestamente, não acontece com aquelas que funcionam como “uma espécie de rifas ou tômbolas mecânicas”, cujo impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação e em que, nessas sim, a expectativa quanto ao prémio é limitada, pois este está pré-determinado.
Nenhuma censura merece, pois, a valoração jurídico-penal dos factos efectuada na primeira instância.
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A alegada inconstitucionalidade da interpretação normativa adoptada no tribunal a quo
Diz a recorrente que tem por inconstitucional “a interpretação das normas contidas nos nºs 4.°, 108.° e 115.° do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, quando efectuada (como sucede no caso dos autos) no sentido de que um qualquer jogo desenvolvido por máquina electrónica, cujo resultado dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte, mas cujos limites máximos de "prémios" a atribuir estejam já previamente definidos e delimitados e sejam do conhecimento dos utilizadores, consubstancia um qualquer jogo de fortuna ou azar”, interpretação que violaria os princípios da liberdade individual e da proporcionalidade, “designadamente, das normas constante nos arts. 13.º e 18.° da Constituição da República Portuguesa, e, bem assim, por clara violação do supra referido princípio da "legalidade", na vertente de "nullum crimen sine lege certa" (conclusões Z) e AA)).
A recorrente limita-se a afirmar a violação dos aludidos princípios, sem concretizar em que termos tal ocorreria.
Como decorre do n.º 2 do artigo 18.º da CRP, a lei (ordinária) pode estabelecer restrições aos direitos, liberdades e garantias desde que respeitado o princípio da proporcionalidade, que a doutrina desdobra em três “sub-princípios”: princípio da necessidade ou da exigibilidade (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); e proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).
Ora, é geralmente aceite que na apreciação da constitucionalidade de uma norma ou de determinada interpretação normativa tem de ser respeitada a margem de liberdade e de conformação legislativa reconhecida ao legislador ordinário e só opções legislativas manifestamente arbitrárias ou excessivas são merecedoras de censura.
Em matéria de criminalização, é reconhecida ao legislador uma margem de discricionariedade legislativa na delimitação de fronteiras entre o ilícito penal e os demais direitos sancionatórios públicos, designadamente o contra-ordenacional. Mas, definitivamente adquirida que está a natureza subsidiária e de ultima ratio do direito penal, este só deve (pode) intervir quando todos os outros meios da política social se revelem insuficientes ou inadequados, onde se verifiquem lesões insuportáveis das condições comunitárias essenciais de livre desenvolvimento e realização da personalidade de cada homem.
“Quando assim não aconteça – escreve o Professor Figueiredo Dias[8] - aquela intervenção pode e deve ser acusada de contrariedade ao princípio da proporcionalidade, sob a precisa forma de violação do princípio da proibição de excesso”, o que sucederá, v.g., “quando se determine a intervenção penal para protecção de bens jurídicos que podem ser suficientemente tutelados pela intervenção dos meios civis (…), pelas sanções do direito administrativo (entrando aqui, de pleno, toda a controvérsia sobre as fronteiras que devem separar o direito penal do direito de mera ordenação social ou das contra-ordenações ou do direito disciplinar)”.
Os jogos de fortuna e azar têm, reconhecidamente, carácter vicioso e trazem consigo consequências perniciosas a nível social e familiar, sendo fonte de criminalidade e de perturbação social, e por isso nada impede o legislador de, através do direito penal, proteger os bens jurídico-constitucionais que a exploração desses jogos põe em causa.
O Tribunal Constitucional já foi chamado a pronunciar-se sobre esta problemática e no acórdão n.º 99/2002 proferiu juízo de constitucionalidade das referidas normas, discorrendo assim:
O Estado, ao criar zonas de jogo, que fiscaliza, e ao estabelecer o monopólio da exploração de outros jogos em favor de certas entidades idóneas, ao mesmo tempo que possibilita a satisfação de uma tendência natural do homem, fá-lo ainda por saber que serão observadas certas condições por ele impostas (por ex., condições de entrada em casinos restritas a uma certa idade, profissão, etc.), as quais contribuem para atenuar os efeitos negativos do jogo.
“Assim, ao mesmo tempo que permite que o homem satisfaça o seu desejo de jogar, o Estado encaminha a sua prática para instituições onde são dadas garantias de seriedade e isenção aos jogadores – instituições que o Estado controla e fiscaliza -, reduzindo, ou anulando mesmo, o interesse pelo jogo clandestino, ilícito e particularmente perigoso, em si mesmo e no ambiente marginal que o rodeia.
Por outro lado, e ao mesmo tempo, o Estado obtém importantes receitas fiscais, incentiva o turismo e canaliza parte considerável das receitas do jogo para fins de ordem social.
(…)
Destarte, o Estado procura sublimar as tendências humanas para o jogo, controlando-as, defendendo a ordem pública e os bons costumes através de uma rigorosa disciplina preventiva de segurança pública que evite o jogo como fonte de litígios, de desordem e mesmo de paixões ardentes – a fazer com que o jogo lícito e controlado deixe de ser visto como ética e socialmente reprovável.
A moralidade dos jogos lícitos e controlados radica, pois, não só no facto de os seus benefícios se aplicarem a fins socialmente úteis mas também, mais directamente, em que sejam conduzidos honestamente e em que permitam satisfazer sem perigos a inclinação ao jogo inata no homem.
A opção criminalizadora portuguesa não se encontra isolada, já que outras legislações europeias punem esta conduta como ilícito penal, e mesmo de forma grave”, como é o caso dos Códigos Penais alemão (§ 284) e francês (artigo 410.º)
“A punição penal da exploração de jogos de fortuna ou azar não autorizados não se destina primacialmente a impedir a prática de uma actividade – o jogo – considerada moralmente reprovável. Com efeito, o fundamento ético-social do sancionamento penal do jogo de azar não se encontra tanto na necessidade de proteger o jogador contra as inclinações, gostos ou vícios que lhe podem – e normalmente são – prejudiciais, quanto na necessidade de reprimir a prática de uma actividade que constitui objecto de uma significativa reprovação social, do ponto de vista ético, tendo em conta os males e prejuízos para a própria sociedade que se considera encontrarem-se-lhe associados – por exemplo, acréscimo de burlas, usuras e fraudes, bem como de litígios e violências, facilitando o alastramento do crime organizado; significativa perturbação da vida familiar dos jogadores, com repercussão na capacidade de manutenção e educação dos filhos; ou, ainda, possibilidade de incidência negativa no domínio das relações laborais ou económicas dos jogadores.
Ora, o que é certo é que em todas estas possíveis situações se encontrarão afectados interesses constitucionalmente protegidos – a segurança dos cidadãos, o respeito da legalidade democrática, a protecção da infância e da juventude, a estabilidade da vida social e económica. E, consequentemente, não se vê que o legislador, ao criminalizar a exploração do jogo, pudesse estar a violar o princípio da necessidade da pena, procedendo a uma opção manifestamente arbitrária ou excessiva”.
Também não se vislumbra em que é que a interpretação adoptada na primeira instância, que aqui sancionamos, atenta contra a liberdade individual.
Tanto mais que a própria recorrente admite que a exploração do jogo que a máquina proporcionava é ilícita, embora punível como contra-ordenação.
No que concerne à alegada violação do princípio da legalidade, é ainda o Tribunal Constitucional que, no acórdão n.º 93/91, rejeita o juízo de inconstitucionalidade ao referir que "se a norma deve ser formulada de modo ao seu conteúdo se poder impor autónoma e suficientemente, permitindo um controlo objectivo na sua aplicação individualizada e concreta, nem sempre é possível alcançar uma total determinação".
Em certos casos, "nem será, porventura, desejável". Fundamental é que o "facto punível seja definido com suficiente certeza" e isso pode passar pelo recurso “a técnicas exemplificativas que nem por isso, necessariamente, se pode considerar afrontada a exigência constitucional da lege certa que o princípio da tipicidade implica".
Em suma, o legislador ao optar por punir a exploração de jogos de fortuna ou azar no âmbito criminal, nos termos previsto no artigo 108.º do Dec. Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, não violou os princípios da proporcionalidade e da legalidade nem afrontou qualquer interesse constitucionalmente protegido.
*
A medida da pena
A recorrente insurge-se contra a medida da pena aplicada, que considera “exagerada e desproporcionada” (conclusão CC)), extravasando a medida da culpa e as necessidades de prevenção (conclusão BB)).
A sua irresignação dirige-se, em especial, à medida da pena de multa porque esta “se situa num patamar do meio da pena abstractamente aplicável” (conclusão DD)).
Se ao legislador compete estatuir as molduras penais para cada crime, valorando para o efeito a gravidade máxima e mínima que o ilícito de cada um dos tipos pode assumir, e oferecer ao juiz uma directriz, tanto quanto possível precisa, sobre os critérios de que este deve socorrer-se na escolha e na determinação concreta da pena, ao juiz cabe a tarefa de, por um lado, determinar a moldura penal cabida aos factos provados e, por outro, dentro desta moldura penal, encontrar o quantum concreto de pena a cominar ao arguido.
É sabido que um dos propósitos da reforma do Código Penal de 1995 foi a dignificação da pena de multa enquanto medida punitiva e dissuasora, propósito esse que passou pelo aumento significativo, quer da sua duração em dias, quer do montante máximo diário. Além disso, a pena de multa (que em caso algum pode ser suspensa na sua execução) foi promovida a pena principal e passou a estar prevista como alternativa à pena de prisão num grande número de tipos legais de crime.
Este, o do crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, é um dos poucos casos em que, ainda, se comina uma pena compósita cumulativa (prisão e multa).
O limite inferior da pena de prisão é de 30 dias (artigo 41.º, n.º 1, do Código Penal) e o limite máximo é de 2 anos.
Por seu turno, a pena de multa vai do mínimo de 10 dias (artigo 47.º, n.º 1, do Código Penal) até ao máximo de 200 dias.
Não ocorrem quaisquer circunstâncias modificativas, que façam com que se alterem, baixando (circunstâncias modificativas atenuantes) ou elevando (agravantes modificativas), os indicados limites mínimo e máximo daquelas penas.
Vejamos como fundamentou a Sra. Juiz do tribunal recorrido a pena aplicada:
“Assim, e com relevância, pode-se considerar que:
O desvalor da conduta criminosa em análise e o juízo de censura que sobre ela incide tem algum significado já que a arguida actuou com completa consciência da ilicitude e reprovabilidade da mesma.
Actuou com dolo directo na medida em que, representando claramente o facto criminoso, actuou com intenção de o realizar.
A arguida não tem antecedentes criminais, tem família e parece bem integrada socialmente.
Ponderando todos os elementos enunciados e ainda que:
As necessidades de prevenção geral se fazem sentir com alguma intensidade no caso em apreço, mas que as necessidades de prevenção especial têm relevância diminuta, fixam-se as seguintes penas:
- Pena de multa: 90 dias à taxa diária de 6 €, que se considera ser quantitativo diário adequado aos rendimentos da arguida, que continua a explorar o estabelecimento
- Pena de prisão: 4 meses

Entende-se que, estando a arguida bem inserida socialmente não há necessidade de esta pena de prisão ser efectivamente executada, pelo que, nos termos do disposto no art.º 44 do Código Penal se substitui tal pena por 120 dias de multa, igualmente à taxa diária de 6 €.
Nos termos do disposto no art.º 6 do Decreto-Lei 48/95 de 15.Março a pena final a aplicar à arguida corresponde à soma das duas penas de multa, supra referidas, o que se traduz numa multa total de 210 dias, à taxa diária de 6 €, perfazendo 1260 €”.

Uma rápida pesquisa de jurisprudência permite-nos constatar significativas disparidades na aplicação das penas pelo crime de exploração ilícita de máquinas de jogos de fortuna e azar em situações semelhantes.
Nesta Relação, se temos casos em que foram aplicadas penas de 2 meses de prisão e 50 dias de multa (Proc. n.º 21/12.0 TAPRT.P1) e de 3 meses de prisão e 70 dias de multa (Proc. n.º 970/10.0 GALSD.P1), outros há em que foram bem mais gravosas as penas: 5 meses de prisão e 120 dias de multa (Ac. de 27.06.2012, acessível em ww.dgsi.pt) e 5 meses de prisão e 60 dias de multa (acórdão de 28.03.2012, disponível em ww.dgsi.pt).
Na Relação de Lisboa, no âmbito dos Processos n.ºs 358/08.3 ECLSB.L1 e 7610/2005 foram aplicadas penas que podemos considerar leves (3 meses de prisão e 50 dias de multa no primeiro caso e 80 dias de prisão e 40 dias de multa, no segundo), mas foram de 5 (cinco) e 6 (seis) meses as penas de prisão aplicadas no âmbito dos Processos n.ºs 728/06.1 GBVFX.L1 e 81/08.9 ECLSB.L1, com multas, respectivamente, de 140 dias e 50 dias.
Na área de jurisdição da Relação de Coimbra, verificam-se as mesmas discrepâncias: enquanto no Processo n.º 33/10.9 GCSAT.C1 foram aplicadas as penas de 45 dias de prisão e 15 dias de multa, nos Processos n.ºs 122/10.0 EASTR.C1 e 354/10.0 GCACB.C1 foram cominadas, respectivamente, as penas de 4 meses de prisão e 90 dias de multa e 6 meses de prisão e 120 dias de multa.
Pode dizer-se que a medida da pena de prisão mais frequentemente aplicada é de 5 meses. Superior, portanto, à que foi aqui cominada à arguida/recorrente (4 meses), situando-se a medida da pena de multa (90 dias) na média das penas que têm sido aplicadas.
Visando a pena, qualquer que ela seja, finalidades, exclusivamente, preventivas (de prevenção geral e de prevenção especial), cabe à culpa a função de impedir excessos, sendo pressuposto (não pode haver pena sem culpa) e limite inultrapassável da pena (em caso algum a medida desta pode ultrapassar a medida da culpa).
Prevenção geral positiva ou de integração, tendo-se em vista uma concepção integrada de intimidação que actue dentro do campo marcado por padrões ético-sociais de comportamento que a ameaça da pena visa justamente reforçar.
É esta ideia de prevenção geral positiva, enquanto finalidade primordial visada pela pena, que dá conteúdo ao princípio da necessidade da pena consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição Portuguesa.
Na verdade, a determinação da medida da pena em função da satisfação das exigências de prevenção (geral e especial) obriga à valoração de circunstâncias atinentes ao facto (modo de execução, grau de ilicitude, gravidade das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente, conduta do agente anterior e posterior ao facto e as chamadas consequências extra-típicas) e alheias ao facto, mas relativas à personalidade do agente (manifestada no facto), nomeadamente as suas condições económicas e sociais, a sensibilidade à pena e susceptibilidade de ser por ela influenciado, etc.
Ora, se há que reconhecer que o desvalor da acção neste tipo de crime é de pouca monta, cremos não poder classificar como bagatelar um crime para o qual a lei estatui uma pena que pode ir até 2 anos de prisão e multa até 200 dias.
Importa lembrar aqui que a função precípua do direito penal está na tutela (subsidiária ou de ultima ratio) de bens jurídico-penais e se o crime de exploração ilícita de máquinas de jogos de fortuna e azar tutela imediatamente “a integridade das zonas de concessão dos casinos para exploração exclusiva desses jogos” (cfr. acórdão desta Relação de 24.04.2013; Des. Joaquim Gomes) é também o consumidor que se protege, procurando-se evitar comportamentos compulsivos, com reflexos sociais perniciosos, que esse tipo de jogos, desenvolvidos por essas máquinas, induzem.
Por outro lado, é bem conhecida a grande frequência deste tipo de crimes, a obrigar a uma intervenção constante do sistema de justiça penal.
Não são, pois, de negligenciar as exigências de prevenção geral e por isso não vemos que haja razões atendíveis para que se fixe uma pena coincidente ou próxima do limite inferior da moldura penal, como sugere a recorrente.
O que se nos afigura adequado é fixar a chamada “moldura da prevenção” (em que o quantum máximo da pena corresponderá à medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar e o limite inferior é aquele que define o limiar mínimo de defesa do ordenamento jurídico, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa aquela sua função tutelar) entre 3 e 12 meses de prisão.
Dentro dessa submoldura penal, cabe à prevenção especial [por regra, positiva ou de (res)socialização] a função de encontrar o quantum exacto da pena.
É escassa (ou melhor, inexistente) a informação sobre a personalidade da arguida/recorrente, mas será de admitir que não tem carências de socialização e por isso a pena deve situar-se bem abaixo do referido limite superior da submoldura de prevenção.
Relevantes para avaliar da medida da pena necessária para satisfazer as exigências de culpa verificada no caso concreto são os factores elencados no art.º 71.º, n.º 2, do Cód. Penal e que, basicamente, têm a ver, quer com os factos praticados, quer com a personalidade do agente que os cometeu.
Como ensina o Professor Figueiredo Dias (Op. Cit, 245), porque a culpa jurídico-penal é “censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa documentada num certo facto e, assim, num concreto tipo-de-ilícito”, há que tomar em consideração todas as circunstâncias que caracterizam a gravidade da violação jurídica cometida (o dano, material ou moral, causado pela conduta e as suas consequência típicas, o grau de perigo criado nos casos de tentativa e de crimes de perigo, o modo de execução do facto, o grau de conhecimento e a intensidade da vontade nos crimes dolosos, a reparação do dano pelo agente, o comportamento da vítima, etc.) e a personalidade do agente [condições pessoais e situação económica, capacidade para se deixar influenciar pela pena (sensibilidade à pena), falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, e conduta anterior e posterior ao facto].
Importaria conhecer por quanto tempo se prolongou a utilização das máquinas apreendidas, que ganhos proporcionou à arguida/recorrente e se era elevado (pelo menos, potencialmente) o número de pessoas que a elas tinham acesso e, portanto, nelas podiam jogar.
No entanto, esses elementos não foram apurados e a recorrente não pode ser prejudicada por tal omissão.
Se para a gravidade da culpa (e, por consequência, para a medida da pena) têm de ser valorados todos os referidos elementos, a intensidade do dolo é o factor mais importante para a sua aferição.
Falamos aqui de dolo enquanto expressão de uma atitude pessoal contrária ou indiferente perante o dever-ser jurídico-penal e, nessa perspectiva, como elemento constitutivo do tipo-de-culpa dolosa.
O dolo directo, por norma, é a forma mais intensa de dolo, pois nele predomina o elemento volitivo, ou seja, a vontade de praticar o facto.
Tudo indica (dada a ausência de antecedentes criminais) que a conduta criminosa aqui em apreciação foi pontual, ocasional.
Por isso que a pena de 4 meses de prisão, ligeiramente acima do limite inferior da tal “moldura de prevenção”, não se revela excessiva no quantum fixado e, de modo algum, ultrapassa o limite da culpa da arguida/recorrente.
*
São conhecidas as reservas que se colocam à pena de multa, sobretudo, pela sua menor, ou mesmo insuficiente, eficácia preventiva.
Não falta até quem sustente que a pena de multa não tem eficácia preventiva em relação a certos crimes e fala-se de indiferença desta pena às exigências de prevenção especial de socialização, crítica que, diga-se, não é convincentemente rebatida pelos defensores mais entusiastas das penas não detentivas[9].
A multa, como autêntica pena criminal que é, não pode deixar de realizar plenamente as finalidades da punição, em particular a finalidade de prevenção geral positiva. Por isso, sempre com respeito pelo limite imposto pela medida da culpa, não podem ser aplicadas multas leves, quase insignificantes (e frequentemente pagas em suaves prestações) ou que, verdadeiramente, não representem um sacrifício para o condenado, pois de contrário serão vistas como uma absolvição disfarçada ou uma dispensa de pena.
Uma pena de multa que seja meramente simbólica é, irremediavelmente, afectada na sua eficácia preventiva, não atingindo sequer o nível mínimo da verdadeira advertência penal. Dizendo de outro modo, a pena de multa, para ter eficácia dissuasora, tem de pesar e constituir um verdadeiro sacrifício para quem a sofre.
A multa global de 210 dias é a que se revela necessária e suficiente face às exigências de prevenção e tendo em consideração o grau de culpa da arguida.
A recorrente invoca o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) n.º 8/2013 (DR, I, n.º 77, de 19.04.2013) para defender que se impunha a aplicação de pena de multa inferior à duração da pena de prisão (4 meses) que substituiu (conclusão GG)).
Porém, desse Acórdão não decorre tal imposição. Bem pelo contrário!
Pelo referido AUJ foi fixada a seguinte orientação jurisprudencial:
«A pena de multa que resulte, nos termos dos atuais artigos 43.º, n.º 1, e 47.º do Código Penal, da substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, deve ser fixada de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do artigo 71.º e não, necessariamente, por tempo igual ou proporcional ao estabelecido para a prisão substituída».
Embora, na prática, quase sempre, a pena de multa resultante da substituição, no seu quantum em dias, seja fixada por período igual ao da pena de prisão substituída, não se impõe que seja assim ou que seja inferior.
O que decorre do citado AUJ é que a pena de multa, tendo aqui a natureza de pena de substituição, tem autonomia própria, também na sua determinação, regendo-se pelos critérios definidos no art.º 71.º do Código Penal.
*
As considerações que vimos de fazer (atinentes quer à culpa, quer à prevenção) relevam, apenas, nesta fase de determinação da pena e, portanto, sobre o número de dias de multa, não sobre o quantitativo diário.
A situação económico-financeira do condenado, em princípio, não deve ser considerada nesta fase, relevando, apenas, para a determinação do quantitativo diário da multa.
O quantitativo diário da multa (€ 6,00), quase coincidente com o mínimo legal, também está justificado, atendendo a que, apenas, se sabe que a recorrente continua a explorar o estabelecimento comercial.

Em suma, não pode prescindir-se que a pena de multa represente, em cada caso concreto, uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da(s) norma(s) violada(s) e por isso se nos afigura que a multa global de 210 dias ajusta-se à culpa da arguida/recorrente e é a que se revela necessária face às exigências de prevenção que se fazem sentir.

IIIDispositivo
Em face do exposto, acordam os juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto por C… e confirmar a decisão recorrida.
Porque decaiu totalmente, a recorrente pagará taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) UC´s (artigos 513.º, n.º 1, e 514.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais).
(Processado e revisto pelo primeiro signatário, que rubrica as restantes folhas).

Porto, 04-02-2015
Neto de Moura
Maria Luísa Arantes (voto a decisão)
___________
[1] Cfr., ainda, o acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ n.º 7/95, de 19.10.95, DR, I-A, de 28.12.1995.
[2] Importa lembrar que quando se fala em tipo de garantia pretende-se aludir ao conjunto dos elementos (o facto que corresponde a um tipo legal, a ilicitude, a culpa e as condições de punibilidade) que concorrem para fundamentar uma responsabilidade criminal e é em relação às normas que os definem que existem as especiais restrições de interpretação e de proibição de integração de lacunas por analogia no direito penal.
Nas palavras do Professor Figueiredo Dias (“Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, Coimbra Editora, 2004, p. 268), tipo de garantia ou tipo legal de crime é o “conjunto de elementos, exigidos pelo art. 29.º da CRP e pelo art. 1.º do CP, que a lei tem de referir para que se cumpra o conteúdo essencial do princípio nullum crimen, nulla poena sine lege. Trata-se de um conjunto de elementos que se distribuem pelas categorias da ilicitude, da culpa e da punibilidade: em qualquer uma destas categorias se depara com requisitos de que depende em último termo a punição do agente e relativamente aos quais por isso tem de cumprir-se a função da lei penal como Magna Charta dos cidadãos. É este o conteúdo e é esta a função que ao tipo de garantia cabem dentro do sistema da justiça penal”.
[3] Asserção que, no entanto, mereceu dos Conselheiros Carmona da Mota, Santos Carvalho e Souto de Moura expressa referência discrepante na declaração de vencidos que, em conjunto, lavraram no AUJ n.º 4/2010: “De qualquer modo, não é exacto – como se proclama no acórdão ora votado – que «todas as modalidades de jogos que não correspondam às características descritas e especificadas nos referidos artigos 1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, embora os seus resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, revertem para as modalidades afins». Com efeito, aquele art.º 4 destina-se simplesmente – como já atrás ficou dito – a enumerar os jogos de fortuna e azar que, à partida e salvo posterior alargamento por parte do membro do Governo da tutela, podem ser autorizados aos casinos, deixando de fora todos os outros (como, além do mais, a lotaria nacional, o totobola, o totoloto, o joker e o euromilhões, expressamente afastados das “modalidades afins” pelo art.º 161.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 422/89) que são ou podem ser licenciados a outro tipo de entidades, como, emblematicamente, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa”.
[4] Também disponível em www.dgsi.pt
[5] Que julgou recurso interposto ao abrigo do disposto no artigo 446.º do Código de Processo Penal, alegadamente porque a decisão recorrida iria contra a jurisprudência fixada pelo AUJ n.º 4/2010.
[6] Assim também, o já citado acórdão desta Relação de 08.10.2014 e o acórdão da Relação de Évora, de 07.01.2014, ambos acessíveis em ww.dgsi.pt
[7] Entendimento que o aqui relator perfilhou no acórdão da Relação de Lisboa proferido no Processo n.º 56/11.0 PAAMD.L1, também por si relatado.
[8] Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, Coimbra Editora, 2004, p. 121.
[9] Cfr., a propósito, Figueiredo Dias, “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, p. 123, que reconhece que “considerações de prevenção especial de socialização não são aqui tão evidentes como na pena privativa da liberdade”.