Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4878/22.9T8VNG-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MIGUEL BALDAIA DE MORAIS
Descritores: AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DAS DELIBERAÇÕES DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
LEGITIMIDADE PASSIVA
CONDOMÍNIO
ADMINISTRADOR DO CONDOMÍNIO
LEI INTERPRETATIVA
Nº do Documento: RP202305084878/22.9T8VNG.P1
Data do Acordão: 05/08/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A Lei nº 82/2022, de 10.01, que alterou a redação do artigo 1437º do Código Civil, assume natureza de lei interpretativa, integrando-se como tal na lei interpretada, sendo, por isso, aplicável retroativamente às situações jurídicas anteriormente constituídas e que subsistam à data da sua entrada em vigor.
II - Com essa alteração legislativa ficou clarificado que a ação de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos deve ser instaurada contra o condomínio, por só ele ter legitimidade passiva, embora representado pelo respetivo administrador.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 4878/22.9T8VNG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Vila Nova de Gaia – Juízo Local Cível, Juiz 3
Relator: Miguel Baldaia Morais
1ª Adjunta Desª. Maria de Fátima Andrade
2ª Adjunta Desª. Eugénia Marinho da Cunha
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SUMÁRIO
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:


I. RELATÓRIO

Construções A... Unipessoal, Ldª intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra (i) Condomínio ..., ..., em ..., ... Vila Nova de Gaia, (ii) AA e esposa BB, residentes na Travessa ..., em ..., ... Vila Nova de Gaia, (iii) CC, solteira, maior, residente na Travessa ..., em ..., ... Vila Nova de Gaia, (iv) Arrendamento Mais-FIAAH (Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional) e (v) B...-Gestão de Condomínios, Ldª,
concluindo pedindo:
a) seja declarada a nulidade da assembleia de condóminos de 22 de abril de 2021 e de 19 de outubro de 2021 e respetivas atas e as deliberações constantes das mesmas;
b) seja declarada a nulidade da assembleia de condóminos de 19 de abril de 2022 e respetiva ata nº 4 e as deliberações constantes da mesma, por violação dos arts. 1430º, 1431º e 1432º do Cód. Civil;
c) seja declarada a nulidade da assembleia de condóminos de 19 de abril de 2022 e respetiva ata nº 4 e as deliberações constantes da mesma, por violação dos princípios da igualdade e informação;
Mas mesmo que assim não se entenda deverá então
d) serem declaradas nulas as deliberações dos pontos 5 e 6 constantes da ata assembleia geral de 19 de abril de 2022 e respetiva ata (nº4), por violação da lei, da ordem pública e dos bons costumes, declarando-se que atuam em abuso de direito;
e) se assim Vª Exª não o entender, deverá então serem consideradas anuláveis e ineficazes as deliberações dos pontos 5 e 6 constantes da ata assembleia geral de 19 de abril de 2022 e respetiva ata (nº4), por violação da força obrigatória da decisão judicial e do artigo 619º do CPC;
Cumulativamente e sempre com quaisquer dos pedidos supra indicados deve também
f) ser declarada nula a eleição para administradora de condomínio da ora 3ª Ré, devendo esta restituir ao condomínio o acesso às contas bancárias e todos os documentos propriedade do condomínio, nomeadamente livros de atas e livros de recibos, e tudo quanto seja propriedade do condomínio e esteja em posse daquela.
Citados os réus apresentaram contestação, na qual, para além do mais, se defenderam por exceção, invocando carecerem os réus AA, BB, CC, Arrendamento Mais-FIAAH e B..., Ldª. de legitimidade passiva para a lide, advogando ainda que caducou o direito da autora propor a ação de anulação das deliberações tomadas nas assembleias de condóminos realizadas em 22 de abril e de 19 de outubro do ano de 2021.
Respondeu a autora pugnando pela improcedência das suscitadas exceções.
Foi, então, proferido despacho saneador que julgou procedentes a invocada exceção dilatória da ilegitimidade passiva dos réus AA, BB, CC, Arrendamento Mais-FIAAH e B..., Ldª e a exceção da caducidade do direito da autora propor a ação de anulação das deliberações da assembleia de condóminos que teve lugar em 22 de abril de 2021.
Inconformada com tal decisão, veio a autora interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES:

A) Vem o presente recurso interposto da douta decisão da Mma Juiz a quo, que julgou procedente a exceção dilatória da ilegitimidade e absolveu da instância os Réus AA e esposa BB; CC; Arrendamento Mais-FIAAH; e B...-Gestão de Condomínios, Lda., por omissão de pronúncia sobre os pedidos formulado pela Autora, pela preterição de formalidades legais e por estarmos perante nulidade do despacho saneador sentença por violação da lei.
B) O douto tribunal a quo decidiu mal ao determinar a absolvição da instância por ilegitimidade passiva dos Réus.
C) O entendimento do douto tribunal a quo sobre aquela que é a natureza de uma deliberação no contexto de um condomínio, nomeadamente que a mesma “é a vontade do condomínio e não a vontade de cada um dos condóminos” é errada, estreita e reducionista e não tem respaldo na realidade factice.
D) Em oposição ao entendimento do douto tribunal a quo sobre aquela que é a natureza de uma deliberação, entende a Autora que a mesma deve ser caracterizada tendo em conta todas as suas propriedades - o que inclui, naturalmente, os condóminos – pelo que, ao invés de ser entendida como uma realidade “além-condóminos”, deve ser vista como “uma vontade colectiva emergente das vontades singulares que para ela contribuíram, configurando-se com uma dimensão e um sentido autónomo e que, na sua interpretação e compreensão intelectual, deve ser assumida como uma realidade participada” - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 42/16.4 T8VLN.G1, (…)”.
E) Além da errada noção de deliberação, também andou mal o douto tribunal a quo ao expressar o entendimento de que no artigo 12º do CPC- a personalidade judiciária ao condomínio” e que, nessa medida “[o] condomínio é a parte, legítima, assumindo o administrador o papel de representante (…)”.
F) Este entendimento é errado e colide directamente com a própria letra da lei que, na al. e) do art.º 12.º do CPC, de maneira muito clara e sem qualquer tipo de ambiguidade, dispõe que tem personalidade judiciária “o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”.
G) Nesta medida, parece que o douto tribunal a quo confunde personalidade judiciária com capacidade judiciária, pois que não atentou com atenção o disposto na al. e) do art.º 12.º do CPC, que literalmente refere que pese embora seja atribuída legitimidade processual ao condomínio, existem casos – como o presente – em que lhe falta capacidade processual, ou seja, falta-lhe a susceptibilidade de estar, pessoal e livremente em juízo – razão pela qual a legitimidade processual passiva recai sobre os condóminos em litisconsórcio com o condomínio.
H) Andou mal também o douto tribunal a quo ao não ter sequer aplicado o disposto no art.º 30.º do CPC, que é a norma que versa especificamente sobre legitimidade processual e que dispõe que é considerada parte legítima quem, do lado activo, “tem interesse directo em demandar” e, do lado passivo, “tem interesse directo em contradizer”, sendo que nos termos do seu n.º 2 “o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha”.
I) E se tivesse aplicado a referida norma certamente que a decisão do Douto Tribunal a quo seria diferente, pois que nunca se poderia defender que quem tem interesse directo em contradizer é o condomínio, uma vez que o que subjaz à acção de impugnação de deliberação de condomínio é, de um lado, um ou vários condóminos que pretendem destruir uma deliberação e, do outro lado, outros condóminos que pretendem que a deliberação se mantenha, em consonância com as suas vontades, pelo que, sendo pretensão dos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação que a mesma permaneça na ordem jurídica, óbvio é que são eles que têm o interesse directo em contradizer, e não o condomínio que até pode ter um interesse em não contradizer, o que choca directamente com as referidas normas previstas nos n.ºs 1 e 2 do art.º 30.º do CPC.
J) Andou mal porque bastou-se a concluir que o referido n.º 6 do art.º 1433.º do CC teria de ser interpretado actualisticamente, mas não se dignou a apresentar as justificações e fundamentos que suportam tal tomada de posição, não sendo de todo autoevidente que tal norma requer uma interpretação actualista, pelo que, não tendo o douto tribunal a quo cumprido com o dever de fundamentação é a sentença nula nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC;.
K) Além da ausência de fundamentação, andou também mal o douto tribunal a quo ao aplicar a referida teoria actualista, já que esta é uma teoria inválida, não só por ser desnecessária à luz do nosso regime jurídico que já é completo e coerente, mas também por se encontrar enfermada por duas falácias argumentativas graves que inquinam a lógica que lhe subjaz.
L) Uma interpretação actualista do n.º 6 do art.º 1433.º do CC é inútil e desnecessária, já que da conjugação do n.º 6 do art.º 1433.º do CC, da al. e) do art.º 12.º do CPC e do o n.º 2 do art.º 1437.º do CC, resulta um regime jurídico coerente, que delimita sem qualquer sobreposição, nem necessidade de interpretações aliterais, as dimensões em que o condomínio tem legitimidade processual passiva e aquelas em que, contrariamente, é aos próprios condóminos que tal legitimidade assiste.
M) No acórdão do TRL proferido no processo 27383/19.6T8LSB.L1-8, em 23.04.2020: “1- A acção de impugnação da(s) deliberação(s) tomada(s) em Assembleia de Condóminos, deve ser intentada contra todos os condóminos que nela participaram e que votaram favoravelmente a deliberação(s). (…)”; - acórdão do TRL proferido no processo nº 9441.17.3T8LSB.L1-2 em 11.07.2019
N) O Supremo Tribunal de Justiça no recurso excepcional de revista por contradição de julgados entre acórdãos das Relações do Porto e de Guimarães, tendo decidido que (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 22/11.6TBEPS.S1.G1 - 1.ª Secção, in Boletim Anual – 2014 – Assessoria Cível - Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Secções Cíveis, páginas 478 e 479, disponível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarioscivel-2014.pdf), já decidiu o dissenso entre as Relações e determinado que nas acções de impugnação de deliberação de condomínio é aos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação que assiste a legitimidade processual passiva, tal entendimento terá de ser tido em conta pela demais Relações, conforme dispõe o n.º 3 do art.º 8.º do CC, que prevê que “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”.
O) A decisão recorrida na parte em que considerando os Réus AA e esposa BB, CC, Arrendamento Mais-FIAAH (Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional), B..., Lda, partes ilegítimas e, em consequência absolvendo os mesmos da instância é nula por violação do disposto no art.º 30 do CPC, 1433º e 1437º todos do CPC, pelo que deve assim ser revogada a douta decisão.
P) Está em causa o disposto no artigo 615º, 1, d) do CPC, segundo o qual é nula a sentença quando “…O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar …;”
Q) A omissão de pronúncia sobre “questões” refere-se aos pedidos deduzidos, causas de pedir e excepções. O que se conexiona com os princípios norteadores do processo civil e modo de litigar, mormente o princípio do dispositivo, cabendo às partes, quer a formulação do pedido, quer a alegação dos factos essenciais da causa de pedir e das exceções e é sobre estes que o juiz tem de se pronunciar, pese embora seja livre na indagação, interpretação e aplicação do direito - 3º e 5º CPC.
R) O Tribunal a quo julgou procedente a exceção perentória da caducidade do direito de propor a ação de anulação da deliberação de 22/04/2021, absolvendo-se o Réu deste pedido, nos termos do artigo 1433.º, n.º4, do Código Civil e 576.º, n.º3, do Código de Processo Civil.
S) Pese embora, que o deliberado numa assembleia de condóminos só possa ser impugnado nos prazos previstos no art. 1433 do CC como regra, o certo é que uma deliberação de assembleia de condóminos que viole um princípio de ordem pública e consequentemente ser nulo, pelo que pode ser impugnada a todo o tempo, nos termos do art. 286º do Código Civil.
T) Entende a Autora que, ao caso, é inaplicável o regime do art. 1433º do CCivil, porque, em seu entender, estão em causa deliberações contrárias a normas legais imperativas ou que enfermem do vício de ineficácia por excederem a competência da assembleia e. violam o princípio de ordem pública e assim sendo, podem ser impugnadas a todo o tempo, nos termos do art. 286º do Código Civil.
U) O Tribunal a quo, somente apreciou e julgou procedente a exceção perentória da caducidade do direito de propor a ação de anulação da deliberação de 22/04/2021, absolvendo o Réu deste pedido, nos termos do artigo 1433.º, n.º4, do Código Civil e 576.º, n.º3, do Código de Processo Civil e sobre a nulidade da deliberação de 22/04/2021 e respetiva tempestividade o Tribunal a quo não se pronunciou.
V) Preceitua o art. 608º, nº2, do CPC que o Juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
X) A nulidade em causa, representado a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas.
Y) Não tendo o Tribunal a quo, se pronunciado sobre o pedido de nulidade da assembleia de condomínio de 22/04/2021, esta omissão de pronúncia tem como consequência a nulidade da sentença (art. 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte), extensível aos despachos nos termos do n.º 3 do art.º 613.º do CPC.
Z) A Autora foi convocada para a assembleia geral extraordinária de 19/04/2022 que veio a realizar-se e tinha como pontos da ordem de trabalhos, entre outros;
Ponto 1- Reapresentação das contas relativas ao período compreendido entre 1 de Junho de 2019 e 31 de Maio de 2021 e aprovadas nas assembleias de condóminos de 22/04/2021 e de 19/10/2021;
Ponto 2- Ratificação da Eleição da Administração do Condomínio para o período compreendido entre 1 de Junho de 2020 e 31 de Maio de 2022;
Ponto 3- Ratificação da aprovação do orçamento para o período compreendido entre 01 de Junho de 2021 e 31 de Maio de 2022;
Ponto 4- Ratificação da fixação da quota de condomínio;
Ponto 5 - Ratificação da deliberação sobre as obras a realizar no edifício
Ponto 6- Ratificação da fixação da quotização extraordinária para a realização das obras.
AA) Esta deliberação extraordinária, por ter sido uma deliberação confirmatória da primitiva deliberação, e sendo a ata primitiva anulável, o objecto da acção de anulação instaurada pela Autora (já) não é a primitiva deliberação, mas, sim, a deliberação extraordinária.
BB) Pelo que não tinha ainda decorrido o direito de propor a ação de anulação das deliberações do condomínio, pois o mesmo conta-se da deliberação de 19 de Abril de 2022, que tinha como pontos da ordem de trabalhos a ratificação (deliberação confirmatória) das deliberações da assembleia geral de 22/04/2021.
CC) Violou assim o Tribunal a quo o artigo 1433º do CC, pelo que deve ser revogado o despacho saneador sentença que julgou procedente a exceção perentória da caducidade do direito de propor a ação de anulação da deliberação de 22/04/2021 e determinando-se a prolação de novo despacho saneador com identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova.
DD) O tribunal, para julgar procedente a exceção perentória de caducidade, por já ter decorrido o prazo que a Autora dispunha para pedir a anulabilidade da deliberação socorreu-se da faculdade prevista no artigo 412º, nº 2 do CPC, que permite ao Tribunal, nos casos que tenha conhecimento de factos por virtude do exercício das suas funções, deverá ordenar a junção aos autos de documento ou certidão bastante para o comprovar; não bastando a afirmação que tem/há esse conhecimento, é necessário e indispensável demonstrá-lo, para que os tribunais de recurso possam pronunciar-se também.
EE) Foi incorrectamente dado como assente o facto de a Autora ter tido conhecimento em 20/12/2021 da deliberação tomada em assembleia geral de condomínio.
FF) O facto do conhecimento que a Autora teve da deliberação em 20/12/2021, por não ser um facto notório (art. 412º, nº 1 CPC) e que levou á procedência da exceção de caducidade do pedido formulado, teria de ser acompanhado da junção aos autos de documento comprovativo do mesmo (art. 412º, nº CPC) e do despacho saneador, não se extrai que o documento tenha sido junto, aliás como decorre da fundamentação, é que o o próprio Tribunal comprovou a existência do mesmo por aceder eletronicamente ao processo 8814/15.0T8VNG, que correu termos neste Juízo.
GG) Sendo certo que o incumprimento pelo juiz da determinação dos poderes instrutórios que lhe estão cometidos, pode em algumas situações influir na decisão da causa e consequentemente ser geradora de uma nulidade processual, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, a arguir pelo interessado nos termos dos artigos 197.º e 199.º, todos do CPC, que se encontra coberta por uma decisão judicial que admite recurso, aquela é consumida pela nulidade da sentença por excesso de pronúncia, prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, sendo tempestiva a arguição da eventual nulidade cometida nas alegações de recurso (acórdão da Relação de Évora, de 22.11.2018, Albertina Pedroso, www.dgsi.pt.jtre , proc. n.º 60337/17.7YIPRT.E1).
HH) Não tendo a Mma Juiz a quo, entendido dispensar a realização de audiência prévia, deveria, porém, ouvir as partes de acordo com o disposto nos artigos 6º, nº 1 e 3º, nº 3 ambos do CPC, para assim cumprir o princípio do contraditório quanto a todos os factos essenciais ou principais – nomeadamente os referidos no artigo 412º/2 do CPC, e assim não tendo sido violou o Tribunal a quo, os artigos referenciados, e atentando contra o artigo 20.º da CRP, devendo ser declarado nulo o despacho saneador e o que se seguiu a essa decisão, por violação da lei.
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O Condomínio ..., ... e Travessa ..., ..., AA, BB e CC apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
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Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões solvendas:
-. da nulidade da decisão por omissão de pronúncia;
- da preterição de formalidades legais por ausência de junção aos autos de certidão de elementos referentes ao processo que, sob o nº 8814/15.0T8VNG, correu termos no Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia;
- da (i)legitimidade passiva dos réus AA, BB, CC, Arrendamento Mais-FIAAH e B..., Ldª;
- da não ocorrência da caducidade do direito de propor a ação de anulação das deliberações tomadas na assembleia geral de 22 de abril de 2021.
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III. FUNDAMENTOS DE FACTO

A materialidade a atender para apreciação do objeto do presente recurso é a que dimana do antecedente relatório.

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IV. FUNDAMENTOS DE DIREITO
IV.1. Da nulidade da decisão por omissão de pronúncia

A apelante inicia as suas alegações recursivas imputando à decisão recorrida o vício de nulidade por nela o juiz a quo não se ter pronunciado sobre questão que havia suscitado na petição inicial, concretamente a ocorrência de vício de nulidade das deliberações tomadas na assembleia de condóminos realizada no dia 22 de abril de 2021.
Dispõe, a este propósito, a al. d) do nº 1 do art. 615º que “[É] nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”.
A referida consequência anulatória encontra-se especialmente conexionada com o disposto no nº 2 do art. 608º, posto que é neste normativo que se mostram definidas quais as questões que o tribunal deve apreciar e quais aquelas cujo conhecimento lhe está vedado. Aí se postula expressamente que, na sentença, o juiz “[d]eve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Portanto, a assinalada nulidade visa, pelo menos em parte, sancionar a inobservância, por banda do tribunal do princípio do dispositivo, na vertente em que este limita os poderes de cognição do julgador às questões que foram suscitadas pelas partes, impondo, por via de regra, que o tribunal conheça das questões suscitadas pelas partes e apenas conheça dessas mesmas questões.
A respeito do conceito questões que devesse apreciar, ANSELMO DE CASTRO[2] advoga que tal expressão deve «ser entendida em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das exceções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem. Esta causa de nulidade completa e integra, assim, de certo modo, a da nulidade por falta de fundamentação. Não basta à regularidade da sentença a fundamentação própria que contiver; importa que trate e aprecie a fundamentação jurídica dada pelas partes. Quer-se que o contraditório propiciado às partes sob os aspetos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão».
LEBRE DE FREITAS et alii[3] têm a respeito de tal matéria uma visão algo distinta, pois consideram que devendo «o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado».
Ainda sobre esta temática mostra plena atualidade a lição de ALBERTO DOS REIS[4] para quem resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação «não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas».
Isto posto, basta atentar no que adrede se escreveu no ato decisório sob censura para evidenciar a ausência de razão da apelante.
Na verdade, o juiz a quo, a respeito da mencionada questão, aí se pronunciou expressamente sobre a mesma, afirmando que os vícios que a autora imputa as deliberações tomadas na assembleia de condóminos realizada em 22 de abril de 2021 “caso se verifiquem, determinarão a anulabilidade e não a sua nulidade. É que, no caso da ausência de convocação, tal vício, embora grave, não chega a consubstanciar uma violação da ordem pública, antes configura a ausência de um ato que seria obrigatório porque a lei o impõe, implicando a sua anulabilidade, nos termos do art. 1433º, nº 1 do Cód. Civil”. É certo que a apelante pode não concordar com esse entendimento. Todavia, isso não implica a nulidade da decisão, mas, quando muito, erro de julgamento.
Por conseguinte, inexiste o invocado vício formal.

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IV.2. Da preterição de formalidades legais por ausência de junção aos autos de certidão de elementos referentes ao processo que, sob o nº 8814/15.0T8VNG, correu termos no Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia

Sustenta a apelante que o juiz de 1ª instância, para julgar procedente a exceção perentória de caducidade (por já ter decorrido o prazo de que dispunha para pedir a anulabilidade da deliberação) socorreu-se de elementos que colheu através de consulta do processo que, sob o nº 8814/15.0T8VNG, correu termos no Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia, sem que tenha sido dado cumprimento ao estatuído no nº 2 do art. 412º.
Dispõe o citado normativo que “[n]ão carecem de alegação os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções; quando o tribunal se socorra destes factos, deve juntar ao processo documento que os comprove”.
No transcrito inciso enuncia-se, pois, uma exceção ao princípio dispositivo, na vertente respeitante à formação do material fáctico da causa, posto que os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício da função jurisdicional não carecem de alegação, sendo oficiosamente cognoscíveis. Contudo, em consonância com o que aí se postula, constitui condição da consideração desse tipo de factos no concreto processo a sua demonstração por via documental, o que significa que o juiz deve ordenar oficiosamente a junção da certidão atinente.
É facto que, no caso vertente, o juiz a quo não determinou essa junção.
No entanto, ao invés do que sustenta a apelante, o decisor de 1ª instância, conforme deixou consignado no ato decisório recorrido, limitou-se a consultar o referido processo declarativo e a confirmar que os elementos documentais que os réus juntaram com a sua contestação como documentos nºs 10, 11 e 12 (que não foram alvo de impugnação por banda da demandante) foram efetivamente aí apresentados. Nessas circunstâncias, não se antolha (até pelas implicações neste domínio do princípio da limitação dos atos plasmado no art. 130º) que houvesse necessidade de determinar a extração de uma certidão dos aludidos elementos, o que corresponderia a uma (desnecessária) duplicação de junção aos autos dos mesmos suportes documentais.
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IV.3. Da (i)legitimidade passiva dos réus AA, BB, CC, Arrendamento Mais-FIAAH e B..., Ldª

Como se referiu, na decisão recorrida foram os réus AA, BB, CC, Arrendamento Mais-FIAAH e B..., Ldª absolvidos da instância, por se considerar que os mesmos carecem de legitimidade passiva para a presente ação de impugnação das deliberações tomadas em assembleia de condóminos, competindo essa legitimidade ad causam apenas ao condomínio[5].
A apelante rebela-se contra esse segmento decisório sustentando que, contrariamente ao que se decidiu, são os próprios condóminos que devem ser pessoalmente demandados quando tenham votado favoravelmente as deliberações objeto de impugnação, apenas eles detendo legitimidade passiva para a lide.
Que dizer?
Trata-se, como é consabido, de questão que tem dividido a doutrina e a jurisprudência pátrias, registando-se, essencialmente, dois posicionamentos.
Assim, uma primeira tese[6] advoga que essa ação deve ser interposta contra todos condóminos que votaram a favor da aprovação da deliberação cuja anulação se pretende, ainda que representados pelo administrador ou por pessoa que a assembleia de condóminos designe para o efeito, atendendo a que o n.º 6 do art. 1433.º do Código Civil afirma a legitimidade daqueles, afastando a legitimidade do próprio condomínio, pois a letra da lei reporta-se aos “condóminos contra quem são propostas as ações”, não referindo o legislador a representação judiciária do condomínio contra quem é intentada a ação incumbe ao administrador, mas que este representa os condóminos contra quem são propostas as ações.
Uma segunda tese[7], defende que a legitimidade processual passiva para este tipo de ação declaratória compete ao condomínio, representado pelo respetivo administrador, ao abrigo do preceituado na al. e) do art. 12.º do Cód. Processo Civil, conjugado com o disposto nos arts. 1437.º, n.ºs 1 a 3, e 1436.º, alínea h), e apelando aos critérios interpretativos do art. 9.º, n.º 3, todos do Cód. Civil.
Sustenta-se, com efeito, que se a deliberação exprime a vontade da assembleia de condóminos, estruturalmente percebe-se que seja essa entidade, porque vinculada pela deliberação, a demandada em ação em que se questione a existência, a validade ou a eficácia de uma sua qualquer deliberação.
Por outro lado, mal se perceberia que os condóminos, pessoas singulares ou coletivas, dotados de personalidade jurídica, careçam de ser representados judiciariamente pelo administrador do condomínio. De facto, a representação judiciária apenas se justifica relativamente a pessoas singulares desprovidas total ou parcialmente de capacidade judiciária ou relativamente a entidades coletivas, nos termos que a lei ou respetivos estatutos dispuserem, ou ainda relativamente aos casos em que as pessoas coletivas ou singulares se venham a achar numa situação de privação dos poderes de administração e disposição dos seus bens por efeito da declaração de insolvência.
Por isso, entende-se que, quando no n.º 6 do art.º 1433º do Código Civil se faz referência aos condóminos, o legislador incorreu nalguma incorreção de expressão, dizendo menos do que queria, pois parece ter tido em mira uma entidade coletiva - a assembleia de condóminos -, o condomínio vinculado pelas deliberações impugnadas e cuja execução compete ao administrador.
Se ao administrador compete executar as deliberações da assembleia de condóminos, nos termos do art.º 1436.º, al. h), do Código Civil, por igualdade de razão, cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio[8], devendo, por conseguinte, o mencionado nº 6 do art. 1433º ser objeto de uma interpretação atualista desde que entrou em vigor a reforma do Código de Processo Civil levada a cabo pelos DL nºs 329-A/95, de 12.12 e 180/96, de 25.09, com a qual passou a ser conferida personalidade judiciária ao condomínio.
A última das enunciadas teses obteve particular adesão na casuística mais recente, de que constitui exemplo, entre muitos outros, o já citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de maio de 2021[9], onde se decidiu que “a ação de anulação de deliberação da assembleia de condóminos deve ser instaurada contra o condomínio, por só ele ter legitimidade passiva, embora representado pelo respetivo administrador”.
Admitindo que a solução da mencionada questão não seja unívoca, afigura-se-nos, no entanto, que a alteração que foi introduzida ao regime jurídico da propriedade horizontal pela Lei nº 8/2022, de 10.01[10] veio, neste conspecto, aportar um contributo decisivo nessa querela, dando nova redação ao art. 1437º do Cód. Civil que, no seu nº 1, passou a dispor que “[o] condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele”, enquanto o seu nº 2 preceitua agora que “[o] administrador age em juízo no exercício das funções que lhe competem, como representante da universalidade dos condóminos ou quando expressamente mandatado pela assembleia de condóminos”.
Tal alteração legislativa teve na sua génese o projeto de lei 718/XIV/2 (publicado no Diário da Assembleia da República, II série A, de 5/3/2021), em cuja exposição de motivos se pode ler que “o diploma pretende ainda contribuir para a pacificação da jurisprudência que é abundante e controversa a propósito de algumas matérias, como, por exemplo (…), a legitimidade processual ativa e passiva no âmbito de um processo judicial (…)”.
Ou seja, torna-se inequívoco que o legislador, colocado perante a referida controvérsia jurisprudencial relativamente à legitimidade processual passiva no âmbito de um processo judicial, pretendeu tomar posição sobre a mesma, no sentido da pacificação dessa controvérsia, o que desde logo indicia a adoção de uma solução conforme a um ou a outro dos mencionados entendimentos jurisprudenciais.
Assim, e na medida em que um dos entendimentos jurisprudenciais em questão fosse manifestamente maioritário, fazendo apelo à presunção que emerge do nº 3 do art. 9º do Código Civil logo se alcança que a solução mais acertada a adotar seria aquela que se apresentava conforme ao entendimento jurisprudencial maioritário.
Pelo que, tendo presente a existência de uma tendência jurisprudencial maioritária, no sentido da atribuição de legitimidade passiva ao condomínio, nas ações de impugnação das deliberações condominiais, poder-se-á concluir que aquilo que o legislador teve em mente, com as alterações ao regime jurídico da propriedade horizontal introduzidas pela citada Lei nº 8/22, foi consagrar positivamente essa tendência.
A propósito da determinação da natureza dessa lei, será útil trazer à colação os ensinamentos de BATISTA MACHADO[11], o qual assinala que, neste domínio, “poderemos (…) dizer que são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adotado (…).
Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução de direito anterior seja controvertida ou incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o legislador ou intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei (…)”.
Tendo presentes tais ensinamentos, afigura-se-nos que a nova redação do citado art. 1437º (acolhendo uma das interpretações possíveis – por sinal maioritária - que no domínio do direito anterior à sua entrada em vigor vinha sendo jurisprudencialmente acolhida quanto à aludida questão da legitimidade passiva para as ações de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos) assume natureza de norma interpretativa, pelo que, na expressão do art. 13º do Cód. Civil, integra-se na lei interpretada, o que significa que esta passa a aplicar-se com o sentido que aquela lhe imputa, abrangendo ab origine todas as situações nela passíveis de serem subsumidas desde que a lei interpretada surgiu, gozando, pois, de retroatividade nesse sentido.
Isso mesmo foi já afirmado jurisprudencialmente, designadamente no acórdão do Tribunal desta Relação de 10.03.2022[12], quando aí se refere “que dos trabalhos preparatórios é claro, e evidente, que essa redação [do art.º 1437º do Código Civil] visou consagrar a posição jurisprudencial denominada maioritária ou pacífica”.
E, do mesmo modo, também o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 28.04.2022[13], afirmou que “com a redação conferida ao art.º 1437.º do Código Civil pela Lei n.º 8/2022, de 10/01 se considera que a questão [da controvérsia jurisprudencial] estará ultrapassada e no sentido que agora se defende [da atribuição de legitimidade passiva ao condomínio, nas ações de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos]”.
Aliás, neste conspecto, não será despiciendo sublinhar que o legislador, no referido art. 1437º, substituiu a epígrafe “legitimidade do administrador” pela epígrafe “representação do condomínio em juízo”, colocando-se, assim, em sintonia com o regime de atribuição de personalidade judiciária ao condomínio, posto que desde a referida alteração legislativa que, em 1995/1996, foi aportada ao Código de Processo Civil, deixou de estar em causa que o condomínio não pudesse estar em juízo (ativa ou passivamente), enquanto conjunto organizado dos condóminos e, por isso, carecendo de ser estabelecida a sua representação orgânica, em juízo. Ou, dito de outra forma, por não estar em causa a atuação do administrador do condomínio, em nome próprio, mas apenas no exercício dessas funções de representação, nenhum sentido fazia falar da legitimidade processual do administrador, já que tal pressuposto processual havia de se reportar à entidade com personalidade judiciária (o condomínio, segundo o art.º 12º), e sendo aferida nos termos do art.º 30º. E como da nova redação do nº 2 do art.º 1437º do Código Civil resulta que tal representação do condomínio em juízo corresponde à representação da universalidade dos condóminos, esclarecida passou a estar, através da ação do legislador e por esta via interpretativa autêntica, a dúvida sobre quem deve ser demandado nas ações a que respeita o art.º 1433º do Código Civil, tomando o mesmo legislador “partido” no sentido de dever ser o condomínio, entidade com personalidade judiciária e correspondente ao universo de condóminos, representado pelo seu administrador (ou pela pessoa que a assembleia de condóminos designar).
Impõe-se, por isso, a improcedência das conclusões A) a O).
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IV.4. Da não ocorrência da caducidade do direito de propor a ação de anulação das deliberações tomadas na assembleia geral de 22 de abril de 2021

A apelante remata o seu recurso advogando que, contrariamente ao afirmado na decisão recorrida, não se mostra caduco o direito de propor a ação de anulação das deliberações da assembleia geral de condóminos realizada no dia 22 de abril de 2021, porquanto as deliberações que vieram a ser tomadas na assembleia geral extraordinária de 19 de abril de 2022 assumem natureza de deliberações confirmatórias daquelas deliberações, motivo pelo qual o prazo para a propositura dessa ação apenas se conta a partir desta última data.
Também este fundamento de divergência relativamente ao ato decisório sob censura não merece acolhimento por uma dúplice ordem de razões.
Desde logo, e principalmente, porque a questão que a apelante traz à apreciação deste tribunal de recurso não foi alvo de oportuna alegação no momento processualmente próprio (isto é, na resposta de que dispôs para apresentar os seus meios/argumentos defensionais relativamente à invocada exceção perentória da caducidade) e consequentemente sobre ela não recaiu qualquer pronunciamento jurisdicional.
Ora, como é sabido, o recurso consiste no pedido de reponderação sobre certa decisão judicial, apresentada a um órgão judiciariamente superior ou por razões especiais que a lei permite fazer valer. O recurso ordinário (que nos importa analisar para a situação presente) não é uma nova instância, mas uma mera fase (eventual) daquela em que a decisão foi proferida e reporta-se à mesma relação jurídica processual ou instância[14]. Dentro desta orientação tem a jurisprudência pátria[15] repetidamente afirmado que os recursos visam modificar decisões e não criar soluções sobre matéria nova.
Assim sendo, a (nova) questão que a apelante veio introduzir nas conclusões do recurso - no sentido da existência de deliberação confirmatória das deliberações anulandas - não pode ser considerada, dado que não foi tempestivamente invocada (o que implicaria até a operância do efeito preclusivo estabelecido no art. 573º, igualmente aplicável ao articulado de resposta), nem a decisão recorrida se pronunciou sobre a mesma.
Acresce que, aquando da assembleia de condóminos realizada no dia 19 de abril de 2022, há muito havia decorrido o prazo que a lei substantiva (cfr. art. 1433º do Cód. Civil) estabelece para a impugnação das deliberações tomadas na assembleia que teve lugar no dia 22 de abril de 2021.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões AA) a CC).
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V- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela apelante.


Porto, 8.5.2023
Miguel Baldaia de Morais
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
______________
[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[2] In Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, pág. 142.
[3] In Código de Processo Civil Anotado, vol. II, pág. 704.
[4] In Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 143. No mesmo sentido militam ainda ANTUNES VARELA et alii, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 688.
[5] Como emerge da análise da decisão recorrida, a mesma mostra-se fundamentada através de argumentação assente na interpretação dos textos legais aplicáveis, sendo que em seu abono foram indicados diversos arestos que se pronunciam no sentido que aí veio a obter acolhimento, não enfermando, pois, tal ato decisório de vício de nulidade por ausência de fundamentação.
[6] Cfr., entre outros, na doutrina, ABRANTES GERALDES, in Temas da Reforma do Processo Civil, vol. IV, 4ª edição, Almedina, págs. 107 e seguintes e ABÍLIO NETO, in Manual da Propriedade Horizontal, Ediforum, 4ª edição, págs. 729 e seguintes; na jurisprudência, acórdãos do STJ de 2.02.2006 (processo nº 05B4296), de 29.11.2006 (processo nº 06A2913), de 24.06.2008 (processo nº 1755/08) e de 6.11.2008 (processo nº 08B2784), acórdãos da Relação de Lisboa de 23.04.2020 (processo nº 27383/19.6T8LSB.L1-8) e de 11.07.2019 (processo nº 9441/17.3T8LSB.L1-2), acessíveis em www.dgsi.pt.
[7] Cfr., inter alia, na doutrina, SANDRA PASSINHAS, in A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal, 2ª edição, Almedina, págs. 338 e seguintes, ARAGÃO SEIA, in Propriedade horizontal – Condóminos e condomínio, 2ª edição, Almedina, págs. 182 e seguintes e MIGUEL MESQUITA, A personalidade judiciária do condomínio nas ações de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, in Cadernos de Direito Privado, nº 35 (julho/setembro de 2011), págs. 41 e seguintes; na jurisprudência, acórdãos do STJ de 25.09.2012 (processo nº 3592/09.5TBPTM.E1.S1), de 24.11.2020 (processo nº 23992/18.8T8LSB.L1.S1) e de 4.05.2021 (processo nº 3107/19.7T8BRG.G1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt.
[8] A este respeito MIGUEL MESQUITA (op. citada, pág. 56) convoca, em abono desta posição, um argumento de ordem prática, afirmando que esta solução é a que a que permite um exercício mais ágil do direito de ação, pois que os “pressupostos processuais não devem servir para complicar, desnecessariamente, o conhecimento do pedido e a resolução dos litígios, finalidades precípuas do processo civil”, sendo que com ela afastam-se problemas que resultariam da obrigatoriedade de demandar, em litisconsórcio necessário, os condóminos que votaram a favor da deliberação inválida, seja pelo elevado número de condóminos de certos edifícios, seja pela impossibilidade prática, na esmagadora maioria das vezes, de proceder à sua identificação.
[9] Prolatado no processo nº 3107/19.7T8BRG.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[10] Aplicável no caso, posto que a presente ação foi instaurada já após a sua entrada em vigor (cfr. art. 9º).
[11] In Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1990, págs. 246 e seguintes.
[12] Prolatado no processo nº 54/21.6T8PPFR.P1; no mesmo sentido se decidiu no acórdão da Relação de Lisboa de 27.10.2022 (processo nº 2131/21.4T8AMD.L1-2, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[13] Proferido no processo nº 2460/20.4T8LSB.L1-6, acessível em www.dgsi.pt.
[14] Sobre a questão, por todos, RUI PINTO, in Manual do Recurso Civil, vol. I, AAFDL Editora, 2020, págs. 2 e seguintes, onde sublinha que os nossos recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas, vigorando um “modelo do recurso de reponderação” em que o âmbito do recurso se encontra objetivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido.
[15] Cfr., inter alia, acórdão do STJ de 15.09.2010 (processo nº 322/05.4TAEVR.E1.S1), acórdão desta Relação de 20.10.2005 (processo nº 0534077) e acórdão da Relação de Lisboa de 14.05.2009 (processo nº 795/05.1TBALM.L1-6), acessíveis em www.dgsi.pt.