Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
89/14.5T3ETR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NUNO RIBEIRO COELHO
Descritores: CRIME DE DIFAMAÇÃO
DECLARAÇÕES DO ARGUIDO
EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA
CAUSA DE JUSTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RP2016011389/14.5T3ETR.P1
Data do Acordão: 01/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 979, FLS.203-221)
Área Temática: .
Sumário: I - O exercício do direito de defesa não exclui a ilicitude das declarações do arguido prestadas em audiência de julgamento lesivas da honra e consideração de terceiro.
II - Se o arguido prestando declarações em audiência ultrapassa o âmbito dos actos por si praticados e imputa tais factos a outra pessoa deixa de estar protegido pelo direito de defesa, pelo que pode cometer crimes contra a honra do visado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 89/14.5T3ETR.P1

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO
Nestes autos foi a arguida, B…, condenada pela prática:
. de um crime de difamação agravada, p. e p. pelo disposto nos Art.ºs 180.º, n.º 1 e 184.º (este também por referência à al. j) do n.º 2 do Art.º 132.º, do CP), ambos do Código Penal, praticado na pessoa do ofendido/demandante C…, na pena parcelar de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa; e
. de um crime de difamação, p. e p. pelo disposto nos Art.ºs 180.º, n.º 1 do Código Penal, praticado na pessoa do assistente D…, na pena parcelar de 150 (cento e cinquenta) dias de multa; o que em cúmulo jurídico resultou na condenação da mesma arguida na pena única de 300 (trezentos) dias de multa, à razão diária de € 12,00 (doze euros), o que contabilizou a quantia de € 3.600,00 (três mil e seiscentos euros).
Mais foi esta arguida condenada no pagamento, ao demandante C…, da quantia de € 500,00 (quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, e, ao assistente/demandante D…, da quantia de €500,00 (quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, ambos os montantes acrescidos de juros de mora calculados à taxa legal desde a data da prolação da sentença até efectivo e integral pagamento.
Não se conformando com esta sentença, a mesma arguida recorreu para este tribunal da Relação, concluindo na sua motivação que:
1- A frase proferida pela recorrente não tem conteúdo difamatório pelo que foi violado o artigo 180.º do CP.
2- A frase tem de ser situada no tempo e lugar em que foi proferida e essencialmente no contexto.
3- Quando a recorrente proferiu tal frase estava a prestar declarações como ofendida e arguida num processo sendo que o que motivou que a recorrente tivesse proferido tal frase foi um pedido de esclarecimento da advogada do assistente.
4- A frase surge após a arguida ter referido que quando levava os meninos pela mão foi agredida o que provocou a sua queda tendo arrastado um dos menores, sendo que na queixa que apresentara não consta tal, bem como não consta qualquer intervenção dos menores.
5- Não obstante estar provado que os menores estavam presentes aquando das agressões ocorridas no processo 53/13 nem a arguida nem o outro arguido interveniente referiram tal nas queixas, sendo que o guarda que recebeu ambas as queixas confirmou a preocupação então demonstrada pelos ofendidos em não envolver os menores e que tal foi objeto de troca de impressões com ele.
6- A arguida não atribuiu a nenhum dos ofendidos qualquer comportamento ilícito, tanto mais que não acusou nenhum de obter alguma vantagem com a frase “se não escreveram foi porque o pai dele foi lá pedir para não botar algumas coisas, que era por causa dos meninos”. Não há nenhum valor ético dos ofendidos que tenha sido violado tanto mais que é apontada como causa do presuntivo comportamento a proteção dos netos da arguida e do assistente.
7- A arguida no uso do seu direito constitucional de defesa estava a tentar explicar a razão da discrepância pelo que nos termos do artigo 31.º-1 e 2/b) do CP o seu comportamento não é ilícito.
8- Usar-se a frase em questão com o alcance que lhe é dado pela sentença recorrida é uma violação do principio nemo tenetur se ipsum accusare.
9- Não resultaram provados fatos que eram essenciais para se considerar preenchido os crime de que vinha a arguida acusada, nomeadamente não se provou que:
a) Que a arguida ao proferir as expressões descritas nos factos provados teve a intenção de imputar ao Assistente D… a prática de um Crime de Corrupção Activa, previsto e punido pelo art. 374° do Código Penal;
b) Que a arguida sabia que a imputação dirigida ao Assistente D… era falsa, tendo-se apenas provado que a dita imputação era falsa;
c) Que a arguida ao proferir as várias expressões descritas nos factos provados, acusou o demandante C… de ser corrupto;
Pelo que não podia a arguida/recorrente ser condenada pelo crime de difamação.
10- A sentença violou o disposto no n.º 2 do artigo 374.º do CPP, já que não se debruçou sobre fatos que a recorrente alegou na sua defesa e não fundamentou a razão de tal.
11- Houve fatos que se deviam ter considerado provados que eram essenciais à defesa da arguida. Assim desde logo deveria ter sido dado por provado, face ao teor do acórdão proferido no processo 53/13, face ao teor das queixas apresentadas, tudo documentos juntos aos autos e ainda pelos depoimentos da testemunha E… e do ofendido C… que:
a) O aqui ofendido/assistente D… acompanhou o filho F… ao posto da GNR quando este foi apresentar a queixa que deu origem ao processo 53/13 e encontrava-se aí quando a recorrente e a filha chegaram aí também para apresentarem queixa.
b) Aquando da apresentação da queixa na GNR por parte da recorrente e que deu origem ao processo 53/13 a filha desta : E… acompanhava a recorrente e referiu então que não gostaria de ver os filhos envolvidos na queixa.
c) Nas queixas apresentadas quer pela recorrente quer pelo filho do ofendido não é referida a presença ou envolvimento dos menores aquando dos fatos que constam da queixa.
d) Os netos da aqui recorrente e que são também netos do ofendido D… estavam presentes, pelo menos em parte das agressões que estiveram na base do processo 53/13.
e) O guarda da GNR, o aqui ofendido C… perante a dúvida da recorrente e da filha em colocar os menores na queixa informou-as que sempre poderiam vir mais tarde a indicar os menores.
f) O guarda da GNR, o aqui ofendido C…, informou-as que na queixa que momentos antes recebera do filho do aqui ofendido e que na mesma não era mencionados os menores nem os mesmos indicados como testemunhas
12- Tais fatos permitem concluir que não se pode dar por provado que:
17. A Arguida sabia que, ao fazê-la, lesava a honra e consideração do assistente D…, e denegria a sua imagem, considerando até o lugar onde a imputação foi proferida, o que pretendeu ofender.
18. No entanto, não se coibiu de a proferir e manter a mesma ao longo da audiência de julgamento no processo n°. 53/13.IGCETR, nos termos acima descritos, agindo de modo livre, consciente e voluntário, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da respectiva conduta, pretendendo ofender, como efectivamente ofendeu, a honra e consideração do assistente D….
13- Não há prova de que:
24. Ao proferir as expressões acima descritas, a arguida colocou em causa o auto de denúncia elaborado pelo Guarda C….
25. Tais factos causaram desconforto ao Guarda C…;
26. Pondo em causa o seu profissionalismo e atitude perante a população;
27. E eventualmente até a sua progressão na carreira da Guarda Nacional Republicana.
Na verdade o guarda apenas soube das expressões da arguida quando foi chamada a prestar o seu depoimento e não há nada que permita até concluir que foi colocado em causa o seu profissionalismo e até a eventual progressão na carreira. A arguida não pode ser condenada em meras suposições.
14- Foi violado o artigo 180.º do CP pois que mesmo considerando todos os fatos considerados provados na sentença não se mostra preenchido o crime em que foi a recorrente condenada.
15- Mais foi violado o direito de defesa e o princípio da presunção de inocência, (art.º 32.º, n.ºs 1, 2 e 5 da Constituição) pois a senhora juíza não se debruçou sobre fatos alegados na nossa contestação, nem apreciou o depoimento duma das testemunhas apresentadas pela arguida, nem sequer justificou porque razão o não fez, violando também desse modo o artigo 374.º-2 do CPP.
16- Na sentença constam da parte “Factos provados”, não factos mas meras conclusões e conclusões não suportadas em factos provados, distorcendo desse modo a matéria provada.
17- Na sentença constam da parte “Factos provados”, afirmações parciais e desinseridas do contexto alterando o seu sentido.
A livre convicção do julgador não deixa de estar sujeita a um controlo, sendo que objectivamente não se retiram dos factos provados algumas das conclusões constantes da sentença que surgem, indevidamente, na roupagem de factos.
18- A arguida acaba assim por ser condenada em factos/conclusões distintas dos fatos provados o que faz incorrer a sentença na nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP.
O Ministério Público, nas suas alegações de resposta, pronunciou-se pela improcedência do recurso, concluindo da seguinte forma:
1.ª – Perante o circunstancialismo fáctico-probatório constante dos autos não resulta qualquer contradição ou errónea apreciação, uma vez que o tribunal apreciou livremente a prova, conjugando a mesma com as regras da experiencia comum, valorizando determinadas provas em detrimento de outras, não dando credibilidade às declarações da arguida e à tese sufragada na contestação, uma vez que a versão apresentada foi totalmente infirmada pela prova produzida na audiência de julgamento, desde logo pela reprodução e audição da gravação das declarações proferidas pela arguida, no âmbito do processo 53/13.1GCETR conjugada com o depoimento da testemunha H…, juíza que presidia à aludida audiência de julgamento.
2.ª- O tribunal rebateu fundadamente a versão dos factos apresentada pela arguida na contestação, apresentando uma fundamentação exaustiva e minuciosa, escalpelizando e rebatendo ponto por ponto.
3.ª – O tribunal a quo julgou criteriosa e prudentemente a arguida e face à prova produzida em audiência de discussão e julgamento só poderia ter concluído pela sua condenação, como fez, e bem.
4.ª – A sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada, isto é, o tribunal, mediante a imediação, oralidade, concentração e contraditoriedade da prova produzida em julgamento formou a sua convicção de que os factos ocorreram da forma como deu como assentes e conclui pela condenação da arguida, não resultando qualquer dúvida fundada e insanável susceptível de determinar a absolvição da arguida, por efeito do principio “in dúbio por reo”.
5.ª – A convicção de quem julga não pode ser confundida nem substituída pela convicção dos que esperam a decisão, sendo que a recorrente mais não tenta do que, de forma muito pessoal e até parcial, pôr em crise a convicção adquirida pelo tribunal sobre os factos, à luz da sua própria interpretação da prova produzida em julgamento.
6.ª – A valoração da prova pela recorrente em sentido diferente daquele vertido na sentença, não constitui fundamento para concluir da errada apreciação da matéria de facto dado como provada.
7.ª – Ao proferir as expressões em causa nos autos a arguida deu a entender que o ofendido C…, guarda da GNR, recorria a práticas desonestas no âmbito das suas funções, ofendendo-o na sua honra pessoal e dignidade profissional.
8.ª – As expressões proferidas pela arguida, atento o contexto onde foram proferidas (no decurso de uma audiência de julgamento) são de molde a lesar a honra e dignidade profissional de C… e a honra do assistente D….
9.ª - A sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada, quer de facto quer de direito, e não é possuidora de qualquer vicio que inquine a sua validade substancial ou formal, devendo ser mantida nos seus precisos termos, julgando-se assim o recurso improcedente.
Nestes termos, entendemos que a decisão recorrida não viola qualquer norma legal, devendo ser negado provimento ao recurso interposto pela recorrente, mantendo-se a sentença recorrida.
Nesta sede o Ex.mo Procurador-geral Adjunto apôs o seu visto.
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II. QUESTÕES A DECIDIR
Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. Art.º 119.º, n.º 1; 123.º, n.º 2; 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPPenal, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/6/1998, in BMJ 478, pp. 242, e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Tendo em conta este contexto normativo e o teor das conclusões efectuadas pelo recorrente, as questões que importa decidir sustentam-se: (i) na alegada nulidade da sentença por falta de fundamentação (ausência de exame crítico), condenação por factos diversos da acusação (a sentença deu como provados factos que são meros factos parciais desinseridos do contexto alterando desse modo a realidade resultando assim que a arguida acaba por ser condenada em fatos distintos dos que constavam na acusação) e omissão de pronúncia (falta de pronúncia sobre factos alegados na contestação e resultantes do julgamento); (ii) na impugnação estrita da matéria de facto por contradição entre a matéria de facto provada e não provada, ou entre a fundamentação dos factos e as conclusões de direito; (iii) na impugnação alargada da matéria de facto com reapreciação dos meios de prova; (iv) na violação do princípio do in dubio pro reo; e (v) na apreciação da matéria de direito em face da invocada falta de preenchimento dos elementos típicos dos crime em causa ou da verificação de uma causa de exclusão da ilicitude (exercício do direito constitucional de defesa).
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III. FUNDAMENTAÇÃO
Tendo em conta as questões objecto do recurso, da decisão recorrida importa evidenciar a fundamentação da matéria de facto e de direito, incluindo a determinação e a medida da pena, dessa sentença que é a seguinte:
“II – FUNDAMENTAÇÃO
1) Factos provados:
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com relevância para a decisão a proferir:
1. A arguida B… tinha essa mesma qualidade no âmbito do processo comum singular nº 53/13.1GCETR, tendo sido ouvida nessa qualidade no dia 26 de Fevereiro de 2014.
2. Aquando da sua inquirição, a arguida referiu a instâncias do Tribunal que: “sim, tem …(…), de, eh (…), se não escreveram foi porque o pai dele foi lá pedir para não botar algumas coisas, que era por causa dos meninos. Se não escreveram foi o pai dele, que foi pedir ao Posto da Guarda, ma…(…)”.
3. Quando proferiu estas palavras, sabia a arguida que se estava a dirigir a um membro da Guarda Nacional Republicana, do Posto de …, que recebeu a queixa efectuada pela mesma no âmbito do processo acima mencionado, que na altura era o Guarda C….
4. Mesmo depois de advertida de que o seu comportamento poderia revestir matéria criminal, a mesma continuou a afirmar perante o Tribunal: “Mas isso, isso aconteceu”;
5. E prosseguiu afirmando ainda perante o Tribunal: “Está bem”, “Está bem, prontos”, “Mas isso aconteceu assim” e “Está bem senhor Doutor. Sim senhora, mas as coisas foram assim”.
6. Ao proferir tais expressões, pretendeu a arguida dar a entender que o ofendido C… recorria a práticas desonestas no âmbito das suas funções, e assim ofender o agente referido na sua honra pessoal e dignidade profissional.
7. O referido Guarda encontrava-se devidamente uniformizado e identificado como pertencendo àquela força policial, para além de a queixa ter sido efectuada no Posto da Guarda Nacional Republicana de ….
8. A arguida sabia que o ofendido era Guarda e se encontrava no exercício das respectivas funções.
9. Ao proferir tais declarações em audiência de julgamento, não desconhecia a arguida que estava num sítio público, com assistência de terceiros, para além do próprio Tribunal, perante um acto solene e não obstante, não se coibiu de agir da forma que agiu.
10. A arguida agiu de modo livre, consciente e voluntário, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da respectiva conduta.
Mais se provou que:
11. O Assistente D… é pai de F…, o qual assumiu a posição processual de Arguido/Assistente no âmbito do processo comum singular referido em 1).
12. No dia 26 de Fevereiro de 2014, no período da tarde, realizou-se a primeira sessão de audiência de julgamento no identificado processo comum singular [n°.53/13.1GCBTR], na qual prestaram declarações ambos os ali Arguidos/Assistentes – a aqui arguida e F….
13. Uma vez encerrada a primeira sessão de audiência de julgamento, F… relatou ao aqui Assistente D…, que durante a audiência, a Arguida havia difamado este.
14. Na sessão de julgamento aludida em 1), e após ter proferida a expressão descrita em 1), a instâncias do Sr. Procurador Adjunto que então intervinha na audiência, a arguida foi mantendo a imputação inicialmente feita nos termos descritos em 4) e 5), nomeadamente:
- Procurador Adjunto: “Óh (…), dona B……”
- Arguida: “Mas isso, isso aconteceu.”
- Procurador Adjunto: “(…), só vou (…), cuidado com o que diz (…)”
- Arguida: “Sim.”
- Procurador Adjunto: “(…) porque pode sair daqui com outro crime”.
- Arguida: “Está bem, prontos”,
- Procurador Adjunto: “(…), (…)”.
- Arguida: “Mas isso aconteceu assim”.
- Procurador Adjunto: “(…), cuidado com aquilo que diz!”
- Arguida: “Sim”.
- Procurador Adjunto: (…), e não se, e não se atravesse mais, porque pode sair daqui com outro crime.
- Arguida: “Está bem, prontos”
- Procurador Adjunto: “(…), não me venha depois dizer que o aviso não ficou feito.”
- Arguida: “Está bem, Doutor. Sim Senhora, mas as coisas foram assim.”
15. A arguida ao afirmar no Tribunal, no decurso da aludida audiência de julgamento, que se, na queixa que a mesma apresentou, não constar todos os factos que a mesma relatou em julgamento foi porque o Assistente D… pediu à GNR para não os escrever.
16. A imputação proferida pela arguida é falsa.
17. A Arguida sabia que, ao fazê-la, lesava a honra e consideração do assistente D…, e denegria a sua imagem, considerando até o lugar onde a imputação foi proferida, o que pretendeu ofender.
18. No entanto, não se coibiu de a proferir e manter a mesma ao longo da audiência de julgamento no processo n°. 53/13.IGCETR, nos termos acima descritos, agindo de modo livre, consciente e voluntário, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da respectiva conduta, pretendendo ofender, como efectivamente ofendeu, a honra e consideração do assistente D…
19. O assistente D… é pessoa respeitada e respeitadora.
20. Nunca se meteu em conflitos, tendo sempre pautado a sua vida por princípios de respeito e boa educação.
21. Com as imputações proferidas pela Arguida, o Assistente sofreu vexame, desgosto e abalo moral.
22. Sentindo-se profundamente envergonhado, tanto mais que tais imputações foram proferidas numa audiência de julgamento.
Provou-se ainda que:
23. O demandante C…, exerce funções no Posto Territorial da Guarda Nacional Republicana em …, tendo um comportamento moral e cívico irrepreensível, granjeando grande estima entre todos os que consigam laboram.
24. Ao proferir as expressões acima descritas, a arguida colocou em causa o auto de denúncia elaborado pelo Guarda C….
25. Tais factos causaram desconforto ao Guarda C…;
26. Pondo em causa o seu profissionalismo e atitude perante a população;
27. E eventualmente até a sua progressão na carreira da Guarda Nacional Republicana.
Provou-se ainda que:
28. A arguida é empresária agrícola, possuindo uma vacaria que explora juntamente com o seu marido, na qual tem cerca de 60 animais, comercializando o leite produzido para a sociedade comercial “G…”, sita em …; paralelamente, dedica-se ao cultivo de terras o qual destina aos consumos diários dos animais; por tal actividade aufere a quantia mensal aproximada de €6.500,00 / €6.500,00, em relação à qual suporta mensalmente as seguintes despesas mensais: cerca de €500,00 com pagamento dos honorários do veterinário, cerca de €1.700,00 em combustível, cerca de €1.600,00 a €1.700,00 com a aquisição de farinha para consumo dos animais, cerca de €300,00 com gastos de luz; contraiu um empréstimo bancário para a realização de obras num imóvel / moradia da sua propriedade, no valor de €40.000,00, ascendendo as respectivas prestações mensais ao valor aproximado de €360,00; para além da aludida moradia, possui ainda a casa / moradia na qual reside com o seu marido; possui actualmente dois tractores, da marca “Ford”, um com mais de 10 anos, outro com mais de 15 anos; para uso diário, utiliza um veículo automóvel, Jipe, com mais de 10 anos, pertencente a um dos seus filhos, que se dedica à compra e venda de automóveis; vive com o seu marido, que a ajuda na aludida exploração agrícola, como referido, e com uma das suas filhas, que conta actualmente 37 anos, e trabalha para o seu próprio sustento; como habilitações literárias, possui a 4.ª classe de escolaridade.
29. A arguida já foi condenada pela prática, em 29/01/2013, de um crime de ofensa à integridade física e de um crime de injúria, na pena [única] de 130 dias de multa, à taxa diária de €12,00, o que perfaz o montante global de €1.560,00.
2) Factos não provados
Da discussão da causa não logrou provar-se:
a) Que a arguida ao proferir as expressões descritas nos factos provados teve a intenção de imputar ao Assistente D… a prática de um Crime de Corrupção Activa, previsto e punido pelo art. 374° do Código Penal;
b) Que a arguida sabia que a imputação dirigida ao Assistente D… era falsa, tendo-se apenas provado que a dita imputação era falsa;
c) Que a arguida ao proferir as várias expressões descritas nos factos provados, acusou o demandante C… de ser corrupto;
d) Que quando a arguida foi apresentar queixa o Guarda C… exortou ambos os queixosos a pensarem bem a não envolverem os menores para não lhes causarem ainda maiores danos psicológicos, querendo o Senhor Guarda referir-se aos netos da aqui arguida e do assistente que estavam com a arguida foi agredida e insultada pelo tio dos mesmos, filho do assistente, o senhor F….
e) Que a arguida estava nervosa aquando do julgamento que decorreu no processo 53/13.1GCETR, e que nas declarações que então prestou apenas se queria referir à não inclusão dos menores no processo, sendo que a própria mãe dos menores, filha da arguida, é que suscitou essa questão.
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Os demais factos alegados nas peças processuais tidas em consideração -acusações pública e particular, pedidos de indemnização civil e contestação - são conclusivos, correspondem a conceitos de Direito e/ou não revestem interesse para a decisão a proferir.
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3) Motivação da Decisão de Facto
Na formação da sua convicção o Tribunal analisou de forma livre crítica e conjugada a prova produzida em audiência de discussão e julgamento de acordo com o preceituado no artº 127º C.P.P.
Ou seja, a convicção do Tribunal é sempre formada, para além dos dados objectivos obtidos através dos documentos ou outras provas constituídas/produzidas de carácter técnico/científico, também por declarações e depoimentos em função das razões de ciência, das certezas e ainda das suas lacunas, contradições, im/parcialidades, coincidências, coerências e quaisquer mais in/verosimelhanças que transpareçam – sempre em audiência.
Contudo, livre apreciação da prova não significa uma apreciação arbitrária porquanto tem como pressupostos valorativos, o respeito pelos critérios da experiência comum e da lógica do homem médio.
A arguida, prevalecendo-se do seu direito legal ao silêncio, declarou não desejar prestar declarações sobre os factos acusados, tendo apenas aceite, quanto aos mesmos, e após ter sido produzida toda a prova (testemunhal) em audiência, responder a uma pergunta formulada a instâncias do seu Il. Mandatário.
Assim, para alcançar a prova dos factos apurados, o Tribunal desde logo valorou a transcrição de fls. 24 a 76 dos autos de Inquérito apensos [92/14.5T3ETR), referente à sessão de julgamento do PCS 53/13.1GCETR, durante a qual a arguida proferiu a imputação em discussão nos presentes autos, transcrição essa que, no decurso do julgamento do presente processo, foi inclusivamente acompanhada pela reprodução em audiência das declarações que a mesma efectivamente prestou na sessão de julgamento respectiva, elementos de prova documentais cujo valor probatório, com salvaguarda do contraditório, resultou incólume em Julgamento, designadamente para prova dos factos 1) a 5), e 14), referentes à prática objectiva dos factos acusados.
Ou seja, resultou cabal e positivamente apurado que a arguida proferiu a imputação reproduzida em 2, e proferiu ainda as concretas expressões descritas em 4), 5) e 14), quando estava a ser advertida de que o seu comportamento poderia revestir matéria criminal (“Mas isso, isso aconteceu”; prosseguindo ainda: “Está bem”, “Está bem, prontos”, “Mas isso aconteceu assim” e “Está bem senhor Doutor. Sim senhora, mas as coisas foram assim”), expressões estas que levaram ao Tribunal a concluir nos termos que a seguir se explicitará, também pelo preenchimento subjectivo das incriminações.
Ou seja, desde logo desta prova assim produzida, resultou manifesto que a arguida teve logo então, no momento em que proferiu a imputação descrita em 2) em audiência de julgamento, perante o Tribunal, a possibilidade de se esclarecer e/ou redimir de qualquer interpretação que estivesse a ser dada às suas palavras que não fosse consentânea com a interpretação / enquadramento que, logo na ocasião, estava a ser a tomada pelos vários receptores e que não fosse aquela que pretendia efectivamente afirmar, o que não só não aconteceu, isto é, podendo fazê-lo, a arguida não só não o fez, logo na própria audiência, repete-se, mesmo depois das várias vezes em que foi advertida no sentido de que as suas palavras a faziam incorrer em responsabilidade criminal, como ademais, reiterou a afirmação / imputação inicialmente proferida por via das ditas expressões que foram sendo a sua resposta às ditas advertências encetadas pelo Tribunal, com especial relevo por aquelas que então lhe foram dirigidas pelo Sr. Procurador Adjunto que intervinha no julgamento.
Também o depoimento da Dr.ª H…, juíza que presidia à audiência, prestado com absoluta isenção e descomprometimento, foi esclarecedor nesse mesmo sentido, isto é, que ficou com a ideia que a arguida ao apresentar a sua versão dos acontecimentos no dito julgamento, e perante a circunstância de estar a fazê-lo de forma não consentânea com os termos constantes da queixa que anteriormente havia apresentado, sendo confrontada com a divergência, afirmou que, se não estava redigido na queixa apresentada o que estava a afirmar em sede de julgamento, então era porque o pai do ali arguido / assistente F…, o aqui assistente D…, foi pedir ao Guarda responsável pela elaboração da sua queixa (a queixa da arguida) para não o colocar. Foi ainda esclarecedor quanto ao facto de logo então ter entendido as várias expressões com que a arguida foi respondendo às várias advertências que lhe foram sendo dirigidas, com especial enfoque por banda do Senhor Procurador Adjunto, como reiterações da imputação inicial, interpretada no aludido sentido. Foi esclarecedor, finalmente, quanto ao facto de não se recordar minimamente, e, por isso não ter retido, de os netos menores da arguida terem sido falados nesta parte dos factos relatados / trazidos à discussão na audiência de julgamento – isto porque a menção aos mesmos (que efectivamente é feita na expressão proferida) não contender com a imputação gravosa que foi proferida.
Donde, não colheu, por infirmada a versão da Defesa explanada na contestação, resultando, outros sim, positivamente afirmada a factualidade dada como provada.
Note-se que na Contestação – único articulado onde se perspectiva a versão da arguida, uma vez que usou do seu direito ao silêncio, com a excepção de ter respondido a uma única questão avançada pela Defesa, e após toda a demais prova ter sido produzida, postura processual legítima, porque no exercício de um direito legal, mas que não pode ser valorada no sentido de favorecer a arguida – é apresentada uma interpretação e enquadramento para as concretas expressões proferidas pela arguida que não colhe por várias ordens de razões.
Desde logo, pois lança mão de uma possível realidade que é paralela à em discussão nos autos – a indicação dos netos (dos “meninos”) como testemunhas para se eximir à responsabilização que tem que lhe ser assacada em consequência /decorrente da expressão / da acusação que formulou e, sobretudo, reafirmou e reiterou por via das expressões que foram sendo utilizadas quando advertida, em especial, pelo então Sr. Procurador que interveio no julgamento, sobre as consequências criminais em que incorria por ter proferido tal imputação. Não colhe portanto, no concreto contexto factual em que a concreta imputação foi proferida que a arguida desconhecesse o alcance da mesma pois não é o que resulta da própria gravação, afigurando-se-nos elucidativa a circunstância de se ouvir claramente a arguida, falando, percebendo-se, sem hesitações, com firmeza, na afirmação inicial e nas reiterações da mesma, aquando das várias das aludidas intervenções para que atentasse na gravidade do que afirmava e reiterava, e, nessa medida, pelas várias possibilidades que logo então se lhe foram sucessivamente concedidas para, caso se trata-se de uma afirmação com o alcance afirmado na tese sufragada na Contestação, logo o pudesse esclarecer. O que a arguida, como já referido, não só não o fez, como além disso, por via das reiterações avançadas, reafirmou, esclarecidamente, a imputação inicial, o que inelutavelmente infirma a tese explana pela Defesa na Contestação, que, pelo tanto, foi positivamente contrariada pela análise crítica de toda a prova produzida.
Resulta ainda positivamente infirmada, segundo assim se nos afigura, pelo facto de, quando em audiência, em resposta à única pergunta que acedeu responder, verbalizou que não foi sua intenção, com as palavras então proferidas no outro julgamento, ofender os queixosos, afigurando-se ao Tribunal que nesse momento, quando pretendia justificar o que verbalizava com a tese expressa na Contestação, certo é que não logrou conseguir fazê-lo por palavras suas, espontâneas e minimamente escorreitas, logo interrompendo o seu próprio discurso perante essa incapacidade com a afirmação de não pretender “dizer mais nada”, não por nervosismo, segundo também pareceu ao Tribunal, mas antes por não compreender essa mesma tese avançada no dito articulado, e, sobretudo, por a mesma não corresponder minimamente à verdade dos factos e à verdade do seu intencionalismo ao praticar os factos objectivos aqui em discussão.
A tese da Defesa, plasmada na Contestação, não colhe ainda por uma outra ordem de razões: se quando afirmou que “sim, tem …(…), de, eh (…), se não escreveram foi porque o pai dele foi lá pedir para não botar algumas coisas, que era por causa dos meninos. Se não escreveram foi o pai dele, que foi pedir ao Posto da Guarda, ma…(…)”, queria referir-se a um suposto acordo dos queixosos no âmbito daqueloutro processo para não incluir os menores nas queixas aí apresentadas, e não tão somente na parte da indicação dos mesmos como testemunhas, não se alcança a ligação entre a afirmação proferida e a explicação da mesma trazida só agora (isto é, no âmbito dos presentes autos), pois, como a própria filha da arguida e mãe dos menores em causa referiu expressamente em audiência, a testemunha E…, e decorre da demais prova prestada – declarações do assistente D…, ofendido C…, e testemunhas F… e I… -, não existiu qualquer acordo estabelecido entre a aqui arguida e o aqui assistente D… sobre não pôr os meninos seja no próprio teor / relato / narração das queixas apresentadas naqueloutro processo, seja na parte da indicação das testemunhas dos factos denunciados, pois toda a prova testemunhal prestada foi no sentido de que os mesmos nem sequer se falaram no momento da apresentação das queixas; ou seja, não houve qualquer conversação entre a arguida e o aqui assistente a respeito dessa ou dessas questões e/ou a respeito de quaisquer outras questões quando as partes / sujeitos processuais ali participantes foram apresentar as respectivas queixas. Reitera-se, não existindo qualquer conversação entre os mesmos, não poderia ter sido estabelecido qualquer acordo entre ambos a respeito do que quer que seja, incluindo a esse respeito.
Ou seja, por toda estas ordens de razões, a única interpretação possível não é, por infirmada, a que é avançada na Contestação, mas sim aquela que a final resultou apurada, razão pela qual foram os factos relevantes respectivos dados como provados e os alegados em sede de Contestação dados como não provados.
A reiteração da afirmação inicial no contexto fáctico das várias advertências que logo se lhes foram dirigidas à arguida, sobretudo do Sr. Procurador Adjunto, é por demais elucidativa, a nosso ver, para essa mesma conclusão.
Em suma, da prova assim produzida e analisada, o Tribunal alcançou a cabal convicção da verificação dos factos dados como provados no modo e sequência em que o foram.
Por seu lado, a prova assim produzida, à luz das regras da habitualidade e da experiência comum, permitiu apurar as consequências que advieram para o assistente e ofendido demandantes em consequência da conduta da arguida / demandada, nomeadamente em sede dos danos de natureza não patrimonial alegados e apurados, para o que contribuíram as declarações do assistente D…, e o depoimento do ofendido C…, e das testemunhas F… e I…, valorados à luz das aludidas regras da experiência comum, normal suceder e habitualidade.
No plano subjectivo dos ilícitos apurado, na falta de qualquer confissão e/ou assunção dos factos, ponderámos o iter criminis apurado, quanto ao dolo imputado.
Existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são susceptíveis de prova indirecta como são todos os elementos de estrutura psicológica [cfr. M.Cavaleiro Ferreira, in Curso de Proc. Penal. vol. II, 1981, p. 292], os relativos ao especto subjetivo da conduta criminosa.
Em correcção e simultânea corroboração desta afirmação, diz-nos N. F. Malatesta [In “A Lógica das Provas em Matéria Criminal”, p. 172 e 17] que exceptuando o caso da confissão, não é possível chegar-se à verificação do elemento intencional, senão por meio de provas indiretas: percebem-se coisas diversas da intenção propriamente dita, e dessas coisas passa-se a concluir pela sua existência.
Na prática, como refere este mesmo autor [Ibidem, p. 176 e 177] afirma-se muitas vezes sem mais nada o elemento intencional mediante a simples prova do elemento material (...) O homem, ser racional, não obra sem dirigir a suas acções a um fim. Ora quando um meio só corresponde a um dado fim criminoso, o agente não pode tê-lo empregado senão para alcançar aquele fim.
No caso, as condutas objectivas apuradas permitem concluir, pelo dolo apurado quanto a cada uma dessas condutas.
Quanto aos demais factos dados como não provados, sempre sem prejuízo do exposto em sede de motivação dos factos provados, a sua não demonstração resultou de, sobre os mesmos, não se ter logrado fazer prova (documental e/ou testemunhal), tendente a concluir pela sua verificação suficiente e bastante, para que pudessem ser tidos como assentes nos moldes que vinham descritos.
Em suma e dito por outras palavras, no que concerne aos factos dados como não provados, foi produzida prova do seu contrário (quanto aos factos alegados pela Defesa na Contestação) ou então a prova produzida não resultou suficientemente circunstanciada, antes foi genérica e/ou conclusiva a respeito, em dada parte omissa ainda, razão pela qual foram tais factos dados como não provados.
A final, o Tribunal não vislumbrou motivos para não fazer fé nos esclarecimentos finais da arguida sobre as suas condições pessoais, familiares e sócio-económicas (ainda que por vezes com as já habituais ‘dificuldades’ em esclarecer os concretos e precisos rendimentos/salários/lucro), interessando ainda o CRC da mesma documentado nos autos.
4) O Direito
4.1 Enquadramento Jurídico da Causa
Sendo esta a matéria de facto provada, façamos o seu enquadramento jurídico–penal.
A arguida vem acusada da prática, em autoria material e em concurso real, de:
- um crime de difamação agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 180.º, nº 1 e 184.º, do C.P. [acusação pública de fls. 86 e 87]; e de
- um crime de difamação e calúnia, p. e p. pelo disposto nos arts. 180.º, nº 1 e 183.º, n.º 1, al. b), do mesmo código [acusação particular 78 a 82].
Vejamos.
Comete o crime de difamação, previsto e punido pelo artº 180º, nº 1, do Código Penal “quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo…”.
O artº 182º do Código Penal equipara à difamação verbal a feita por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão.
Difere a difamação da injúria (cfr. artº 181º, nº 1, do Código), por na primeira ser indirecta, junto de terceiro, a ofensa à honra ou consideração.
O crime de difamação é agravado quando a ofensa em causa tenha lugar nas circunstâncias previstas nos artºs 183º e 184º do Código Penal.
Temos, pois, como elementos constitutivos do tipo objectivo destes ilícitos criminais a imputação a uma pessoa de um ou mais factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou a atribuição de um juízo, a uma determinada pessoa, perante terceiro, facto ou juízo esses que sejam ofensivos da honra ou consideração.
No que concerne ao elemento subjectivo dos crimes em apreço, estamos perante um crime doloso, em qualquer das suas modalidades, directo, necessário ou eventual (cfr. artº 14 do Código Penal). Não é elemento necessário do crime uma especial direcção de vontade com vista à ofensa da honra ou da consideração, ou seja, é dispensável o dolo específico.
Actualmente, cremos poderem considerar-se ultrapassadas na Doutrina como na Jurisprudência as designadas concepções fácticas da honra – identificadas, em polos opostos, com a mera ofensa à auto-estima, por si só (concepção subjectivista ou interna da honra) ou com a simples ofensa à consideração social, por si só (concepção objectivista ou externa da honra) – tendo-se passado para as conceções normativas da honra, que acolhem na tutela jurídico-penal, nesta sede, as palavras e expressões que num dado contexto social, numa determinada situação de facto, e para um concreto lesado, ofendem a sua honra ou a sua consideração social.
Saliente-se que merecem tutela jurídico-penal as ofensas à honra de uma pessoa, através de palavras ou expressões que num dado contexto social, numa determinada situação de facto, e para um concreto lesado, ofendem a honra ou a consideração social do visado.
Feitas estas considerações, apreciemos no concreto caso sub judice.
No caso sub judice, resultou provado que a arguida tinha essa mesma qualidade no âmbito do processo comum singular nº 53/13.1GCETR, tendo sido ouvida nessa qualidade no dia 26 de Fevereiro de 2014. Aquando da sua inquirição, a arguida referiu a instâncias do Tribunal que: “sim, tem …(…), de, eh (…), se não escreveram foi porque o pai dele foi lá pedir para não botar algumas coisas, que era por causa dos meninos. Se não escreveram foi o pai dele, que foi pedir ao Posto da Guarda, ma…(…)”.
Mais resultou apurado que, quando proferiu estas palavras, sabia a arguida que se estava a dirigir a um membro da Guarda Nacional Republicana, do Posto de …, que recebeu a queixa efectuada pela mesma no âmbito do processo acima mencionado, que na altura era o Guarda C…; e que, mesmo depois de advertida de que o seu comportamento poderia revestir matéria criminal, a mesma continuou a afirmar perante o Tribunal: “Mas isso, isso aconteceu”; e prosseguiu afirmando ainda perante o Tribunal: “Está bem”, “Está bem, prontos”, “Mas isso aconteceu assim” e “Está bem senhor Doutor. Sim senhora, mas as coisas foram assim”.
Mais resultou que, ao proferir tais expressões, pretendeu a arguida dar a entender que o ofendido C… recorria a práticas desonestas no âmbito das suas funções, e assim ofender o agente referido na sua honra pessoal e dignidade profissional, sendo que o referido Guarda encontrava-se devidamente uniformizado e identificado como pertencendo àquela força policial, para além de a queixa ter sido efectuada no Posto da Guarda Nacional Republicana de …. A arguida sabia que o ofendido era Guarda e se encontrava no exercício das respectivas funções. Ao proferir tais declarações em audiência de julgamento, não desconhecia a arguida que estava num sítio público, com assistência de terceiros, para além do próprio Tribunal, perante um acto solene e não obstante, não se coibiu de agir da forma que agiu. A arguida agiu de modo livre, consciente e voluntário, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da respectiva conduta.
Por seu lado, resultou ainda que a arguida ao afirmar no Tribunal, no decurso da aludida audiência de julgamento, que se, na queixa que a mesma apresentou, não constar todos os factos que a mesma relatou em julgamento foi porque o Assistente D… pediu à GNR para não os escrever. Mais se apurou que a imputação proferida pela arguida é falsa e que a mesma sabia que, ao fazê-la, lesava a honra e consideração do assistente D…, e denegria a sua imagem, considerando até o lugar onde a imputação foi proferida, o que pretendeu ofender. No entanto, não se coibiu de a proferir e manter a mesma ao longo da audiência de julgamento no processo n°. 53/13.IGCETR, nos termos acima descritos, agindo de modo livre, consciente e voluntário, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da respectiva conduta, pretendendo ofender, como efectivamente ofendeu, a honra e consideração do assistente D….
Assim, é manifesto que a arguida por via da expressão proferida imputou um facto ao assistente e ao ofendido susceptível de (apto a) lesar a pretensão de respeito que a pessoa merece e reputação que ela tem no meio em que se insere e devidos pelas funções públicas que desempenha, lesões que efectivamente se concretizaram.
Embora a honra, enquanto atributo inato da personalidade e elemento concretizador da dignidade da pessoa humana, seja devido a todos, o facto de o ofendido C… ser Guarda da G.N.R., e ter sido atingido na sua honra no exercício das suas funções e por causa delas, faz com que a conduta da arguida assuma uma maior gravidade.
Entende-se que quando o sujeito passivo tem um estatuto funcional e é ofendido no exercício nas funções em que foi investido ou por causa delas, se atinge, para além da honra enquanto bem pessoalíssimo, o interesse comunitário de defesa da honra daquele a quem a comunidade confia o exercício de certas funções.
Nesta medida, prevêem-se formas agravadas de difamação em função da qualidade do ofendido no que tange ao crime de difamação perpetrado na pessoa de C… (art. 184º, por remissão para o art. 132º, nº2, al. l), do CP), que assumem a natureza de crimes semi-públicos, fugindo assim em parte à ideia de consenso que perpassa o regime dos crimes contra a honra.
Já não assim, no caso do crime praticado na pessoa do assistente D… já que não se provou a agravação da calúnia (provou-se que a imputação era falsa mas já não que a arguida sabia da falsidade da imputação, cfr. previsto no art. 183.º, n.º 2, al. b), do CP).
A verdade ou falsidade da imputação de um facto poderá efectivamente ser relevante.
A falsidade conhecida do agente configura o crime de calúnia (art. 183º, n.º 1, al. b) do CP); o que não resultou positivamente demonstrado nos autos, apesar de ter resultado a falsidade da imputação, razão pela qual fica afastado o preenchimento dessa agravação.
Não resultam igualmente provadas quaisquer outras causas que justifiquem a conduta ou excluam a culpa da arguida.
Assim, concluímos que a arguida cometeu um crime de difamação agravada, na pessoa do ofendido Guarda C…, previsto e punido pelo art. 181º, nº1, e 184º do CP, e um crime de difamação simples, previsto e punido pelo art. 181º, nº1, do CP, na pessoa do assistente D….
4.2 Medida da Pena
Apurada a responsabilidade criminal da arguida, impõe-se escolher e determinar a medida da pena.
As finalidades da punição são as previstas no art. 40º do CP – de prevenção geral e especial, constituído a culpa o limite inultrapassável da pena.
O crime de difamação agravado, previsto no art. 180º, nº1, e 184º do CP, é punido com pena de prisão de 1 mês e 15 dias a 9 meses ou pena de multa de 15 a 360 dias.
O crime de difamação simples, previsto no art. 180º, nº1, é punido com pena de prisão de 1 mês e a 6 meses ou pena de multa de 10 a 240 dias.
Face à previsão, em alternativa, de uma pena privativa da liberdade e de uma pena não privativa da liberdade, cumpre fazer a operação prévia de escolha da pena.
O art. 70º do CP determina que se deverá dar preferência à pena não privativa da liberdade sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Assim, a escolha deverá ser feita à luz de um critério de conveniência e mediante um juízo de prognose favorável à opção pela pena não privativa da liberdade pela conclusão de que esta é susceptível de cumprir as finalidades de prevenção.
A crescente consciencialização dos cidadãos dos direitos que lhes assistem, que é salutar, não é, tantas vezes, acompanhada pela compreensão da responsabilidade que o bem da liberdade nos impõe e dos deveres que implica.
Sob pena de prevalecer a lei do mais forte, o dever de respeito pela autoridade torna-se essencial para o funcionamento da sociedade e para protecção de todos nós.
Não são, por isso, toleráveis comportamentos que, sem fundamento, descredibilizem ou ponham em causa a legitimidade de quem é investido pela comunidade (por todos nós) em funções de autoridade.
É preciso fazer notar à comunidade e à arguida, muito em especial atenta a natureza dos antecedentes criminais que já tem, a importância de guardar respeito por aqueles que asseguram a segurança de todos nós, muito em especial daqueles que o fazem num tribunal – por excelência o órgão garante das liberdades.
Pese embora as necessidades de prevenção geral e especial prementes, e que fizemos notar, entende-se que a pena de multa responderá ainda de forma adequada àquelas exigências, pelo que se opta por esta pena não privativa da liberdade.
Impõe-se, agora, determinar a medida da pena de multa.
O nosso código adopta o modelo escandinavo dos dias de multa (art. 47º, nº1, e 2, do CP). Assim, há que:
- primeiro determinar o número de dias de multa atendendo aos critérios do art. 71º, nº1, do CP;
- depois, fixar o quantitativo diário atenta a situação económica do condenado e dos seus encargos pessoais, aferidos no momento da condenação.
O quantum da pena deverá ser encontrado entre um ponto óptimo de tutela de bens jurídicos – da expectativa comunitária na vigência da norma infringido – e um limiar mínimo de defesa do ordenamento jurídico, tendo, no entanto, em linha de conta o referido limite inultrapassável dado pela culpa (art. 40º, nº2, do CP) e que aquele quantum deverá ser apenas o necessário à prevenção especial ou de socialização do arguido.
Assim, há que, primeiro, determinar a moldura penal abstracta, tendo em conta as circunstâncias modificativas gerais e especiais, agravantes e atenuantes; depois, determinar a pena em concreto, atendendo aos fins das penas e aos factores ambivalentes, na medida em que revelam tanto ao nível da prevenção como da culpa, referidos no art. 71º, nº1 e 2, do CP; por último, e em face da pena encontrada, ponderar a possibilidade de aplicação de pena de substituição ou de dispensa de pena (cf. Anabela Rodrigues, “A determinação da medida concreta da pena privativa de liberdade e a escolha da pena”, in RPCC, Ano I (1991), nº2, em anotação ao Ac. do STJ de 21 de Março de 1990).
Ora, não resultam da factualidade descrita supra quaisquer circunstâncias modificativas gerais ou especiais que importem a alteração da moldura penal abstracta prevista para o tipo legal dos crimes em apreço, pelo que há-de ser dentro destes limites que se deverá fixar o quantum da pena de multa.
Reavaliando a factualidade provada, fazemos notar as circunstâncias em que o crime foi praticado – os factos foram imputados ao assistente e ao ofendido em voz alta, em plena audiência de julgamento, perante o Tribunal –, as quais conferem ao seu comportamento uma gravidade acrescida que se impõe tomar em consideração na medida da pena.
Na realidade, não podemos deixar de considerar elevadas as necessidades de prevenção geral perante o crescente desrespeito das pessoas pelas outras enquanto cidadãs e em função dos cargos ou profissões que exerçam. Não raras vezes e cada vez mais frequentemente esse desrespeito se traduz na falta de educação e princípios repercutidos nos comportamentos inoportunos em locais públicos e, no caso, em Tribunais.
Em termos de prevenção especial, salienta-se que esta arguida tem já antecedentes criminais.
Milita em seu favor a sua situação de inserção pessoal, familiar e sócio- económica.
Ora, sopesando todos estes factores, bem como a natureza das expressões proferidas, considera o Tribunal necessária, proporcional e adequada a aplicação das seguintes penas parcelares:
- 250 dias de multa pelo crime de ameaça agravado, cometido na pessoa do ofendido C…;
- 150 dias de multa pelo crime de ameaça, cometido na pessoa do assistente D….
Da Pena única
Cumpre operar o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, nos termos do artigo 77.º do CP, nos termos do qual estipula que quando alguém tiver praticado vários crimes, antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, na qual são considerados, em conjunto, os factos praticados e a personalidade do agente.
Relativamente às penas parcelares multa, operando o cúmulo jurídico das mesmas, nos termos do mesmo preceito legal, temos um limite mínimo do concurso de 400 dias de multa e um limite máximo do concurso de 250 dias.
Dentro destas referidas molduras, dever-se-á determinar a pena única a aplicar ao arguido pelos crimes que cometeu, dentro desses mesmos limites.
Deverão considerar-se nessa concreta determinação, os factos praticados e a personalidade do agente, aquilatadas com as exigências de prevenção geral e especial e ainda da sua culpa.
A este respeito, diz o Prof. Figueiredo Dias (ob. cit., pag. 291), “tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisivo para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos se verifique”, referindo quanto à personalidade do agente importa avaliar ”se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência, (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade.”
Considerando os litígios subjacentes à prática dos factos, atendendo ainda aos factos apurados, à ilicitude e culpa decorrentes dos mesmos, e a personalidade do agente documentada nas condutas concretamente empreendidas, e todas as acima circunstâncias que militam em seu favor e seu desfavor, o tribunal julga adequada a aplicação da pena unitária de 300 dias de multa.
A fixação do quantitativo diário será determinado atendendo às condições económicas e financeiras do arguido e aos seus previsíveis encargos, dentro da moldura prevista no art. 47.º, n.º 2 do C.P. (de €5,00 a €500,00).
No caso concreto, apurou-se que a arguida é empresária agrícola, possuindo uma vacaria que explora juntamente com o seu marido, na qual tem cerca de 60 animais, comercializando o leite produzido para a sociedade comercial “G…”, sita em …; paralelamente, dedica-se ao cultivo de terras o qual destina aos consumos diários dos animais; por tal actividade aufere a quantia mensal aproximada de €6.500,00 / €6.500,00, em relação à qual suporta mensalmente as seguintes despesas mensais: cerca de €500,00 com pagamento dos honorários do veterinário, cerca de €1.700,00 em combustível, cerca de €1.600,00 a €1.700,00 com a aquisição de farinha para consumo dos animais, cerca de €300,00 com gastos de luz; contraiu um empréstimo bancário para a realização de obras num imóvel / moradia da sua propriedade, no valor de €40.000,00, ascendendo as respectivas prestações mensais ao valor aproximado de €360,00; para além da aludida moradia, possui ainda a casa / moradia na qual reside com o seu marido; possui actualmente dois tractores, da marca “Ford”, um com mais de 10 anos, outro com mais de 15 anos; para uso diário, utiliza um veículo automóvel, Jipe, com mais de 10 anos, pertencente a um dos seus filhos, que se dedica à compra e venda de automóveis; vive com o seu marido, que a ajuda na aludida exploração agrícola, como referido, e com uma das suas filhas, que conta actualmente 37 anos, e trabalha para o seu próprio sustento.
Atendendo a estes elementos, fixa-se em €12,00 (doze euros) o quantitativo diário da multa por proporcional, adequado e necessário.
*
4.3 - DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL:
Dos pedidos cíveis deduzidos pelos ofendidos/demandantes contra a arguida/demandada:
O assistente D… formulou a fls. 82 e 83 dos autos, contra a arguida / demandada, pedido de indemnização cível no valor global de €2.000,00 a título de alegados danos não patrimoniais decorrentes do crime de difamação praticado na sua pessoa.
Por sua vez, o ofendido / queixoso C… formulou também nos presentes autos, a fls. 98 a 98 v.º dos mesmos, contra a arguida / demandada, pedido de indemnização cível no valor global de €500,00 a título de alegados danos não patrimoniais decorrentes do imputado crime de difamação agravada praticado na sua pessoa.
Nos termos do disposto no artº 71º do Código de Processo Penal «o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei».
A este propósito rege o artº 129º do Código Penal que remete para a “lei civil“ a “indemnização por perdas e danos emergentes de um crime”.
Assim, situando-nos no domínio civil, teremos de atender aos pressupostos necessários para o preenchimento da responsabilidade extra-contratual.
Dispõe o artº 483º do Código Civil que «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».
São, pois, pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos: (i.) a verificação de um facto voluntário; (ii.) a ilicitude; (iii.) o nexo de imputação subjectiva do facto ao lesante (culpa); (iv.) a verificação de danos; (v.) e a verificação de um nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Vejamos.
Em face do manancial fáctico apurado, impõe-se apurar dos alegados danos não patrimoniais peticionados por cada um dos demandantes em relação aos crimes de que cada um foi vítima por banda da arguida/demandada, isto é, no quadro das expressões difamatórias dirigidas pela demandada a cada um dos demandantes.
Em face do manancial fáctico apurado, impõe-se sim apurar dos alegados danos não patrimoniais peticionados por cada um dos demandantes. Importa, pois, apurar da eventual violação dos direitos de cada um dos demandantes civis, designadamente dos direitos de personalidade, e, em função disso, decidir se são de decretar as providências solicitadas e condenar o demandado a pagar àqueles uma indemnização pela verificação da prática de actos que determinem a aplicação do instituto da responsabilidade civil extracontratual, nos termos previstos pelo artigo 483º, n.º 1, do Código Civil.
Dispõe aquela norma que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
A simples leitura do preceito mostra que vários pressupostos condicionam, no caso geral da responsabilidade por factos ilícitos, a obrigação de indemnizar imposta ao lesante, cada um dos quais desempenha um papel especial na complexa disciplina das situações geradoras do dever de reparação do dano, os quais poderão ser enunciados pela seguinte forma: a) o facto voluntário, controlável pela vontade humana; b) a ilicitude; c) o nexo de imputação do facto ao lesante; d) o dano sobrevindo à conduta ilícita e culposa; e) um nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Apreciemos, de per se, e no confronto com a factualidade apurada nestes autos, cada um dos pressupostos enunciados, atenta a pretensão dos aqui demandantes.
Não restam dúvidas, atenta a factualidade provada que se verificou a ocorrência de vários factos voluntários, consubstanciados nas várias e diversificadas condutas criminógenas da demandada, os quais são ilícitos, na medida em que configuram a prática de um crime de difamação na pessoa de cada um dos demandantes civis, crimes que foram praticados pela demandada nos termos já sobejamente descritos.
Também resultou provado que ambos os demandantes sofreram danos, e que esses danos foram consequência da actuação da demandada, porquanto resultou provado que os mesmos decorreram como consequência directa e necessária dos factos por si praticados.
De acordo com o estatuído no artigo 496º, nº 1, do Código Civil, apenas serão atendidos aqueles danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, gravidade que deve ser apreciada objectivamente. Com efeito, a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva terem linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada), de forma que os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais.
O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado segundo critérios de equidade, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem.
A indemnização não visa, então, propriamente ressarcir, tornar indemne o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido.
Para a fixação dos danos não patrimoniais a ressarcir neste caso há que considerar a factualidade provada, devendo ser tomados em consideração o facto de a demandada ter agido imbuída de dolo directo, a gravidade da imputação proferida, e, bem assim, o contexto factual em que a mesma foi proferida e reafirmada, acrescendo, em relação ao ofendido C…, o facto de ter sido atingido na sua honra e consideração, no exercício e por causa das suas funções de militar.
Dever-se-á ainda a considerar o grau de lesão na personalidade moral de cada um dos demandantes, acima descrito nos factos provados nos pontos 15) a 27) dos factos provados, e a situação económica da demandada, retratada no ponto 28), a qual se caracteriza por se situar claramente acima do que é média do cidadão português.
Assim, considerando conjugadamente todas as acima elencadas circunstâncias, crê-se razoável, adequado e, dentro dos condicionalismos referidos, justo e equitativo, condenar a demandada a pagar a quantia:
- de € 500,00, peticionada pelo demandante C…, a título de compensação por danos não patrimoniais, decorrentes em consequência directa e necessária da expressão difamatória proferida pela demandada à sua pessoa e que consubstanciam a prática de um crime de difamação agravada (não podendo o tribunal condenar em quantia superior à peticionada, considerando o princípio do pedido);
- de € 500,00, ao demandante D…, a título de compensação por danos não patrimoniais, decorrentes em consequência directa e necessária da expressão difamatória proferida pela demandada à sua pessoa e que consubstanciam a prática de um crime de difamação, absolvendo-a do mais peticionado.
Estas quantias, atendendo a que se fixaram tendo em conta a data mais recente que pôde ser atendida pelo tribunal, encontram-se, nessa medida, actualizada, sendo que a obrigação pecuniária (no sentido de obrigação traduzida em dinheiro) só neste momento se constituiu, pelo que, os juros deverão ser contabilizados à taxa de 4% (Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril), mas a contar, não desde a notificação do pedido, mas sim da data da presente decisão e até efectivo pagamento (neste sentido vide Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2002, in Diário da República, I Série A, de 27 de Junho).
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III. DISPOSITIVO:
Assim, ao abrigo das supra referidas disposições legais:
A) MATÉRIA CRIMINAL
- Condeno a arguida B… da prática de um crime de difamação agravada, p. e p. pelo disposto nos arts. 180º, nº 1 e 184º (este também por referência à al. j) do nº 2 do artº 132º, do CP), praticado na pessoa do ofendido C…, na pena parcelar de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa;
- Condeno a arguida B… da prática de um crime de difamação, p. e p. pelo disposto nos arts. 180º, nº 1 do CP, praticado na pessoa do assistente D…, na pena parcelar de 150 (cento e cinquenta) dias de multa;
- Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares antes referidas, condeno a arguida B…, na pena única de 300 (trezentos) dias de multa, à razão diária de €12,00.
B) MATÉRIA CÍVEL
- Condeno a demandada B… no pagamento ao demandante C… da quantia de € 500,00 (quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a data da prolação da presente sentença até efectivo e integral pagamento.
- Condeno a demandada B… no pagamento ao demandante D… a quantia de € 500,00 (quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a data da prolação da presente sentença até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.
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Custas na parte criminal:
- Condeno ainda a arguida nas custas do processo, fixando em 4 (quatro) UC o valor da taxa de justiça devida e nos demais encargos a que a sua actividade deu causa (cfr. arts. 3.º, n.º 1, 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III do mesmo, 513.º, n.º 2 e 514.º, n.º 1, do C.P.P.).
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Custas na parte civil por demandantes e demandada, na proporção do respectivo decaimento.
Notifique.
Lida será depositada (artº 373º, nº 2 do CPP).”
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Cumpre agora, nesta sede, analisar cada um dos fundamentos de recurso.
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(i) Na alegada nulidade da sentença por falta de fundamentação (ausência de exame crítico), condenação por factos diversos da acusação (na alegação de que a sentença deu como provados factos que são meros factos parciais desinseridos do contexto alterando desse modo a realidade resultando assim que a arguida acaba por ser condenada em factos distintos dos que constavam na acusação), e omissão de pronúncia (falta de pronúncia sobre factos alegados na contestação e resultantes do julgamento).
Este recurso da arguida levanta, desde logo, a questão da fundamentação da decisão judicial, da condenação por factos diversos da acusação e da omissão da pronúncia ao pressupor que na sentença o tribunal a quo não procedeu a uma correcta análise crítica da prova que lhe competia ou que não teve em conta toda a matéria alegada na contestação ou que tenha resultado do julgamento.
Cumpre apreciar.
O dever de fundamentação das decisões judiciais é uma realidade, ainda que com contornos variados, imanente a todos os sistemas de justiça que nos são próximos, mesmo que sejam detectáveis variáveis do grau de exigência em função das matérias em causa, do tipo de decisão ou da tradição histórica e cultural de cada país. Este dever constitui, nos modernos Estados de Direito, um dos pressupostos do chamado “processo equitativo” a que aludem o Art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o Art.º 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa. Esta mesma Constituição dispõe no n.º 1 do Art.º 205.º que "as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei".
Por seu turno a sentença é, por definição, a decisão vocacionada para a solução definitiva do problema concreto que foi colocado ao tribunal. Como tal, porque representa a definição do direito do caso concreto deve ser, um documento de fácil leitura, simples, claro, logicamente ordenado, enxuto e esgotante. Na verdade, o âmbito do princípio constitucional da fundamentação das decisões tem como corolários, para além da publicidade e do duplo grau de jurisdição, a generalidade, a indisponibilidade e a completude.
A vinculação constitucional a um modelo de fundamentação da sentença que garanta os princípios da completude e da indisponibilidade, com as constrições normativas mencionadas e que decorrem das exigências da suficiência, da coerência e da concisão.
Tem-se entendido que a fundamentação da sentença penal, como decorre da norma do Art.º 374.º, n.º 2, do CPPenal, é composta por dois grandes segmentos: um primeiro que consiste na enumeração dos factos provados e não provados; e outro que consiste na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.
A enumeração dos factos provados e dos factos não provados, mais não é do que a narração de forma metódica, dos factos que resultaram provados e dos factos que não resultaram provados, com referência aos que constavam da acusação ou da pronúncia, da contestação, e do pedido de indemnização, e ainda dos factos provados que, com relevo para a decisão, e não constando de nenhuma daquelas peças processuais, resultaram da discussão da causa. É esta enumeração de factos que permite concluir se o tribunal conheceu ou não, de todas as questões de facto que constituíam o objecto do processo.
Por outro lado, esses factos não podem ser diversos daqueles que se encontram descritos na acusação ou pronúncia, a não ser que tenham sido cumpridas as formalidades constantes dos Art.ºs 358.º e 359.º, ambos do CPPenal, nos termos do vertido na alínea b) do n.º 1 do Art.º 379.º.
A exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão deve ser completa mas tem que ser concisa, contendo e enunciação das provas que serviram para fundar a convicção alcançada pelo tribunal – o que não exige, relativamente à prova por declarações, a realização de assentadas tendo por objecto os depoimentos produzidos em audiência –, bem como a análise crítica de tais provas.
Esta análise crítica deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada.
Sabemos que não são todas as alegações do(a) arguido(a) que têm de ser indagadas pelo tribunal, mas somente aquelas que revistam interesse para decidir, num dos sentidos admitidos juridicamente como possíveis.
Como resulta do n.º 4 do Art.º 339.º do CPPenal, a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia, tendo em vista as finalidades a que se referem os Art.ºs 368.º e 369.º do mesmo Código.
Finalmente, ter-se-á de reconhecer que a actividade de fiscalização e de controlo por parte dos tribunais superiores, relativamente às decisões proferidas em 1.ª instância, designadamente a prevista no preceito do n.º 2 do Art.º 410.º, só pode ser válida e eficazmente exercida se, em sentença, se relacionarem um a um quer os factos provados, quer os não provados, para além de que só uma indicação minuciosa daqueles revela uma apreciação e julgamento completos, isto é, a certeza de que todos os factos objecto do processo foram efectivamente considerados e conhecidos pelo tribunal com o indispensável cuidado e ponderação.
Posto isto, há que recordar que neste ponto as demais questões substantivas e jurídicas consiste em apurar, in casu, se existe erro na apreciação da prova, seja ele notório ou decorrente de uma regular análise da fundamentação da matéria de facto, ou, também, erro na apreciação jurídica dos factos a considerar provados.
Assim, na concretização da estrutura da sentença a fundamentação impõe que todas as questões suscitadas e decididas devem ser objecto de fundamentação (o chamado princípio da completude), embora de uma forma concisa.
Igualmente a fundamentação deve sempre ser suficiente, coerente e razoável, de modo a permitir cumprir as finalidades referidas que lhes estão subjacentes (endo e extra processuais, que foram referidas).
Nesta incursão pela dimensão normativa e constitucional da fundamentação importa para os autos fazer salientar que a sentença como documento onde estão reflectidas as opções decorrentes do julgamento, funciona como um todo e nesse sentido as várias dimensões factuais e justificativas que a compõem devem articular-se, em toda a estrutura da fundamentação (relativa à matéria de facto e relativa às questões de direito).
Ora compulsada a fundamentação da decisão, torna-se claro que a sentença não padece do alegado vício da falta de fundamentação, constando dela o enunciado de todos os factos provados e não provados pertinentes (alegados no decurso do processo ou que tenham sido resultado da discussão da causa), e não se detectando o deficiente ou omisso exame crítico das provas vislumbrado pela recorrente.
Determina o citado Art.º 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal sobre os requisitos da sentença que: “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
O aludido exame crítico deverá consistir na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou por outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pela ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.
Ora, verifica-se que o tribunal a quo indica na sua motivação os motivos de facto e de direito que fundamentam a sua decisão, com indicação das provas que serviram para formar a sua convicção, mencionando as declarações e depoimentos prestados, assim como a prova documental relevante, sem esquecer o exame crítico destes elementos.
Não deixou o tribunal a quo de proceder a um exame crítico global dos meios de prova produzidos, com a indicação do porquê da conclusão pela imputação à arguida dos factos constantes da acusação (para além de toda a dúvida).
A confirmar tudo isto, deverá enfatizar-se o que o tribunal de julgamento refere quanto à valoração da prova, onde intervieram as deduções e induções que o julgador deve realizar a partir dos factos probatórios e que as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio que há-de fundamentar-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.
Daqui decorre que o tribunal a quo não se limita a elencar a prova produzida que serviu para fundamentar a sua decisão, mas dela fez uma análise critica.
Resulta da motivação da matéria de facto ter o tribunal de primeira instância formado a sua convicção, no apuramento da factualidade provada, com base na análise crítica e global de toda a prova produzida, designadamente daquela que no presente recurso são trazidas à colação. Ao fazer referência aos meios de prova produzidos em audiência de julgamento, o tribunal a quo não deixou de proceder a uma explicitação e justificação razoáveis sobre o porquê de ter dado como provada a factualidade conexionada com a arguida aqui recorrente.
Assim, analisando-se a motivação probatória da decisão de facto, verifica-se que a mesma para além de indicar os meios de prova (thema probandum), procede a um exame crítico das provas, fazendo recurso às regras de experiência ou de critérios lógicos, e indicando qual o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal os tivesse valorado no sentido em que o fez, daí se extraindo de uma forma lógica e objectiva, qual o raciocínio que levou o tribunal recorrido a dar como provados os factos assinalados. Isto depois de reflectir de uma forma mínima sobre qual foi a razão de ciência das testemunhas em causa e do desenvolvimento dos seus depoimentos. O que se encontra inscrito na fundamentação probatória é claro e satisfatório.
Por outro lado, a matéria que a arguida incluiu na sua contestação nos Art.ºs 11.º e 12.º, e que a mesma recorrente vê como omissa na fundamentação da sentença, para além de ser acessória e complementar, não deixa de se encontrar absorvida no facto inscrito na alínea d), considerado não provado, dos respectivos “factos não provados”. A recorrente, na sua motivação de recurso, não precisa que os factos aqui em apreço foram praticados no contexto de um julgamento, sendo que a alusão ao contexto da apresentação da queixa nos aparece como complementar e secundário. Mas que não deixa também de se encontrar perfeitamente descrito e presente na matéria de facto em causa.
Também assim, no que respeita à aventada descaracterização pelo tribunal dos factos constantes da acusação, com a alegação de que a sentença deu como provados factos que são meros factos parciais desinseridos do contexto alterando desse modo a realidade resultando assim que acabou por ser condenada em factos distintos dos que constavam na acusação, há que dizer que isso não é verdade.
Na sentença veio a precisar-se melhor o teor das expressões utilizadas pela arguida, aqui recorrente, com a transcrição precisa do que foi dito, para além de incluir-se matéria constante da acusação quanto à dimensão subjectiva e à não veracidade das afirmações em causa.
A nulidade afirmada pela recorrente, neste ponto, está ligado com o pressuposto de que a acusação (ou a pronúncia, tendo havido instrução) define e delimita o objecto do processo, fixando o thema decidendum, sendo o elemento estruturante de definição desse objecto, não podendo o tribunal promovê-lo para além dos limites daquela, nem condenar para além desses limites, o que constitui uma consequência da estrutura acusatória do processo penal.
No entanto, tem sido, pela jurisprudência considerado que não existe uma alteração dos factos integradora do Art.º 358.º, quando a factualidade dada como provada no acórdão condenatório consiste numa mera redução daquela que foi indicada na acusação ou da pronúncia, por não se terem dado como assentes todos os factos aí descritos (cfr. Ac. Tribunal Constitucional n.º 330/97 in DR II 1997/Jul./03).
O mesmo sucede quando apenas existam alterações de factos relativos a aspectos não essenciais, manifestamente irrelevantes para a verificação da factualidade típica ou da ocorrência de circunstâncias agravantes – cfr. Ac. STJ de 1991//Abr./03, 1992/Nov./11 e 1995/Out./16 in BMJ 406/287, 421/309, www.dgsi.pt.
Também tal não ocorrerá quando se tratar de uma simples descrição do contexto temporal e do ambiente físico em que a acção do arguido se desencadeou, quando o mesmo não é mais do que a reafirmação ou a ilação explícita de factos que sinteticamente já se encontravam narrados na acusação ou na pronúncia – assim, no Ac. TC n.º 387/2005, de 2005/Jul./13, in DR II 2005/Out./19.
Mas a recorrente faz também alusão à alegada utilização, pelo tribunal a quo, de matéria conclusiva ou valorativa na fundamentação fáctica da sentença (factos provados e não provados), que não poderia lá constar.
Também aqui a recorrente não tem razão, uma vez que toda a matéria que reputa de conclusiva ou valorativa, respeita à dimensão subjectiva dos factos, do dolo ou da consciência da ilicitude dos ilícitos criminais em causa, inserção essa que se encontra devidamente justificada na fundamentação e apreciação crítica da prova oferecida pelo tribunal a quo.
Nesta globalidade, entende-se que a sentença impugnada pelo recurso não é nula, ao contrário do afirmado pela recorrente, por não verificação destes vícios, não se demonstrando violados os Art.ºs 374.º n.º 2, e 379.º, n.º 1, als. a), b) e c), todos do Código de Processo Penal.
Daí que se deve julgar improcedente estes primeiros fundamentos de recurso, não se encontrando consubstanciada a aventada invalidade da sentença.
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(ii) Na impugnação estrita da matéria de facto por aventada contradição entre a matéria provada e não provada e entre a fundamentação dos factos e as conclusões de direito.
A arguida suscita ainda que existe, na sentença impugnada, uma contradição entre os factos provados e não provados, quando nos diz, primeiro na sua motivação e depois nas conclusões, que “acaba por ser condenada em factos/conclusões distintas dos fatos provados o que faz incorrer a sentença na nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP.”
Apreciando.
A dimensão normativa estabelecida Código de Processo Penal relativa ao recurso sobre a matéria de facto, assume duas dimensões:
a) a possibilidade de recurso que resulta da restrita aplicação estabelecida no seu Art.º 410.º, n.º 2, referente à correcção dos vícios aí referenciados por simples referência ao texto da decisão recorrida;
b) a que resulta da ampla possibilidade concedida à impugnação da matéria de facto resultante de erros de julgamento, por invocação de prova produzida e erroneamente apreciada pelo tribunal recorrido que se alude no Art.º 412.º, n.º 3.
No que respeita ao conhecimento do recurso a que se refere o Art.º 410.º, n.º 2, importa referir que aqueles vícios, em todas as suas alíneas (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão) têm que resultar da própria decisão/sentença, como documento único, embora essa conjugação possa ser referente às regras da experiência.
Assim a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, a que se alude no Art.º 410.º, n.º 2, alínea b), e o erro notório na apreciação da prova, consubstanciam, respectivamente, a inexistência de factos provados suficientes, a incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório da apreciação da prova efectuada pelo tribunal. Tudo isto, repete-se, desde que resulte do próprio texto da sentença, por si só ou conjugada com as regras da experiência.
Recorde-se que estes vícios, podendo e devendo ser alegados, são no entanto de conhecimento oficioso.
Da análise do acórdão proferido em primeira instância nenhum vício a que se refere o Art.º 410.º estará evidenciado pelo que nesta dimensão do recuso sobre a matéria de facto não há que questionar a decisão.
Vejamos.
Quanto à aventada contradição entre os factos provados e não provados, e mesmo entre esses factos e as conclusões jurídicas.
Como se teve ocasião de dizer, a contradição insanável da fundamentação verifica-se quando o mesmo facto é, simultaneamente, dado como provado e como não provado, quando são dados como provados factos contraditórios e quando existe contradição entre os factos provados e a sua fundamentação probatória, e, além disso, essa contraditoriedade, em qualquer das suas formas, não pode ser ultrapassada, sanada.
Ora, não se vê que exista na sentença em apreço qualquer incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.
Aliás, a invocação pela arguida no seu recurso, mistura a questão da fundamentação fáctica com a fundamentação jurídica. Mesmo aqui se considera que esta alegada contradição entre o que se diz nos factos e na sua fundamentação e do que se vem a dizer na apreciação jurídica, não deixa de ser uma conclusão afirmada pela própria arguida que é desmentida pela apreciação crítica da prova que aqui se reproduz nessa parte.
Donde, não colheu, por infirmada a versão da Defesa explanada na contestação, resultando, outros sim, positivamente afirmada a factualidade dada como provada.
Note-se que na Contestação – único articulado onde se perspectiva a versão da arguida, uma vez que usou do seu direito ao silêncio, com a excepção de ter respondido a uma única questão avançada pela Defesa, e após toda a demais prova ter sido produzida, postura processual legítima, porque no exercício de um direito legal, mas que não pode ser valorada no sentido de favorecer a arguida – é apresentada uma interpretação e enquadramento para as concretas expressões proferidas pela arguida que não colhe por várias ordens de razões.
Desde logo, pois lança mão de uma possível realidade que é paralela à em discussão nos autos – a indicação dos netos (dos “meninos”) como testemunhas para se eximir à responsabilização que tem que lhe ser assacada em consequência /decorrente da expressão / da acusação que formulou e, sobretudo, reafirmou e reiterou por via das expressões que foram sendo utilizadas quando advertida, em especial, pelo então Sr. Procurador que interveio no julgamento, sobre as consequências criminais em que incorria por ter proferido tal imputação. Não colhe portanto, no concreto contexto factual em que a concreta imputação foi proferida que a arguida desconhecesse o alcance da mesma pois não é o que resulta da própria gravação, afigurando-se-nos elucidativa a circunstância de se ouvir claramente a arguida, falando, percebendo-se, sem hesitações, com firmeza, na afirmação inicial e nas reiterações da mesma, aquando das várias das aludidas intervenções para que atentasse na gravidade do que afirmava e reiterava, e, nessa medida, pelas várias possibilidades que logo então se lhe foram sucessivamente concedidas para, caso se trata-se de uma afirmação com o alcance afirmado na tese sufragada na Contestação, logo o pudesse esclarecer. O que a arguida, como já referido, não só não o fez, como além disso, por via das reiterações avançadas, reafirmou, esclarecidamente, a imputação inicial, o que inelutavelmente infirma a tese explana pela Defesa na Contestação, que, pelo tanto, foi positivamente contrariada pela análise crítica de toda a prova produzida.
Resulta ainda positivamente infirmada, segundo assim se nos afigura, pelo facto de, quando em audiência, em resposta à única pergunta que acedeu responder, verbalizou que não foi sua intenção, com as palavras então proferidas no outro julgamento, ofender os queixosos, afigurando-se ao Tribunal que nesse momento, quando pretendia justificar o que verbalizava com a tese expressa na Contestação, certo é que não logrou conseguir fazê-lo por palavras suas, espontâneas e minimamente escorreitas, logo interrompendo o seu próprio discurso perante essa incapacidade com a afirmação de não pretender “dizer mais nada”, não por nervosismo, segundo também pareceu ao Tribunal, mas antes por não compreender essa mesma tese avançada no dito articulado, e, sobretudo, por a mesma não corresponder minimamente à verdade dos factos e à verdade do seu intencionalismo ao praticar os factos objectivos aqui em discussão.
A tese da Defesa, plasmada na Contestação, não colhe ainda por uma outra ordem de razões: se quando afirmou que “sim, tem …(…), de, eh (…), se não escreveram foi porque o pai dele foi lá pedir para não botar algumas coisas, que era por causa dos meninos. Se não escreveram foi o pai dele, que foi pedir ao Posto da Guarda, ma…(…)”, queria referir-se a um suposto acordo dos queixosos no âmbito daqueloutro processo para não incluir os menores nas queixas aí apresentadas, e não tão somente na parte da indicação dos mesmos como testemunhas, não se alcança a ligação entre a afirmação proferida e a explicação da mesma trazida só agora (isto é, no âmbito dos presentes autos), pois, como a própria filha da arguida e mãe dos menores em causa referiu expressamente em audiência, a testemunha E…, e decorre da demais prova prestada – declarações do assistente D…, ofendido C…, e testemunhas F… e I… -, não existiu qualquer acordo estabelecido entre a aqui arguida e o aqui assistente D… sobre não pôr os meninos seja no próprio teor / relato / narração das queixas apresentadas naqueloutro processo, seja na parte da indicação das testemunhas dos factos denunciados, pois toda a prova testemunhal prestada foi no sentido de que os mesmos nem sequer se falaram no momento da apresentação das queixas; ou seja, não houve qualquer conversação entre a arguida e o aqui assistente a respeito dessa ou dessas questões e/ou a respeito de quaisquer outras questões quando as partes / sujeitos processuais ali participantes foram apresentar as respectivas queixas. Reitera-se, não existindo qualquer conversação entre os mesmos, não poderia ter sido estabelecido qualquer acordo entre ambos a respeito do que quer que seja, incluindo a esse respeito.
Ou seja, por toda estas ordens de razões, a única interpretação possível não é, por infirmada, a que é avançada na Contestação, mas sim aquela que a final resultou apurada, razão pela qual foram os factos relevantes respectivos dados como provados e os alegados em sede de Contestação dados como não provados.
A reiteração da afirmação inicial no contexto fáctico das várias advertências que logo se lhes foram dirigidas à arguida, sobretudo do Sr. Procurador Adjunto, é por demais elucidativa, a nosso ver, para essa mesma conclusão.
Em suma, da prova assim produzida e analisada, o Tribunal alcançou a cabal convicção da verificação dos factos dados como provados no modo e sequência em que o foram.
Pelo que não se verifica a aventada contradição entre matéria de facto (provada e não provada), muito menos insanável.
Também assim, não nos apercebemos da existência de qualquer erro notório.
Nesse campo o tribunal recorrido procedeu ao exame crítico das provas que não foi ao encontro das expectativas da defesa da arguida, mas que não se pode dizer – ao contrário – que se encontram em desconformidade com as regras da experiência (cfr. Art.º 127.º do CPPenal), segundo uma exposição que se entende clara e congruente – cfr. Art.º 374.º, n.º 2, do CPPenal.
Ocorreria erro notório na apreciação da prova e consequente violação do princípio da livre apreciação quando esse erro, demonstrado a partir do texto da decisão recorrida (por si ou conjugada com as regras da experiência comum) seria de tal forma patente que não escaparia à observação do homem de formação média – cfr. o Ac. do STJ de 12/12/1997, BMJ 472, 297.
Considera este tribunal de recurso que não se verifica na sentença recorrida – tanto do seu texto como do seu contexto lógico e de fundamentação – qualquer valoração da prova em desacordo com os critérios comuns da experiência ou outros critérios entendidos como notórios ou cientificamente evidentes.
Pelo que verificada a mesma sentença impugnada, constatamos que os factos dados como provados não se contradizem entre si, nem violam os conhecimentos adquiridos pelas regras da experiência comum, claudicando este outro fundamento de recurso.
***
(iii) Na impugnação alargada da matéria de facto com reapreciação dos meios de prova.
Pelo que se concluindo pela inexistência dos mencionados vícios da sentença recorrida, há que analisar aqui da valoração da prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente cuidando de um exame crítico das provas e dos argumentos probatórios suscitados pela recorrente a fim de concluir se os mesmos levariam a considerar provados outros factos ou a versão factual que é aqui propugnada pela mesma recorrente.
O tribunal do julgamento considerou provado que:
1) Factos provados:
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com relevância para a decisão a proferir:
1. A arguida B… tinha essa mesma qualidade no âmbito do processo comum singular nº 53/13.1GCETR, tendo sido ouvida nessa qualidade no dia 26 de Fevereiro de 2014.
2. Aquando da sua inquirição, a arguida referiu a instâncias do Tribunal que:“sim, tem …(…), de, eh (…), se não escreveram foi porque o pai dele foi lá pedir para não botar algumas coisas, que era por causa dos meninos. Se não escreveram foi o pai dele, que foi pedir ao Posto da Guarda, ma…(…)”.
3. Quando proferiu estas palavras, sabia a arguida que se estava a dirigir a um membro da Guarda Nacional Republicana, do Posto de …, que recebeu a queixa efectuada pela mesma no âmbito do processo acima mencionado, que na altura era o Guarda C….
4. Mesmo depois de advertida de que o seu comportamento poderia revestir matéria criminal, a mesma continuou a afirmar perante o Tribunal: “Mas isso, isso aconteceu”;
5. E prosseguiu afirmando ainda perante o Tribunal: “Está bem”, “Está bem, prontos”, “Mas isso aconteceu assim” e “Está bem senhor Doutor. Sim senhora, mas as coisas foram assim”.
6. Ao proferir tais expressões, pretendeu a arguida dar a entender que o ofendido C… recorria a práticas desonestas no âmbito das suas funções, e assim ofender o agente referido na sua honra pessoal e dignidade profissional.
7. O referido Guarda encontrava-se devidamente uniformizado e identificado como pertencendo àquela força policial, para além de a queixa ter sido efectuada no Posto da Guarda Nacional Republicana de ….
8. A arguida sabia que o ofendido era Guarda e se encontrava no exercício das respectivas funções.
9. Ao proferir tais declarações em audiência de julgamento, não desconhecia a arguida que estava num sítio público, com assistência de terceiros, para além do próprio Tribunal, perante um acto solene e não obstante, não se coibiu de agir da forma que agiu.
10. A arguida agiu de modo livre, consciente e voluntário, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da respectiva conduta.
Mais se provou que:
11. O Assistente D… é pai de F…, o qual assumiu a posição processual de Arguido/Assistente no âmbito do processo comum singular referido em 1).
12. No dia 26 de Fevereiro de 2014, no período da tarde, realizou-se a primeira sessão de audiência de julgamento no identificado processo comum singular [n°.53/13.1GCBTR], na qual prestaram declarações ambos os ali Arguidos/Assistentes – a aqui arguida e F….
13. Uma vez encerrada a primeira sessão de audiência de julgamento, F… relatou ao aqui Assistente D…, que durante a audiência, a Arguida havia difamado este.
14. Na sessão de julgamento aludida em 1), e após ter proferida a expressão descrita em 1), a instâncias do Sr. Procurador Adjunto que então intervinha na audiência, a arguida foi mantendo a imputação inicialmente feita nos termos descritos em 4) e 5), nomeadamente:
- Procurador Adjunto: “Óh (…), dona B…”
- Arguida: “Mas isso, isso aconteceu.”
- Procurador Adjunto: “(…), só vou (…), cuidado com o que diz (…)”
- Arguida: “Sim.”
- Procurador Adjunto: “(…) porque pode sair daqui com outro crime”.
- Arguida: “Está bem, prontos”,
- Procurador Adjunto: “(…), (…)”.
- Arguida: “Mas isso aconteceu assim”.
- Procurador Adjunto: “(…), cuidado com aquilo que diz!”
- Arguida: “Sim”.
- Procurador Adjunto: (…), e não se, e não se atravesse mais, porque pode sair daqui com outro crime.
- Arguida: “Está bem, prontos”
- Procurador Adjunto: “(…), não me venha depois dizer que o aviso não ficou feito.”
- Arguida: “Está bem, Doutor. Sim Senhora, mas as coisas foram assim.”
15. A arguida ao afirmar no Tribunal, no decurso da aludida audiência de julgamento, que se, na queixa que a mesma apresentou, não constar todos os factos que a mesma relatou em julgamento foi porque o Assistente D… pediu à GNR para não os escrever.
16. A imputação proferida pela arguida é falsa.
17. A Arguida sabia que, ao fazê-la, lesava a honra e consideração do assistente D…, e denegria a sua imagem, considerando até o lugar onde a imputação foi proferida, o que pretendeu ofender.
18. No entanto, não se coibiu de a proferir e manter a mesma ao longo da audiência de julgamento no processo n°. 53/13.IGCETR, nos termos acima descritos, agindo de modo livre, consciente e voluntário, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da respectiva conduta, pretendendo ofender, como efectivamente ofendeu, a honra e consideração do assistente D….
19. O assistente D… é pessoa respeitada e respeitadora.
20. Nunca se meteu em conflitos, tendo sempre pautado a sua vida por princípios de respeito e boa educação.
21. Com as imputações proferidas pela Arguida, o Assistente sofreu vexame, desgosto e abalo moral.
22. Sentindo-se profundamente envergonhado, tanto mais que tais imputações foram proferidas numa audiência de julgamento.
Provou-se ainda que:
23. O demandante C…, exerce funções no Posto Territorial da Guarda Nacional Republicana em …, tendo um comportamento moral e cívico irrepreensível, granjeando grande estima entre todos os que consigam laboram.
24. Ao proferir as expressões acima descritas, a arguida colocou em causa o auto de denúncia elaborado pelo Guarda C….
25. Tais factos causaram desconforto ao Guarda C…;
26. Pondo em causa o seu profissionalismo e atitude perante a população;
27. E eventualmente até a sua progressão na carreira da Guarda Nacional Republicana.
Provou-se ainda que:
28. A arguida é empresária agrícola, possuindo uma vacaria que explora juntamente com o seu marido, na qual tem cerca de 60 animais, comercializando o leite produzido para a sociedade comercial “G…”, sita em …; paralelamente, dedica-se ao cultivo de terras o qual destina aos consumos diários dos animais; por tal actividade aufere a quantia mensal aproximada de €6.500,00 / €6.500,00, em relação à qual suporta mensalmente as seguintes despesas mensais: cerca de €500,00 com pagamento dos honorários do veterinário, cerca de €1.700,00 em combustível, cerca de €1.600,00 a €1.700,00 com a aquisição de farinha para consumo dos animais, cerca de €300,00 com gastos de luz; contraiu um empréstimo bancário para a realização de obras num imóvel / moradia da sua propriedade, no valor de €40.000,00, ascendendo as respectivas prestações mensais ao valor aproximado de €360,00; para além da aludida moradia, possui ainda a casa / moradia na qual reside com o seu marido; possui actualmente dois tractores, da marca “Ford”, um com mais de 10 anos, outro com mais de 15 anos; para uso diário, utiliza um veículo automóvel, Jipe, com mais de 10 anos, pertencente a um dos seus filhos, que se dedica à compra e venda de automóveis; vive com o seu marido, que a ajuda na aludida exploração agrícola, como referido, e com uma das suas filhas, que conta actualmente 37 anos, e trabalha para o seu próprio sustento; como habilitações literárias, possui a 4.ª classe de escolaridade.
29.A arguida já foi condenada pela prática, em 29/01/2013, de um crime de ofensa à integridade física e de um crime de injúria, na pena [única] de 130 dias de multa, à taxa diária de €12,00, o que perfaz o montante global de €1.560,00.
Considerando, não provado, que:
2) Factos não provados
Da discussão da causa não logrou provar-se:
a) Que a arguida ao proferir as expressões descritas nos factos provados teve a intenção de imputar ao Assistente D… a prática de um Crime de Corrupção Activa, previsto e punido pelo art. 374° do Código Penal;
b) Que a arguida sabia que a imputação dirigida ao Assistente D… era falsa, tendo-se apenas provado que a dita imputação era falsa;
c) Que a arguida ao proferir as várias expressões descritas nos factos provados, acusou o demandante C… de ser corrupto;
d) Que quando a arguida foi apresentar queixa o Guarda C… exortou ambos os queixosos a pensarem bem a não envolverem os menores para não lhes causarem ainda maiores danos psicológicos, querendo o Senhor Guarda referir-se aos netos da aqui arguida e do assistente que estavam com a arguida foi agredida e insultada pelo tio dos mesmos, filho do assistente, o senhor F….
e) Que a arguida estava nervosa aquando do julgamento que decorreu no processo 53/13.1GCETR, e que nas declarações que então prestou apenas se queria referir à não inclusão dos menores no processo, sendo que a própria mãe dos menores, filha da arguida, é que suscitou essa questão.
***
Teremos que analisar, agora, face à prova produzida e à fundamentação apresentada se o mesmo tribunal incorreu nalgum erro de julgamento, impondo-se outras conclusões quanto à matéria provada e não provada (nos termos a que alude o Art.º 412.º, n.º 3).
Conhecemos a fundamentação que o tribunal apresentou, na sua justificação da matéria de facto que considerou assente e também não provada.
Neste recurso a arguida diz-nos que não concorda com os factos julgados como provados, nomeadamente aqueles constantes dos n.ºs 17, 18, 24 a 27 dos “factos provados”.
Vejamos.
Em primeiro lugar, ao contrário do que alega a recorrente, não se constata que a matéria de facto comprovada e a não comprovada não tenha em consideração todos os meios de prova devidamente valorizados e nomeadamente a transcrição das declarações da arguida no NUIPC 92/14, a fls. 24-76 dos autos, as declarações do demandante C… (guarda) e do assistente D…, os depoimentos das testemunhas H… (juíza de direito), E… (filha da arguida; cujo depoimento é expressamente referido na fundamentação), F… e I…, e a demais prova documental dos autos, designadamente as queixas de fls. 200-203 e 204-207.
E, tal como se fundamenta, no exame crítico da prova, na sentença em recurso:
Em suma, da prova assim produzida e analisada, o Tribunal alcançou a cabal convicção da verificação dos factos dados como provados no modo e sequência em que o foram.
Por seu lado, a prova assim produzida, à luz das regras da habitualidade e da experiência comum, permitiu apurar as consequências que advieram para o assistente e ofendido demandantes em consequência da conduta da arguida / demandada, nomeadamente em sede dos danos de natureza não patrimonial alegados e apurados, para o que contribuíram as declarações do assistente D…, e o depoimento do ofendido C…, e das testemunhas F… e I…, valorados à luz das aludidas regras da experiência comum, normal suceder e habitualidade.
No plano subjectivo dos ilícitos apurado, na falta de qualquer confissão e/ou assunção dos factos, ponderámos o iter criminis apurado, quanto ao dolo imputado.
Existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são susceptíveis de prova indirecta como são todos os elementos de estrutura psicológica [cfr. M.Cavaleiro Ferreira, in Curso de Proc. Penal. vol. II, 1981, p. 292], os relativos ao especto subjetivo da conduta criminosa.
Em correcção e simultânea corroboração desta afirmação, diz-nos N. F. Malatesta [In “A Lógica das Provas em Matéria Criminal”, p. 172 e 17] que exceptuando o caso da confissão, não é possível chegar-se à verificação do elemento intencional, senão por meio de provas indiretas: percebem-se coisas diversas da intenção propriamente dita, e dessas coisas passa-se a concluir pela sua existência.
Na prática, como refere este mesmo autor [Ibidem, p. 176 e 177] afirma-se muitas vezes sem mais nada o elemento intencional mediante a simples prova do elemento material (...) O homem, ser racional, não obra sem dirigir a suas acções a um fim. Ora quando um meio só corresponde a um dado fim criminoso, o agente não pode tê-lo empregado senão para alcançar aquele fim.
No caso, as condutas objectivas apuradas permitem concluir, pelo dolo apurado quanto a cada uma dessas condutas.
Quanto aos demais factos dados como não provados, sempre sem prejuízo do exposto em sede de motivação dos factos provados, a sua não demonstração resultou de, sobre os mesmos, não se ter logrado fazer prova (documental e/ou testemunhal), tendente a concluir pela sua verificação suficiente e bastante, para que pudessem ser tidos como assentes nos moldes que vinham descritos.
Em suma e dito por outras palavras, no que concerne aos factos dados como não provados, foi produzida prova do seu contrário (quanto aos factos alegados pela Defesa na Contestação) ou então a prova produzida não resultou suficientemente circunstanciada, antes foi genérica e/ou conclusiva a respeito, em dada parte omissa ainda, razão pela qual foram tais factos dados como não provados.

Os factos considerados provados e não provados correspondem de forma fidedigna à prova efectuada na audiência de julgamento e à constante dos próprios autos, com a valorização dos depoimentos considerados verdadeiros e isentos, prestados com toda a clareza, objectividade e imparcialidade.
Aliás, a motivação dos factos provados e não provados constante da sentença em referência, é bem explícita e esclarecedora do teor dos depoimentos recolhidos com interesse para a descoberta da verdade material, que retrata fielmente.
Ora, por isso mesmo, acontece que a impugnação feita pela recorrente só pode improceder, porquanto resulta de forma evidente que a mesma recorrente, ao indicar as provas que na sua perspectiva impunham decisão diversa, o que verdadeiramente faz é impugnar o processo de formação da convicção do tribunal, censurando a credibilidade que o tribunal a quo deu a certos depoimentos em detrimento de outros, a certos elementos probatórios em desfavor de outros, tornando-se claro que a recorrente assenta a sua discordância na apreciação da prova feita pelo tribunal, diversa daquela que por si foi alcançada.
Só que nada pode infirmar a livre convicção do tribunal a quo, se criada em conformidade com o disposto no Art.º 127.º do CPPenal. O princípio da livre apreciação da prova constitui, pois, regra de apreciação da prova, e que é indissociável da oralidade e imediação com que decorre o julgamento em 1.ª instância.
Diga-se ainda, conforme de forma muito clara foi expressado pelo Acórdão do ST de 31/5/2007, processo n.º 07P1412, acessível em www.dgsi.pt/jstj, que “…quando a opção do julgador se centra em elementos directamente interligados com o princípio da imediação, o tribunal de recurso só tem a possibilidade de sindicar a aplicação concreta de tal princípio e de controlar a convicção do julgador da 1ª instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e aos conhecimentos científicos.
A atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal por declarações, assenta numa opção do julgador na base da imediação e da oralidade, que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face as regras da experiência comum” (sublinhado nosso).
Mas naturalmente que a livre apreciação se não reconduz a um íntimo convencimento, impondo-se ao julgador o dever de explicitar o processo de formação da sua convicção, pois se ao julgador é atribuída a possibilidade de atribuir peso probatório a cada meio de conhecimento sem estar vinculado de antemão a critérios de prova vinculada, não poderia deixar de se impor este dever de fundamentação (constitucionalmente exigido) para se poder aferir das regras e critérios de valoração seguidos e se o resultado probatório surge como o mais aceitável, segundo critérios objectivos e de observância de regras de experiência comum. O tribunal de recurso limita-se então a aferir do processo de motivação e de conformidade com as regras legais de apreciação de prova.
Ora, no caso em apreço, resulta da decisão da matéria de facto e sua fundamentação que acima se transcreveu integralmente que o tribunal, enunciando os meios de prova, explicitou o processo de formação da sua convicção, esclarecendo de forma motivada a razão porque as reservas da arguida quanto à parcela dos factos que mereceram comprovação lhe não mereceram credibilidade em confronto com os demais depoimentos testemunhais e as razões da credibilidade e convencimento destes depoimentos aliados aos demais meios de prova produzidos. E nenhum reparo nos merece a apreciação da prova que foi feita pelo mesmo tribunal a quo, porquanto formou a sua convicção em correspondência com a prova produzida e segundo critérios lógicos e objectivos e em obediência às regras de experiência comum, sendo fruto de uma adequada apreciação da prova, segundo o princípio consagrado no citado Art.º 127.º do CPPenal, conduzindo tal apreciação, sem qualquer margem para dúvidas, à fixação daquela matéria de facto.
Por outra via, em face das provas mencionadas e acima analisadas, mesmo após audição da prova registada fonograficamente, sabe-se que o tribunal não chegou a uma decisão diversa daquela recorrida (cfr. a alínea b) do Art.º 412.º do CPPenal), sendo que as passagens aludidas terão de ser integradas na totalidade dos testemunhos indicados, no cruzamento acima assumido para a globalidade dos meios de prova valorizados.
E, neste âmbito, este tribunal de recurso não pode deixar de acompanhar o raciocínio analítico da prova realizado pelo tribunal recorrido, não procedendo as razões dos argumentos suscitados pela arguida/recorrente.
Daí que não se identifique qualquer erro de julgamento efectuado pelo tribunal ad quo sobre a matéria ou qualquer apreciação probatória diferenciada.
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(iv) Na violação do princípio do in dubio pro reo.
Alega também a arguida/recorrente que foi violado o seu direito de defesa e o princípio da presunção de inocência (art.º 32.º, n.ºs 1, 2 e 5 da Constituição) pois o tribunal não se debruçou sobre os factos alegados na sua contestação, nem apreciou o depoimento duma das testemunhas por si apresentadas pela arguida, nem sequer justificou porque razão o não fazia.
Quanto a estas conclusões, foram as mesmas analisadas e refutadas nos pontos antecedentes da fundamentação deste acórdão.
Quanto ao princípio da presunção de inocência, ele é, na verdade, um dos princípios fundamentais em que se sustenta o processo penal num Estado de Direito.
Assumido como uma dos princípios estruturantes no âmbito da prova, nomeadamente no domínio da questão de facto, o princípio in dubio pro reo além de ser uma garantia subjectiva «é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa» (Vital Moreira e Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Edição, pp. 203-204). O que está em causa neste princípio é, na persistência de uma dúvida razoável após a produção de prova em relação a factos imputados a um suspeito, um comando dirigido ao tribunal para «actuar em sentido favorável ao arguido» (cf. Figueiredo Dias, Direito processual Penal, 1981, pp. 215).
No caso concreto, tal como acima explicitado, não se suscitou ao tribunal qualquer dúvida razoável sobre os factos que considerou como provados.
Ou seja, no caso, não se verifica – nem isso decorre da fundamentação de facto que sustenta a prova efectuada - qualquer ausência de certeza do tribunal sobre a factualidade que foi imputada à arguida. Nem se suscita com evidência qualquer dúvida probatória sobre os factos e a fundamentação realizada pelo tribunal a quo.
Resulta inequívoco da fundamentação do tribunal da condenação quais as provas em que sustentou a sua decisão e que tipo de valoração efectuou sobre a prova em causa que levou à conclusão de que a arguida praticou os factos em causa, tal como acima se deixou suficientemente relatado. Esse tribunal em momento alguma faz transparecer qualquer dúvida no processo de decisão. Valorou o que entendeu valorar quanto à prova produzida, justificou a sua opção e concluiu em conformidade.
Não se vislumbra, por isso, qualquer violação do princípio da presunção de inocência no modo como o tribunal a quo valorou as provas e através delas fixou a matéria de facto provada e fundamentou a decisão, claudicando este outro fundamento de recurso.
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(v) Na apreciação da matéria de direito em face da invocada falta de preenchimento dos elementos típicos dos crimes em causa ou da verificação de uma causa de exclusão da ilicitude (exercício do direito constitucional de defesa).
A recorrente, por último, defende que não se encontram consubstanciados os crimes de difamação porque foi condenada, alegando que a frase por si proferida, por si só e integrada no contexto em que foi proferida, não pode integrar o crime de difamação. Considera, ainda, a mesma recorrente, que foram considerados não provados factos que eram essenciais para se considerar preenchido os crime de que vinha a arguida acusada, não se compreendendo a condenação. Mais indica que ao dizer as expressões visadas estava no uso do seu direito constitucional de defesa – a tentar explicar a razão da discrepância - pelo que nos termos do Art.º 31.º, n.ºs 1 e 2/b) do Código Penal o seu comportamento não é ilícito.
Cumpre apreciar.
Ora, estas conclusões da aqui recorrente não merecem acolhimento, dado que ao proferir as expressões em causa nos autos a arguida deu a entender que o ofendido/demandante C…, guarda da GNR, recorria a práticas desonestas no âmbito das suas funções, ofendendo-o na sua honra pessoal e dignidade profissional. E, sabia também, que ao assumir aquelas mesmas expressões sabia que lesava a honra e consideração do assistente D…, e denegria a sua imagem, considerando até o lugar onde a imputação foi proferida, o que pretendeu ofender.
Estabelece o Art.º 180.º, n.º ,1 do Código Penal que «Quem, dirigindo-se a terceiros, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juizo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, será punido com prisão até seis meses ou com multa até 240 dias».
A honra é um direito constitucionalmente consagrado no Art.º 26.º da Constituição, onde expressamente se alude ao direito ao bom nome e reputação.
Na síntese conhecida de José Beleza dos Santos, in R.L.J ano 92º pg 164, “ a honra é aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral que são razoavelmente consideradas essenciais para que o individuo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale”. Segundo Gomez De La Torre, Honor Y Libertad de Expression, Tecnos, Madrid, 1987 pg 57, a honra “é constituida pelas relações de reconhecimento entre os distintos membros da comunidade, que emanam da dignidade e do livre desenvolvimento da personalidade, actuando estas relações como pressupostos da participação do individuo no sistema social sendo que parte do seu conteúdo será consequência directa da sua participação no sistema”.
A tutela jurídico-penal da honra, como bem jurídico constitucionalmente protegido, quando a mesma é questionada por actos não dirigidos directa e pessoalmente ao lesado, exige a imputação de factos ou a formulação de juízos de valor sobre uma pessoa ofensivos da sua honra e consideração.
Importa referir que, “difamação” é a atribuição a alguém de facto ou conduta, ainda que não criminosos, que encerrem em si uma reprovação ético-social, que sejam ofensivos da reputação do visado; “honra” será a dignidade subjectiva, ou seja, o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui, respeitando ao património pessoal e intenso de cada um e “consideração” o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, a reputação, a boa fama, a estima, a dignidade objectiva, a forma como a sociedade vê cada cidadão, a opinião pública.
Ora, as expressões proferidas pela arguida, atento o contexto onde foram proferidas (no decurso de uma audiência de julgamento) são de molde a lesar a honra e dignidade profissional de C… e a honra do assistente D….
A recorrente invoca que em última análise proferiu as expressões indicadas no exercício do seu direito constitucional de defesa, enquanto arguida, pelo que estava a actuar ao abrigo de uma causa de justificação.
E, na verdade, a prática destes ilícitos não exclui a aplicação, em geral, do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do Art.º 31.º do Código Penal.
Ou seja, ou bem que estamos na presença do exercício de um direito, no cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legitima da autoridade ou haja consentimento do titular do interesse jurídico lesado, caso em que a funcionará uma causa de exclusão de ilicitude, ou pura e simplesmente não funciona a excepcio veritatis estabelecida no n.º 2 do Art.º 180.º do mesmo Código Penal quando estão em causa imputações ou formulações de juízos relativos a «factos relativos à intimidade da vida privada e familiar», o que não é caso.
Todavia, para além de se ter realizado a prova da não verdade dos factos ou juízos imputados, a verdade é que o contexto em que as expressões difamatórias foram produzidas pela aqui arguida, não afasta a possibilidade do preenchimento do tipo de difamação na sua dimensão de ilicitude.
Assim, o arguido, quando presta declarações em diligência processual penal, apesar de não estar obrigado a dizer a verdade, pode difamar/denunciar caluniosamente um terceiro ou mesmo um co-arguido. Na verdade, quando, prestando declarações, nelas o arguido ultrapassa o âmbito dos actos por si praticados e imputa a prática de actos a outra pessoa (sendo que tais declarações podem até ser valoradas para condenar co-arguidos, pelo que assumem a dimensão material de um testemunho), deixa de estar protegido por aquela possibilidade, pelo que pode cometer crimes contra a honra dessa pessoa.
Assim, neste sentido, consultem-se os acórdãos da Relação de Lisboa de 16/7/2008, processo n.º 9613/2007-3, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/5dbef65ba51e2ed980257513005bd74f?OpenDocument, e de 26/3/2009, processo n.º 7277/2008-9, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/80f3aabdbf8526df802575bd004b0a22?OpenDocument.
Neste sentido também parece pronunciar-se Costa Andrade, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, III, Coimbra Editora, 2001, a pp. 534: “Porque, apesar de tudo, o exercício do direito de defesa tem de respeitar o limite da liberdade dos outros (…), já será diferente nos casos em que o arguido, ao negar, contra a verdade, os factos, acaba por agravar a situação da testemunha, para além dolimiar da mera negação e das suas implicações expostas ou implícitas. Como acontece quando, pela introdução de factos novos (isto é, diferentes daqueles que lhe são imputados e pretende negar) ou pela falsificação de meios de prova, o arguido cria o perigo concreto de perseguição (injusta da vítima). A título de exemplo: para além de negar os factos por que vem acusado, o arguido declara, contra a verdade, que os agentes da polícia que procederam ao seu interrogatório o submeteram a tortura, agressões ou maus tratos.”.
Isto nada tem a ver, como é óbvio, com o princípio nemo tenetur se ipsum accusare, invocado pela recorrente, no próprio entendimento de Costa Andrade in Sobre as Proibições de prova em processo penal, Coimbra Editora, 1992, p. 121:
“No princípio nemo tenetur se ipsum accusare o que “está fundamentalmente em jogo é garantir que qualquer contributo do arguido, que resulte em desfavor da sua posição, seja uma afirmação esclarecida e livre de autoresponsabilidade. Na liberdade de declaração espelha-se, assim, o estatuto do arguido como autêntico sujeito processual”
Assim, por tudo o expendido, entendemos também que não procedem estes últimos fundamentos do recurso interposto pela arguida.
***
Em face da improcedência de todos os fundamentos de recurso, considerar-se-á o mesmo como totalmente improcedente, com a inerente confirmação da condenação da arguida, tal como determinada pelo tribunal a quo.
***
IV. DECISÃO
Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar não provido o recurso interposto pela arguida B…, porque improcedentes todos os seus fundamentos, confirmando-se a sentença condenatória recorrida
***
Fixa-se a taxa de justiça devida pela recorrente em 4 UC’s.
Notifique-se.
***
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (cfr. Art.º 94.º, n.º 2, do CPPenal).

Porto, 13 de Janeiro de 2016
Nuno Ribeiro Coelho
Renato Barroso