Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
20/10.7TBAMT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
Nº do Documento: RP2014091120/10.7TBAMT.P1
Data do Acordão: 09/11/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A excepção do não cumprimento não nega ao Autor o direito ao cumprimento; apenas legitima que o Réu recuse a prestação a que está vinculado até à realização da contraprestação pela outra parte.
II - Trata-se de um instituto que pode operar quer em situações de incumprimento total, quer de incumprimento parcial ou defeituoso, mas o seu exercício há-se sempre pautar-se pelo respeito pelas exigências de boa fé e subordinar-se a critérios de proporcionalidade, só podendo ser convocado quando sejam correlativas ou interdependentes as prestações de ambos os contraentes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 20/10.7TBAMT.P1
Tribunal Judicial de Amarante
3º Juízo

Relatora: Judite Pires
1ª Adjunta: Des. Teresa Santos
2º Adjunto: Des. Aristides de Almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO
1. “B…, Lda.” propôs acção declarativa com processo sumário contra “C…, Lda.”, pedindo fosse a Ré condenada a pagar-lhe a quantia de € 22.794,45 euros, correspondente à parte do preço de um fornecimento de mobiliário e decoração, e ainda € 1.260,89 de juros legais vincendos até efectivo pagamento.
Após citada, contestou a ré, que se defendeu por impugnação, contrariando parte dos factos articulados pela Autora, e por excepção, alegando haverem acordado, Autora e Ré, em 25 de Fevereiro de 2008, que aquela realizaria por conta desta, no prazo de sessenta dias, e mediante a contrapartida de € 51.131,84, acrescida de IVA, vários trabalhos e entrega de bens.
Ainda segundo a Ré, esta procedeu ao adiantamento de diversas quantias por conta do preço ajustado, estando em dívida o remanescente, no valor de € 23.239,00, incluindo IVA, achando-se, todavia, por concluir diversos trabalhos cuja realização foi acordada, tendo ainda a Autora omitido a entrega de vários bens constantes do aludido acordo.
Conclui, pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.
Respondeu a Autora à matéria da excepção, negando os factos articulados pela Ré, sustentando ter concluído os trabalhos com ela convencionados, concluindo, quanto ao mais, nos termos da petição inicial.
Foi proferido despacho saneador, que concluiu pela validade e regularidade da instância, tendo sido seleccionada a matéria de facto considerada relevante ao conhecimento do mérito da causa.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que, sem reclamação, foi proferida decisão sobre a matéria de facto a ela submetida.
Proferiu-se seguidamente sentença que condenou a Ré a pagar à Autora:
“a) a quantia de 22.794,45 euros, descontando-se o preço dos bens referidos de 5.º a 7.º e que será apurado em execução de sentença;
b) juros de mora, à taxa legal sobre a quantia apurada e a liquidar em execução de sentença, desde a data de emissão da factura de fls. 8”, tendo as custas ficado a cargo de ambas as partes, na proporção de 1/3 para a Autora e 2/3 para a Ré.
2. Inconformada com tal decisão, dela interpôs a Ré recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
“A. Conforme supra alegado, deverão ser corrigidos os lapsos materiais constantes da sentença nos factos considerados provados nos pontos 4.º, 5.º e 7.º em conformidade com os despachos já proferidos a 30/04/2010 e 22/03/2011 que corrigiam a formulação dos quesitos 4.º, 5.º e 8.º da Base Instrutória.
B. Cumprindo o estatuído no artigo 639.º do C.P.C. a apelante desde já indica que, perante os documentos juntos a fls_ e os factos assentes e provados, o Tribunal de primeira instância violou o disposto no artigo 428.º do Código Civil (excepção de não cumprimento), norma que deveria ter sido aplicada in casu e interpretada no sentido de permitir à recorrente recusar a obrigação de pagamento do preço em que foi condenada enquanto a recorrida não cumprir com a obrigação de entrega e conclusão dos trabalhos constante dos pontos 4.º a 7.º dos factos provados.
C. Dos documentos juntos a fls_ (nomeadamente o caderno ou memória descritiva da empreitada e respectivo orçamento) não existem quaisquer dúvidas de que o acordo encetado pelas partes deverá ser qualificado como contrato de empreitada – artigo 1207.º do Código Civil.
D. Ora, sem prejuízo dos pagamentos já realizados (alíneas C) e D) dos factos assentes), a verdade é que recorrida ainda não concluiu a obra, conforme resulta dos factos provados (3.º a 7.º).
E. Pelo que a apelante pode usar da legal faculdade prevista no artigo 428.º do Código Civil de se recusar a proceder ao pagamento do preço enquanto a recorrida não cumprir com a obrigação de entrega e conclusão dos trabalhos constante dos pontos 4.º a 7.º dos factos provados.
F. Leia-se a este propósito o sumário do Acórdão proferido pelo TRC a 9 de Abril de 2013 e disponível em www.dgsi.pt (e cujo texto integral se deixa supra transcrito):
“I – A prova da efectiva conclusão dos trabalhos num contrato de empreitada, quando apresentada como elemento desencadeador da obrigação de pagar o preço, incumbe ao empreiteiro, demandando este o dono da obra por falta de pagamento desse preço.
II – A recusa, por parte do dono da obra, de pagamento da parte final do preço por não estarem ainda concluídos os trabalhos, traduz um accionar adequado da excepção de não cumprimento do contrato (artigo 428º, nº 1 do CC), no âmbito do contrato de empreitada, sendo que este accionar só estaria excluído se o vencimento da obrigação de pagamento do preço fosse anterior à entrega da obra.
III – Neste caso, o accionar da excepção de não cumprimento, tanto pode revestir o pedido de cumprimento simultâneo (pagarei mediante a conclusão dos trabalhos), como a recusa fundada de pagar o preço que é pedido, porque os trabalhos ainda não estão concluídos.”
G. Assim, deverá ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância e substituída por outra que absolva a recorrente do pedido, em virtude da aplicação do disposto no artigo 428.º do Código Civil, uma vez que a recorrida não pode exigir o pagamento do preço sem concluir a obra.
Nestes termos e nos melhores de direito que V.Exas mui doutamente suprirão, deverá ser deferido o requerimento para correcção dos lapsos materiais supra referidos e considerar-se integralmente procedente o presente recurso, modificando-se a decisão recorrida por outra que reconheça à apelante o direito de não proceder ao pagamento do preço enquanto a apelada não cumprir com a sua obrigação de entrega (…)”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar se, face à matéria julgada provada, existia fundamento para a Ré recusar o pagamento da quantia peticionada pela Autora em virtude desta não haver ainda concluído todos os trabalhos cuja realização acordara com a demandada.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Foram os seguintes os factos julgados provados pela primeira instância:
- Factos considerados assentes no despacho saneador:
A. A autora “B…, Lda.” dedica-se à venda de mobiliário, iluminação e objectos de decoração, bem como, à sua montagem e aplicação.
B. No exercício da sua actividade, a autora realizou, a pedido da ré, diversos fornecimentos da sua especialidade.
C. A ré já pagou à autora, por conta das facturas de fls. 7 e 8, a quantia de € 41.630,38.
D. A ré pagou por conta dos trabalhos referidos em 3.º a quantia global de € 27.892,84, sem IVA.
- Factos da Base instrutória que em sede de julgamento resultaram provados:
1º. No exercício da sua actividade, a autora forneceu à ré, a pedido desta, os materiais e equipamentos conforme discriminados nas facturas de fls. 7 e 8, cujo conteúdo se dá por repetido, com as faltas acusadas no relatório pericial.
2.º Nas datas, valores e condições de pagamento aí referidos, no valor total indicado de € 64.424,78.
3.º Em 25 de Fevereiro de 2008 autora e ré acordaram que a autora forneceria à ré uma série de equipamentos pelo valor global de € 51.131,84 mais IVA, entre os quais:
a) 6 lavatórios de pousar Bellavista;
b) 6 misturadoras Bellavista;
c) 14 colunas de embutir;
d) 8 unidades de comando de som;
e) 2 móveis para lavatórios
f) 6 estores japoneses;
g) 12 projectores de emergência;
h) 6 reóstatos.
4.º E acordaram que a ré entregaria e instalaria à autora tais equipamentos no prazo de 60 dias.
5.º E a ré ainda não entregou:
a) 1 lavatório de pousar Bellavista;
b) 1 misturadora Bellavista;
c) 6 colunas de embutir;
d) 2 unidades de comando;
e) 1 estore japonês;
f) 1 projector de emergência;
g) 1 reóstato.
6.º A cascata em vidro preto fornecida pela autora não tem ligação de esgotos e tubagem.
7.º Não foram entregues os móveis em castanho com velatura Wengé.
IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Autora e Ré convencionaram entre si que a primeira forneceria à segunda, pelo preço global de € 64.424,78, diversos produtos que comercializa, e aos quais se referem as facturas de fls. 7 e 8. Apesar da entrega dos mesmos, a Autora apenas logrou receber da Ré por conta do preço combinado o valor de € 41.630,38, pelo que veio dela reclamar, pela via judicial, o pagamento do remanescente preço ainda em dívida, isto é, a quantia de € 22.794,40 e juros entretanto vencidos e vincendos.
Sem negar a dívida em causa, recusa-se a Ré a satisfazer o seu pagamento com o argumento de que tendo celebrado com a Autora um outro contrato, este em 25 de Fevereiro de 2008, mediante o qual, e pelo preço de € 51.131,84, acrescido de IVA, a Autora se obrigava a realizar determinados trabalhos - com a entrega de diversos materiais que igualmente comercializa - no prazo de sessenta dias contados da respectiva adjudicação, a Autora não efectuou a entrega de alguns desses materiais.
Excepciona, por conseguinte, a Ré o incumprimento – parcial – deste último contrato por parte da Autora para se negar a pagar-lhe o valor ainda em dívida pelo fornecimento dos produtos discriminados nas facturas por esta juntas com a petição inicial.
Do que se pode extrair a existência de dois contratos de natureza e efeitos distintos, celebrados não contemporaneamente entre Autora e Ré.
O primeiro, relativo ao fornecimento à Ré de diversos materiais comercializados pela Autora, caracteriza-se inequivocamente por um contrato de compra e venda.
Como o define o artigo 874º do Código Civil, “compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa ou direito, mediante um preço”.
O contrato de compra e venda, independentemente da sua natureza civil ou comercial, é, assim, um contrato translativo ou de efeito real imediato (produz sempre a transferência da propriedade de uma coisa ou de um direito), bilateral ou sinalagmático (pressupõe a existência de, pelo menos, dois contraentes, que reciprocamente se vinculam, sendo ambos sujeitos de direitos e obrigações), oneroso (pressupõe atribuições patrimoniais de ambos os contraentes), em regra comutativo (as duas prestações patrimoniais são certas e tendencialmente equivalentes).
O segundo, traduzido na obrigação assumida pela Autora para com a Ré de lhe fornecer e aplicar diversos materiais, pode ser qualificado como contrato de empreitada, tal como o define o 1207º do Código Civil.
Neste contrato, igualmente oneroso, “…a obrigação do empreiteiro é uma obrigação de resultado, em que este assume a obrigação de realização de uma determinada obra, de acordo com o convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o seu valor, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (art.º 1208.º do C.C.), não sendo responsável pela não obtenção deste resultado, quando esse fracasso é imputável a causas que não possa dominar”[1].
Ambos incumpridos parcialmente pela Ré – admitindo esta na sua contestação não estar ainda integralmente pago o preço ajustado no âmbito do contrato de empreitada -, só este não foi totalmente cumprido pela Autora, que não entregou, e, por conseguinte, não aplicou, vários artigos que se obrigara a fornecer e a aplicar.
E é com fundamento nesse incumprimento – parcial – da Autora, que a Ré convoca, que esta se escusa, por sua vez, a satisfazer o pagamento do remanescente do preço acordado pelo fornecimento dos demais materiais recebidos daquela na sequência do contrato de compra e venda celebrado pelas partes entre si.
A alegação desta matéria constitui invocação da excepção do não cumprimento do contrato, nos termos do artigo 428º, nº1 do Código Civil.
“A excepção de inadimplência consiste na recusa de executar a sua prestação por parte e um dos contraentes quando o outro a reclama, sem, por seu turno, ter ele próprio executado a respectiva contraprestação.
A exceptio non adimpleti contractus a que se refere o art. 428°, n° l, do C.C. pode ter lugar nos contratos com prestações correspectivas ou correlativas, isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante da outra (…).
Trata-se de uma excepção material dilatória, porque corolário do sinalagma funcional que a legitima.
Ao Autor que exige o cumprimento opõe o réu o princípio substantivo do cumprimento simultâneo próprio dos contratos sinalagmáticos, em que prestação de uma das partes tem a sua causa na prestação da outra.
O excipiens não nega o direito do autor ao cumprimento; apenas recusa a sua prestação até à realização da contraprestação pela outra parte”[2].
Por outro lado, o instituto da excepção do não cumprimento opera quer nas situações de incumprimento total, quer nas situações de incumprimento parcial ou defeituoso, podendo este meio de defesa ser exercido por um dos contratantes quando a contraparte apenas cumprir parcialmente ou oferecer a prestação em termos parciais ou defeituosos.
Quando o contratante que tiver de cumprir primeiro oferecer uma prestação parcial ou defeituosa, a contraparte pode opor-se e recusar a sua prestação até que aquela seja oferecida por inteiro ou até que sejam eliminados os defeitos ou substituída a prestação.
Pela designada exceptio non rite adimpleti contractus, o demandado pode recusar a sua prestação enquanto a outra não for completada ou rectificada[3].
A inexactidão do cumprimento tanto pode ser quantitativa (prestação parcial, a que se seguem os efeitos do não cumprimento em relação à parte da prestação não cumprida - mora ou incumprimento definitivo), como qualitativa (diversidade na prestação, deformidade, vício ou falta de qualidade da mesma; isto é, a inexecução da obrigação pode ocorrer não apenas quando o devedor nada faz para a executar, como ainda quando a realiza de forma deficitária ou mal executada[4].
Todavia, sendo embora a exceptio non rite adimplenti contractus admissível em caso de incumprimento parcial ou defeituoso, como pacificamente se vem entendendo desde os tempos do Código de Seabra (sem prejuízo da adequação e proporcionalidade entre a ofensa do direito e o exercício da excepção, como imposto pelo princípio da boa fé)[5], tal excepção “pressupõe que a prestação do contraente ao qual é oposta a excepção ainda é possível, atento o carácter dilatório desta excepção: a sua finalidade é, precisamente, retardar a prestação até que a contraparte cumpra”[6].
Como já se aludiu, a excepção de não cumprimento pode operar em situações de incumprimento, deficitário ou qualitativo, da parte que exige a prestação em dívida relativamente a contratos em que ocorra interdependência de prestações, havendo correspondência entre elas.
Tal pressuposto claramente não se configura nos autos: a Ré opõe-se ao pagamento do remanescente do preço devido à Autora pelo fornecimento de materiais na sequência de um acordo entre elas alcançado no sentido desta entregar àquela, mediante determinada contrapartida económica, aqueles produtos com fundamento não num incumprimento da Autora no âmbito desse contrato[7], mas antes num incumprimento parcial de um outro contrato, de resto, também não integralmente cumprido pela Ré, que ainda não procedeu ao pagamento integral do preço acordado.
Ainda que se tenha logrado apurar que a Autora não entregou todos os materiais cuja entrega e aplicação se obrigou para com a Ré no âmbito do contrato de empreitada com ela celebrado, tal circunstância não legitima a recusa do pagamento do preço ainda em dívida pela entrega dos materiais no âmbito da execução do contrato de compra e venda também entre elas celebrado.
Tratam-se, como se disse, de diferentes contratos, com distintas obrigações, não existindo simultaneidade na sua celebração, nem identidade de objecto.
Não existindo, por conseguinte, interdependência de prestações entre os dois contratos, não pode a Ré invocar o incumprimento parcial de um – contrato de empreitada - por parte da Autora para recusar a prestação devida no âmbito do outro contrato – o contrato de compra e venda -, este cumprido pela Autora.
A reacção contra o incumprimento do contrato de empreitada poderá ter lugar no âmbito desse contrato, não podendo esse incumprimento justificar qualquer recusa de cumprimento da prestação devida por celebração de contrato distinto.
Não pode, por conseguinte, a Ré com base no fundamento invocado, obter, como pretende, a absolvição do pedido, não podendo a excepção do não cumprimento de um contrato operar em relação a um outro contrato, se neste o credor realizou a prestação a que estava obrigado.
Não existe qualquer fundamento para, como reclama a apelante, ser revogada a sentença censurada que, ainda que de forma pouco explicativa, a condenou a pagar à Autora o remanescente da dívida pelo fornecimento dos artigos facturados a fls. 7 e 8, descontando-se, todavia, o valor dos bens, que, devendo ser entregues no âmbito da execução do contrato de empreitada, não o foram. A absolvição do pedido, nos termos proclamados pela Ré, traduzir-se-ia, de resto, numa afronta às exigência de boa fé, desrespeitando o requisito da proporcionalidade a que o recurso ao mecanismo da excepção do não cumprimento se deve subordinar.
Improcedem, consequentemente, as conclusões recursivas.
E achando-se corrigidos nos autos os erros materiais denunciados pela recorrente, resta a esta instância confirmar a sentença sob recurso.
*
Síntese conclusiva:
- A excepção do não cumprimento não nega ao Autor o direito ao cumprimento; apenas legitima que o Réu recuse a prestação a que está vinculado até à realização da contraprestação pela outra parte.
- Trata-se de um instituto que pode operar quer em situações de incumprimento total, quer de incumprimento parcial ou defeituoso, mas o seu exercício há-se sempre pautar-se pelo respeito pelas exigências de boa fé e subordinar-se a critérios de proporcionalidade, só podendo ser convocado quando sejam correlativas ou interdependentes as prestações de ambos os contraentes.
*
Nestes termos, acordam os Juízes desta Relação, na improcedência da apelação, em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Porto, 11 de Setembro de 2014
Judite Pires
Teresa Santos
Aristides Rodrigues de Almeida
______________
[1] Cura Mariano, “Responsabilidade Contratual do Empreiteiro Pelos Defeitos da Obra”, 2ª ed. revista e aumentada, Almedina, pág. 56.
[2] Acórdão da Relação do Porto, 18.02.2003, www.dgsi.pt.
[3] Cfr. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 9ª ed., pág. 410 e em Parecer Col. Jur., Ano XII, 4°, pág. 21; Vaz Serra, “Excepção de contrato não cumprido”, BMJ 67-37; Meneses Cordeiro, “Violação Positiva do Contrato”, ROA, Ano 41, pág. 181; Calvão da Silva, “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, pág. 337; João José Abrantes, “A excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil”, pág. 92; Acórdão. S.T.J. de 5-1-80, BMJ. 293-365; Acórdão S.T.J. de 9-12-98, BMJ. 322-337; Acórdão. S.T.J. de 30-11-00, Colectânea de Jurisprudência, STJ VIII, 3º, 150.
[4] Cfr. Baptista Machado, “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, Obra Dispersa, Vol. I, pág. 168/169); José João Abrantes, ob. cit., pág. 93.
[5] Cfr. acórdãos da Relação do Porto de 05.05.2014 e de 16.06.2014, processos nºs, respectivamente, 17113/12.9IYPRT.P1 e 5910/10.7TBMAI.P1, ambos em www.dgsi.pt.
[6] Acórdão do STJ, 13/5/2003, www.dgsi.pt
[7] Não negando a Ré, que antes admite, que os materiais adquiridos à Autora, constantes das facturas juntas com a petição inicial, lhe foram por esta entregues.