Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1242/09.9GAPRD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA ERMELINDA CARNEIRO
Descritores: REVOGAÇÃO DA PENA SUSPENSA
PAGAMENTO DA INDEMNIZAÇÃO
PRAZO DE PAGAMENTO
PERÍODO DA SUSPENSÃO
NÃO REVOGAÇÃO
Nº do Documento: RP201712201242/09.9GAPRD-A.P1
Data do Acordão: 12/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º63/2017, FLS.3-10)
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo o arguido sido condenado em pena suspensa pelo período de 3 anos e 15 dias com a condição de pagar a indemnização ao ofendido no prazo de 10 meses, não é justificável que o incidente relativo ao incumprimento dessa obrigação não se inicie de imediato no final desse prazo.
II - Tendo a decisão sobre a revogação da pena suspensa sido tomada mais de 4 anos depois do prazo para pagar a indemnização e dois anos depois de findo o período da suspensão, é aceitável a decisão de não revogação da pena suspensa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1242/09.9GAPRD-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo Central Criminal de Penafiel – Juiz 2

Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
No âmbito do processo supra identificado, por despacho de 13 de fevereiro de 2017, foi decidida a revogação da suspensão da execução da pena de três anos e quinze dias de prisão que, por acórdão de 9 de fevereiro de 2012, havia sido condenado o arguido B… e determinado, em conformidade, o cumprimento efetivo da referida pena.
Inconformado, o arguido interpôs recurso que consta a fls 120 a 136, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
«I - Constitui convicção profunda do ora Recorrente que a revogação da suspensão da pena de prisão foi injusta, por demasiada pesada e severa, traduzindo-se num erro notório de apreciação da prova segundo as regras da experiência e da livre convicção do Tribunal “a quo”, bem como de interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis.
II - A culpa não se pode presumir. Tem de resultar de factos ou elementos concretos. O tribunal nada apurou sobre as reais e efectivas condições pessoais e económicas do arguido para o cumprimento da obrigação.
III - Resulta do relatório social elaborado e junto aos autos que o arguido “durante o acompanhamento da medida, cumpriu os contactos/entrevistas agendados com os serviços da DGRSP, colaborando nas indicações que lhe foram fornecidas”.
IV – O arguido tem um nível básico de instrução, e apresenta evidentes problemas de capacidade cognitiva e perceção da realidade.
V – O arguido, apesar de trabalhar assiduamente, não dispôs em algum momento de condições reais e sérias para efetuar o pagamento de qualquer quantia ao ofendido, auferido rendimentos de trabalho próximos do salário mínimo nacional.
VI - O Tribunal a quo não tomou conhecimento que o arguido tinha uma penhora de vencimento para pagamento da pensão de alimentos à filha menor, C…, filha do seu relacionamento com a filha do ofendido, D…, que lhe diminuía o rendimento liquido em cerca de 160,00 a 180,00€ mensais – Proc. Nº 622/10.1 GAPRD -.
VII - Depois de subtraídos os valores da pensão de alimentos da filha e a comparticipação nas suas despesas pessoais - alimentação, alojamento, deslocações para o trabalho, saúde e vestuário – pouco ou nada sobeja ao arguido do seu salário para fazer face a qualquer outro encargo.
VIII - Não existiu qualquer ato voluntário pré-determinado ou consciente do arguido com vista ao não pagamento da indemnização ao ofendido, antes uma manifesta e clara impossibilidade de fazer face a tal encargo.
IX – A hipotética possibilidade económica do arguido tem de traduzir-se numa maior certeza, numa possibilidade efetiva, isto é, o tribunal a quo deveria apoiar-se não em hipotéticas possibilidades, mas na real situação do arguido. Só com base nesta situação efetiva poderia ou deveria concluir pela existência de culpa no cumprimento bem como pela culpa grosseira, sendo necessário, antes de mais, demonstrar que o arguido tinha condições económicas para efetuar o pagamento, ou, então, que voluntariamente se colocou na situação de não poder pagar.
X – A situação em análise podendo configurar alguma culpa no incumprimento - desde logo porque não cumpriu – mas não um incumprimento grosseiro (ou culpa grosseira, segundo a designação legislativa) da condição imposta pela suspensão.
XI - A decidida revogação só seria justificável se o tribunal, fundamentadamente, formulasse a convicção no sentido de que o juízo de prognose que estivera na base da suspensão da execução da prisão não seria já viável, o que não sucedeu no presente caso.
XII - A revogação da suspensão da execução da pena pelo tribunal a quo é excessiva para a conduta do arguido, não justificando a situação, que o tribunal a quo aplique exatamente a medida mais gravosa quando tem ao seu dispor outras medidas que melhor se ajustam e que podem revelar-se suficientes para atingir os efeitos pretendidos, como são as medidas previstas no artigo 55º, do código Penal.
XIII - O bom senso, perante o grau de culpa revelado no incumprimento da obrigação e a situação pessoal do arguido (que de resto não é ainda plenamente conhecida pelo tribunal a quo mas que aponta para alguma fragilidade) apontava para que o julgador fizesse uma apreciação mais ponderada de tal incumprimento, aplicando tão só, de imediato e/ou gradualmente as medidas previstas no artigo 55º, do CP, reservando como última arma, se fosse caso disso ou necessária, a prevista revogação da suspensão da pena.
XIV – O Tribunal a quo deu como assente um facto que não corresponde à verdade, isto é, que o arguido não tem dependentes a seu cargo, quando na realidade tem uma dependente, menor, a quem paga pensão de alimentos, o que para além de constituir um erro na apreciação da matéria de facto, é suscetível de alterar todo o raciocínio silogístico que conduziu à decisão final.
XV - Jamais foi dada a oportunidade ao arguido de um aviso solene sobre as consequências do seu incumprimento, não sendo de mais relembrar aqui as deficiências cognitivas do arguido para entender e perceber, de facto, os riscos para si advenientes de um incumprimento da obrigação de pagar a indemnização.
XVI - O arguido sabe que é devedor da indemnização ao ofendido, mas também sabe que até à data não dispôs de condições reais para dar cumprimento à injunção a que ficou adstrito.
XVII - O arguido declara expressamente que quer resolver a questão pendente no processo, pagando a indemnização, comprometendo-se a desenvolver todos os esforços para que possa começar de forma assídua a pagar aquilo que é devido ao ofendido, estando na disposição de se sujeitar às condições impostas pelo Tribunal, assim lhe seja facultada uma nova oportunidade.
XVIII - O Tribunal a quo desconsiderou por completo a integração social do arguido na comunidade e no meio laboral, o facto de beneficiar nesta fase de incondicional apoio e suporte dos Pais, com quem se encontra a viver, e sobretudo, o facto de não ter praticado qualquer ilícito nos últimos cinco anos.
XIX - O arguido está atualmente empregado.
XX - Não é com a revogação da suspensão da pena que se irá alcançar vantagens no plano das finalidades preventivas quer gerais quer especiais da punição.
XXI - O ter de cumprir uma pena de 3 anos e 15 dias de prisão apenas terá como efeito criar no arguido um sentimento de desânimo, prostração, repulsa e revolta, sendo visto como um claro retrocesso, na medida em que o Recorrente de momento encontra-se social, profissional e familiarmente integrado.
XXII - O arguido está plenamente consciencializado da necessidade de desenvolver um esforço acrescido para cumprir o pagamento da indemnização arbitrada pelo Tribunal ao ofendido, como injunção para a suspensão da execução da pena de prisão.
XXIII - A revogação da execução da pena constitui, ou deve constituir, sempre a ultima ratio, não sendo de aplicação automática.
XXIV - A situação de incumprimento não frustra irremediavelmente as expectativas inerentes à suspensão, nem constitui motivo para que seja determinada a sua revogação.
XXV - A advertência solene acompanhada da exigência de garantias do cumprimento das obrigações (podendo mesmo ser-lhe imposto o pagamento em prestações mensais), impondo novas regras de conduta e, consequente, prorrogação do período da suspensão da execução da pena revela-se, in casu, suficiente e adequada às finalidades da punição.
XXVI - Revogar a suspensão da execução da pena ao Recorrente será apenas obstar ao cumprimento da função reintegradora das penas. E só deve ser exercida quando outra medida não conseguir atingir aquele fim.
XXVII - Não há elementos no processo que permitam concluir pela culpa grosseira ou não, do arguido, no incumprimento da condição de pagamento ao lesado.
IXXX - Ainda que se admitisse a culpa do arguido, e proscrita que está a revogação automática da suspensão da pena, haveria que ponderar se esta (a revogação), seria a única forma de lograr a prossecução das finalidades da punição, isto é, a revogação só seria justificável se o tribunal, fundamentadamente, formulasse a convicção no sentido de que de que o juízo de prognose que estivera na base da suspensão da execução da prisão não seria já viável, o que não foi equacionado no despacho recorrido.
XXX -Existindo incumprimento, o tribunal, nas medidas que tomar, “deverá optar pelas menos gravosas e só decidir por uma quando conclua pela inadequação da que imediatamente a antecede”, sendo que no presente caso, o tribunal começou exatamente pela medida mais gravosa, sem qualquer fundamentação que afaste as restantes, violando por imponderação.
XXXI – Impor-se-ia, pelo menos, a solene advertência prevista na alínea a) do artigo 55º, onde se explicasse ao arguido as consequências do incumprimento e/ou exigir garantias de cumprimento da obrigação, com prorrogação do periodo de suspensão da execução da pena, que se mostra suficiente e adequada às finalidades da punição, e só depois de frustradas estas medidas, seria lícito equacionar então a aplicação da última e mais gravosa: a revogação da suspensão.
XXXII - Deverá o Venerando Tribunal da Relação do Porto, ponderar se a revogação da suspensão ao Recorrente constitui a única forma de conseguir as finalidades da punição.
XXXIV – Ao decidir como decidiu, o despacho recorrido violou o disposto nos artigos 55º e 56º, do Código Penal.
XXXV - A Justiça aplicando o Direito consagrado nas Leis, pode e deve concorrer para o estabelecimento da Paz Social.
Nestes Termos, e nos melhores que V. Exªs. doutamente suprirão, julgando procedente o presente recurso e julgando em conformidade com as precedentes Conclusões, revogando-se a decisão de que se recorre, substituindo-se por outra que reaprecie e decida nos moldes aqui defendidos pelo recorrente, será feita uma verdadeira e sã JUSTIÇA!».
Admitido o recurso, o Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido apresentou resposta, concluindo pela confirmação do decidido.
Subidos os autos a este Tribunal da Relação o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer pugnando pela improcedência do recurso.
Cumprido o disposto no artigo 417º nº 2 do Código Processo Penal, veio o recorrente apresentar resposta, na qual, rebatendo a posição assumida no parecer reitera, em síntese, o vertido no recurso.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
***
II – Fundamentação
Conforme entendimento pacífico são as conclusões extraídas pelo Recorrente a partir da respetiva motivação que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos submetidos à sua apreciação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que seja ainda possível conhecer.
No presente caso, a questão a decidir é fundamentalmente saber se estão ou não verificados os pressupostos que determinaram a revogação da suspensão da execução da pena, e nessa medida, se será de manter ou revogar a decisão recorrida.
Com relevância para a análise do recurso existem nos autos os seguintes elementos:
- Por acórdão proferido nestes autos de 9 de fevereiro de 2012, transitada em julgado em 29 de fevereiro de 2012, foi o arguido condenado na pena de prisão de 3 anos e 15 dias (a qual englobou a prática de dois crimes: um crime de injúrias e um crime de ofensas à integridade física grave), a qual foi suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova e mediante a obrigação de o condenado pagar a quantia fixada a título de indemnização civil (€10.000,00 e respetivos juros legais) a E…, no prazo de dez meses.
- Após a condenação sofrida no âmbito dos presentes autos, o arguido não voltou a ser condenado pela prática de outros ilícitos penais.
- O arguido cumpriu com as ações previstas pelos serviços da DGRSP, tendo sido remetido relatório final de acompanhamento em 27 de maio de 2015.
- O arguido não pagou qualquer quantia a E….
- No ano de 2012, o arguido não apresentou qualquer declaração de rendimentos; no ano de 2013, o arguido auferiu o rendimento global bruto de €7942,80; no ano de 2014, o arguido auferiu o rendimento global bruto de €7.891,80; a partir de janeiro de 2015 até fevereiro de 2016, inclusive, auferiu o arguido, a título de rendimentos de trabalho, indemnização pela cessação do respetivo contrato e subsídio de desemprego, o montante global ilíquido de €8.918,25.
- O arguido tem registado em seu nome dois veículos motorizados.
- Por despacho de 28 de novembro de 2016, sob promoção do Ministério Público de revogação da suspensão da execução da pena, foi designada data – 11 de janeiro de 2017 - para audição do recorrente e da técnica da DGRSP, ao abrigo do disposto no artigo 495º, n.º 2 do Código Processo Penal.
- Nas declarações prestadas o arguido esclareceu a aquisição dos veículos, tendo adquirido um deles (motorizada marca “Casal”), há cerca de dois anos, pelo preço de €200,00 e, o outro (mota), em março/abril de 2016, pelo valor de €1.500,00, quantia emprestada pelo seu tio e que amortiza mensalmente em €120,00.
- Reconheceu a falta de pagamento e justificou a aquisição dos veículos motorizados referindo “as pessoas gostam de ter coisas”.
- Referiu, ainda, encontrar-se a desempenhar atividade profissional auferindo o salário mínimo nacional.
- A técnica da DGRS referiu que “aquando os contactos que mantinha com o arguido, alertava-lhe sempre da necessidade de proceder ao pagamento da indemnização”
- Por despacho de 13 de fevereiro de 2017, foi proferida a decisão recorrida, que assim concluiu (transcrição parcial)
«5.3. Feitas estas breves considerações, há um dado que é incontornável: o arguido não cumpriu com a injunção que lhe foi imposta como condição de suspensão da execução da pena de prisão.
E, cremos bem, nenhuma dúvida se coloca de que tal incumprimento deve ser qualificado de culposo, uma vez que o arguido, embora se reconhecendo que apresente algumas fragilidades a nível económico - os seus rendimentos sempre raiaram o valor equivalente à retribuição mínima mensal garantida - acabou por preferir adquirir outros bens (designadamente dois veículos motorizados) em detrimento de pagar a indemnização a que estava obrigado e que lhe foi imposta como condição para a suspensão da execução da pena de prisão.
Acresce que - sempre em sentido negativo - que o arguido não só não teve qualquer preocupação em não pagar a indemnização, como não revela a mais pequena preocupação com tal facto, antes se mostra desresponsabilizado com tal.
Em face e tais considerando, é bom de ver que não se pode afirmar que as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena de prisão se mostram verificadas e que as exigências da punição se mostram satisfeitas.
Bem pelo contrário.
Se é verdade que o arguido não voltou a cometer ilícitos penais - e isso é revelador de que as exigências da prevenção especial se mostram menos acentuadas relativamente àquelas que se faziam sentir ao tempo da condenação - verdade é, também que o arguido mais não fez do que cumprir os mais básicos deveres que sobre si impendem: o de não cometer crimes.
Por outro lado, tendo presente os crimes que foram cometidos pelo arguido - e aqui avulta a prática de um crime de ofensa à integridade fisica grave, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1 e 144.º, al. d) do Código Penal, contra a pessoa do seu sogro - não se pode dizer que as exigências de prevenção geral se apresentam como satisfeitas se o arguido, afinal, não cumpriu com a injunção que lhe foi imposta como condição da suspensão da execução da pena de prisão e fê-lo revelando uma grande desresponsabilização relativamente à necessidade de a cumprir. A ponto, note-se bem, de afirmar que "as pessoas gostam de ter bens" para 'justificar" a aquisição de alguns bens em detrimento do pagamento da indemnização.
Por isso, não revogar a suspensão da execução da pena de prisão no presente caso significaria um vitória da impunidade - o arguido comete um crime e um crime grave e que lhe acontece? Nada! - que colocaria em crise a confiança da comunidade na validade das normas penais, abrindo caminho para a perda da eficácia das normas e dando um sinal na comunidade de que, bem vistas as coisas, de nada vale cumprir as normas.
Será, assim, revogada a suspensão da execução da pena de prisão.»
Cumpre apreciar e decidir
Do ponto de vista dogmático, a suspensão da prisão é uma pena de substituição, pois que a sua aplicação é necessariamente em substituição da execução da pena de prisão concretamente determinada, revestindo natureza de verdadeira pena, com caráter autónomo, sendo o seu campo de aplicação, regime e conteúdo político-criminal próprios.
Com efeito, trata-se de «(…)um meio em si mesmo autónomo de reação jurídica criminal, configurado como pena de substituição, que se baseia em juízo de prognose favorável ao condenado desde que não fiquem prejudicadas as finalidades da punição”» (Sá Pereira e Alexandre Lafayette, in Código Penal, Anotado e Comentado, Quid Juris, 2008, 179) e Acórdão do STJ de 25/6/2009 in , CJ, Acórdãos do STJ, XVII, II, 249 «A pena de prisão cuja execução foi declarada suspensa conforma uma categoria nova, com o seu sentido e a sua teleologia próprias: a categoria das penas de substituição».
Esta pena de substituição assume modalidades diversas – a simples suspensão na execução, a suspensão sujeita a condições e a suspensão com regime de prova – podendo ser alterada (na duração ou nas condições) e revogada – artigos 50.º a 56.º do Código Penal.
Sob a epígrafe “Falta de cumprimento das condições da suspensão”, estatui o artigo 55º do Código Penal: “Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal: a) Fazer uma solene advertência; b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção; d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º”.
Por seu turno, dispõe o artigo 56.º do mesmo diploma legal: “1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. 2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado.”
Da conjugação destes dois preceitos legais, é comummente aceite, de modo generalizado e pacífico, que a revogação da suspensão da execução da pena por incumprimento de qualquer dever ou condição pelo condenado – afastada que está a revogação automática da suspensão -, só pode ocorrer se esse incumprimento se ficar a dever a culpa grosseira do mesmo. – Neste sentido, entre outros, acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/01/2009, processo nº 2555/08.1 e de 04/05/2009, processo nº 2625/05.9PBBRG-A.G1 e do Tribunal da Relação do Porto de 09/12/2004, processo nº 0414646.
Revertendo ao caso sub judice, vejamos se dos elementos constantes dos autos se poderá afirmar a verificação desta exigência da culpa grosseira.
Desde logo, dos elementos constantes dos autos retira-se não se encontrar demonstrado poder o recorrente efetuar o pagamento da quantia fixada como condição para a suspensão da execução da pena no prazo de dez meses concedido para o efeito. Pelo contrário, encontra-se junto aos autos documento comprovativo que no ano de 2012 o arguido não procedeu à entrega de declaração de IRS. De resto, constava como provado no acórdão condenatório, não exercer o arguido qualquer atividade laboral.
É certo que, posteriormente, ou seja, a partir de 2013, o arguido obteve rendimentos (quer provenientes de trabalho, quer por atribuição de subsídio de desemprego). É de realçar, porém, que os rendimentos auferidos foram sempre praticamente em valor correspondente ao salário mínimo nacional, pelo que não pode retirar-se ter o recorrente possibilidade de efetuar o pagamento da quantia fixada (recorde-se €10.000,00 acrescida de juros legais) como condição para a suspensão da execução da pena.
Contudo, como refere a decisão recorrida, despendeu o recorrente a quantia de €200,00 numa motorizada adquirida há cerca de dois anos e €1.500,00 na aquisição de uma mota em março ou abril de 2016, quantia essa emprestada pelo seu tio e que amortizava em prestações mensais de €120,00.
E ouvido presencialmente quanto ao não cumprimento da condição a que foi subordinada a suspensão da execução da pena, o arguido deu como explicação para aquisição de tais bens “as pessoas gostam de ter coisas”.
É evidente que, perante a explicação aduzida, desde logo se extrai que as quantias despendidas poderiam – e deveriam - ser canalizadas para pagamento parcial da quantia correspondente ao valor da indemnização e respetivos juros, nos termos em que foi condenado, impondo-se-lhe um esforço no sentido de, ainda que parcialmente, dar cumprimento à obrigação imposta como condição da suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada, pelo que só nessa medida e atentos os rendimentos auferidos pelo arguido, se poderia considerar como culposa a conduta do arguido.
Contudo, a revogação só será justificável se o tribunal, fundamentadamente, formular a convicção no sentido de que o juízo de prognose que esteve na base da suspensão da execução da prisão não será já viável.
Como expendido in “Código Penal Parte geral e especial” de M. Miguez Garcia e J.M.Castela Rio,2015, 2ª edição, comentário ao artigo 56º, pág. 347 «(…) Não bastará a violação de um dos deveres impostos, a menos que tal violação faça recear que a conduta criminosa se vai renovar, mas para tanto é necessário uma apreciação global da personalidade do sujeito, do seu entorno social e da forma como a violação se processou, de modo a contrariar o prognóstico anteriormente favorável.».
No mesmo sentido se pronunciam Leal Henriques e Simas Santos in Código de Processo Penal Anotado, 2ª edição, 1995, Vol I, pág 478 «O não cumprimento das obrigações impostas não deve desencadear necessariamente a revogação da condenação condicional. Na verdade, se se quer lutar contra a pena de prisão, e se a revogação inelutavelmente a envolve, daí resulta que tal revogação só deverá ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências(…)». E mais à frente referem «Mas as causas de revogação não devem ser entendidas como um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O réu deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena. Aliás, como se viu, o Tribunal goza de uma ampla faculdade de prescindir da revogação, mesmo que exista mau comportamento durante o período de suspensão.».
Em suma, a revogação da suspensão da pena por incumprimento do agente das obrigações impostas, só pode ocorrer se o incumprimento se verificar com culpa grosseira, e só terá lugar como “ultima ratio”, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências contidas no artigo 55º do Código Penal.
No caso em análise não se nos afigura, ao contrário do tribunal a quo, que esteja arredado o juízo de prognose favorável que determinou a suspensão da execução da pena de prisão.
Desde logo, ressalta dos autos ter o arguido cumprido os deveres impostos no plano de reinserção social que lhe foi estabelecido pela DGRS. Ainda, e como resulta apurado, manteve uma conduta de acordo com as normas estabelecidas e o direito penal vigente, encontrando-se inserido familiar e laboralmente.
Acresce que, no caso em apreço, a sentença condenatória transitou em julgado em 29 de fevereiro de 2012.
A execução da pena suspensa e o respetivo período de suspensão de três anos e quinze dias fixado iniciaram-se com o trânsito em julgado da sentença condenatória, conforme disposto no artigo 50.º, n.º5, do Código Penal.
O prazo para o cumprimento da obrigação condicionante da suspensão concedido na sentença para o pagamento ao ofendido do montante fixado no pedido de indemnização civil foi de dez meses. Ora, não é justificável a morosidade do incidente relativo ao incumprimento da obrigação condicionante, o qual deveria ter-se iniciado após decorridos os dez meses fixado (esse prazo terminara em 29 de dezembro de 2012).
Contudo, decorrido o prazo para cumprimento daquela obrigação, o tribunal de condenação não deu início ao respetivo incidente, com recurso, se necessário, ao disposto no artigo 55º do Código Penal e apenas cerca de 23 meses depois de terminado o prazo de suspensão da execução da pena, se decidiu pela sua revogação.
Não se mostra, por isso, aceitável que a decisão sobre a suspensão da execução da pena tenha sido tomada mais de 4 anos após decorrido o aludido prazo de dez meses e cerca de 2 anos depois de terminado o decurso do período da suspensão. A este propósito pronuncia-se Figueiredo Dias in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 358: «(…) nem por isso deve deixar de acentuar-se que, por razões evidentes de estadualidade de direito (nomeadamente de segurança, de paz jurídica e de tutela de confiança), o tribunal competente para a revogação ou a prorrogação deve decidir sobre estas tão rapidamente quanto possível. Com a consequência de, se a decisão for inadmissivelmente tardia, poder constituir motivo suficiente para que a revogação ou a prorrogação não sejam decretadas».
Termos em que procede o recurso interposto.
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III – Decisão
Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedente o recurso e, em consequência, revogam o despacho recorrido e declara-se extinta a pena de substituição imposta ao recorrente B….
Sem tributação.

Após trânsito, e na 1.ª instância, comunique-se ao registo criminal.

Porto, 20 de dezembro de 2017
(elaborado pela relatora e revisto por ambos os subscritores – artº 94 nº2 do Código Processo Penal).
Maria Ermelinda Carneiro
Raúl Esteves