Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4208/16.9T8OAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO
CAUSA DE PEDIR
PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
PACTO SOCIAL
DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA
Nº do Documento: RP201803084208/16.9T8OAZ.P1
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 126, FLS 233-244)
Área Temática: .
Sumário: I - A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos da impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido em 1ª instância.
II - O documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.
III - Ao juiz da causa é possível qualificar diversamente os factos alegados e provados na acção, mas já não pode julgar o litígio com base numa causa de pedir não invocada pelo autor.
V - Segundo o princípio do dispositivo ainda em vigor no nosso ordenamento jurídico, não é possível decidir com fundamento numa causa de pedir não alegada nem condenar em objecto diverso do que se pedir e/ou apreciar questões não suscitadas pelas partes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº4208/16.9T8OAZ.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de Comércio de Oliveira de Azeméis
Relator: Carlos Portela (835)
Adjuntos: Des. José Manuel Araújo Barros
Des. Filipe Caroço

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório
B..., residente na Rua ..., nº.., ... ....-... Oliveira de Azeméis, veio intentar a presente acção declarativa sob a forma comum contra C..., SA., pedindo que sejam declaradas nulas ou anuladas as deliberações sociais tomadas na Assembleia Geral da Ré de 30/09/2016, que aprovaram a alteração aos estatutos sociedade requerida no sentido de passar a constar, no “novo” artigo 13.º uma restrição ao direito de representação dos accionistas em Assembleia Geral e que aditaram ao pacto social os artigos relativos à “Proibição de Concorrência” e “Amortização de Ações”.
Alegou, em síntese, que a nova redacção do art.º 13.º do pacto social viola a disposição contida no art.º 380.º, do CSC, pelo que é nula porque contra a lei.
Já quanto às deliberações respeitantes à “Proibição de Concorrência” e “Amortização de Ações” entende que as mesmas são anuláveis por terem sido tomadas com o único intuito de afastar o A da actividade da sociedade e o impedirem de exercer qualquer actividade comercial, ou seja, com a intenção exclusiva de o prejudicarem.
Citada, a Ré. veio esta contestar pedindo a improcedência da acção, por considerar que não houve qualquer violação das normas e dos estatutos.
Mais defendeu que a introdução das cláusulas relativas à proibição de não concorrência e amortização de acções mais não são do que a consagração no pacto de um dever que já decorre do Código das Sociedades Comerciais, pois que é mera decorrência do dever de lealdade previsto no art.º 242.º do citado diploma.
Considerou ainda que ara além do mais, tais normas têm carácter geral e abstracto, aplicam-se a todos os accionistas, pelo que, foi para acautelar a sociedade e não para prejudicar o A, que tais deliberações foram tomadas.
Concluiu, assim, pela absolvição do pedido.
Foi proferido despacho no qual se saneou o processo, se definiu o objecto do litígio e se fixaram os temas de prova.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento no culminar da qual se proferiu sentença onde se julgou a acção procedente por provada e em consequência:
a) Se declarou a nulidade da deliberação tomada na assembleia geral extraordinária da Ré realizada a 30.09.2016 que deu origem à redacção do art.º 13.º, n.º 1, do Pacto Social da Ré, por violação do art.º 56.º, n.º 1, d), do CSC;
b) Se declarou ineficaz em relação ao Autor a deliberação tomada na assembleia geral extraordinária da Ré realizada a 30.09.2016 que introduziu a cláusula “Proibição de Concorrência” e o n.º 1 da cláusula “Amortização de Acções” no Pacto Social da Ré, por força do art.º 86.º, n.º 2, do CSC.
c) Mais se ordenou a comunicação ao registo do agora decidido
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Inconformada com esta decisão da mesma veio recorrer a Ré, apresentando desde logo e nos termos legalmente previstos as suas alegações.
Não foram apresentadas contra alegações.
Proferiu-se despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
Como é sabido, o objecto do presente recurso e sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pela ré/apelante nas suas alegações (cf. os artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor das mesmas conclusões:
1ª.- Pelas razões que se expõem a págs. 3 e 4 das antecedentes alegações, a douta sentença recorrida, ao não se pronunciar em parte alguma, como dela própria resulta, nem nos seus fundamentos nem na sua parte decisória, sobre os artigos 2º e 7º (alterados) e 25º (aditado ex novo), todos do pacto social da R. e incluídos na causa de pedir e no pedido formulados na petição inicial, deixando assim sem se saber se a nova redacção daqueles artigos 2º e 7º e aquele novo artigo 25º se devem ou não considerar válidos e a incorporar os estatutos ou se se devem considerar anulados, incorreu em omissão de pronúncia e, por isso, na nulidade prevista na al. d) do nº 1 do art.º 615º do CPC.
2ª.- A propósito da deliberação de alteração do art.º 13º dos estatutos da R., tendo o A. alegado nos artigos 12º e 13º da petição inicial, que essa alteração respeitava à questão da representação dos accionistas (regulada no nº 1 daquele art.º 13º), mas tendo a R. impugnado essa alegação no art. 2º da contestação, cabia àquele, ou seja, ao A., o ónus de provar que a alteração deliberada e por ele posta em causa respeitava ao nº1 do art.º 13º e não a qualquer dos outros números 2, 3 e 4 desse artigo, e, bem assim, em que é que, em concreto, consistia essa alteração
3ª.- Sendo certo que nenhuma das testemunhas se referiu a essa questão, como decorre da fundamentação da matéria de facto exposta na douta sentença recorrida, a verdade é que essa prova era documental, obtida por comparação entre a redacção do art.º 13º dos estatutos anterior à assembleia ora em causa e a sua redacção que resultou das deliberações tomadas nessa assembleia
4ª.- Sendo a única prova documental existente nos autos a acta relativa a esta assembleia (acta nº 31, junta com a contestação), e não constando dessa acta a redacção anterior do art.º 13º nem o teor da proposta de alterações, mas apenas a redacção final que resultou da deliberação aí referida, fica sem saber-se a qual dos seus 5 números, em concreto, respeitou a alteração deliberada e em que consistiu, em concreto, essa alteração.
5ª.- A douta sentença recorrida não deixa perceber onde é que a Mmª. Juiz foi fundar o entendimento que a levou a anular o nº1 do art.º 13º em vez de qualquer dos outros números 2, 3, 4 ou 5.
6ª.- Pelas anteriores conclusões 2ª a 5ª e pelas razões que melhor se expõem de págs. 6 e 8 das anteriores alegações, de acordo com a jurisprudência aí citada, este é um dos casos em que se mostra necessária e justificável a junção do pacto social da R. em vigor até à assembleia geral aqui em causa, como único modo de perceber o que é que nessa última assembleia foi alterado do artigo 13º do pacto social: se o nº 1, como supôs a sentença ou se, na realidade, foi alterado o nº 3 e aditado o nº 5, e em que é que consistiu essa alteração.
7ª.- Admitida essa junção, então, do confronto entre essa redacção do art.º 13º do pacto social anteriormente a esta assembleia geral (transcrita na anterior pág. 8 e resultante da conjugação entre as duas certidões que ora se juntam e as inscrições constantes da certidão do registo comercial junta como doc. 1 da petição inicial) e a sua redacção final após as alterações aprovadas nessa mesma assembleia, constante da respectiva acta junta como doc. 1 da contestação, conclui-se que:
e) o texto do nº 1 daquele artigo é exactamente o mesmo, quer antes quer depois da assembleia, ou seja, não foi objecto de qualquer alteração;
f) o texto dos nºs 2 e 4 manteve-se também exactamente o mesmo e, portanto, sem qualquer alteração,
g) ao texto do nº 3 foi acrescentada a parte final "salvo quando estiver em causa a alteração dos estatutos",
h) foi acrescentado o nº 5.
8ª.- Daí decorre que a única alteração deliberada ao texto anterior do art.º 13º visou tornar exigível a maioria de 75% do capital social para as deliberações que visem a alteração dos estatutos e não a alteração do nº1, respeitante à credenciação dos accionistas, que se manteve intocável.
9ª.- Comprovado fica assim que, ao contrário do suposto pela douta sentença, a alteração aprovada ao art.º13º nada teve a ver com a credenciação dos accionistas em assembleia geral, questão esta que já vinha regulada nos mesmos termos em que ainda está na presente data, desde a data da transformação da sociedade em sociedade anónima, por vontade de todos os sócios e, por isso, do próprio A., que outorgou e subscreveu a escritura pública que aprovou esse pacto e que, por isso, não pode ignorar que aquele número 1 não foi objecto de qualquer alteração.
10ª.- Logo, seja por erro, por falta de pressupostos de facto, por incumprimento do ónus da prova por parte do A., ou por manifesta falta de fundamento, a douta sentença, nesta parte – contida na alínea a) da decisão final -, é insustentável.
11ª.- Pelas razões que se expõem a págs. 9 e segs das anteriores alegações, tendo o A. configurado a acção e elaborado a sua causa de pedir na perspectiva de que os restantes sócios, com a deliberação em causa, visaram apenas, em conluio, prejudicarem-no e impedirem o seu acesso ao emprego e ao exercício de qualquer actividade, assim violando, com a deliberação em causa, o princípio da boa- fé, o dever de lealdade e o abuso do direito, incorrendo por isso no conceito de deliberação abusiva, sancionada pelo art.º58º, 1 do CSC, e sendo por isso que pede a sua nulidade ou anulação, mas tendo a Mmª Juiz, apesar de entender que esses fundamentos não se provaram, julgado a acção procedente com fundamento em que aquela deliberação implicou o aumento das obrigações contratuais iniciais, pensado e previsto no art.º 86º, nº 2 do CSC, questão esta nunca aflorada pelas partes nem qualquer local dos autos, então, ao assim fazer, a douta sentença recorrida decidiu com fundamento em questão de facto e de direito diferente da invocada na causa de pedir e não suscitada em qualquer parte dos autos.
12ª.- Podendo, embora, qualificar diversamente os factos alegados e provados, o tribunal está legalmente impedido de julgar o litígio com base numa causa de pedir não invocada (art.º 342º, nº 1 do CC; arts. 664º do CPC anterior e 5º do NCPC), sob pena de violação do princípio dispositivo, que obriga a que haja total coincidência (identificação) entre a causa de pedir e a causa de julgar, ponto este perfeitamente assente desde há muito, quer na doutrina quer na jurisprudência.
13ª.- A douta sentença ora em recurso, ao julgar com fundamento na questão do aumento das obrigações contratuais iniciais do pacto social da R., ao abrigo do art.º 86º, 2 do CSC, afastou-se da causa de pedir e do pedido formulados na petição inicial, julgou com base numa causa de pedir não invocada e violou o princípio do dispositivo, no sentido da necessidade da coincidência entre a causa de pedir, a causa de julgar e o pedido, e as normas legais invocadas na conclusão anterior, incorrendo na nulidade prevista nas als d) e e) do nº 1 do art.º 615º do NCPC.
14ª.- Além disso, constituiu uma verdadeira decisão surpresa, na medida em que julgou com base numa questão não invocada pelo A., não discutida nos autos nem suscitada pelo tribunal, questão com a qual a R. não foi confrontada e da qual não teve oportunidade de se defender, desse modo violando o princípio do contraditório consagrado no artº 3º, nº 3 do CPC, sendo, também por essa razão, igualmente nula.
15ª.- Sob pena da nulidade prevista pelo art.º 615º, nº 1, al. e), o tribunal está limitado pelo pedido da parte, não podendo extravasa-lo, nem pronunciar-se sobre mais do que foi pedido ou sobre coisa diversa da que foi pedida, ou seja, não pode ultrapassar nem em quantidade nem em qualidade os limites do pedido formulado.
16ª.- Tendo sido pedido ao tribunal a declaração de nulidade ou de anulabilidade das deliberações tomadas quanto ao aditamento dos novos artigos 26º e 27º, não podia a sentença, como fez, declarar a ineficácia em sentido estrito desses artigos, visto que a nulidade e a anulabilidade, de um lado, e a ineficácia em sentido estrito, do outro, são realidades jurídicas substancialmente distintas, pelas razões que se expõem a pags 12 das anteriores alegações.
17ª.- Pelas razões que se expõem a págs. 13 das anteriores alegações, o caso do AUJ que a Mmª Juiz invocou em abono da decisão da ineficácia em sentido estrito, não ajuda a sustentar a decisão da ineficácia em sentido estrito que tomou no caso presente.
18ª.- Os sócios – mesmo os sócios de sociedades anónimas e em particular quando, como sucede presente caso, são sociedades de natureza familiar e quando, como também sucede no caso do A., são detentores de acções nominativas, cuja transmissão até está condicionada -, estão entre si ligados por mútuos e recíprocos deveres de lealdade e confiança, que decorrem dos compromissos implícitos à assinatura do contrato social, que os obrigavam a não aproveitar em benefício próprio possíveis oportunidades de negócio da sociedade que criaram.
19ª.- Nisso consiste a obrigação de não concorrência, imposta pelos princípios da lealdade, da confiança e da boa-fé, imanentes ao compromisso patente na assinatura do contrato social, e expressamente consagrada no art.º 990º do CCivil, aplicável às sociedades comerciais e à presente situação por força do disposto nos artigos 3º do Cod. Comercial e 2º do CSC.
20ª.- Nesse sentido, a norma do art.º 26º, ora aditada ao pacto social da R. em resultado das deliberações tomadas nesta assembleia geral, veio apenas consagrar por escrito, ao nível do contrato social, uma obrigação que já existia e existe na lei.
21ª.- O art.º 86º, nº 2 do CSC, abrange apenas a criação de novas obrigações contratuais, não previstas na lei, e o agravamento de outras também já contratualmente previstas.
22ª.- Assim, se porventura se viesse a entender que o tribunal podia e pode decidir a questão da validade do referido art.º 26º à luz do artigo 86º, 2 do CSC, não estaríamos ali perante uma nova obrigação mas sim perante a consagração de uma obrigação – de não concorrência - que já decorria e decorre da lei.
23ª.- Logo, mesmo na tese da própria sentença, aquele novo artigo do pacto não violaria o art.º 86º, 2 do CSC.
24ª.- Dos arts. 990º e 1.003º, al. a) do CCivil, aplicáveis às sociedades comerciais por força dos preceitos citados na conclusão 19ª, resulta que o sócio que violar a sua obrigação de não concorrência fica sujeito: à exclusão de sócio e a ser responsabilizado pelos danos causados.
25ª.- Essa situação da exclusão acrescida da obrigação de indemnização é em tudo análoga à da amortização ora deliberada e lavada ao art.º 27º, podendo ainda suceder que esta última – a amortização - seja até mais vantajosa para o sócio infractor, bastando para tal que os prejuízos causados sejam superiores ao valor da quota.
26ª. Estando a possibilidade de exclusão do sócio com fundamento na concorrência desleal já prevista na lei, bem como, em tal caso, a obrigação de o sócio excluído responder pelos danos causados com a concorrência desleal, e sendo essa exclusão e indemnização análogos à situação de amortização prevista no artigo 27º ora aditado ao pacto social da R., esta possibilidade de amortização não altera nem agrava aquela obrigação legal, em nada ofendendo a situação em que o A. ficaria caso incorresse na situação de concorrência desleal prevista naquele artigo.
27ª.- Tendo a Mmª Juiz limitado as razões pelas quais declarou a ineficácia, em relação ao A., do nº 1 do art.º 27º aditado ao pacto social da R., às razões pelas quais entendeu decidir igual sanção quanto ao artigo 26º, relativo à proibição de concorrência, valem aqui, mutatis mutandis o que consta das anteriores conclusões 20ª a 26ª para defender a validade da cláusula que introduziu a proibição de concorrência.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, e pelo mais de direito do douto suprimento, admitindo-se a junção dos documentos ora oferecidos, contendo os estatutos da R. em vigor até às alterações deliberadas na assembleia geral ora em causa, deve a presente apelação ser julgada procedente e, em consequência, serem também julgadas procedentes, com todas as respectivas consequências legais e processuais, as nulidades da sentença invocadas ao longo das precedentes alegações e das respectivas conclusões e, sempre e em qualquer caso, revogar-se a sentença recorrida e proferir-se no seu lugar acórdão que julgue a acção improcedente e absolva a R. do pedido, com custas e demais encargos pelo A.
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Perante o acabado de expor, resulta claro que são as seguintes as questões que nos foram colocadas no âmbito deste recurso:
1ª) A nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
2ª) A inexistência de razões para a declaração de nulidade da nova redacção do nº1 do art.º13º do Pacto Social da Ré;
3ª) A validade/invalidade dos (novos) artigos 26º e 27º do Pacto Social da Ré;
4ª) A ineficácia em relação ao Autor do nº1 do (novo) art.º27º aditado ao Pacto Social da Ré.
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Como acaba de se verificar no presente recurso não foi impugnada a decisão de facto antes proferida em 1ª instância.
Por isso, importa pois recordar aqui qual o conteúdo da mesma decisão, a qual sem mais se mantém.
Assim:
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
A. A Ré é uma sociedade anónima, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Oliveira de Azeméis, sob o número único de matrícula e pessoa colectiva ........., com sede Av. ..., ..., n.º .., ..., ....-..., Oliveira de Azeméis, com o capital social de 2.500.000€ (dois milhões e quinhentos mil euros).
B. Tendo a Ré como objecto social a construção civil e obras públicas, comércio de materiais de construção civil e obras públicas, compra e venda de máquinas para a indústria de construção civil, obras públicas e outras.
C. Por sua vez, o A é accionista da identificada sociedade Ré, sendo detentor de 27000 acções nominativas e contitular de 419000 acções ao portador, no regime de contitularidade sem determinação de parte ou direito, com os demais accionistas, D..., E... e F..., respectivamente, mãe e irmãos do A.
D. Através de comunicação electrónica, foi o A convocado para a realização de uma Assembleia Geral Extraordinária, a ter lugar no dia 30 de Setembro de 2016, pelas 18h00, com a ordem de trabalhos seguinte:
“Ponto Um – Apreciação, discussão e votação de uma proposta de alterações à redacção dos artigos 2º, 7º e 13º do pacto social;
Ponto Dois – Apreciação, discussão e votação do texto de três novos artigos a introduzir no pacto social destinados a regular as matérias relativas a “Direito de Informação” “Proibição de Concorrência” e “Amortização de acções”
Ponto Três – Apreciação, discussão e votação das alterações propostas relativas à remuneração e arrumação sistemática do pacto social, decorrente da aprovação das matérias constantes do ponto dois da ordem de trabalhos.”
E. Para tanto, foi entregue ao A uma proposta de alteração aos estatutos, contendo a nova redacção dos artigos do pacto social a alterar (2.º, 7º e 13º), os artigos novos a introduzir e uma versão do texto actualizado do contrato de sociedade.
F. Do referido texto, resulta a seguinte redacção para os citados artigos:
“Artigo 2º Sede
1-A sede social é na Av. ..., n.º .., União de Freguesias ..., ... e ..., concelho de Oliveira de Azeméis.
2-Por simples deliberação do Conselho de Administração a sociedade poderá criar, transferir ou encerrar sucursais, agências, delegações ou outras formas de representação social”.
“Artigo 7º Acções
1-As acções, representadas por títulos de uma, cinco, dez, cinquenta, cem, quinhentas, mil e múltiplos de mil acções por cada título, serão nominativas ou ao portador, podendo ser reciprocamente convertíveis a todo o tempo a solicitação dos accionistas com deliberação maioritária tomada em assembleia geral.
2-Os títulos, definitivos ou provisórios, representativos das acções conterão assinaturas de dois administradores apostas por chancela ou reproduzidas por meios mecânicos”.
“Artigo 13º
Representação de Accionistas e quóruns
1-Os accionistas com direito de voto poderão fazer-se representar nas assembleias gerais pelos membros do Conselho de administração ou por outros accionistas com direito a voto, ou por cônjuge, ascendente ou descendente bastando para a prova da representação uma carta devidamente assinada, dirigida ao presidente da mesa da AG, até à véspera do dia designado para a reunião.
2-A AG funcionará validamente em primeira convocatória se estiverem presentes ou representados accionistas que detenham acções correspondentes a mais de metade do capital social.
3-Em segunda convocação a assembleia pode deliberar validamente seja qual for o número de accionistas presentes ou representados e o quantitativo do capital a que as respectivas acções correspondem, salvo quando estiver em causa a alteração dos estatutos.
4-Com excepção do disposto no número seguinte, a validade das deliberações depende tão só de serem tomadas por maioria absoluta dos votos presentes ou representados, salvo os casos das deliberações em que a lei ou disposições deste contrato exijam outra maioria.
5-As deliberações de alteração dos estatutos deverão ser tomadas, pelo menos, por setenta e cinco por cento do capital social/ dos votos presentes ou representados.”
G. Na mesma proposta de alteração surgem os seguintes artigos a introduzir:
Artigo
Direito de Informação
“O direito de informação dos accionistas é exercido pessoalmente na sede da sociedade, ou, quando for o caso, em assembleia geral, nas condições legalmente estabelecidas, sendo, em quaisquer circunstâncias, proibido o envio de quaisquer elementos ou informações por correio electrónico, convencional ou de outra natureza, salvo quando o contrário resultar de disposição legal imperativa”.
Artigo
Proibição de Concorrência:
“1 - Os sócios, qualquer que seja a sua participação accionista, não podem, directamente ou por conta ou intermédio de outrem, sem o consentimento do conselho de administração, exercer actividade concorrente com a da sociedade.
2 - Entende-se como concorrentes com a da sociedade qualquer actividade abrangida no objecto desta e que esteja por ela a ser exercida ou que tenha sido deliberada pelos sócios.
3 - No exercício por conta própria inclui-se a participação, por si ou por interposta pessoa, nisso incluindo o cônjuge, em sociedade comercial, qualquer que seja a percentagem da participação no capital ou nos respectivos lucros.
4 - A violação do disposto no presente artigo, além de constituir justa causa de exclusão do sócio, será também fundamento de regularização da situação e o exercício do seu direito de indemnização”.
Artigo
Amortização de Acções
“1. A sociedade pode amortizar acções, no prazo máximo de um ano a contar da ocorrência do facto que fundamenta a amortização, nos termos do disposto no art.º 347º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais, nos casos seguintes:
a) Quando o accionista viole o disposto no art.º (proibição de concorrência) destes estatutos;
b) Quando o accionista viole outros direitos ou obrigações sociais, legais ou estatutárias, designadamente quando, com base em conhecimentos tendo por fonte as assembleias gerais e os documentos nelas discutidos e ou o exercício do direito de informação, ou outra fonte, divulgue em público ou perante terceiros quaisquer aspectos respeitantes à actividade da sociedade;
c) Quando o accionista transmita, total ou parcialmente, as suas quotas, com violação do disposto no artigo oitavo destes estatutos;
d) Quando, na partilha subsequente a divórcio, simples separação ou separação judicial de bens de qualquer accionista as respectivas acções não lhe ficarem a pertencer na totalidade.
e) Quando, na partilha em vida ou por morte de algum accionista, as respectivas acções ficarem a pertencer a algum herdeiro que não seja accionista.
f) No caso de insolvência, interdição ou inabilitação do respectivo titular;
g) Quando as acções tiverem sido dadas em garantia sob qualquer forma, designadamente através de penhor, bem como quando tenham sido objecto de penhor ou arresto, ou de qualquer outra diligência cautelar, ou quando, por qualquer razão, estejam sujeitas a venda ou adjudicação judiciais.
h) Quando o titular das acções dificulte ou perturbe o regular andamento da actividade e dos negócios da sociedade ou promova o seu descrédito.
2. Nos casos referidos nas alíneas a), b), c), f), g), e h) do antecedente número um, as respectivas acções são necessariamente amortizadas pela sociedade pelo valor nominal das mesmas, salvo regime imperativo diverso.
3. Nos casos referidos nas alíneas d) e) do antecedente número um, as respectivas acções são necessariamente amortizadas pela sociedade pelo valor que lhes corresponder segundo o último balanço aprovado e com a observância das seguintes regras:
a) Independentemente da concretização da amortização no momento estatutariamente previsto e do depósito da respectiva contrapartida, o titular da acções amortizadas tem o direito de amortizar as acções e de, sempre antes do pagamento, comunicar que não aceita o valor e solicitar que o mesmo seja calculado nos termos da lei, por Revisor Oficial de Contas designado por mútuo acordo, ou, na falta deste, pela Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, também a pedido dele, a formular no prazo máximo de vinte dias, sob pena de caducidade do direito em causa;
b) Se ocorrer a comunicação prevista na alínea anterior, o titular das acções amortizadas tem o direito de, desde logo, levantar da L... o montante da contrapartida aí depositado.
4. Nos casos previstos na al. g) do ponto um, considera-se feita a amortização pelo depósito da respectiva quantia na G... à ordem da entidade judicial que tenha ordenado as referidas providências ou actos.
5. Nos demais casos, a amortização considera-se feita na data da deliberação, sendo o pagamento da contrapartida feito por depósito na L..., constituindo- se a sociedade fiel depositária da mesma para entregar ao titular das quotas amortizadas.
6. O titular das acções a amortizar não tem direito de voto na deliberação que aprove a respectiva amortização”.
H. A Assembleia Geral extraordinária teve lugar no dia e hora designados, na qual o A esteve presente.
I. Submetidos a votação os descritos pontos da ordem de trabalhos, foram todos aprovados pelos votos dos accionistas presentes, com excepção do A que votou contra.
J. O A, sua mãe e seus irmãos, são os únicos accionistas da Ré, tratando-se a Ré de uma empresa de natureza familiar.
K. À semelhança do que sucede com outras sociedades comerciais fundadas pelo pai do A, das quais são os mesmos os únicos detentores do capital social, no caso, das H..., Lda., I..., SA., J..., Lda., K..., Lda.
L. Após o falecimento do pai do A ocorreram desavenças familiares que afastaram o A da sua mãe e irmãos (actuais membros do Conselho de Administração da Ré).
M. Tendo passado a existir um desentendimento absoluto entre o A e os demais accionistas.
N. Ao A, enquanto trabalhador da sociedade Ré, foi-lhe instaurado um processo disciplinar que culminou com o seu despedimento, actualmente em discussão em acção de impugnação de regularidade e licitude do despedimento.
O. Relativamente às outras sociedades referidas, os accionistas da Ré desencadearam igual procedimento, tendo convocado o A para assembleias gerais extraordinárias em cada uma das sociedades com ordem de trabalhos idêntica.
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Factos não provados.
Com relevância para a boa decisão da causa e de carácter não conclusivo, não resultou provado que:
a. Em execução de um plano que os accionistas – mãe e irmãos do A – engendraram estes têm tentado afastar o A da actividade das várias sociedades.
b. A pretensão de introdução de novos artigos no pacto social referentes às matérias de “proibição de não concorrência” e “amortização de acções” visa impedir o A de exercer qualquer actividade comercial, compatível com a sua experiência de mais de 30 anos.
c. E visa conseguir a amortização das acções de que o A é titular, de forma fácil e a baixo custo, afastando-o definitivamente da sociedade.
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Questão prévia:
Como todos já vimos, nas suas alegações de recurso a ré/apelante requer a junção aos autos de duas certidões da Conservatória do Registo Comercial de Oliveira de Azeméis, segundo as quais se comprova o teor integral do seu Pacto Social, aprovado aquando da transformação da sociedade em sociedade anónima, Pacto esse que se manteve em vigor até à data da assembleia geral em causa nos presentes autos.
Ora todos sabemos que os documentos são meio de prova, tendo como finalidade a demostração da realidade de factos (artigo 341º do Código Civil).
Por esse motivo, a lei exige que os documentos devam, por regra, acompanhar os respectivos articulados onde se alegue o facto respectivo (artigo 423º, nº 1 do CPC).
Se não forem juntos com o articulado respectivo, dispõe o nº 2 do artigo 423º do CPC, que os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
No caso em análise, é manifesto que a sua junção não ocorreu no prazo aludido anteriormente, mas já após o encerramento da audiência de discussão e julgamento, mais concretamente na fase de recurso.
Como se sabe a fase de recurso “não é naturalmente ajustada à apresentação ou produção de novos meios de prova, antes à reapreciação dos anteriormente apresentados” (cf. Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil-Novo Regime, Coimbra, 2010, pág. 312, à luz do Código de Processo Civil de 1961 mas que mantém inteira pertinência, uma vez que o regime da apresentação de documentos no Código de Processo Civil de 2013 se mantém essencialmente idêntico).
Ou seja, a instrução do processo deve fazer-se, em princípio, na primeira instância, onde devem ser produzidos todos os meios de prova designadamente a prova documental, pelo que a faculdade de apresentar documentos com a alegação é de natureza excepcional.
Resulta, pois, com clareza que é manifestamente extemporânea a apresentação dos mesmos nesta fase processual.
Porém o nº 3 do artigo 423º do CPC estatui que “[a]pós o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”.
Tal normativo deve ser conjugado com o artigo 424º do mesmo diploma legal, cujo refere que “[a] apresentação de documentos nos termos do disposto no nº 3 do artigo anterior não obsta à realização das diligências de produção de prova, salvo se, não podendo a parte contrária examiná-los no próprio ato, mesmo com suspensão dos trabalhos pelo tempo necessário, o tribunal considerar o documento relevante e declarar que existe grave inconveniente no prosseguimento da audiência.”
Daqui resulta, conforme já resultava do artigo 523º, nº2 do anterior CPC, que os documentos terão de ser, nesta excepcional situação, apresentados até ao encerramento da discussão em 1.ª instância e nunca após o encerramento da audiência e muito menos após a resposta à matéria de facto dada pela 1ª instância.
Aliás, e tanto é assim, que o artigo 425º do CPC dispõe que “[d]epois da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
Ora como todos aceitam a fase de recurso não é naturalmente ajustada à apresentação ou produção de novos meios de prova, antes à reapreciação dos anteriormente apresentados.
E isto porque a instrução do processo faz-se, em princípio, na primeira instância, onde devem ser produzidos todos os meios de prova designadamente a prova documental, pelo que a faculdade de apresentar documentos com a alegação é de natureza excepcional.
Como escreve Antunes Varela (RLJ, Ano 115,º, pág. 95 e seguintes):
“A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos da impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido em 1ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.
Todos sabem, com efeito, que nem o Juiz nem o Colectivo se podem utilizar de factos não alegados pelas partes (salvo o disposto nos artigos 514º e 665º do CPC). Mas que podem, em contrapartida, realizar todas as diligências probatórias que considerem necessárias à averiguação da verdade sobre os factos alegados (artigos 264º nº3, 535º, 612º etc.) e que nem o juiz nem o tribunal se têm de cingir, na decisão da causa, às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação ou aplicação das regras de direito (art.º 664º - 1ª parte).
A decisão de 1ª instância pode por isso criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam. Só nessas circunstâncias a junção do documento às alegações da apelação se pode legitimar à luz do disposto na parte final do nº 1 do art.º 706º do CPC.
Já no Código de Processo Civil actualmente em vigor, (…) regem sobre esta matéria os artigos 425.º – segundo o qual “[d]epois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento” – e 651.º, n.º1 – este último prescrevendo que “[a]s partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.
Perante tais regras, o que se pois concluir é o seguinte:
O legislador, na última parte do nº1 do actual art.º 651.º, ao permitir às partes juntar documentos às alegações no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância “quis cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida, significando o advérbio «apenas», inserto no segmento normativo em causa, que a junção só é possível se a necessidade era imprevisível antes de proferida a decisão em 1ª instância”.
Assim, a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam.
Ora é manifestamente o que ocorre nos autos, como já de seguida veremos.
Assim e como todos já vimos, na sentença recorrida ficou decidido o seguinte:
"A cláusula ínsita no nº 1 do art.º 13º do pacto social é, assim, nula, por violação do art.º 56º, nº 1, d), in fine, do CSC.”.
Sabemos igualmente, que neste seu recurso a ré/apelante questiona a justeza de tal segmento da decisão recorrida.
No entanto, só é possível apurar quais os concretos pontos alterados, confrontando a redacção anterior do art.º 13º com a sua redacção final aprovada nesta assembleia.
Ora como bem afirma a ré/apelante nas suas alegações de recurso, “as diferenças entre o texto anterior e o texto ora considerado aprovado dar-nos-ão, com segurança, quais as alterações a que houve lugar”.
Não restam dúvidas que o texto que foi aprovado já consta do processo (cf. a alínea F) dos factos provados).
No entanto, nos autos não consta o teor do texto anterior do mesmo art.º13º, podendo no entanto conhecer-se qual o seu conteúdo com recurso ao que consta do Registo Comercial.
Ou seja, apreciar e decidir os fundamentos do presente recurso justifica-se a junção aos autos da certidão emitida pelo Registo Comercial, comprovando qual a redacção do artigo 13º, anteriormente às deliberações de alteração tomadas na assembleia geral em causa.
Em suma, estamos pois perante uma situação que pode e deve ser enquadrada na previsão legal do art.º425º do NCPC, razão pela qual e sem mais, se defere a junção aos autos pela ré/apelante dos documentos que constam de fls.134 v a 151.
Cumpre pois apreciar agora a 1ª das questões suscitadas e acima melhor identificadas e que é a da nulidade por omissão de pronúncia da sentença recorrida.
Como já ficou referido na sua petição inicial, o autor/apelado pede que seja declarada a nulidade das deliberações tomadas na assembleia geral em causa, sendo os fundamentos para tal pedido os que constam dos artigos 12º a 16º desse mesmo articulado.
Para além disso e no caso de ser entendido que a invalidade de que as referidas deliberações padecem é a anulabilidade, pede também que seja declarada a anulabilidade das mesmas.
Conforme se verifica da leitura mais atenta da petição inicial, do conteúdo da acta da Assembleia Geral Extraordinária da Sociedade (cf. fls.40 v e seguintes), e, também do que foi feito constar nas alíneas E., F., G., H. e I. dos Factos Provados, na mesma assembleia geral foi também deliberada a alteração da redacção dos artigos 2º e 7º do pacto social, e, além disso, o aditamento do artigo 25º, respeitante ao "Direito de Informação".
Ora, o autor/apelado no pedido que formulou, também pede a declaração de nulidade ou de anulabilidade desses artigos 2º, 7º e 25º.
No entanto, o que se constata é que na sentença recorrida e apesar do que a tal propósito ficou a constar na matéria provada, o certo é que não foi emitida pronúncia sobre o referido pedido do autor/apelado.
Como todos sabem, no art.º615º, nº1, alínea d) do CPC, está prevista a nulidade da sentença nos casos em que o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devia apreciar.
Estamos aqui perante as situações a que o Prof. Alberto dos Reis chama de “omissão de pronúncia” e que consistem no facto de a sentença não se pronunciar sobre questões de que o tribunal devia conhecer, por força do disposto no anterior art.º660º, nº2 (actual 608º, nº2) (cf. Código de Processo Civil anotado, volume V, pag.142).
Assim e como ali se refere “impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Ora nos autos a procedência ou improcedência da questão relativa à eventual nulidade ou anulabilidade das deliberações que alteraram a redacção dos artigos 2º e 7º e introduziram o artigo 25º, foi inequivocamente submetida ao tribunal, devendo por isso ter sido apreciada e decidida pelo Tribunal “a quo”, atento o disposto no supra referido art.º 608º do CPC.
Deste modo e resultando claro que na sentença recorrida tal questão não foi objecto de pronúncia quer em termos de fundamentação quer em termos de decisão, incorreu-se pois na nulidade da sentença prevista na alínea d) do nº 1 do art.º 615º do CPC, o que desde já se declara.
De todo o modo, no caso importa recorrer à “regra de substituição ao tribunal recorrido” prevista no art.º665º do CPC, conhecendo também nesta parte e nos termos do seu nº1, do recurso aqui interposto, decidindo a seu tempo, se a nova redacção dos artigos 2º e 7º e o novo artigo 25º deve considerar-se válida incorporando-se nos estatutos da sociedade ou se a mesma deve ser anulada.
Importa agora apreciar e decidir da existência ou da inexistência de razões para a declaração de nulidade da nova redacção do nº1 do art.º13º do Pacto Social da Ré.
Ora como todos sabemos estão agora juntas aos autos duas certidões da Conservatória do Registo Comercial de Oliveira de Azeméis, as quais conjugadas com a certidão da mesma Conservatória que já se encontrava junta a fls.9 e seguintes, comprovam o teor integral do seu Pacto Social aprovado quando a sociedade foi transformada em anónima, em 1999, Pacto esse que se manteve em vigor até à altura em que se realizou a Assembleia Geral Extraordinária que aqui se aprecia.
Assim, de tais elementos documentais resulta que era seguinte a redacção do art.º 13º dos estatutos da ré/apelante, imediatamente antes da alteração objecto de deliberação da mesma Assembleia:
“1-Os accionistas com direito a voto poderão fazer-se representar nas assembleias-gerais pelos membros do Conselho de Administração ou por outros accionistas com direito a voto, ou por cônjuge, ascendente ou descendente bastando para a prova de representação uma carta devidamente assinada, dirigida ao presidente da mesa da assembleia-geral, até à véspera do dia designado para a reunião.
2-A assembleia-geral funcionará validamente em primeira convocatória se estiverem presentes ou representados accionistas que detenham acções correspondentes a mais de metade do capital social.
3-Em segunda convocação a assembleia pode deliberar validamente seja qual for o número de accionistas presentes e o quantitativo de capital a que as respectivas acções correspondem.
4-A validade das deliberações depende tão só de serem tomadas por maioria absoluta dos votos presentes ou representados, salvo os casos das deliberações em que a lei ou disposições deste contrato exijam outra maioria.”
Da análise comparativa entre esta redacção do art.º 13º do Pacto Social anterior e a que resultou da deliberação de 30.09.2016, o que retira é o seguinte:
a) O texto do nº 1 desse artigo é exactamente o mesmo, quer antes quer depois da assembleia, ou seja, não foi objecto de qualquer alteração;
b) O texto dos nºs 2 e 4 manteve-se também exactamente o mesmo e, portanto, sem qualquer alteração,
c) Ao texto do nº3 foi acrescentada a parte final "salvo quando estiver em causa a alteração dos estatutos",
d) Foi acrescentado o nº5.
Tem pois razão a ré/apelante quando afirma que a única alteração ao texto anterior do art.º 13º foi no sentido de tornar exigível a maioria de 75% do capital social para as deliberações que visem a alteração dos estatutos.
E mais também quando defende que a alteração então aprovada, nada teve a ver com a credenciação dos accionistas em assembleia geral, matéria a qual já tinha sido regulada em idênticos termos aquando da transformação da sociedade em sociedade anónima, alteração esta que foi então o resultado da vontade de todos os sócios, entre os quais e muito naturalmente se incluía o próprio autor aqui apelado, o qual outorgou e subscreveu a escritura pública na qual o referido Pacto Social foi aprovado.
Ou seja, contrariamente ao que agora pretende fazer crer, o autor/apelado não podia ignorar que a redacção do nº1 do art.º 13º que agora quis pôr em causa nos artigos 12º e 13º da sua petição inicial é em tudo idêntica á que está em vigor desde o ano de 1999.
Em suma, a pretensão do autor/apelante mais não fez do que induzir em erro a Sr.ª Juiz “a quo”, levando esta a considerar nula uma cláusula estatutária que já vigorava (por vontade de todos os sócios) há mais de 30 anos e que de facto não foi objecto de qualquer alteração na Assembleia Geral Extraordinária de 30.09.2016.
A ser deste modo, só resta concluir que não existe fundamento para decidir pela nulidade por violação do disposto no art.º56º, nº1, alínea d) do CSC, de tal “deliberação”.
Impõe-se por isso que nesta parte se conceda provimento ao recurso da ré/apelante e se revogue em conformidade o que a propósito do referido art.º13º, nº1 ficou então decidido.
Importa agora apreciar e decidir a 3ª questão colocada pela ré/apelante neste seu recurso.
Assim e como antes já sabemos, tal questão reconduz-se à validade/invalidade dos (novos) artigos 26º e 27º do Pacto Social da ré C..., S.A.
Ora já ficou visto que na acção o autor/apelado veio impugnar a deliberação pela qual se introduziram no Pacto Social dois novos artigos, o 26º (proibição de concorrência) e o 27º, (amortização de acções).
E que o mesmo funda este seu pedido nas seguintes razões:
1ª) Que tais alterações visaram apenas impedir-lhe o acesso ao trabalho e ao exercício de qualquer actividade para a qual tem capacidade, conhecimentos técnicos e experiência (cf. o art.º 26º da p.i.), que seria isso que os demais accionistas lograriam com estas deliberações, por via da introdução dos novos artigos atinentes às matérias relativas à proibição de concorrência (cf. o art.º 27º), de igual modo conseguindo a amortização das suas acções a baixo custo, afastando-o assim definitivamente da sociedade (cf. o art.º 28º);
2ª) Que tais deliberações violam o princípio da boa-fé, o dever de lealdade e o princípio do interesse social e de igualdade que devem nortear a relação entre os accionistas e modelar o seu direito de voto (cf. o art.º 30º);
3ª) Que tais deliberações seriam assim abusivas, atento o disposto no art.º 58º, nº1 do CSC, por terem sido tomadas com o intuito de obter vantagens especiais para os accionistas que as tomaram (cf. o art.º 33º);
4ª) Que se assim se for entendido, que as mesmas deliberações configurariam sempre um caso de abuso de direito, que de forma expressa também invocam (cf. o art.º 34º).
Na sentença recorrida a Sr.ª Juiz “a quo” acabou por entender que tais fundamentos acabaram por não se provar, fazendo constar de forma expressa o seguinte: "Vertendo aos factos, temos que nem sequer resultou provado que a deliberação tenha sido tomada com o único propósito de prejudicar o A. Assim falece também esta argumentação.".
De qualquer forma e apesar de considerar que não existia fundamento para declarar nula ou anulável a referida deliberação, acabou no entanto, por entender que a mesma estava condicionada na sua eficácia.
Para o efeito, chamou à colação o disposto no art.º 86º, nº2 do CSC, defendendo que com a alteração aprovada se estava a introduzir no Pacto Social (e na relação contratual que o mesmo encerra), uma obrigação para si próprio enquanto sócio accionista, que antes não existia, alteração essa que a supra referida norma não autoriza.
Ora para a ré/apelante ao decidir como decidiu o Tribunal “a quo” introduziu no processo e mais concretamente na sentença uma questão que o próprio autor/apelado não tinha suscitado e com a qual ela própria (ré) não tinha sido confrontada.
E tem razão nesta sua argumentação.
Senão, vejamos:
Resulta claro que o autor/apelado pela forma como formulou o seu pedido e identificou a sua causa de pedir não quis questionar esta alteração de estatutos tendo por base um acréscimo das suas obrigações enquanto accionista da ré.
E isto tendo por base o que antes estava definido pelo Pacto Social original da sociedade.
Antes sim fundamentou a sua pretensão na alegada acção consertada dos restantes sócios de o prejudicarem, de impedirem o seu acesso ao emprego e ao exercício de qualquer actividade (cf. os artigos 26º e 27º da petição inicial), e da violação, através da deliberação em causa, do princípio da boa-fé, do dever de lealdade e do abuso do direito, comportamentos que na sua ideia devem ser integrados no conceito de deliberação abusiva, previsto no art.º 58º, nº1 do CSC.
Tem por isso razão a ré/apelante, quando salienta que tal alegação enquadra uma situação de facto e de direito muito diversa da prevista no nº2 do referido art.º86º do CSC.
Como todos sabemos, ao julgador é possível qualificar diversamente os factos alegados e provados na acção, mas já não pode julgar o litígio com base numa causa de pedir não invocada pelo autor (cf. o art.º 5º do NCPC).
Assim sendo e porque a causa de pedir da presente acção, tal como o autor a configurou na petição inicial, era a já antes aqui melhor identificada (cf. 1ª a 4ª), ao decidir como decidiu o Tribunal “a quo” julgou com base numa causa de pedir diversa da que foi invocada.
Ou seja, a pretensão do autor era conseguir que fosse afastada a deliberação que na sua ideia o impede de exercer actividade concorrente com a da ré, obstaculizando o seu acesso ao emprego e ao exercício de qualquer actividade profissional para a qual está habilitado.
Todos já vimos que o Tribunal “a quo” entendeu que não se provaram factos nesse sentido e que, portanto, essa pretensão não devia proceder.
No entanto, considerou que a referida deliberação tinha no entanto no seu conteúdo a virtualidade de aumentar as obrigações sociais que o próprio autor assumira quando se dispôs a ser accionista da ré.
Ora é consabido que o princípio do dispositivo que continua a vigorar no nosso ordenamento jurídico impede o juiz de decidir com fundamento numa causa de pedir não alegada (por isso se diz que tem de existir coincidência entre a causa de pedir e a causa de julgar), impedindo-o também de condenar em objecto diverso do que se pedir e/ou de apreciar questões não suscitadas pelas partes.
Em suma, ao decidir como decidiu, subsumindo os factos provados na previsão legal do art.º86º, nº2 do CSC, o Tribunal “a quo” julgou com base numa causa de julgar diferente da causa de pedir invocada pelo autor, violando assim o princípio do dispositivo consagrado no artigo 5º do CPC.
Mais, tem razão a ré/apelante quando afirma que a sentença dos autos decidiu sobre coisa diversa da que lhe foi pedida pelo A.
E isto porque é certo que tendo o autor pedido ao Tribunal que declarasse a nulidade das deliberações tomadas, ou, para a hipótese de se entender que a invalidade de que as mesmas padecem é a anulabilidade, que declarasse então a sua anulabilidade, não podia decidir-se, como se decidiu declarando a ineficácia em sentido estrito da deliberação em apreço.
Perante tudo o que acabamos de referir, estão já suficientemente justificadas as razões pelas quais não podia ser declarada a ineficácia em relação ao autor da deliberação tomada na assembleia geral extraordinária da ré realizada em 30.09.2016 e que introduziu o n.º1 da cláusula “Amortização de Acções” no Pacto Social da Ré.
E tudo isto porque como já vimos, não podia o Tribunal “a quo” decidir nos termos do disposto no nº2 do art.º86º do CSC pela ineficácia em sentido estrito de tal cláusula quando o que foi pedido pelo autor foi a nulidade ou a anulabilidade da mesma.
De todo o modo e mesmo que assim não fosse, valem os argumentos agora trazidos aos autos pela ré/apelante e segundo os quais as consequências que decorrem de tal deliberação são em tudo idênticas às que decorrem das regras impostas aos sócios de qualquer sociedade pelos artigos 990º, e 1003º, alínea a) do Código Civil.
A ser assim, não podia pois considerar-se que a consagração do referido nº1 da cláusula 27º violaria as regras previstas no nº2 do art.º86º do CSC.
Por isso também por aqui não poderia declarar-se a sua ineficácia em relação ao autor aqui apelado.
Em suma, merecem acolhimento as razões nas quais a ré/apelante funda o seu recurso, justificando-se por isso que se revogue o que em primeira instância ficou decidido.
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Sumário (cf. art.º663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se procedente o presente recurso de apelação e revoga-se nos seguintes termos a sentença recorrida:
Julga-se improcedente por não provada a acção e, em consequência, absolve-se a ré, C..., S.A. de todos os pedidos que contra si foram formulados pelo autor, B....
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Custas pelo Autor em ambas as instâncias (cf. art.º527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.

Porto, 8 de Março de 2018
Carlos Portela
José Manuel de Araújo Barros
Filipe Caroço