Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1256/20.8T8AMT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: REFORMA DA SENTENÇA
RECLAMAÇÃO
RECURSO DA SENTENÇA
MEIO PROCESSUAL ADEQUADO
CORRECÇÃO OFICIOSA
Nº do Documento: RP202109061256/20.8AMT-A.P1
Data do Acordão: 09/06/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Quando a sentença admitir recurso ordinário, a sua reforma tem de ser requerida nas alegações de recurso e nos demais casos pode ser suscitada perante o tribunal que a proferiu.
II – Como decorre do disposto no artigo 193, n.º 3 do CPC, o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados, mas um requerimento de reclamação que não contenha conclusões é insuscetível de ser aproveitado como recurso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1256/20.8T8AMT-A.P1

Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Mendes Coelho.

Recorrente – B….
Recorrida – C…, SA

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

I - Relatório
1 - Nos autos principais foi proferida sentença que declarou a insolvência de D… e, além do mais, fixou-se o prazo para apresentação das reclamações de créditos.

2 - Foram reclamados e não impugnados, dentro do prazo legalmente estabelecido, e ao abrigo do artigo 128 do CIRE, os créditos constantes da lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e junta aos autos.

3 – Não tendo havido impugnações à lista de credores reconhecidos, foi proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, nos termos do n.º 3 do artigo 130 do Código da Insolvência e recuperação de Empresas (CIRE).

4 – Na referida sentença considerou-se “que não houve impugnações da lista de credores reconhecidos [e], visto que, da análise da mesma, não se verifica existir “erro manifesto”, e atendendo a que “A sentença homologatória de graduação de créditos, não existindo reclamações, só por erro manifesto pode desatender a lista apresentada pelo Administrador.” - Ac. do TRP, de 20.06.2006, in dgsi - cumpre homologar a lista de credores reconhecidos, considerando-se reconhecidos os créditos ali mencionados” e que “Cumpre, então, graduar tais créditos em atenção ao que consta dessa lista, tendo em conta que existem créditos comuns, privilegiados e subordinados e que, de acordo com o auto de apreensão de bens, apenas se encontra apreendido à massa insolvente o seguinte: - quinhão (4/6) sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o n.º 827/19980605 – verba única do auto de apreensão”.

5 – E apreciando, ficou dito na sentença de verificação e graduação de créditos: “(...) O crédito da C…, SA goza de garantia real de hipoteca voluntária sob o prédio urbano cujo quinhão fora aprendido à massa insolvente. A referida hipoteca encontra-se devidamente registada. O crédito ascende a €19.584,42, correspondente ao capital em dívida, sendo o montante máximo assegurado da hipoteca 14.463.200,00 Escudos, isto é, €72.142,14. De igual forma, o crédito de B…, no montante de €21.500,00, beneficia de hipoteca sobre aquele prédio; hipoteca registada pela Ap. AP. 18 de 2003/10/03 - 21.500,00 (que é o montante máximo assegurado pela hipoteca). O remanescente do seu crédito assume a natureza de crédito comum (...). Uma vez que esta hipoteca foi registada posteriormente à hipoteca de que beneficia a C…, S.A., conforme resulta da certidão de registo predial junta ao apenso de apreensão de bens, deverá este crédito de B… ser graduado após o crédito da C…, que beneficia de hipoteca anterior. O saldo remanescente do crédito garantido que não for satisfeito à custa dos bens onerados é incluído entre os créditos comuns, para ser pago pela venda do património geral do devedor (art. 174, n.º 1 do C.I.R.E.). Quanto ao pagamento dos créditos haverá que ter em consideração o disposto nos artigos 174 e 175 do CIRE, ressalvando-se, claro está, as despesas próprias com a liquidação dos bens e as reservas necessárias à satisfação das dívidas da massa, nos termos do artigo 172, n.º s 1 e 2. De notar que o pagamento dos créditos comuns reconhecidos será feito por rateio, na proporção dos seus créditos, se a massa for insuficiente para a respetiva satisfação integral – Cfr., artigo 176 do CIRE. Por fim, e depois de integralmente pagos os créditos garantidos e comuns, serão pagos os créditos subordinados, nos termos do disposto no artigo 177 do CIRE. Uma vez que fora proferido despacho de exoneração do passivo restante, e nos termos do art. 241, n.º 1, al. d), do CIRE, e caso venha a existir rendimento a ceder, importa proferir sentença de graduação de créditos para efeitos de distribuição do rendimento que cedido durante o período de cessão de rendimentos. Para este efeito, há que ter presente que as dívidas da massa insolvente saem precípuas, - art. 172, n.ºs 1 e 2, do CIRE. Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos comuns e em seguida aos créditos subordinados.”

6 – E procedeu-se à graduação dos créditos da seguinte forma: “- Do produto da liquidação dos bens apreendidos serão pagas em primeiro lugar as dívidas da massa insolvente, previstas no artigo 51 do CIRE, designadamente as custas do processo apensos, bem como as despesas de liquidação, incluindo a remuneração e despesas do Sr. Administrador da Insolvência (artigos 46, n.º 1 e 172 do CIRE); - Relativamente à verba única do auto de apreensão (quinhão (4/6) sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o n.º 827/19980605): 1) em primeiro lugar deverá pagar-se o crédito da C…, SA, no montante de € 19.584,42 (correspondente a capital), não podendo os juros ser superiores a três anos; 2) em segundo lugar deverá pagar-se o crédito de B…, no montante de € 21.500,00, ascendendo o remanescente do crédito a natureza comum; 3) Do remanescente, se o houver, dar-se-á pagamento aos créditos comuns reconhecidos, a solver por rateio, na proporção dos seus créditos. 4) Depois de integralmente pagos os créditos garantidos e comuns, serão pagos os créditos subordinados, em conformidade com o disposto no artigo 177 do CIRE”.

7 – Notificado da sentença, o credor B…, veio requerer a sua retificação “excluindo como credora da insolvente a C…, SA, por tal crédito apenas ser um crédito da herança do falecido marido da insolvente” e, para tanto, alegou: “Foi proferida sentença homologatória de graduação de créditos, por não terem sido apresentadas reclamações à lista apresentada pela Sra. Administradora. O requerente desconhece os termos das reclamações de créditos apresentadas e os documentos que a elas deram origem, bem como os motivos dos créditos constantes da lista de credores reconhecidos, elaborada pela Sra. Administradora da insolvência. Apenas na sentença proferida, constatou que foi graduado em primeiro lugar “o crédito da C…, SA, no montante de 19.584,42€”. Porém, o crédito da C… teve origem no mútuo com hipoteca e fiança celebrado a 14.01.1999, com E…, solteiro, maior (falecido marido da insolvente). A insolvente não contraiu nenhum crédito à C… pelo que, salvo o devido respeito, não é devedora a esta. A C…, SA não é credora da insolvente - apenas credora hipotecária da herança de E… - e o imóvel objeto de garantia não integra a massa insolvente. A C… apenas é credora da herança de E…, crédito que já reclamou no processo de execução 3788/03.3TBPRD, a correr termos no Juízo de Execução de Lousada- Juiz 1, e onde irá obter pagamento - doc. 1 e 2 que se encontram juntos à reclamação de créditos apresentada. Entende, salvo melhor opinião que existe erro manifesto na lista de credores reconhecidos elaborada pela Sra. Administradora da insolvência, a qual não devia ser atendida, naqueles termos, na sentença de graduação de créditos proferida”.
8 – Pronunciando-se sobre o requerimento antes aludido, o tribunal proferiu o seguinte despacho: “Indefere-se o requerido, por manifesta falta de fundamento legal. Com efeito, em matéria de reconhecimento e graduação de créditos neste apenso de reclamação de créditos encontra-se esgotado o poder jurisdicional – art. 613, n.º 1, CPC, ex vi art. 17 CIRE. Por outro lado, há muito que já decorreu o prazo de impugnação à Lista de Créditos reconhecidos, previsto no art. 130 CIRE, sendo manifestamente intempestiva a impugnação do crédito da C… no presente momento, seja quanto à sua existência, seja quanto à sua natureza garantida”.

II – Do Recurso
9 – Inconformado com o despacho transcrito em 8., o recorrente veio dele apelar para esta Relação, apresentando as seguintes Conclusões:
………………………….
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10 – Não tendo havido resposta ao recurso, o mesmo foi recebido e, subidos os autos a esta Relação, foram dispensados os Vistos, atenta a simplicidade da apelação e a natureza urgente dos autos.

11 – O objeto da apelação – apelação que versa sobre o despacho de 9.04.2021, como o recorrente expressamente refere -, tendo em conta as conclusões apresentadas, consiste em saber se o aludido despacho padece de nulidade, por falta de fundamentação, e em violação do disposto no artigo 608, n.º 2 do Código de Processo Civil e nas alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 615 do mesmo diploma legal.

III – Fundamentação
III.II – Fundamentação de facto
12 – Os factos constantes do relatório que antecede mostram-se bastantes à apreciação do recurso.

III.II – Fundamentação de Direito
13 – Notificado da sentença de verificação e graduação dos créditos, o apelante veio dela reclamar perante o tribunal recorrido, pretendendo a sua reforma/alteração e, por esta, o não reconhecimento e graduação do crédito aí reconhecido e graduado à C…, invocando, para tanto, a existência de um “erro material de facto e de direito”.

14 – O tribunal recorrido proferiu despacho a indeferir o requerido porque “em matéria de reconhecimento e graduação de créditos neste apenso de reclamação de créditos encontra-se esgotado o poder jurisdicional – art. 613, n.º 1, CPC, ex vi art. 17 CIRE”, tendo ainda acrescentado que há muito “decorreu o prazo de impugnação à Lista de Créditos reconhecidos, previsto no art. 130 CIRE, sendo manifestamente intempestiva a impugnação do crédito da C… no presente momento, seja quanto à sua existência, seja quanto à sua natureza garantida”.

15 – A sentença de verificação e graduação dos créditos, proferida nos autos, admitia recurso ordinário e, quando assim é (artigo 616, n.º 2 do CPC) a reforma da sentença “deve ser requerida nas alegações de recurso, apenas se admitindo que seja suscitada perante o juiz a quo nos demais casos, regime com o qual se pretendeu obstar a que fossem deduzidos incidentes com o mero objetivo de dilatar o prazo para a interposição de recurso e apresentação das correspondentes alegações”[1]

16 – No enquadramento que antecede, ou seja, devendo o apelante recorrer da sentença de verificação e graduação de créditos, se pretendia a sua modificação, não se vê como padeça o despacho recorrido dos vícios (falta de fundamentação e omissão de pronúncia) que o apelante lhe imputa.

17 – O despacho mostra-se fundamentado, na medida em que esclarece a razão da não pronúncia, pelo tribunal da primeira instância, sobre a pretensão de reforma formulada pelo recorrente: esgotamento do poder jurisdicional, em razão do disposto no n.º 1 do artigo 613 do CPC, que expressamente cita.

18 – Efetivamente, sendo possível o recurso da sentença, e atenta a pretensão do apelante, o esgotamento do poder jurisdicional não se mostra excecionado, uma vez que há que conjugar o disposto no n.º 2 do artigo 613 do CPC com o disposto no n.º 2 do artigo 616 do mesmo diploma legal.

19 – E, sendo assim, não há omissão de pronúncia (artigo 615, n.º 1, alínea d) do CPC), quando o tribunal esclarece a razão da não pronúncia.

20 – Por outro lado, não se vê que factualidade haveria de ser acrescentada ao despacho, quando o seu sentido decorre imediatamente da lei e, por esta, se funda no facto de o apelante ter reclamado, ao invés de ter recorrido da sentença. Também não ocorre, por isso, a alegada nulidade, prevista na alínea b) do n.º 1 do citado artigo 615 do CPC.

21 – Diga-se, por último, que sempre podia equacionar-se a eventual existência de erro na forma do processo e, nessa medida, a possibilidade de convolação do requerimento de reclamação em requerimento de interposição do recurso, ainda na primeira instância.

22 - Efetivamente, “Nos termos do disposto no nº 3, do artigo 193º, do Código de Processo Civil, o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados”, previsão legal esta que “tem subjacente a possibilidade de aproveitamento do ato praticado pois que, assim não sendo, o erro cometido é insuscetível de sanação”[2].

23 – Sucede que, no caso presente, não estavam reunidas as condições que permitissem operar essa convolação, uma vez que “O requerimento de arguição de nulidade que não contenha conclusões é insuscetível de ser aproveitado como recurso”[3], no caso como recurso de apelação.

24 – Por tudo quanto ficou dito, entendemos que o recurso do despacho é improcedente.

25 – As custas do presente recurso são da responsabilidade do apelante, atento o seu decaimento.

Dispositivo
Pelas razões ditas, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a presente apelação, nada havendo a alterar ao despacho recorrido.

Custas pelo apelante.

Porto, 6.09.2021
José Eusébio Almeida
Carlos Gil
Mendes Coelho
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[1] António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, pág. 739.
[2] Citamos o sumário do recente acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 12.07.2021, relatado pelo Desembargador Carlos Gil, aqui primeiro Adjunto [processo n.º 3033/17.4T8GDM.P1, in dgsi].
[3] Continuamos a citar o acórdão referido na nota anterior.