Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
15923/17.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ IGREJA MATOS
Descritores: COMPRA E VENDA
VÍCIOS DA COISA
VENDA POR INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
CONSUMIDOR
Nº do Documento: RP2020011415923/17.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 01/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A venda, por uma instituição bancária, de fracções autónomas de edifício em número superior à dezena, cuja propriedade esta adquiriu de um devedor mediante dação em pagamento, deve considerar-se compreendida no seu objecto com a consequente aplicação do regime jurídico de defesa do consumidor.
II - A tais vendas deve, pois, aplicar-se o regime previsto no Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08.04, alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21.05.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 15923/17.0T8PRT.P1
I – Relatório
Recorrente(s): “Banco B…, SA”
Recorrido(s): “Condomínio do prédio sito no C…, e C1…”,
Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Central Cível do Porto.
*****
O “Condomínio do prédio sito no C… e C1…”, …, Gondomar; “D… – Mediação Imobiliária, Ldª”, com sede na rua …, nº .., Maia; E…, residente na rua …, nº …, …, Gondomar; F… e esposa, G…, residentes na rua …, nº …, …, Gondomar; H… e marido, I…, residentes na rua …, nº …, …, Gondomar; J… e esposa, K…, residentes na rua …, nº …, …, Gondomar; L… e esposa, M…, residentes na rua …, nº …, …, Gondomar; N… e esposa, O…, residentes na rua …, nº …, …, Gondomar; P…, residente na rua …, nº …, …, Gondomar; Q…, residente na rua …, nº …, …, Gondomar; e S… e esposa, T…, residentes na rua …, nº …, …, Gondomar; intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra o “Banco B…, SA”, com sede na Praça …, nº .., Porto.
Alegaram os autores, em súmula, na petição inicial, que o réu adquiriu o imóvel em causa nos autos por dação em cumprimento à empresa que o construiu, altura em que o prédio se encontrava ainda em fase de construção. Foi o réu a levar a cabo as obras de conclusão do prédio, e, posteriormente, entre 26 de Abril de 2013 e 30 de Janeiro de 2017, procedeu à venda aos autores das fracções autónomas no estado de novas. No decurso do ano de 2016, as partes comuns do edifício e as fracções autónomas adquiridas pelos autores começaram a evidenciar defeitos e anomalias que descrevem, até então desconhecidos dos autores. Procederam à denúncia dos referidos defeitos ao réu sendo que, para reparação dos vícios detectados, os autores terão de despender €42.600,00 além dos danos não patrimoniais para cuja compensação entendem adequada a quantia global de €16.500,00.
Concluem pedindo a condenação do réu a:
a) reparar, por si ou à sua custa, os vícios e defeitos existentes nas partes comuns e fracções autónomas que vendeu aos autores, bem como todos os vícios que vierem a notar-se no seguimento de tais reparações;
b) em alternativa, caso o réu não proceda a tal eliminação, pedem a sua condenação no pagamento de €42.600,00, quantia acrescida de juros de mora contados desde a citação e até integral reembolso;
c) pagar aos autores compensação por danos não patrimoniais, no valor global de €16.500,00.
O réu contestou reconhecendo ter adquirido o edifício identificado na petição inicial, em Outubro de 2012, por dação em pagamento, data em que o imóvel estava já concluído e beneficiava de licença de utilização. Nega que o imóvel não se encontrasse já concluído no momento em que o réu o adquiriu.
Impugna os vícios invocados pelos autores, e o custo de reparação que indicam.
Reconhece ter vendido aos autores as fracções autónomas identificadas na petição inicial, mas alega desconhecimento, sem culpa, quanto a qualquer vício daquelas.
Impugna, por desconhecimento, a verificação e extensão dos danos não patrimoniais.
Conclui pedindo a improcedência da acção, ou, se assim se não entender, a redução do valor indemnizatório.
Os autores apresentaram novo articulado, no qual, em súmula, afirmam que todos os autores pretenderam destinar as fracções por si adquiridas à sua habitação própria e permanente, reafirmando que os apartamentos apresentam defeitos diversos e que foi o réu a proceder à conclusão da construção do edifício, tendo conhecimento dos vícios que apresentava. Mantêm, pois, o peticionado.
Foi proferido despacho saneador, procedeu-se à fixação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova, não tendo sido apresentada qualquer reclamação.
Tramitado o processo, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento.
Foi proferida sentença, a qual ora se transcreve na sua parte dispositiva:
Decisão:
Pelo exposto,
I - Julgo a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência, condeno o réu “Banco B…, SA”, a proceder à reparação dos vícios identificados nos pontos 20- a 25- e 27- a 29- da matéria de facto provada, existentes nas partes comuns e fracções autónomas designadas pelas letras “C”, “D”, “G”, “H”, “I”, “M”, “N” e “P”, do edifício sito C…, e C1…”, …, Gondomar;
II - Julgo a presente acção improcedente na parte restante. Custas a cargo de autores e réu, na proporção de ½ para cada – artigo 527º do Código de Processo Civil.
*
Inconformado o réu B…, S.A. deduziu o presente recurso relativamente a tal decisão onde formula as seguintes conclusões:
I. A decisão proferida no caso enferma de erro na determinação da norma aplicável.
II. Foi julgado no sentido de ao presente caso ser aplicável «um regime jurídico complexo, integrado pelas normais gerais do direito civil (artigos 874 a 938.º, todos do Código Civil), pelas normas especiais constantes da Lei nº 24/96, de 31 de Julho, e pelas normas especialíssimas estabelecidas pelo Decreto-Lei nº 67/2003, de 08 de Abril
III. Ficou dado como provado que a Recorrente recebeu de terceiro, por dação em pagamento, um edifício concluído, e nessa sequência, vendeu diversas frações autónomas que o integram. Mais ficou provado que a Recorrente não construiu, modificou ou reparou o imóvel.
IV. A Recorrente dedica-se à atividade bancária, tendo como objeto social «actividade bancária com a latitude consentida pela lei».
V. A Recorrente procede às operações contidas no art. 4.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, que aprovou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
VI. No âmbito da sua atividade, a Recorrente não se dedica, nem pode dedicar à venda de bens imóveis, como atividade profissional e com escopo lucrativo.
VII. Discorda-se, com a devida vénia, do entendimento do tribunal a quo quanto à aplicação ao caso do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril.
VIII. Conforme resulta do artigo 112.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, que estabelece o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), as instituições de crédito não podem adquirir imóveis que não sejam indispensáveis à sua instalação e funcionamento ou à prossecução do seu objeto social.
IX. Esta limitação apenas poderá ser ultrapassada relativamente às aquisições em reembolso de crédito próprio, conforme resulta do artigo 114.º do referido diploma que regula a atividade das Instituições de Crédito.
X. Ainda assim, os Bancos têm de vender esses imóveis, pois a lei não permite que eles figurem nos seus balanços além do tempo legal.
XI. Não é possível concordar com a douta sentença recorrida quando conclui que a aquisição de imóveis se inclui na prossecução do objeto social da instituição bancária.
XII. Essa atividade [venda de bens imóveis] é acessória e funcional à prossecução do objeto social - não estrutural -, e ligada da atividade bancária, isto é, às operações de crédito, visando recuperar crédito vencido e não pago.
XIII. Da certidão permanente da Recorrente consta no seu objeto social: “actividade bancária com a latitude consentida pela lei”.
XIV.O Banco Recorrente não promove as vendas para delas tirar benefício, rectius, lucro, mas apenas para recuperar créditos concedidos. Ou seja, atividade essa com a latitude consentida pela lei.
XV. Atividade essa, que de resto, tem um C.A.E. próprio!..
XVI. Em conclusão, não é aplicável à Recorrente a disciplina contida no Decreto-Lei n.º67/2003, de 8 de abril, mas sim o regime previsto no art. 913.º e seguintes do C.C.
XVII. No entanto, o art. 914.º do C.C. disciplina: “O comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a substituição dela; mas esta obrigação não existe, se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece”.
XVIII. Da matéria de facto dada como provada consta no ponto 35-: “No momento da outorga dos negócios referidos em 3- a 16- o réu “Banco B…, SA”, desconhecia os factos referidos em 20- a 29- (…)”.
XIX. Acresce que, de outras passagens da sentença, verifica-se o entendimento do tribunal a quo no sentido de a Recorrente desconhecer, sem culpa, os vícios do imóvel.
XX. Por todo o exposto, ao contrário do decidido pelo douto tribunal a quo, a Recorrente não se dedica com carácter profissional e com escopo lucrativo à venda de imóveis, pelo que não lhe deverá ser aplicável o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de abril, mas sim, exclusivamente, o regime geral da venda de coisa defeituosa, previsto no art. 913.º e seguintes do C.C., e como tal, a Recorrente não deverá ser considerada responsável perante os Recorridos, uma vez que desconhecia, sem culpa, os vícios dos quais o imóvel dos autos veio a sofrer, devendo, como tal, o douto tribunal a quem decidir nessa conformidade.
XXI. É entendimento da Recorrente que mal andou o tribunal a quo, o que justifica o presente recurso, pelo que, no interesse da realização da justiça, deve ser a sentença revogada e substituída por outra que julgue a ação improcedente e ordene a absolvição da Recorrente.
Termina o recorrente requerendo que seja concedido provimento ao presente recurso e se revogue a sentença recorrida.
Houve contra-alegações onde se peticiona a improcedência do recurso deduzido.
*
II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;
O objecto do recurso é delimitado pelas alegações e decorrentes conclusões, não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam.
No caso cumpre apreciar a seguinte questão:
Da aplicabilidade do regime jurídico de protecção do consumidor, em particular do que resulta do Decreto-Lei n.º 67/2003 às instituições de crédito;
Apenas caso se conclua pela resposta negativa à primeira questão suscitada dever-se-á apurar ainda da aplicação da presunção de culpa relativamente ao cumprimento defeituoso que onera o recorrente.
III - Factos Provados
Encontram-se demonstrados os seguintes factos:
1- O edifício sito no C…, e C1…, Gondomar, com 4 pisos e logradouro, com 19 fracções autónomas designadas pelas letras “A” a “S”, descrito na conservatória do registo predial sob o nº 3596/20050909, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 12513º, mostra-se constituído em regime de propriedade horizontal desde 28 de Setembro de 2012.
2- Concluída a construção do edifício referido em 1-, foram requeridas e concedidas as licenças de utilização das fracções, emitidas pela Câmara Municipal de Gondomar a 26 e 27 de Janeiro de 2012.
3- Por compra e venda levada ao registo a 21 de Junho de 2013, o réu “Banco B…, SA”, vendeu a J… e K… a fracção autónoma designada pela letra “C” do prédio referido em 1-, correspondente ao rés-do-chão direito, com entrada pela C….
4- Por compra e venda levada ao registo a 14 de Junho de 2013, o réu “Banco B…, SA”, vendeu a L… e M… a fracção autónoma designada pela letra “D” do prédio referido em 1-, correspondente ao 1º andar esquerdo, com entrada pela C….
5- Por compra e venda levada ao registo a 24 de Agosto de 2013, o réu “Banco B…, SA”, vendeu a U… e a V… a fracção autónoma designada pela letra “F” do prédio referido em 1-, correspondente ao rés-do-chão esquerdo, com entrada pela rua C….
6- Por compra e venda levada ao registo a 30 de Janeiro de 2017, U… e V… venderam à sociedade “W… – Mediação Imobiliária, Ldª”, a fracção autónoma referida em 5.
7- Por compra e venda levada ao registo a 19 de Setembro de 2013, o réu “Banco B…, SA”, vendeu a N… e O… a fracção autónoma designada pela letra “G” do prédio referido em 1-, correspondente ao rés-do-chão direito, com entrada pela C….
8- Por compra e venda levada ao registo a 07 de Outubro de 2013, o réu “Banco B…, SA”, vendeu a S… e T… a fracção autónoma designada pela letra “H” do prédio referido em 1-, correspondente ao 1º andar esquerdo, com entrada pela rua C….
9- Por compra e venda levada ao registo a 01 de Agosto de 2013, o réu “Banco B…, SA”, vendeu a F… e a G… a fracção autónoma designada pela letra “I” do prédio referido em 1-, correspondente ao 1º andar direito, com entrada pela C….
10-Por compra e venda levada ao registo a 01 de Julho de 2013, o réu “Banco B…, SA”, vendeu a U… e a V… a fracção autónoma designada pela letra “J” do prédio referido em 1-, correspondente ao rés-do-chão esquerdo, com entrada pela C….
11-Por compra e venda levada ao registo a 30 de Janeiro de 2017, U… e V… venderam à sociedade “W… – Mediação Imobiliária, Ldª”, a fracção autónoma referida em 10-.
12- Por compra e venda levada ao registo a 20 de Maio de 2013, o réu “Banco B…, SA”, vendeu a Q… a fracção autónoma designada pela letra “M” do prédio referido em 1-, correspondente ao 1º andar direito, com entrada pela C….
13-Por compra e venda levada ao registo a 15 de Junho de 2015, o réu “Banco B…, SA”, vendeu a H… e a I… a fracção autónoma designada pela letra “N” do prédio referido em 1-, correspondente ao rés-do-chão esquerdo, com entrada pela C….
14-Por compra e venda levada ao registo a 10 de Janeiro de 2014, o réu “Banco B…, SA”, vendeu a E… a fracção autónoma designada pela letra “O” do prédio referido em 1-, correspondente ao rés-do-chão direito, com entrada pela C….
15- Por compra e venda levada ao registo a 24 de Junho de 2013, o réu “Banco B…, SA”, vendeu a P… a fracção autónoma designada pela letra “P” do prédio referido em 1-, correspondente ao 1º andar esquerdo, com entrada pela C….
16- O réu “Banco B…, SA”, adquiriu a totalidade das fracções do imóvel referido em 1- à sociedade “X… – Sociedade Imobiliária, Ldª”, a 24 de Outubro de 2012, por dação em cumprimento.
17- O réu “Banco B…, SA”, ainda hoje é proprietário das fracções autónomas designadas pelas letras “A” e “B” do prédio referido em 1-, correspondentes a 2 lojas.
18- A venda pelo réu “Banco B…, SA”, da primeira fracção do prédio referido em 1- ocorreu a 26 de Abril de 2013.
19-Todas as fracções autónomas referidas em 3- a 5-, 7- a 10- e 12- a 15- foram vendidas pelo réu “Banco B…, SA”, no estado de novas.
20- O edifício referido em 1- apresenta, nas partes comuns:
a. deficiência no assentamento das telhas, por o ripado de suporte não possuir assentamento de distância entre linhas constante; e inexistência de impermeabilizante na face exterior das telhas;
b. infiltração de água pelo telhado e pela fachada/floreira exterior;
c. rufos mal executados;
d. tubos de ventilação passiva (dos espaços sanitários e outros), e ventilação das colunas de saneamento, executados para o exterior a cobertura através de cortes feitos na telha sem qualquer vedação ou tratamento;
e. telhas que saem da sua posição devido à deficiente execução do ripado de suporte;
f. revestimento da fachada solto em cerca de 5 m2;
g. fissura no alinhamento da junta de dilatação no beirado; h. manchas de infiltração de água nas lajes das varandas;
i. manchas de humidade ascendente no pavimento e paredes da garagem;
j. caixa de recolha de águas pluviais subdimensionada para o caudal de água afluente;
k. humidade e fungos na laje de tecto.
21- A fracção autónoma referida em 3- apresenta fungos no tecto da instalação sanitária comum, devido a insuficiente ventilação do espaço.
22- A fracção autónoma referida em 4- apresenta:
a. fissura horizontal na parede da sala, resultante de anomalia de carácter hidroscópico, com entrada de humidade pela fachada voltada a poente;
b. entrada de água para o pavimento que serve de suporte à colagem do revestimento, com levantamento deste, devido à inexistência de pingadeira na soleira e deficiente vedação com o exterior;
c. inexistência de ralo de pinha na laje da varanda para retenção de resíduos sólidos na drenagem das águas pluviais;
d. manchas de humidade na laje de tecto da varanda, que denotam entrada de água através da cobertura.
23- A fracção autónoma referida em 7- apresenta:
a. descolamento do pavimento em lamparquet do quarto do meio (com 3mx4m), numa zona interior, devido à insuficiência da quantidade de cola aplicada;
b. empolamento do pavimento em lamparquet do quarto adjacente (a nascente) e no “hall” de entrada, devido à insuficiência da quantidade de cola aplicada.
24-A fracção autónoma referida em 8- apresenta:
a. revestimento do pavimento da sala (com 3,5mx6,5m) empolado, devido a entrada de humidade para o pavimento que serve de suporte à colagem do revestimento, humidade proveniente da soleira;
b. descolamento do revestimento do pavimento do quarto (com 2,9mx4,2m), devido a entrada de humidade para o pavimento que serve de suporte à colagem do revestimento, humidade proveniente da soleira;
c. inexistência de ralo de pinha na laje da varanda para retenção de resíduos sólidos na drenagem das águas pluviais;
d. a face interior da parede de guarda da varanda apresenta destacamento de tinta;
e. fissuração da pedra de capeamento da guarda da varanda [artigo 33º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 1º da contestação].
25- A fracção autónoma referida em 9- apresenta:
a. destacamento do soalho da sala (numa área de 4,10x5,80) devido à circulação de água na face interior do revestimento;
b. destacamento do soalho no quarto, junto à pedra da soleira (numa área de 3mx5m);
c. deficiente aplicação da pedra da soleira, alinhada pelo revestimento da parede, com necessidade de verificação e rectificação da junta de assentamento;
d. inexistência de ralo de pinha na laje da varanda para retenção de resíduos sólidos na drenagem das águas pluviais;
e. a face interior da parede de guarda da varanda apresenta destacamento de tinta;
f. fissuração da pedra de capeamento da guarda da varanda.
26- A fracção autónoma referida em 10- apresenta
a. humidade por condensação no tecto do quarto do lado nascente;
b. destacamento do taco em madeira devido a variações de humidade que causaram ruptura entre o material de suporte e a colagem [artigo 24º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 1º da contestação].
27- A fracção autónoma referida em 12- apresenta:
a. revestimento do pavimento da sala empolado, devido a entrada de humidade para o pavimento que serve de suporte à colagem do revestimento, humidade proveniente da soleira;
b. estrangulamento da secção de entrada do tubo para drenagem das águas pluviais da varanda;
c. inexistência de ralo de pinha na laje da varanda para retenção de resíduos sólidos na drenagem das águas pluviais.
28- A fracção autónoma referida em 13- apresenta:
a. destacamento do taco do soalho, junto à janela, devido à circulação de água na face interior do revestimento;
b. degradação da pintura da parede interior na direcção da floreira exterior, devido a deficiente impermeabilização exterior;
c. entrada de humidade junto ao apainelado, provinda da pedra da soleira.
29 – A fracção autónoma referida em 15 apresenta fortes condensações no tecto da sala (com orientação a sudoeste), causadas pela inexistência de isolamento térmico, sendo o tecto a laje do edifício em contacto com o vão da cobertura.
30 - Os autores procederam à denúncia dos vícios referidos em 20 a 29 por cartas expedidas, e recepcionadas pelo réu, em Janeiro de 2017.
31- O custo de reparação dos vícios referidos em 20 a 29 ascende ao valor global de €2.5850 (a que acresce IVA).
32- Os autores F… e G…; H… e I…; L… e M…; J… e K…; N… e O…; P…; S… e T…; e Q…; adquiriram as fracções autónomas referidas em 3, 4, 7, 8, 9, 12, 13, e 15 para habitação própria e permanente das respectivas famílias, e aí ainda hoje residem.
33- As licenças de utilização do edifício referido em 1, e das suas fracções, foram requeridas pela sociedade “X… – Sociedade Imobiliária, Ldª”, e foram emitidas em Janeiro de 2012, em nome da mesma sociedade “X… – Sociedade Imobiliária, Ldª”.
34- Em 26 de Novembro de 2012 o edifício referido em 1- mostrava-se totalmente acabado em termos de construção, sendo necessárias apenas intervenções para reparar danos resultantes de actos vandalismo, reparar danos resultantes de infiltrações de água em 2 fracções, e colocar algum material final.
35- No momento da outorga dos negócios referidos em 3. a 16. o réu “Banco B…, SA”, desconhecia os factos referidos em 20. a 29.
IV – Direito Aplicável
I) O presente recurso assenta no pressuposto de que a decisão proferida enferma de erro na determinação da norma aplicável. Tal estatuição legal norma diz respeito às normas especialíssimas estabelecidas pelo Decreto-Lei nº 67/2003, de 08 de Abril.
Assim, segundo o apelante, este não se dedica com carácter profissional e com escopo lucrativo à venda de imóveis “pelo que não lhe deverá ser aplicável o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, mas sim, exclusivamente, o regime geral da venda de coisa defeituosa, previsto no art. 913.º e seguintes do C.C.”
Por sua vez, o tribunal “a quo” entendeu diversamente. Deste modo, referindo que os bancos são instituições de crédito (alínea a) do artigo 3º do Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro) está legalmente consagrada como actividade profissional destes as “aquisições com vista ao reembolso de crédito concedido” (artigos 112º e 115º do Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro).
Donde, nesta hipótese, “a aquisição de imóveis inclui-se na prossecução do objecto social da instituição bancária, pelo que outra interpretação não se vê como possível senão concluir que actua no exercício da sua actividade profissional.”
Cumpre decidir. Em causa nos autos, como vendedor, uma empresa que, essencialmente, nos termos do 2.º-A, al. w) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31.12., uma actividade que “consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e em conceder crédito por conta própria”.
Naturalmente que a concessão de crédito tem, como correspectivo natural, a respectiva cobrança que integrará igualmente o objecto do recorrente. Como se pode ler no Acórdão da Relação de Évora de 27 de Junho de 2019, processo nº 791/18.2T8ABF.E1, disponível em dgsi.pt, relativamente a uma situação idêntica à dos autos, “seria absurdo o entendimento de que, quando cobra um crédito por si concedido, a recorrente está a praticar um acto não compreendido no seu objecto porque este último só abrange a concessão. Muito pelo contrário, toda a actividade tendente à cobrança de créditos por si concedidos integra claramente o objecto da recorrente.” Como se defende no citado aresto a cobrança de um crédito pode estar relacionada com a aceitação de uma dação em pagamento pelo devedor de modo a extinguir, total ou parcialmente, a dívida, nos termos dos artigos 837.º a 839.º do Código Civil e depois com subsequente venda do mesmo a terceiros.
Mas vamos ao caso directo. Desde logo, após aceitar a dita dação em pagamento, o banco recorrente negociou directamente com os compradores e acabou por vender as fracções autónomas em causa nos autos, no estado de novas. Conforme se apurou nos autos, levou mesmo a cabo pequenos trabalhos (reparação de actos de vandalismo; reparação de danos causados por infiltrações de águas em 2 fracções – ponto 34 das matéria de facto provada) precisamente com a intenção de fazer corresponder o estado das fracções à característica de jamais utilizadas, novas, tornando-as mais facilmente vendíveis.
Aliás, como facilmente se alcança pela mera consulta ao sítio do recorrente, este hoje dedica-se profissionalmente à venda dos muitos imóveis de que dispõe, organizando-se para o fazer (veja-se, neste contexto, e no concernente à organizada venda de imóveis, https://ind.B....pt/pt/Particulares/viver/Imoveis/Pages/imoveis.aspx#/default.aspx onde se pode constatar que o Banco em apreço desenvolve nomeadamente campanhas para essa venda de imóveis com situações de oportunidades e um extenso motor de busca de prédios à venda). Apenas uma pesquisa com o nome “apartamento” permitiu apurar ter o recorrente à venda muitas dezenas de apartamentos em diferentes zonas do país.
Acresce que, no caso concreto, de um mesmo prédio, o apelante vendeu doze fracções a diferentes compradores, o que diz bem do carácter profissional desta actividades, sendo que quem compra tem, por via de regra, a qualidade de consumidores, caindo estes contratos no âmbito do regime jurídico de defesa do consumidor com as consequências jurídicas inerentes.
Queda inviabilizado o conhecimento da segunda questão em causa no presente recurso já que, nos termos do artigo 2º e º4º do DL nº67/2003, aqui aplicável, resultaria sempre irrelevante o desconhecimento do vício pelo vendedor.
Conclui-se, portanto, pela confirmação da decisão com fundamentos que da mesma não se afastam.
*
Resta proceder à sumariação prevista pelo art.663º, nº7 do Código do Processo Civil:
................................................................
................................................................
................................................................
V – Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar o presente recurso totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.

Porto, 14 de Janeiro de 2020
José Igreja Matos
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues