Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
697/16.0PWPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VÍTOR MORGADO
Descritores: SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
INJUNÇÃO
INCUMPRIMENTO DE INJUNÇÃO OU REGRA DE CONDUTA
PRAZO ESGOTADO
CONSEQUÊNCIAS
PENA
DESCONTO DE INJUNÇÃO
Nº do Documento: RP20200513697/16.0PWPRT.P1
Data do Acordão: 05/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O incumprimento total ou parcial, no prazo fixado, injustificado, de injunção decretada como condição para a suspensão provisória do processo, legitima que seja declarada incumprida a injunção e deduzida acusação formal contra o arguido.
II - Tal situação não é equiparável aos casos em que se verificou o cumprimento das injunções no prazo da suspensão, mas sem que tal tivesse sido comunicado atempadamente ao processo, sendo discutível se uma tal omissão consubstancia uma mera irregularidade e, na afirmativa, se a mesma poderá ser sempre sanada, independentemente do prazo, por afectar o valor do próprio acto praticado.
III - Nos casos em que o processo seguiu para julgamento e o arguido veio a ser condenado, não deve ser descontado na pena aplicada aquilo que foi cumprido no seio da decretada injunção, conforme decorre de jurisprudência fixada no acórdão de uniformização de jurisprudência nº 4/2017, que deverá set extensível a todas as situações similares.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso nº 697/16.0IDPRT-A.P1
Origem: Comarca do Porto,
Porto- Juízo de Instrução Criminal- Juiz 5
Acordam, em conferência, na 1ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO
No decurso do inquérito em que se investigam e colhem indícios relativamente à prática de diversos delitos de natureza fiscal, económica e contra o património – designadamente o crime de fraude fiscal previsto e punido pelos artigos 103° e 104° do RGIT, o de branqueamento de capitais, previsto e punido pelo artigo 368°-A do Código Penal, o de associação criminosa previsto e punido pelo artigo 89° do RGIT e, eventualmente, o de recetação previsto e punido pelo artigo 231° do Código Penal – e em que figura como suspeito (entre outras pessoas singulares e coletivas) B…, após junção de relatório da entidade envolvida na investigação e com base em prévia promoção do Ministério Público, foi proferido o despacho judicial de folhas 4297-4301, no qual, entre outras determinações, se ordenou a apreensão dos saldos de contas bancárias e aplicações financeiras identificadas a folha 4271, tituladas ou co tituladas pelo mencionado suspeito.
Notificados da apreensão efetuada, o referido B… e as cotitulares C… e D… requereram ao Juízo de Instrução Criminal que a havia ordenado o levantamento/revogação de tal apreensão e a imediata restituição dos saldos das contas bancárias e/ou aplicações financeiras.
Para tanto, em síntese, alegaram:
- o suspeito B…, que inexistem nos autos indícios suficientes de que os saldos bancários fossem provenientes de qualquer atividade ilícita e que a respetiva apreensão se mostra desproporcionada, deixando-o sem capacidade monetária para prosseguir a sua atividade profissional e cumprir as suas obrigações legais;
- as cotitulares, que são alheias às atividades ilícitas investigadas nos autos e que gozam da presunção de que os saldos bancários apreendidos lhes pertencem na proporção da respetiva cotitularidade, nos termos dos artigos 512º e 516º do Código Civil e do nº 5 do artigo 780º do Código de Processo Civil.
Por despacho proferido a folha 5303 do processo principal, o TIC, louvando-se nos fundamentos já enunciados no seu anterior despacho, indeferiu tais requerimentos.
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Inconformados com o decidido no referenciado despacho de folha 5303, o suspeito B… e as duas mencionadas co titulares vieram interpor os presentes três recursos.
No primeiro desses recursos, o mencionado suspeito B… resumiu o conteúdo das suas alegações através das seguintes conclusões:
«1. Salvo o devido respeito, o recorrente é da convicção que o despacho de 8 de novembro de 2018, que indeferiu a revogação da apreensão dos saldos das contas bancárias e aplicações financeiras das quais é titular/cotitular, é nulo.
II. Desde logo, porque se limita a remeter para uma fundamentação expendida em momento anterior, ignorando, por completo, os argumentos carreados para os autos pelo arguido.
III. Ao praticar tal omissão, o despacho recorrido padece do vício de falta de fundamentação, tendo violado de forma direta o disposto no nº 5 do artigo 97º do CPP.
IV. O despacho ora recorrido incorre igualmente no vício de omissão de pronúncia, aplicável ex vi do disposto nos artigos 688°, nº 1, alínea d) e 666°, nº 3, do CPC, aplicáveis ao Processo Penal por força do artigo 4° do CPP, porquanto do mesmo não resulta qualquer menção ou pronúncia sobre os argumentos expendidos pelo arguido.
V. Além disso, a apreensão de documentos, títulos, valores, quantias e outros objetos depositados, mesmo em cofres individuais, apenas tem lugar quando existam fundados motivos para crer que aqueles se encontram relacionados com a prática de um crime e se revelarão de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.
VI. Tal não se verifica no caso em apreço, já que todos os saldos bancários e produtos financeiros apreendidos têm uma proveniência licita. e legitima, conforme se extrai não só da própria natureza dos movimentos bancários como da contabilidade do arguido.
VII. Ademais, os fundamentos invocados para determinar a apreensão dos saldos bancários do arguido, para os quais o despacho recorrido remete, são unicamente “prevenir que os fundos detetados possam vir a ser dissipados pela economia legitima, enquanto se investiga a verdade dos factos", e a "imprescindibilidade para as finalidades da Investigação que os visados tomem consciência de que o produto do crime não compensa",
VIII. Ora, não se descurando que a fase de inquérito e sobretudo uma fase investigatória, não se afigura contudo tolerável, nem aceitável do ponto de vista legal, ou conciliável com as garantias de defesa do arguido, que este seja submetido a uma punição (por via da desapropriarão de património legitimamente obtido), prévia a qualquer condenação ou julgamento, sem explicitação, justificação e concretização dos motivos e fundamentos que determinaram a apreensão dos saldos bancários, e da conformidade dos mesmos com a lei,
IX. A apreensão levada a cabo encerra em si uma vertente punitiva que não se compadece com os pressupostos legais previstos para a apreensão, muito menos se coaduna com a fase processual em que os autos se encontram,
X. Além disso, a correlação direta com a prática de um facto ilícito é “conditio sine qua non” para aplicação da medida prevista no artigo 181º do CPP, sendo que em momento algum é alegado no despacho de que ora se recorre a proveniência ilegítima ou ilegal dos saldos bancários do arguido.
XI. Bem assim, os fundamentos invocados para justificar a apreensão dos referidos saldos bancários representam uma completa subversão da lei, atendendo a que, como vem mencionado (por remissão) no despacho recorrido, a apreensão é efetuada enquanto se investiga.
XII. A apreensão de saldos bancários depende da verificação de “fundadas razões para crer que eles estão relacionados com um crime e se revelarão de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova".
XIII. Isto é, só uma eventual verificação de incongruências no património do arguido com os rendimentos por este auferidos legitimariam a apreensão dos saldos bancários por este, detidos, sendo que nem no despacho ora em crise, nem naquele para o qual este último remete, é alegada - muito menos concretizada ou demonstrada - a proveniência ilegítima ou ilícita dos saldos bancários do arguido, ou qualquer desconformidade do património do mesmo com os rendimentos auferidos,
XIV. A apreensão dos saldos bancários deve ser um resultado da investigação. Efetuada por conta desta, e não já para efeitos da mesma, sob pena de ilegalidade.
XV. De igual modo, atenta a excecionalidade que deve revestir a aplicação da medida prevista no artigo 181º do CPP, não basta a mera alegação de uma possibilidade, eventual e/ou remota, de o arguido dissipar os seus bens, como resulta do despacho de que ora se recorre.
XVI. A lei impõe que o receio seja fundado, que existam elementos externos que permitam concluir que, permanecendo os saldos bancários à mercê do arguido, este os fará desaparecer,
XVII. Tal circunstância não se verifica, nem tampouco é alegada no despacho recorrido, onde apenas vem mencionado que se pretende "prevenir" que os bens sejam dissipados,
XVIII. Apenas uma efetiva concretização dos motivos que determinaram a apreensão dos saldos bancários do arguido permite um controlo da legalidade dos mesmos, e, bem assim, assegura plenamente ao arguido o exercício do seu direito de defesa,
XIX. Destarte, ao contrário do que lhe competia, não se acham invocados - muito menos comprovados - os elementos concretos, concretizadores e fundamentais à apreensão dos saldos bancários do arguido, aqui recorrente.
XX. Pelo que não se mostram preenchidos os pressupostos da aplicação do regime consagrado no artigo 81º nº1 do Código de Processo Penal.
XXI. E como tal, deverá a mesma ser revogada,
XXII. Ainda que assim não se entenda - o que não se concede ~ deverá a medida de apreensão aplicada ao aqui arguido ser alterada, determinando-se, conforme veiculado nas motivações, a libertação do saldo bancário da conta afeta à atividade profissional do arguido, em respeito aos princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade.
XXIII. Com efeito, a libertação do saldo bancário da conta em apreço - mantendo-se os demais apreendidos á ordem dos presentes autos - permitirá cumprir os objetivos propostos no despacho ora em crise, sem, contudo, colocar o arguido numa situação de carência económica e de impossibilidade de desempenhar a sua atividade profissional.
XXIV. Pelo que, deverá sempre e sem exceção ser ordenada a libertação do saldo bancário da referida conta, sendo o arguido autorizado, em conformidade, a movimentar a mesma.»
Terminou o recorrente a sua impugnação requerendo a revogação do despacho em crise, substituindo-se por um que:
• Determine a restituição dos saldos bancários e produtos financeiros apreendidos ao aqui arguido; ou, caso assim não se entenda,
• Determine a restituição do saldo bancário da conta domiciliada no banco E… com o IBAN PT.. …. …. …. …. … .., sendo o arguido autorizado, em conformidade, a movimentar a mesma, mantendo-se os demais saldos apreendidos à ordem dos presentes autos.
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Por sua vez, a co titular C… condensou as suas alegações nas conclusões seguintes:
«I. Salvo o devido respeito, a recorrente é da convicção que o despacho de 8 de novembro de 2018, que indeferiu a revogação da apreensão dos saldos das contas bancárias e aplicações financeiras que detém em regime de cotitularidade com o arguido B…, é nulo:
II. Desde logo, porque se limita a remeter para uma fundamentação expendida em momento anterior, ignorando, por completo, os argumentos carreados para os autos peja recorrente.
III. Ao praticar ta) omissão, o despacho recorrido padece do vício de falta de fundamentação, tendo violado de forma direta o disposto no nº 5 do artigo 97º do CPP.
IV. O despacho ora recorrido incorre igualmente no vício de omissão de pronúncia, aplicável ex vi do disposto nos artigos 688°, nº 1, alínea d) e 666º, nº 3, do CPC, aplicáveis ao Processo Penal por força do artigo 4,° do CPP, porquanto do mesmo não resulta qualquer menção ou pronuncia sobre os argumentos expendidos pela recorrente, mormente quanto à propriedade do saldo bancário apreendido,
V. Além disso, o despacho que determinou a manutenção da apreensão do saldo bancário propriedade da aqui recorrente, bem assim, o despacho que ordenou a manutenção da mesma, afiguram-se feridos de manifesta ilegalidade, desde logo, porque a apreensão carece de fundamentação que a legitime.
VI. A apreensão de saldos bancários, ainda que não estejam depositados em nome do arguido, nos termos do nº 1 do artigo 181º do CPP, depende da existência de "fundadas razões para crer que eles estão relacionados com um crime e se revelarão de grande interesse para a descoberta da verdade ou para aprova".
VII. Tanto o despacho que indefere a requerida restituição, como o despacho que determina a apreensão dos saldos bancários da aqui recorrente (para o qual aquele remete no respeitante à fundamentação), são completamente omissas quanto à efetiva titularidade dos saldos bancárias apreendidos,
VIII. A circunstância de a lei permitir a apreensão de saldos na posse ou em nome de terceira não derrisca a necessidade de alegação e justificação, por um lado, do interesse na apreensão de tais saldos, e por outro, da efetiva propriedade dos mesmos pelo arguido, apesar de detidos por terceiro.
IX. Nada é referido nos aludidos despachos quanto à efetiva propriedade dos saldos bancários depositados nas contas em apreço.
X. A aqui recorrente não figura como arguida nos presentes autos, nem nunca teve envolvimento em qualquer atividade ilícita.
XI. Os saldos constantes nas referidas contas bancárias são pertença da aqui recorrente, sendo sua propriedade, pelo que a apreensão dos mesmos sem mais, é ilegal.
XII. Ademais, em caso de cotitularidade, os saldos das contas bancárias presumem-se pertencentes aos cotitulares em partes iguais, pelo que, no limite, um terço do saldo apreendido constante da conta domiciliada no F… com IBAN PT.. ……….. ……. .., e metade dos saldos constantes nu conta domiciliada no E… com o IBAN PT.. ………………. .., e na conta domiciliada no banco G… com o IBAN PT.. …. ………….. . .. terão forçosamente de ser considerados como pertencentes à aqui recorrente,
XIII. Assim, face à total e absoluta ausência de qualquer prova ou fundamento de que determine que a totalidade dos saldos bancários apreendidos pertencem ao arguido B…, deveria a apreensão ter-se limitado - no máximo – a um terço da quantia constante na conta do F…, atendendo a que a mesma é co titulada pelo arguido, pela recorrente, e por D…, e a metade do saldo nas contas domiciliadas no E… e G…, co tituladas pelo arguido e pela recorrente, supra identificadas.
XIV. De igual modo, perante a invocada propriedade dos saldos bancários apreendidos, e atenta a ausência de indícios - ou invocação, até - que atribuam a totalidade do saldo bancário ao arguido B…, deveria ter sido determinada a restituição à aqui recorrente dos saldos bancários que lhe pertencem, ou, no limite, das correspondentes partes que se presumem suas.»
Finalizou esta recorrente a sua impugnação requerendo a revogação do despacho em crise e a sua substituição por outro que:
- Determine a restituição à recorrente da totalidade dos saldos bancários apreendidos das contas domiciliadas no F…, E… e G… de que é cotitular, ou, caso assim não se entenda,
- Determine a restituição à recorrente de um terço do saldo bancário apreendido da conta domiciliada no F…, e metade do saldo bancário apreendido das contas domiciliadas no E… e G…, supra identificadas.
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Por fim, a co titular D… sumulou as suas alegações através das seguintes conclusões:
«I. Salvo o devido respeito, a recorrente é da convicção que o despacho de 8 de novembro de 2018, que indeferiu a revogação da apreensão do saldo da conta bancária que detém em regime de cotitularidade com o arguido B… e C…, é nulo.
II. Desde logo, porque se limita a remeter para uma fundamentação expendida em momento anterior, ignorando, por completo, os argumentos carreados para os autos pela recorrente.
III. Ao praticar tal omissão, o despacho recorrido padece do vício de falta de fundamentação, tendo violado de forma direta o disposto no nº 5 do artigo 97º do CPP.
IV. O despacho ora recorrido incorre igualmente no vício de omissão de pronúncia, aplicável ex vi do disposto nos artigos 688°, nº 1, alínea d) e 666°, nº 3, do CPC, aplicáveis ao Processo Penal por força do artigo 4° do CPP, porquanto do mesmo não resulta qualquer menção ou pronúncia sobre os argumentos expendidos pela recorrente, mormente quanto à propriedade do saldo bancário apreendido.
V. Além disso, o despacho que determinou a manutenção da apreensão do saldo bancário propriedade da aqui recorrente, bem assim, o despacho que ordenou a manutenção da mesma, afiguram-se feridos de manifesta ilegalidade, desde logo, porque a apreensão carece de fundamentação que a legitime.
VI. A apreensão de saldos bancários, ainda que não estejam depositados em nome do arguido, nos termos do nº 1 do artigo 181° do CPP, depende da existência de "fundadas razões para crer que eles estão relacionados com um crime e se revelarão de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova".
VII. Tanto o despacho que indefere a requerida restituição, como o despacho que determina a apreensão do saldo bancário da aqui recorrente (para o qual aquele remete no respeitante à fundamentação), são completamente omissos quanto à efetiva titularidade do saldo bancário apreendido.
VIII. A circunstância de a lei permitir a apreensão de saldos na posse ou em nome de terceiro não derrisca a necessidade de alegação e justificação, por um lado, do interesse na apreensão de tais saldos, e por outro, da efetiva propriedade dos mesmos pelo arguido, apesar de detidos por terceiro.
IX. Nada é referido nos aludidos despachos quanto à efetiva propriedade dos saldos bancários depositados na conta em apreço.
X. A aqui recorrente não figura como arguida nos presentes autos, nem nunca teve envolvimento em qualquer atividade ilícita.
XI. O saldo constante na referida conta bancária é pertença da aqui recorrente, sendo sua propriedade, pelo que a apreensão do saldo da mesma, sem mais, é ilegal.
XII. Ademais, em caso de cotitularidade, os saldos das contas bancárias presumem-se pertencentes aos cotitulares em partes iguais, pelo que, no limite, um terço do saldo apreendido constante da conta domiciliada no F… com o IBAN …. …. …. …. …….. ... terá forçosamente de ser considerado pertencente à aqui recorrente.
XIII. Assim, face à total e absoluta ausência de qualquer prova ou fundamento que determine que a totalidade dos saldos bancários apreendidos pertencem ao arguido B…, deveria a apreensão ter-se 1imitado - no máximo - a um terço da quantia constante na conta bancária à data, atendendo a que a mesma é cotitulada pelo arguido, pela recorrente, e por C….
XIV. De igual modo, perante a invocada propriedade dos saldos bancários apreendidos, e, atenta a ausência de indícios - ou invocação, até - que atribuam a totalidade do saldo bancário ao arguido B…, deveria ter sido determinada a restituição à aqui recorrente dos saldos bancários que lhe pertencem, ou, no limite, da terça parte que se presume sua.»
Findou esta recorrente a sua impugnação requerendo a revogação do despacho em crise e a sua substituição por outro que:
- Determine a restituição à recorrente da totalidade do saldo bancário da conta domiciliada no F… com o IBAN PT.. …. …. …. …….. ...;
ou, caso assim não se entenda,
- Determine a restituição à recorrente de um terço do saldo bancário apreendido da supra identificada conta.
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O Ministério Público respondeu a cada um dos recursos interpostos, sumulando as suas contra-alegações, relativamente ao recorrente B…, nos seguintes termos:
«1 - Dispõe o art.º 181, n.º1º, do C.P.P., que “o juiz procede à apreensão em bancos ou outras instituições de crédito de documentos, títulos, valores, quantias e quaisquer outros objetos, mesmo que em cofres individuais, quando tiver fundadas razões para crer que eles estão relacionados com um crime e se revelarão de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, mesmo que não pertençam ao arguido ou não estejam depositados em seu nome.”
2 - O arguido está fortemente indiciado pela prática do crime de fraude fiscal qualificada, existindo, também, fortes indícios de que, com a prática deste crime, teve uma vantagem patrimonial de, pelo menos, €2.222.411,82, existindo fortes indícios de que as quantias apreendidas sejam produto da prática deste crime;
3 - O arguido B…, ao proceder ao depósito em contas bancárias cotituladas por si e por terceiros, e alegar a presunção existente de que os montantes depositados pertencem em partes iguais a todos os cotitulares, tenta ocultar, com a conivência desses terceiros, a verdadeira titularidade e proveniência do dinheiro, pelo que, também, está indiciada a prática pelo arguido e pelos cotitulares das contas bancárias do crime de branqueamento.
4 - As quantias apreendidas constituem, em si, um meio de prova;
5 - Assim, o despacho que decretou a apreensão de €464.760,29 que se encontravam depositados em contas bancárias e aplicações financeiras do recorrente obedeceu aos requisitos legais estabelecidos pelo art.º 181º, n.º1, do C.P.P., sendo que o recorrente não recorreu deste despacho;
6 - Ao requerer o levantamento da apreensão, o recorrente não apresentou argumentos que infirmassem as razões que estiveram na base do despacho que a decretou e de que não recorreu, pelo que o despacho de manutenção da apreensão não carecia de mais argumentos ou fundamentação do que aqueles que já constavam do despacho que decretou a apreensão;
7 - Considerando o valor da vantagem auferida pelo recorrente com a prática do crime em causa é muitíssimo provável que o valor que se encontrava depositado nas contas bancárias e em aplicações financeiras seja uma vantagem da prática do crime em investigação, pelo que, além de ser uma prova em si, é muito provável que venha a ser declarado perdido a favor do Estado.
8 - Deste modo, a decisão recorrida não merece qualquer reparo e não violou o disposto nos artigos 97º, n.1, e 181º do C.P.P., nem o disposto nos artigos 688°, n.º 1, alínea d) e 666°, n.º 3, do CPC, devendo ser mantida a apreensão do montante que se encontrava em contas bancárias e aplicações financeiras de que o recorrente era titular.»
As contra-alegações apresentadas nas respostas aos recursos das co titulares são, ‘mutatis mutandis’, praticamente sobreponíveis às respeitantes ao recurso do suspeito B…, pelo que se não vê interesse em reproduzi-las.
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Já nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que – aderindo, sem reservas, às respostas deduzidas em 1ª instância – se pronunciou pela improcedência dos recursos.
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Cumpre decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar [1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
Depois de proceder à transcrição das peças processuais que revelam interesse para a decisão da causa, passar-se-á à decisão dos recursos, adiantando-se que as principais questões a decidir são as de saber:
- se o despacho que indeferiu o levantamento da apreensão das contas e aplicações bancárias é nulo;
- se não existem fundamentos para manter tal apreensão.
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O despacho em que se decretou a apreensão (transcrição da parte atinente – folhas 4299-4301):
«(…)
Atento o teor do relatório de fls. 3991 a 4249, nos presentes autos encontram-se denunciados factos suscetíveis de integrar, entre outros, os crimes de fraude fiscal previsto e punido pelos artigos 103º e 104º do RGIT, de branqueamento de capitais previsto e punido pelo artigo 368º -A do Código Penal, de associação Criminosa previsto e punido pelo artigo 89º do RGIT e eventualmente de recetação previsto e punido pelo artigo 231º do Código Penal.
Da investigação até ao momento realizada, constata-se a existência de uma conjugação de interesses envolvendo pessoas singulares e coletivas, que, por força das atividades delituosas aqui em causa, têm vindo a obter elevados proventos económico-financeiros pessoais, causando elevados prejuízos ao Estado, designadamente, em sede de IR e IVA.
No que concerne a B…, e conforme resulta daquele relatório, o valor da vantagem patrimonial apurada até à data e que está em falta nos cofres do Estado, estima-se, em sede de IVA, nunca inferior a €719.936,23 que se encontram repartidos, conforme discriminado no quadro constante de fls. 4285 e para efeitos de IRS, estima-se que o montante de fraude ascende a €1.502.475,59 e conforme melhor discriminado no quadro a fls.4285.
Importa prevenir que os fundos detetados possam vir a ser dissipados pela economia legítima, enquanto se investiga a verdade dos factos.
Atentos os indícios até ao momento recolhidos nos autos torna-se assim imprescindível para a finalidades da investigação que os visados tomem consciência de que o produto do crime não compensa.
Haverá, desse modo, que proceder à apreensão de saldos e ativos financeiros com vista à sua declaração de perda a favor do Estado.
No decurso da investigação apurou-se que B… é titular e cotitular das contas bancárias, produtos financeiros, títulos, depósitos a prazo, poupanças e outros, melhor descritos no quadro junto aos autos pelo GRA a fls. 4271, a cuja apreensão importa proceder, por constituírem produto da atividade ilícita.
Pelo exposto, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 178°, nºs 1 e 3, 181° e 174°, nºs 2 e 3, todos do C.P.P., havendo indícios de que as quantias monetárias ali discriminadas, em valor claramente inferior ao valor da vantagem patrimonial até ao momento apurada, determina-se a apreensão dos saldos das contas identificadas no quadro constante de fls. 4271 junto pelo GRA, nas respetivas instituições bancárias de que o denunciado B… seja titular e cotitular, bem como de outras contas bancárias que venham a ser identificadas como sendo tituladas ou co tituladas pelo denunciado.
(…)»
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O despacho recorrido (de folha 5303 – transcrição):
«Requerimentos de fls. 4767 a 4769, 4770 a 4771 e 4774 a 4775:
Pelos mesmos fundamentos de facto e de direito indicados no despacho que determinou a apreensão dos saldos das contas bancárias em causa, indefiro o requerido.
Notifique.»
*
A) A alegada nulidade do despacho recorrido
Começam os recorrentes por alegar que o despacho de folha 5303 é nulo, por falta de fundamentação, em violação do disposto no artigo 97º, nº 5, do Código de Processo Penal.
Com efeito, o nº 5 do artigo esta 97º do Código de Processo Penal estipula que “os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.
Esta obrigatoriedade de fundamentação dos despachos tem em vista evitar a prolação de decisões arbitrárias e dar aos destinatários o conhecimento das razões que as determinaram, possibilitando a respetiva impugnação.
Assim, sempre que o despacho deixe claro que se ponderaram as questões suscitadas e que os destinatários puderam compreender o que se decidiu, mostra-se ele devidamente fundamentado [2].
Embora o referido despacho agora posto em crise não constitua um modelo decisório – visto que a respetiva fundamentação é feita por remissão para o conteúdo de um despacho anterior – tal não significa que se deva considerar inexistir fundamentação. Esta encontra-se presente, por adesão à que foi revelada na decisão prévia, sendo possível aos recorrentes discernir as razões de facto e de direito pelas quais o tribunal recorrido decidiu como decidiu.
Em todo o caso, sempre se dirá que, mesmo que se considerasse existir o alegado vício formal, o seu regime não seria o da nulidade, mas antes o da irregularidade, que não teria sido arguida tempestivamente, a menos que se considerasse que esta pudesse afetar o valor do ato praticado, caso em que poderia ser conhecido oficiosamente.
Improcede, assim, este primeiro fundamento dos recursos.
*
Do mesmo passo, também se entende que o despacho ora recorrido não incorre em nulidade por omissão de pronúncia, por do mesmo não resultar qualquer menção ou pronúncia sobre os argumentos expendidos pelos requerentes/recorrentes.
Na verdade, no despacho prévio dado como reproduzido no despacho recorrido, tomou-se posição – ainda que não com grande desenvolvimento – quer sobre a relação existente entre as atividades criminalmente ilícitas e os saldos das contas bancárias apreendidos, quer sobre a alta probabilidade de tais saldos resultarem mormente das atividades ilícitas desenvolvidas originariamente pelo requerente/recorrente B… e não de atividades lícitas das cotitulares.
Assim, julga-se também improcedente a arguição de nulidade por omissão de pronúncia.
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B) Os fundamentos da apreensão
Em termos substanciais, pôs o recorrente B…, primeiramente, em causa que houvessem sido explicitados, justificados ou concretizados os fundamentos que determinaram a apreensão dos saldos bancários em causa.
Pois bem.
O Tribunal recorrido exarou, no despacho de folhas 4297-4301 (dado como reproduzido no despacho recorrido), que resultava do relatório da investigação, nessora já junto aos autos, a indiciação de que o então suspeito B… teria obtido vantagens patrimoniais fraudulentas face ao Estado, em sede de IVA, de montante nunca inferior a €719.936,23, e, para efeitos de IRS, em montante ascendente a €1.502.475,59. Mais consignou que os saldos das contas bancárias a apreender constituíam produto da sua atividade ilícita.
Considerando o valor das vantagens auferidas pelo recorrente B… com a prática do crime de fraude fiscal – bem superior ao dos saldos das contas apreendidas – é deveras provável que os montantes que se encontram depositados nas contas bancárias e em aplicações financeiras constituam vantagens da prática do crime em investigação, pelo que, além de constituírem, por si, provas, é muito provável que venham a ser declarados perdidos a favor do Estado.
Ora, o nº 1 do artigo 178º do Código de Processo Penal estabelece que são apreendidos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática do crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim todos os objetos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros suscetíveis de servir a prova.
Daqui resulta, além do mais, que a suscetibilidade de apreensão prevista neste preceito não se exaure nas virtualidades probatórias dos objetos à mesma sujeitas, abrangendo outros aspetos, como o de constituírem produto, lucro, preço ou recompensa de um crime. Tal significa que, embora a apreensão se destine, fundamentalmente, a conservar provas reais, visa também garantir a efetivação da privação definitiva do bem [3].
Tanto basta, a nosso ver, para se dever ter como refutada a alegação do recorrente B… de que o despacho recorrido não explicitou, justificou ou não concretizou os fundamentos que determinaram a apreensão dos saldos bancários em causa, ainda que o tenha feito por remissão.
*
As recorrentes C… e D… – que figuram como cotitulares de algumas das contas bancárias apreendidas – alegam que nada é referido nos despachos em causa quanto à efetiva propriedade dos saldos bancários aí depositados, que tais saldos são sua pertença e que, em todo o caso, se presumem, nos termos dos artigos 516º e 518º do Código Civil, pertencentes aos cotitulares em partes iguais, pelo que, pelo menos, um terço ou metade dos mesmos (consoante o número de comproprietários).
Vejamos.
Embora se encontrem em condições absolutamente privilegiadas para especificarem a proveniência dos fundos que dizem ser seus (ou parcialmente seus), não conseguem (ou não pretendem) as recorrentes concretizar tal origem.
Só assim se compreende, aliás, que invoquem a aplicabilidade da presunção de igualdade de comparticipação, nas dívidas e nos créditos solidários, decorrente do artigo 516º do Código Civil, para as relações internas entre os contitulares – que, obviamente, nenhuma aplicação direta tem nas relações com terceiros.
Diversamente do que alegam as recorrentes enquanto formais contitulares, nos despachos em causa, o Tribunal recorrido afirma expressamente que, no decurso da investigação, se apurou que B… é titular e cotitular das contas bancárias (…), a cuja apreensão importa proceder, por constituírem produto da atividade ilícita que lhe é imputada.
Por outro lado, considerando o valor das vantagens auferidas pelo arguido B… com a prática do crime em causa é deveras provável que os valores que se encontravam depositados nas contas bancárias cotituladas com as recorrentes C… e D… constituam vantagens obtidas através, designadamente, da prática do crime de fraude fiscal em investigação.
Devem, assim, improceder os recursos interpostos nos presentes autos.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente não providos os recursos interpostos por B…, C… e D…, confirmando o despacho recorrido.
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Custas, nesta instância, a cargo dos recorrentes, fixando-se em 3 U.C.s a taxa de justiça por cada um devida.
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Porto, 27 de novembro de 2019
Vítor Morgado
Maria Joana Grácio
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[1] Tal decorre, desde logo, de uma interpretação conjugada do disposto no nº 1 do artigo 412º e nos nºs 3 e 4 do artigo 417º. Ver também, nomeadamente, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, III, 3ª edição (2009), página 347 e jurisprudência uniforme do S.T.J. (por exemplo, os acórdãos. do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, página 196, e de 4/3/1999, CJ/S.T.J., tomo I, página 239).
[2] Neste sentido, ver, por exemplo, o acórdão da Relação de Coimbra de 22/05/2013, processo 10/08.0FANZR.C1, in www.dgsi.pt.
[3] Neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, volume II, Verbo, 5ª edição (dezembro de 2010), página 289, em que refere, designadamente: “(…) a apreensão destina-se essencialmente a conservar provas reais e bem assim de objetos que, em razão do crime com que estão relacionados, podem ser declarados perdidos a favor do Estado”. Vejam-se, também, o acórdão da Relação do Porto de 31/1/1990, sumariado em B.M.J. 393º-655, e o acórdão da Relação de Guimarães de 18/12/2006, proferido no processo nº 1837/06-1ª, relatado por Cruz Bucho, em que se entende: “(…) neste domínio especial dos crimes aduaneiros, a perda dos instrumentos não está condicionada à perigosidade ou ao risco de poderem ser utilizados para a prática de novos crimes, ao contrário do que sucede no âmbito do artº 109º do Código Penal; por isso que, também por esta via, a apreensão deva ser mantida para garantir a futura e eventual declaração de perda a favor do Estado.”