Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
808/10.9TDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
AUTORIA MATERIAL
AUTORIA MORAL
Nº do Documento: RP20141015808/10.9TDPRT.P1
Data do Acordão: 10/15/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Verifica-se uma alteração não substancial dos factos, que obriga ao cumprimento do disposto no artigo 358º do Código de Processo Penal, quando da acusação consta que o arguido procedeu à falsificação de um documento “pelo seu punho” e do acórdão condenatório consta que tal se verificou “pelo seu punho” ou por “alguém a seu mando”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 808/10.9TDPRT.P1

Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I – B… veio interpor recurso do douto acórdão da 3ª Vara Criminal do Porto que o condenou, pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, d), e nº 3, do Código Penal, na pena de dez meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano.

Da motivação do recurso constam as seguintes conclusões:
«1. O Acórdão recorrido padece da nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal (CPP) por condenar o Arguido por factos diversos dos descritos na acusação, nulidade que, desde já, se argui para todos os efeitos legais.
2. Na acusação apenas vem expresso que o Arguido, pelo seu punho, falsificou os documentos (conferir acusação do Ministério Público), sendo que, no Acórdão condenatório, nos factos provados, consta que o arguido pelo seu punho ou alguém a seu mando falsificou o documento, sendo certo o Acórdão não explicita qual das duas hipóteses se verificou, ou seja, a que título o Arguido a praticou o ilícito.
3. Não vislumbra o Recorrente quais os meios de prova de que o Tribunal a quo se socorreu para sustentar as afirmações dos pontos 3) e 8) da matéria de facto dada como provada, nomeadamente que o Arguido se comprometeu a pagar as prestações mensais ao C… crédito, fruto do empréstimo contraído pela Assistente D….
4. As declarações da Assistente não se revelaram credíveis, nem coerentes, quanto a esta matéria, inexiste nos autos qualquer documento que ateste a entrega pelo Arguido de qualquer quantia à Assistente a título de pagamento das prestações, nem qualquer testemunha depôs nesse sentido, pelo que não se concebe que a responsabilização pelo pagamento de um empréstimo se baste com a mera declaração do devedor, sem qualquer circunstancialismo, coerência na versão apresentada ou prova que sustenta tal alegação, incorrendo o tribunal em erro na apreciação da prova ao julgar provado tal facto (artigo 410.º n.º 2 alínea c) do CPP).
5. Os factos dados como provados nos pontos 3) e 8) da matéria dada como provada, não assentam em qualquer prova directa nem mesmo indirecta, não podendo servir, como, mau grado, serviram, para formar a convicção do Tribunal, declarações não coerentes e que o próprio Tribunal reconhece que a Assistente não pretende esclarecer, o que só pode ter tido como justificação a insuficiente prova produzida.
6. Quanto ao teor do ponto 5) dos factos provados não se pode admitir que se dê como provado tal facto, porquanto não se obtiveram quaisquer resultados conclusivos quanto ao mesmo, porquanto nenhuma perícia foi feita ao documento junto ao processo, sendo que, aliás, inexiste nos autos o próprio original pretensamente falsificado, impossível, portanto, de saber qual o punho que falsificou o documento de extinção de reserva de propriedade.
7. Como bem reconheceu o acórdão do Tribunal da Relação do Porto (processo 4557/07.7TBMTS-A.P1, data de 11-03-2013), e com total aplicabilidade nos presentes autos o “meio de prova que maior vocação apresenta para escrutinar o facto controverso consistente em saber se uma assinatura manuscrita, aposta em documento, aí foi escrita pelo punho de certa pessoa, é o do exame de reconhecimento de letra, por conseguinte, o da prova pericial (artigos 388º do Código Civil e 584º do Código de Processo Civil)”.
8. Nenhuma prova pericial foi produzida quanto ao documento existente nos autos, sendo certo que, sem qualquer relatório do exame pericial, não é possível, desde logo, determinar com exactidão se o documento é falso ou não, ou em que termos foi falsificado. Ainda que seja perceptível a falsificação do documento, sem o relatório pericial não é possível determinar com certeza ou forte convicção que o Arguido “pelo seu punho” tenha falsificado o documento em causa, sendo palmar inexistir qualquer avaliação à caligrafia constante do documento e a probabilidade (ou não) de o Arguido ser o seu autor.
9. Em relação a este ponto concreto da matéria de facto, impunha-se a sua concreta prova, não podendo o Tribunal basear-se em probabilidades de outras probabilidades, o que revela a a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410.º n.º 2 alínea a) do CPP).
10. O Arguido prestou declarações nas quais apresentou a sua versão, segundo a qual pagou o montante de € 17.500,00, em numerário, ao Sr. E…, companheiro da Assistente, quando esse valor correspondia ao valor em dívida ao C…. O Tribunal considerou não merecer credibilidade tais declarações, não foi o Tribunal sensível ao circunstancialismo da relação existente entre o Arguido e o Sr. E…, e que explicam que o Arguido tenha pago a viatura em numerário.
11. Foi produzida prova cabal de que o Arguido emitiu um cheque à ordem do seu funcionário para este levantar ao balcão do Banco a quantia de €17.500,00, que o Arguido entregou, em numerário, ao Sr. E…, conforme cheque junto nos autos, para pagamento do veículo em causa, e depoimento da testemunha F….
12. Não foi valorado devidamente o depoimento da testemunha G…, advogada do Arguido que tratou do registo de aquisição, e que relatou que a conduta do arguido ao longo do seu percurso profissional jamais se coaduna com o tipo de comportamento que o Arguido veio a ser condenado.
13. A própria Assistente D…, relatou a relação de confiança estabelecida entre o Arguido e o E… e confirmou que todas as transacções efectuadas entre ambos ser em numerário, justificando, deste modo, que o pagamento da viatura em causa nos autos tenha sido efectuado em numerário.
14. Da análise da matéria de facto dada como provada no douto Acórdão a quo e da respectiva fundamentação, nomeadamente do ponto 3) e 8), por um lado, e ponto 5, por outro, por si só e conjugada com a prova produzida em audiência e com as regras da experiência comum, decorre um cabal erro de Julgamento, padecendo a douta decisão dos vícios invocados e previstos no n.º 2 do art. 410° do CPP, concretamente, o constante na al. c) de erro notório na apreciação da prova e insuficiência fundamentação, nos termos supra descritos, no primeiro caso, e o constante na al. a), de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e falta de meio de prova idóneo para a matéria de facto provado, no segundo caso.
Acresce que,
15. As conclusões da decisão recorrida quanto à culpabilidade e autoria do Arguido na falsificação do documento são, com o devido respeito, totalmente carecidas de fundamento e de prova, desconhecendo-se mesmo o processo lógico dedutivo e os meios probatórios que o Tribunal a quo ponderou para atingir a convicção de que o foi o Arguido, pelo seu punho, a falsificar o documento.
16. A prova produzida não afasta a dúvida razoável sobre se foi efectivamente o Arguido quem falsificou o documento em causa (documento que inexiste nos autos, existindo meramente uma fotocópia), pelo que deve ser absolvido, em homenagem ao princípio in dubio pro reo, consagrado no artigo 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
17. No caso sub iudice considerou o tribunal que, após dar como provada a alteração do documento de extinção de reserva da propriedade pelo punho do Arguido, tal conduta se subsume na previsão legal do n.º 3 do artigo 256.º do Código Penal.
18. Conduto, tal entendimento não pode prevalecer, na justa medida em que nos autos não consta o original do documento supostamente falsificado (e portanto insusceptível de ser realizada a perícia exigível em casos semelhantes, de molde a saber de que forma foram os documentos falsificados, e quem seria o seu provável autor, através da análise da caligrafia).
19. Não existe qualquer falsificação de documento, uma vez que os papéis constantes dos autos não podem ser considerados documentos, à luz do art.º 255, al. a) do CPP, na medida em que as folhas juntas aos autos são meras fotocópias e não são idóneas a provar o facto a que se referem, e por isso não podem ser abrangidos na definição constante do art.º 255 do CP.
20. Nenhum documento autêntico foi junto ao processo, mas apenas uma fotocópia de um alegado documento particular (documento de extinção de reserva de propriedade), esse sim supostamente falsificado, pelo que não se verifica o pressuposto da agravação exigido no n.º 3 do artigo 256º do CP.
21. A actuação do Arguido não é criminalmente punida, na medida em que não integra os pressupostos legais exigidos no art.º 256, n.º 1, al.a) e n.º 3 por remissão para o art.º 255 do CP (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo 2736/06-1, de 06-02-2007).
22. No caso concreto, o objecto material da acção não é constituído por um documento – de acordo com a definição legal contida no art. 255º a) do CP, como vimos - quer porque o arguido não vem acusado de um crime de falsificação de documento através da falsificação de simples fotocópias (únicos documentos existentes no processo), quer por não se encontrar corporizado no escrito a que se refere a declaração de extinção de propriedade declaração idónea a provar facto juridicamente relevante, pois só existe uma mera fotocópia de uma declaração de extinção de reserva de propriedade, esta sim supostamente falsificada.
23. Nenhuma prova pericial foi produzida que atestasse a falsidade do documento nem a actuação do arguido na sua falsificação, sendo que, em virtude da ausência de uma perícia à caligrafia do Arguido, não é possível afirmar positivamente que foi o arguido quem falsificou o documento que a fotocópia pretende representar.
24. A ausência de um exame pericial a relacionar o documento falsificado com o punho e caligrafia do Arguido destrona completamente qualquer possibilidade de responsabilização criminal deste, tanto mais que inexiste prova cabal de que o Arguido foi o autor material da falsificação.
25. A letra aposta no documento junto e alegadamente falsificado não se mostra reconhecida ou conferida, nada assegurando ter sido feita pelo Arguido ou por alguém a seu mando, sendo a prova documental insuficiente para o Tribunal afirmar que o arguido fabricou, obteve, usou e apresentou o documento em causa.
26. Em face da prova produzida, só subsiste a dúvida sobre se o documento é falso e quem falsificou o mesmo, sendo que, na dúvida, tem o Arguido que ser absolvido, por força do princípio “in dubio pro reo”.
27. Na verdade, o princípio “in dubio pro reo” é um princípio geral do processo penal, decorrente do princípio constitucional da presunção de inocência consagrado no artigo 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, e constitui uma imposição ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa.
28. Se atendermos aos documentos junto aos autos, é possível aferir que o próprio documento foi fabricado de forma grosseira, claramente perceptível por qualquer homem comum, o que aliás vem expresso no Acórdão recorrido, que refere “no lugar da matrícula fez constar “Audi” e no lugar da marca fez constar “..” e o número de quadro “……………..”.
29. Estamos perante uma falsificação grosseira, porque concebida de forma tosca, mal acabada, que não enganaria manifestamente ninguém, uma vez que nem identifica a matrícula do próprio automóvel, cujo documento de extinção de reserva de propriedade se pretende obter, porquanto no lugar da matrícula diz “Audi”), e no local da marca diz “..”, sendo incapaz de conferir ao documento uma aparência de verdade (neste sentido, veja-se, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no processo n.º 466/03.7PAMAI.P1, de 03-06-2009 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 0110635, de 14-11-2001).
30. Ninguém, colocado como homem médio, na presente situação, pode ser enganado, pois sem esforço algum colocado na análise a fazer ao documento facilmente se apercebe que o documento é uma (má) falsificação, tal é o baixo nível de perfeição e idoneidade do documento em causa.
31. Mesmo se assim não se entenda, o que não se concebe, a própria imperfeição da falsificação, na medida em que representa objectivamente um menor perigo de induzir em erro um qualquer observador e de, assim, causar prejuízos ou benefícios ilegítimos, deve ser tida em conta na determinação da medida concreta da pena correspondente ao crime em causa, o que não sucede no Acórdão aqui recorrido, cuja questão não foi sequer analisada.
Acresce ainda que,
32. A pena em que o Arguido foi condenado é excessivamente severa e desproporcional face aos critérios legais.
33. O Tribunal parece ter preferido a pena de prisão, em detrimento da pena de multa, por considerar que “o arguido praticou o crime no exercício/da s profissão de vendedor de automóveis, actividade que continua, a exercer, entendemos que só a pena privativa da liberdade satisfaz as necessidades de prevenção especial”. No entanto, o Tribunal olvida que o Arguido, neste momento, é trabalhador por conta de outrem, pelo que não tem qualquer interferência, nem poder de decisão nos registos de aquisição dos automóveis.
34. Pelo que foi violado, na escolha da pena, o disposto no artigo 70º do CP que determina que, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realize, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
35. E o artigo 72º, n.º 2 do CP, que estabelece que se deve ter em conta, entre outros factores, todas as circunstâncias que deponham a favor do agente ou contra ele.
36. Deve entender-se, assim adequada uma pena não detentiva, e fixar em dias de multa a pena correspondente ao crime de falsificação de documento agravado em detrimento da pena de prisão, claramente desproporcional e inadequada à presente situação do Arguido.
37. Foram violados os artigos 374º, 379º, nº 1 alínea b), artigo 410.º n.º 2 alíneas a) e c) do Código de Processo Penal, artigos 40º, 70º, 71º, 72º, 255º a), 256.º, nº 1 alínea d) e nº3 do Código Penal e artigo 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.»

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a essa motivação, pugnando pelo não provimento do recurso.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, reiterando a posição assumida pelo Ministério Público junto do Tribunal da primeira instância.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, as seguintes:
-saber se o acórdão recorrido padece de nulidade, nos termos do artigo 379º, nº 1, b), do Código de Processo Penal;
- saber se a prova produzida, também à luz do princípio in dubio pro reo, impõe decisão diferente da que foi tomada no acórdão recorrido no que se refere aos factos descritos nos pontos 3, 5 e 8 do elenco dos factos provados constante desse acórdão, devendo, por isso, ser o arguido e recorrente absolvido do crime de falsificação..
-saber se estamos perante uma falsificação grosseira e, por isso, não punível.
-saber se a pena em que o arguido e recorrente foi condenado é excessiva e desproporcionada, face aos critérios legais, devendo a prisão (suspensa na sua execução) ser substituída por multa.

III – Da fundamentação do douto acórdão recorrido consta o seguinte:

«(…)
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Na audiência de julgamento resultou provada a seguinte matéria de facto:
1. O arguido B… foi sócio, trabalhador e legal representante do “H…”, sito na Rua …, na Póvoa do Varzim, e dedicou-se ao comércio de veículos automóveis.
2. Em data não concretamente apurada, mas no decurso do mês de Dezembro de 2007, D…, proprietária do veículo automóvel de marca “Audi”, de matrícula ..-DL-.. dirigiu-se ao referido “H…” onde contactou com o arguido pretendendo vender o citado veículo.
3. Nessa altura, como D… estava a pagar um empréstimo contraído junto da Instituição Financeira de Crédito, C… crédito, no valor de €. 16.450,00 a ser pago em 77 prestações, no valor cada de €313,79, e com reserva de propriedade o favor do C… acordou com o arguido a deixar ali o veículo para venda ao público, comprometeu-se a efetuar o pagamento das prestações vincendas referentes ao citado empréstimo e, quando vendesse o veículo liquidava o empréstimo, extinguindo a reserva de propriedade.
4. Na posse do dito automóvel de matrícula ..-DL-.. o arguido em 29 de Outubro de 2009 fez registar a propriedade do mesmo a favor da sua mulher I….
5. Para tanto, em data não concretamente apurada, mas em data posterior a 22 de Maio de 2009, munido do documento de extinção de reserva emitido pelo C…, em 22 de Maio de 2009, referente a um veículo automóvel de matrícula ..-..-XC do qual era proprietário, o arguido pelo seu próprio punho ou alguém a seu mando, apagou a matrícula ..-..-CX e a marca Renault e escreveu as seguintes menções identificativas do veículo (de matrícula ..-DL-..) no lugar da matrícula fez constar “Audi” e no lugar da marca fez constar “..”e o número de quadro “……………..”, no referido documento de extinção de reserva de propriedade.
6. De seguida, entregou toda documentação referente ao veículo automóvel de matrícula ..-DL-.., bem com a declaração de extinção de reserva de propriedade por si alterada, à sua Advogada para esta efetuar o registo do mesmo a favor de I…, através do site do Instituto dos Registos e Notariado, Conservatória do Registo Automóvel do Porto.
7. A assistente apenas procedeu ao pagamento das primeiras seis mensalidades ao C…, no valor de € 313,79 cada.
8. O arguido não efetuou o pagamento das prestações em falta à Instituição Financeiro, C… no valor total de € 15.926,77.
9. Nessa sequência, o C… propôs uma acção executiva que correu seus termos no Tribunal Judicial de Paredes, com o número 1082/09.5TBPRD contra D… para obter o pagamento da referida quantia em dívida, tendo recebido apenas a quantia de € 1.568,95.
10. O arguido, ao atuar da forma descrita, ao inscrever no documento emitido pelo C… referente ao veículo automóvel de matrícula ..-..-XC os dizeres supra descritos quis dessa forma, registar o veículo automóvel no nome da sua mulher, o que conseguiu, integrando no seu património.
11. Sabia o arguido que não tinha direito ao citado veículo automóvel cuja propriedade foi obtida nas circunstâncias descritas, atuando, com a intenção de obter um enriquecimento patrimonial não permitido por lei e causar um prejuízo no valor de € 15.926,77 ao C….
12. Mais sabia que tal conduta punha em causa a credibilidade e fé pública depositada em todos os documentos, atentando, assim, contra a segurança e confiança do tráfico probatório, desse modo, conseguindo auferir benefícios a que sabia não ter direito, à custa do prejuízo determinado aos ofendidos.
13. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei penal.
14. Sabia o arguido ser o seu comportamento proibido e punido por lei penal.
15. O arguido nasceu a 11 de janeiro de 1971.
16. O processo educativo de B… decorreu no seio de um agregado de estatuto sócio-económico e cultural desfavorecido, sendo a dinâmica familiar caracterizada pela coesão afetiva.
17. O trajeto escolar decorreu sem indícios de dificuldades de aprendizagem, abandonando os estudos com o 12.° ano concluído.
18. Praticou entre os 12 e 34 anos basquetebol no J…, participando nas competições nacionais, compatibilizando-o com os estudos e atividade profissional.
19. Iniciou-se no mercado de trabalho aos 21 anos na qualidade de funcionário administrativo do J….
20. Decorridos cinco anos, passa a trabalhar como vendedor de automóveis na firma K…, Ld.ª, em Vila do Conde.
21. Desde então, o seu trajeto profissional decorreu com sucesso neste ramo comercial de forma regular e continuada.
22. No ano de 2007 contraiu matrimónio e decidiu estabelecer-se por conta própria criando o H…, na Póvoa de Varzim.
23. Os factos constantes dos autos reportam-se a um contexto económico pouco favorável ao arguido, devido à quebra de vendas de automóveis, tomando incomportáveis os encargos decorrentes dos compromissos assumidos.
24. A este facto acresce o mau investimento reconhecido por B… e sua mulher na criação duma ourivesaria para esta gerir e estar laboralmente ativa.
25. Atendendo à conjuntura económica, o arguido viu-se obrigado a desistir destes projetos e encerrar a atividade empresarial nos dois sectores, com o acumular de dívidas ainda por saldar, facto que se repercutiu negativamente na relação conjugal e que conduziu à sua rutura em 2011.
26. Reconciliado com o ex-cônjuge, em 2012, o casal passou a viver em união de facto, a dinâmica familiar é caracterizada pela sua consistência afetiva.
27. O agregado é constituído pela mulher e o filho de 5 anos.
28. Subsistem dos rendimentos no valor global de € 1.035,00 provenientes da atividade de vendedor de automóveis do arguido, da firma L…, Ld.ª e da atividade de esteticista da mulher que trabalha por conta própria, suportam as despesas mais significativas a mensalidade relativa ao crédito habitação (350€) para além de gastos domésticos.
29. Residem na Rua …, .., .° direito, na Póvoa de Varam, num apartamento de tipologia 3, na periferia da cidade, adquirido por crédito habitação, que reúne condições de habitabilidade.
30. Na empresa L…, Ld.ª o arguido exerce o cargo de chefe de vendas e é considerado pela entidade patronal um profissional competente.
31. O arguido dedica grande parte do seu tempo à atividade profissional e os poucos períodos de lazer de que dispõe são compartilhados com a mulher e o filho.
32. O arguido é primário.
33. O arguido ressarciu os ofendidos de todo prejuízo resultante dos que lhe são imputados.
*
2.2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
Da relevante para a discussão da causa logrou obter prova toda a matéria de facto.
*
2.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
Para formar a sua convicção, o tribunal, tendo sempre em atenção o disposto no artº 127º, do Código de Processo Penal, isto é, tendo em atenção o princípio de que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção, bem como as excepções ao mesmo princípio, decorrentes também da lei, baseou-se essencialmente:
Na prova documental junta aos autos a fls. 20 e 21 contrato de financiamento nº ……, celebrado em 04-05-2007, em que o C… outorgou com D… o mútuo para aquisição do veículo de matrícula ..-DL-.., pelo montante de € 16.450,00, no seguimento do contratado a viatura foi averbada em nome da mutuária e registada a favor da C… a respectiva reserva de propriedade conforme resulta do teor do documento de fls. 46 a 51 e 57; teor da carta remetida a D… de resolução do contrato de financiamento do contrato nº ……, por incumprimento, datado de 07.04.2008 e respectivo talão de serviço a fls. 26 a 28; fotocópia da acção executiva proposta contra a assistente em 23.03.2009 a fls. 30 a 32; fotocópia do Documento Único Automóvel emitido em 2009.09.03 do veículo de matrícula ..-DL-.., registado em nome da assistente, sem reserva de propriedade a favor do C… a fls. 40 a 43; certidão narrativa emitida pela Conservatória do Registo de Automóveis do Porto de fls. 45 a 77.
O arguido prestou declarações em julgamento, relatou que a assistente e a testemunha E… (namorado da D…), venderam-lhe a carrinha .. no início do mês de Dezembro de 2007, tendo pago em notas do BCE a quantia de € 17.500,00, tendo acordado com o E… que eles liquidavam o montante em dívida ao C…. As declarações do arguido não se mostram credíveis porquanto segundo a sua versão pagou o montante de € 17.500,00 em numerário, ao E…, quando esse valor correspondia ao valor em dívida ao C…. Ora, tendo em conta que o arguido era cliente do C… no âmbito da sua atividade profissional de vendedor de automóveis, facilmente indagava junto do C… do valor em dívida e liquidava o valor do crédito, obtendo o documento de extinção de reserva de propriedade do veículo e registava em nome da esposa. Na versão relatada pelo arguido, foi a testemunha E… que lhe entregou o documento de extinção de reserva de propriedade falsificado, em 2009, tendo então entregue à sua advogada os documentos para extinção da reserva de propriedade a favor do C… e registar o veículo em nome da sua esposa em setembro de 2009.
Nas declarações da assistente D… e E… os quais relataram de forma coerente que no mês de Dezembro de 2007, o arguido comprometeu-se a vender a carrinha .. no seu H…, ficou acordado que o arguido pagava as prestações mensais ao C… até à venda do mesmo, quando se concretiza-se a venda o arguido liquidava o empréstimo bancário e dividiam o lucro entre assistente e arguido; mais negaram a entrega ao arguido do documento de extinção de reserva de propriedade falsificado.
A testemunha F… relatou que trabalhou no H… do arguido entre 2007 a junho de 2010, é seu primo, relativamente à carrinha A4 recorda-se de a mesma ter sido colocada à venda no H…, pertencente à assistente D…; julga que o arguido comprou a viatura e entregou o dinheiro ao E…, porém não assistiu à entrega do dinheiro correspondente ao preço de venda da carrinha.
A testemunha I…, esposa do arguido, relatou que não tem conhecimento dos factos, apenas confirmou que a carrinha .. foi registada em seu nome a pedido do marido.
A testemunha M… relatou que era funcionária do C… e que o arguido solicitou através da carta constante a fls. 82 a entrega do documento de extinção de reserva de propriedade referente à viatura Renault, matrícula ..-..-XC ao funcionário N….
A testemunha N… relatou que trabalhou no H… do arguido, confirmou que levantou o documento de extinção de reserva de propriedade referente à viatura Renault, matrícula ..-..-XC e assinou o documento de fls. 82.
A testemunha G… relatou que era advogada do arguido no ano de 2009, confirmou que realizou o acto de extinção de reserva de propriedade constante dos autos a fls. 124 a 127 com base nos documentos entregues pelo arguido, designadamente, o documento de extinção de reserva de propriedade de fls. 126 e 127.
A testemunha O… relatou que é advogado e bancário na secção jurídica do C…, em outubro de 2009 recebeu a cliente D… por causa do contrato de financiamento para aquisição da viatura de matrícula ..-DL-.., que se mostrava surpreendida por estar a decorrer acção executiva contra ela, quando já havia sido extinta a reserva de propriedade conforme documento do automóvel que recebera. De imediato solicitou à conservatória do registo automóvel a certidão relativa ao veículo, tendo constatado que tinham utilizado a extinção de reserva de propriedade de um veículo pertencente ao arguido de marca Renault, alteraram os elementos do veículo para Audi conseguindo desse modo extinguir a reserva de propriedade do Audi matrícula ..-DL-.., registado em nome da esposa do arguido, encontrando-se ainda em dívida o crédito, apenas foi pago pela mutuária 6 mensalidades e no âmbito da acção executiva o montante correspondente a 5 mensalidades.
A testemunha P… relatou que era amiga da assistente, mas não tinha conhecimento pessoal dos factos discutidos na acusação.
A testemunha Q… relatou que conhece a assistente por lhe ter adquirido a Audi matrícula ..-DL-.., através de financiamento junto do C….
A testemunha S… relatou que é amiga da assistente, acompanhou-a ao H… do arguido, a D… dizia que ia receber do arguido dinheiro para pagar as prestações do Audi, mas nunca se deslocou ao interior do H….
A testemunha T… relatou que foi advogado do C…, tomou conhecimento de que foi falsificada uma reserva de propriedade com outro documento emitido pelo C…, reconheceu a assinatura de fls. 67.
Da conjugação da prova documental e testemunhal resulta que o requerimento de registo automóvel de fls. 54 a 56 foi falsificado, não tendo sido emitido pelo C…, porquanto,
A assinatura constante do documento de extinção de reserva de propriedade de fls. 54 a 56, aposta na qualidade de procurador da C…, pertence de facto a U…, a assinatura constante do modelo em causa, aposta na qualidade de advogado, pertence ao Dr. V…, o qual fez o registo on-line sob o n.° …../….., no dia 22/05/2009, mas o mesmo respeita ao veículo automóvel de marca Renault, modelo …, matrícula ..-..-XC e não ao veículo de matrícula ..-DL-...
Em 2007-05-04, a C… outorgou com B…, um Contrato de Financiamento n.° ……, pelo montante de € 7.500,00, a ser pago em 84 prestações mensais, destinando-se o mesmo à aquisição do veículo marca Renault, matrícula ..-..-XC, conforme resulta do teor do contrato de fls. 79 e 80, com constituição a favor do C… de uma reserva de propriedade sobre o veículo financiado.
- Perante a liquidação integral, por pagamento, verificada neste Contrato de Financiamento, a C… emitiu o respectivo documento de extinção de reserva que detinha sobre o veículo ..-..-XC, documento esse devidamente assinado por U…, seu procurador, e reconhecido pelo Dr. V…, reconhecimento efetuado sob o n. ° …../….., no dia 22/05/2009.
A pedido expresso do arguido B…, a C… procedeu à entrega, por mão própria, do documento de extinção de reserva sobre o veículo ..-..-XC à testemunha N…, conforme fotocópia 82.
O arguido munido do original do documento de extinção de reserva de propriedade do veículo ..-..-XC, emitido pela C…, utilizou-o para a viatura ..-DL-.., alterando-o da seguinte forma, apagou a matrícula ..-..-XC e marca Renault, previamente ali inscritas e apondo-lhe as seguintes menções “Audi”, “..” e inscrevendo-lhe o n.° de quadro …………….., criando desta forma a aparência que a C… havia emitido o documento de extinção de reserva relativa ao veículo de marca Audi, modelo .., quadro n.° …………….., a que corresponde a matrícula ..-DL-.., levando a que a advogada do arguido procede-se à extinção da reserva de propriedade e registo do veículo em nome da esposa do arguido.
A análise conjugada da prova supra indicada, apreciada de acordo com os critérios legais e com as regras da experiência comum, permitiu ao Tribunal formar a sua convicção quanto aos factos dados como provados.
Relativamente à situação económica, social e condições pessoais da vida do arguido, o tribunal apreciou livremente o teor do relatório social junto aos autos.
Por fim, o tribunal teve em conta o teor do certificado de registo criminal junto aos autos.
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2.4. ASPECTO JURÍDICO DA CAUSA
2.4.1. ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL
Sendo esta a matéria de facto provada façamos o seu enquadramento jurídico-penal.
O arguido vem acusado da prática, em autoria material, de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art° 256°, n° 1 al. d), do Código Penal.
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Crime de falsificação
Comete o crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256°, do Código Penal,
“1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:
a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;
b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram;
c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento;
d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;
e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou
f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito;
é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
2 - A tentativa é punível.
3 - Se os factos referidos no n.º 1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267.º, o agente é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias.”
O tipo objetivo é possível distinguir os seguintes elementos típicos: a existência de um documento, enquanto objeto de ação; diversas modalidades de conduta – fabrico de documento falso, falsificação ou alteração de documento, abuso da assinatura de outrem, fazer constar falsamente facto juridicamente relevante, uso de documento falso.
Relativamente ao tipo subjetivo de ilícito, dir-se-á que constitui ele um crime intencional, exigindo um dolo específico, pois que o agente necessita de atuar com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo.
No caso dos autos, resultou provado que o arguido munido do documento de extinção de reserva emitido pelo C…, em 22 de Maio de 2009, referente a um veículo automóvel de matrícula ..-..-XC do qual era proprietário, pelo seu próprio punho ou alguém a seu mando, apagou a matrícula ..-..-CX e a marca Renault e escreveu as menções identificativas do veículo (de matrícula ..-DL-..) no lugar da matrícula fez constar “Audi” e no lugar da marca fez constar “A4” e o número de quadro “……………..”, entregou à sua advogada toda a documentação referente ao veículo de matrícula ..-DL-.., bem com a declaração de extinção de reserva de propriedade por si alterada, a qual efetuou o registo do mesmo a favor da esposa do arguido I…, através do site do Instituto dos Registos e Notariado, Conservatória do Registo Automóvel do Porto.
No que concerne à alteração do documento de extinção de reserva da propriedade e sua apresentação na Conservatória do Registo Automóvel, e a consequente alteração do registo automóvel, é nosso entendimento de que, nesses casos, as condutas do arguido se subsumem no n° 3 do artigo 256° do Código Penal e não apenas no seu n° 1.
Na verdade, pese embora a falsificação (material) efetuada pelo arguido se traduza na alteração de um documento particular, ou seja, o documento de extinção de reserva de propriedade, o certo é que tal falsificação determinando, através do engano que provoca nos funcionários da Conservatória do Registo Automóvel, a viciação do registo automóvel, fazendo dele constar falsamente facto juridicamente relevante, ou seja, a sua falsificação (ideológica) vem a traduzir-se numa falsificação de documento autêntico. Sobre a noção de documento autêntico e sua força probatória vide o disposto nos artigos 363° e 371° do Código Civil. Tal como refere Helena Moniz, “não existe atualmente no sistema jurídico português nenhum tipo legal de crime que puna o terceiro que se serve do funcionário de boa-fé para inserir no documento elementos inexatos ou falsos. E quanto a nós corretamente, visto que a atividade de falsificação irá ser integrada no tipo legal de crime que temos vindo a analisar”, ou seja, o do artigo 256° do Código Penal (cfr. Comentário Conimbricense, Coimbra Editora, 1999, tomo II, pág. 679). Para melhor compreensão, vide a redação do artigo 233°, n° 2 do Código Penal, na sua versão de 1982, onde se previa a chamada falsa documentação indireta.
Assim sendo, atenta a factualidade provada, com a conduta descrita, o arguido cometeu um crime de falsificação de documentos p. e p. pelo artº 256º, n.º 1, al. d) e nº 3, do Código Penal.
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2.4.2. DA MEDIDA CONCRETA DA PENA
Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, importa agora determinar a natureza e medida da sanção a aplicar.
O crime de falsificação de documento previsto no artº 256º, nº 1, al. d) e nº 3, do Código Penal, é punível com pena de prisão de 6 meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias.
Dispõe o artº 70º do C.P. que "se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição."
Nos termos do artº 40º, nº 1, do C.P. a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Considerando que o arguido praticou o crime no exercício da sua profissão de vendedor de automóveis, atividade que continua a exercer, entendemos que só a pena privativa da liberdade satisfaz as necessidades de prevenção especial, mas também por causa das necessidades de prevenção geral face à gravidade do acto praticado pelo agente traduzido na falsificação de um documento de extinção de reserva da propriedade de automóvel e consequente alteração do registo de propriedade.
Para determinar a pena concreta recorre-se ao critério global previsto no nº 1 do art. 71º do CP, o qual dispõe que "a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Donde se extrai que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa e da prevenção - especial e geral positiva ou de integração -, concretizadas a partir da eleição dos elementos para elas relevantes.
Na determinação do substrato da medida da pena, isto é, da totalidade das circunstâncias do complexo integral do facto (factores de medida da pena) que relevam para a culpa e a prevenção, há que atender a "todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele" (art. 71º, nº 2, do CP).
Consideremos agora as circunstâncias relevantes em termos de medida da pena concreta.
No sentido da agravação da ilicitude contribui o grau de conhecimento e a intensidade da vontade no dolo: dolo directo.
Por outro lado, atender-se-à ao seu modo de actuação e às consequências sofridas pelo ofendido em consequência da conduta do arguido, por um lado, o arguido praticou os factos numa fase de crise financeira, porém reparou o prejuízo que causou aos ofendidos.
Atenuam o grau de culpa do arguido a sua condição pessoal, designadamente, o percurso de vida de trabalho.
Relevam por via da prevenção especial para efeito de medida da pena:
A ausência de antecedentes criminais do arguido, inserção familiar e profissional.
Tudo ponderado, mostra-se adequada e ajustada a pena de 10 (dez) meses de prisão.
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Impõe-se, agora, determinar se é caso de substituir a pena de prisão por uma pena não detentiva ou por uma pena detentiva prevista na lei.
Entre as medidas não detentivas há então que ponderar, a suspensão da execução da prisão, v.g. sujeita ao cumprimento de obrigações e/ou de regras de conduta ou até complementada com o regime de prova (arts. 50º a 54º do CP).
Impõe-se, assim, abordar a questão da suspensão da execução da pena, à luz do disposto no disposto no artº 50°, nº 1, do Código Penal, na redacção da Lei nº 59/2007, o qual dispõe que:
“O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Trata-se, aqui, de um (novo) regime de suspensão da execução da pena que se analisa, agora, em um verdadeiro poder vinculado do julgador conforme vem o S.T.J. decidindo, não são considerações de culpa que deverá decretá-la sempre que se encontrem reunidos tais pressupostos interferem na decisão sobre a execução da pena, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto da suspensão, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas.
Efectivamente, o que se consagra naquele texto legal é nem mais nem menos do que “…um meio em si mesmo autónomo de reacção jurídica criminal, configurado como pena de substituição, que se baseia em juízo de prognose favorável ao condenado desde que não fiquem prejudicadas as finalidades da punição” (Sá Pereira e Alexandre Lafayette, in Código Penal, Anotado e Comentado, Quid Juris, 2008, 179).
Ora, em face de tudo, quanto ao passado e condições de vida do arguido ficou provado acima e já se pôs até em relevo e ao que daí se extrai quanto à sua personalidade, afigura-se-nos claro, que tais circunstâncias constituem factos que permitem elaborar o prognóstico de que a simples censura pública e solene do seu crime e a ameaça da execução da pena de prisão bastarão para o afastar da criminalidade e satisfazer ao mesmo tempo as necessidades concretas de reprovação do seu crime e de prevenção de outros.
Por outro lado, não se vislumbram razões de prevenção geral que desaconselhem a suspensão da execução da pena pela prática do crime em apreço, sendo, então, de entender que, no caso destes autos, os fins das penas serão melhor realizados se se declarar tal suspensão.
(…)»

IV 1. – Cumpre decidir.
Vem o arguido e recorrente alegar que o acórdão recorrido é nulo, nos termos do artigo 379º, nº 1, b), do Código de Processo Penal, por o ter condenado por factos diferentes dos que constam da acusação, sem observância do disposto no artigo 358º do mesmo Código. Essa alteração consistirá no seguinte: enquanto do ponto 5 do elenco dos factos provados desse acórdão consta que ele, munido do documento de extinção de reserva emitido pelo C…, referente ao veículo de matrícula ..-..-XC, pelo seu próprio punho ou alguém a seu mando, apagou tal matrícula e a marca Renault e escreveu outras menções identificativas do veículo; da acusação (ver fls. 621 e segs.) consta apenas que o arguido apagou e escreveu essas menções pelo seu próprio punho.
Vejamos.
Nos termos do artigo 379º, nº 1, do Código de Processo Penal, é nula a sentença que condene por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º.
Estatui o referido artigo 358º que se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
A razão de ser desta comunicação prende-se com as exigências do princípio da vinculação temática, que está estritamente associado às garantias de defesa do arguido. Estas impõem que o arguido saiba quais os factos que lhe são imputados e possa defender-se dessa imputação. Se se verificar uma alteração desses factos, deve o arguido poder defender-se contando com tal alteração, para que não seja surpreendido pela mesma apenas quando lhe for lida a sentença. Se, por exemplo, essa alteração for relativa à hora da prática dos factos, deve o arguido ter a oportunidade de se defender contando com essa alteração (podendo, eventualmente, apresentar prova de que nesse momento não estava no local, ou alegar nesse sentido).
Ora, se o arguido vem acusado da autoria material da falsificação de um documento (“pelo seu próprio punho”) pode centrar a sua defesa apenas na circunstância de a letra em questão não ser a sua, de não existir exame pericial a essa letra, ou de o resultado de um eventual exame pericial não ser conclusivo. Se a acusação abranger a autoria moral (“por alguém a seu mando”), já essa defesa não bastará, pois nenhum desses factos afasta essa autoria moral.
Se, como sucedeu no caso em apreço, na acusação foi imputada ao arguido apenas a autoria material de uma falsificação e no acórdão condenatório lhe é imputada também a autoria moral dessa falsificação, sem que tenha sido efetuada a comunicação a que se reporta o referido artigo 358º do Código de Processo Penal, não há duvida de que foram limitados os seus direitos de defesa, pois não lhe foi dada a oportunidade de se defender da imputação dessa autoria moral, com a qual foi surpreendido apenas aquando da leitura da sentença.
Deve, assim, concluir-se que o acórdão recorrido é nulo, nos termos do artigo 379º, nº 1, b), do Código de Processo Penal, por não ter sido observado o disposto no artigo 358º do mesmo Código.
Para que a nulidade do acórdão seja suprida, impõe-se a realização de novo julgamento, nos termos dos artigos 426º e 426º-A também do Código de Processo Penal, pois só dessa forma pode dar-se correto cumprimento às garantias de defesa do arguido.
Deve, assim, ser dado provimento ao recurso

Não há lugar a custas (artigo 513º, nº 1, a contrario, do Código de Processo Penal).

V – Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso, declarando nulo o acórdão recorrido e determinando a realização de novo julgamento.

Notifique.
Porto, 15/10/2014
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Eduarda Lobo