Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
13737/15.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: CLAÚSULAS CONTRATUAIS GERAIS
ACÇÃO INIBITÓRIA
NULIDADE
PUBLICIDADE DA DECISÃO
Nº do Documento: RP2016040713737/15.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 04/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 622, FLS.303-311)
Área Temática: .
Sumário: I - Um dos mecanismos de controlo do conteúdo das cláusulas contratuais gerais é a ação inibitória, prevista no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 446/85, e o que nesta ação está em causa não é um controlo concreto, que encare a cláusula como elemento de um determinado contrato, mas um controlo sobre a própria cláusula, um controlo abstrato que acautela o risco de uma multiplicação não contrariada de cláusulas inválidas.
II - Na sequência do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 2/2016, tonou-se claro o entendimento que, em razão do disposto no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 446/85, e por violação do princípio da boa-fé, é proibida a “cláusula contratual geral que autoriza o banco predisponente a compensar o seu crédito sobre um cliente com o saldo de conta coletiva solidária, de que o mesmo cliente seja ou venha a ser contitular”.
III - O controlo do conteúdo das cláusulas contratuais gerais que é feito em sede de ação inibitória pressupõe que as mesmas não foram objeto de negociação; daí a necessidade de tais cláusulas terem de ser completamente claras e inequívocas, sob pena de, nesta sede apreciativa própria da ação inibitória, se revelarem nulas.
IV - A publicitação da decisão condenatória (prevista no n.º 2 do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 446/85) deve ser proporcional (justificando a não inclusão da mesma na página online do réu, por se revelar excessiva), mas suficientemente eficaz (justificando, no caso, a publicação em dois jornais diários) de modo a permitir, assim acautelando as finalidades da lei, o conhecimento do seu conteúdo pelos eventuais interessados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Sumário (da responsabilidade do relator): 1 - Um dos mecanismos de controlo do conteúdo das cláusulas contratuais gerais é a ação inibitória, prevista no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 446/85, e o que nesta ação está em causa não é um controlo concreto, que encare a cláusula como elemento de um determinado contrato, mas um controlo sobre a própria cláusula, um controlo abstrato que acautela o risco de uma multiplicação não contrariada de cláusulas inválidas. 2 - Na sequência do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 2/2016, tonou-se claro o entendimento que, em razão do disposto no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 446/85, e por violação do princípio da boa-fé, é proibida a “cláusula contratual geral que autoriza o banco predisponente a compensar o seu crédito sobre um cliente com o saldo de conta coletiva solidária, de que o mesmo cliente seja ou venha a ser contitular”. 3 - O controlo do conteúdo das cláusulas contratuais gerais que é feito em sede de ação inibitória pressupõe que as mesmas não foram objeto de negociação; daí a necessidade de tais cláusulas terem de ser completamente claras e inequívocas, sob pena de, nesta sede apreciativa própria da ação inibitória, se revelarem nulas. 4 - A publicitação da decisão condenatória (prevista no n.º 2 do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 446/85) deve ser proporcional (justificando a não inclusão da mesma na página online do réu, por se revelar excessiva), mas suficientemente eficaz (justificando, no caso, a publicação em dois jornais diários) de modo a permitir, assim acautelando as finalidades da lei, o conhecimento do seu conteúdo pelos eventuais interessados.

Processo n.º 13737/15.0T8PRT.P1

Recorrente – Banco B…, SA
Recorrido – Ministério Público

Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Carlos Querido.

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

1 – Relatório
1.1 – Os autos na 1.ª instância:
O Ministério Público veio propor (ao abrigo do disposto nos artigos 25 e 26, n.º 1, al. c) do Decreto-Lei n.º 446/85) ação inibitória contra Banco B…, S.A., pedindo o seguinte:
1) Serem declaradas nulas as seguintes cláusulas: A) Dos Contratos (I) de contas de depósito de valores; (II) de utilização do serviço B1.../B2…; (III) e de utilização de Serviços de Pagamento, incluindo transferências a crédito e a débito, cartões de pagamento e débitos diretos: a) Cláusula 8.3 da secção A (sob a epígrafe “Provisão e Débitos na Conta e Ultra- passagem de Crédito” referente à conta de depósito de valores); b) Cláusulas 6.3 e 6.4 da secção C (sob a epígrafe “Utilização” dos cartões de débito B…); c) Cláusulas 5 e 6 da secção G (sob a epígrafe “Comunicação e Informação”). B) Do contrato de Conta de Depósito de Valores (“Conta B3…”): a) Cláusula 8.3 (sob a epígrafe “Provisão e Débitos na Conta”); b) Cláusulas 16.5 e 16.6 (sob a epígrafe “Comunicação e Informação”);
2) Ser o Réu condenado a abster-se de utilizar tais cláusulas em contratos que venha a celebrar no futuro, com as especificações previstas no artigo 30.º, n.º 1, e com as consequências previstas no artigo 32.º do RCCG.
3) Ser o Réu condenado a dar publicidade à decisão (art. 30.º, no 2, do RCCG) e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar na sentença, sugerindo-se que a mesma seja efetuada em anúncio a publicar em dois dos jornais de maior tiragem editados em Lisboa e Porto, de tamanho não inferior a 1⁄4 (um quarto) de página, durante dois dias consecutivos, bem como em anúncio a publicar na página da internet do réu.
4) Proceder-se à comunicação prevista no art. 34.º do RCCG.”

Fundamentando o pretendido, o autor, em síntese, veio dizer:
- O réu tem por objeto o exercício da atividade bancária e, no exercício da sua atividade, tem vindo a celebrar em Portugal, com múltiplos clientes, contratos cujas cláusulas são as constantes dos documentos juntos, cujo conteúdo se dá por reproduzido.
- Trata-se dos seguintes contratos: A) Contratos (I) de contas de depósito de valores; (II) de utilização do serviço B1…/B2…; (III) e de utilização de Serviços de Pagamento, incluindo transferências a crédito e a débito, cartões de pagamento e débitos diretos – cujas condições gerais constituem o doc. n.º 2; B) Contrato de Conta de Depósito de Valores e de Pagamentos (“Conta B3…”) – cujas condições gerais constituem o doc. n.º 3.
- Para tanto, apresenta aos interessados que com ele pretendam contratar um clausulado previamente elaborado por si, que não é objeto de qualquer negociação individual.
- No que concerne às condições gerais dos contratos ((I) de contas de depósito de valores; (II) de utilização do serviço B1…/B2…; (III) e de utilização de Serviços de Pagamento, incluindo transferências a crédito e a débito, cartões de pagamento e débitos diretos (doc. 2), afiguram-se nulas as seguintes cláusulas: I - Cláusula 8.3 (sob a epígrafe “Provisão e Débitos na Conta e Ultrapassagem de Crédito” referente ao contrato da conta de depósito de valores): a cláusula estabelece a possibilidade de compensação de créditos entre os contratantes recorrendo a outras contas do titular, inclusive a contas (solidárias) das quais o cliente não é o único titular; II – Cláusulas 6.3 e 6.4 (sob a epígrafe “Utilização” dos cartões de débito B…), nas quais se permite ao Banco eximir-se genericamente da responsabilidade emergente da sua culpa, ou do risco; III – Cláusulas 5 e 6 (sob a epígrafe “Comunicação e Informação”), que também permitem ao predisponente eximir-se, de um modo genérico, da responsabilidade emergente da sua culpa, ou do risco.
- No que concerne ao Contrato de Conta de Depósito de Valores denominada “Conta B3…”(doc. 3) afiguram-se nulas as seguintes cláusulas: IV - Cláusula 8.3 (sob a epígrafe “Provisão e Débitos na Conta”) que permite ao Banco efetuar o débito de saldo insuficiente da conta do cliente através do saldo ou da venda de ativos de contas solidárias de que o mesmo é cotitular; V – Cláusulas 16.5 e 16.6 (sob a epígrafe “Comunicação e Informação”), na medida em que permitem ao predisponente eximir-se, de um modo genérico, da responsabilidade emergente da sua culpa, ou do risco.

O réu contestou (fls. 90 e ss.). Quanto ao primeiro grupo de cláusulas, sustenta a sua admissibilidade, atendendo a que apenas permitem ao Banco atingir o património de cotitulares noutras contas no caso de tais contas serem solidárias, concretizando as cláusulas anteriores (cláusulas 8.1 e 8.2) quais as dívidas e débitos a que o regime de compensação contratual previsto pode ser exercido, assistindo ao Banco o direito de operar a compensação do seu crédito, desde que o faça até ao limite do direito de crédito do cliente devedor e respeitando a regra prevista no art. 853 n.º 3 do CC. Quanto ao segundo grupo, alega o réu ser alheio às relações entre o cliente e o terceiro com quem acordou a aceitação de meios de pagamento, pelo que não pode assumir qualquer responsabilidade pela não aceitação do cartão no estabelecimento daquele ou por erros de transmissão ou deficiências técnicas a que seja alheio; não está na letra nem no espírito das cláusulas invocadas a exclusão de responsabilidade do réu quando resultantes de vícios da sua prestação e que lhe possam ser atribuídos a título de dolo, culpa grave ou que sejam emergentes do risco. O contestante defende ainda que a publicação da decisão, nos termos em que foi peticionada, e porque desproporcionada, não deve ser atendida.

Foi realizada audiência prévia (fls. 104) e porque “os autos oferecem todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa, sem necessidade de produção de mais provas”, foi proferida a sentença (fls. 106 e ss.) de que ora se recorre, e na qual foi decidido: “Pelo exposto, julgo procedente a presente ação e, em consequência:
1) Declaro nulas as seguintes cláusulas: A) Dos Contratos (I) de contas de depósito de valores; (II) de utilização do serviço B1… / B2…; (III) e de utilização de Serviços de Pagamento, incluindo transferências a crédito e a débito, cartões de pagamento e débitos diretos: a) Cláusula 8.3 da secção A (sob a epígrafe “Provisão e Débitos na Conta e Ultrapassagem de Crédito” referente à conta de depósito de valores); b) Cláusulas 6.3 e 6.4 da secção C (sob a epígrafe “Utilização” dos cartões de débito B…); c) Cláusulas 5 e 6 da secção G (sob a epígrafe “Comunicação e Informação”). B) Do contrato de Conta de Depósito de Valores (“Conta B3…”): a) Cláusula 8.3 (sob a epígrafe “Provisão e Débitos na Conta”); b) Cláusulas 16.5 e 16.6 (sob a epígrafe “Comunicação e Informação”);
2) Condeno o Réu a abster-se de utilizar tais cláusulas em contratos que venha a celebrar no futuro, e que sejam do mesmo tipo dos acima referidos, ficando sujeito, em caso de incumprimento da proibição à sanção pecuniária compulsória prevista no art. 32.º do RCCG. 3) Condeno o Réu a dar publicidade à decisão (art. 30.º, n.º 2, do RCCG) e a comprovar nos autos essa publicidade, no prazo de dez dias, mediante anúncio a publicar em dois dos jornais de maior tiragem editados em Lisboa e Porto, de tamanho não inferior a 1⁄4 (um quarto) de página, durante dois dias consecutivos;
4) Absolvo o réu do pedido de publicação em anúncio na sua página da internet.
5) Proceda-se à comunicação prevista no art. 34.º do RCCG.”

1.2 – Do recurso:
Inconformado, o réu veio apelar. Pretende a revogação da sentença e a sua integral absolvição e formula as seguintes Conclusões:
1 - Quanto ao PRIMEIRO GRUPO, considerou a decisão recorrida que tais cláusulas são nulas por desrespeito ao disposto nos arts. 15 e 19, alínea d), esta última aplicável por força do art. 20 do RCCG.
2 - Sobre a questão de saber se, quando o banqueiro seja credor de apenas um dos titulares, pode operar a compensação com o saldo de uma conta solidária, não há consenso nem por parte da doutrina, nem da jurisprudência.
3 - Por um lado, Menezes Cordeiro, in “A Compensação Bancária”, 2003, 255-256, admite a compensação, em determinadas condições, por outro lado, Paula Camanho, in “Do Contrato de Depósito Bancário”, 235 e ss., defende que o Banco não poderá unilateralmente extinguir o crédito que tem perante a totalidade dos titulares da conta operando a compensação com um crédito que detém sobre um deles.
4 - Na jurisprudência a favor da compensação, pode consultar-se o Ac. Rel. Lisboa, de 22/1/2012, JusNet 301/2002 e o Ac. do STJ de 9/6/09, JusNet 3168/2009, tendo no sentido negativo, se pronunciado o Ac. Rel. Porto de 16/4/2012, JusNet 2536/2012, o Ac. STJ de 6/5/2004, JusNet 2504/2004 e o Ac. STJ de 5/6/2008, JusNet 2549/2008, bem como os Ac. do STJ de 15/5/2008 e de 13/11/2014 e o recente Acórdão de 25/06/2015 do STJ.
5 - Sendo vários os titulares de uma conta bancária, presume-se que as suas quotas sejam iguais (art. 516 do C.C.).
6 - Mas a compensação contratualmente estabelecida nas referidas cláusulas apenas permite ao Banco atingir o património de cotitulares noutras contas, no caso de tais contas serem solidárias.
7 - O S.T.J. admitiu já a validade e legitimidade de cláusulas análogas - que preveem a possibilidade de uma compensação automática, determinando a sujeição de cotitulares de outra conta, ao eventual pagamento de uma dívida que não contraíram e que, pode atingir a totalidade do depósito, - às apreciandas nos seus Acórdãos de 09/06/2009 e 02/03/2010, in dgsi.
8 - Tal previsão não desrespeita o princípio da boa-fé consagrado no artigo 15.o do R.J.C.C.G. e o disposto no artigo 19, alínea d), ex vi do art. 20 do mesmo R.J.
9 - Pois que, de acordo com as cláusulas 8.1 e 8.2 do mesmo contrato, e ao contrário do defendido no acórdão de 13/11/2014, citado pelo recorrido, são concretizadas as dívidas e débitos dentro dos quais o regime de compensação contratual previsto pode ser exercido, sendo, como tal, inaplicável o citado disposto no artigo 19, alínea d), do RCCG, ao caso concreto dos autos.
10 - As cláusulas gerais em sede de ação inibitória não beneficiam do regime de interpretação mais favorável previsto nas cláusulas ambíguas, valendo sim as regras gerais de interpretação dos artigos 236 a 238 do Código Civil.
11 - A compensação contratual automática, própria das contas correntes, não se confunde com a compensação civil regulada nos artigos 847 e ss. do Código Civil.
12 - Assistindo o direito de operar a compensação do seu crédito, desde que o faça até ao limite do direito de crédito do cliente (e aderente) devedor.
13 - Sendo certo que a compensação sempre respeitará a norma constante do artigo 853, n.º 2 do Código Civil que inviabiliza a compensação sempre que esta operação se revele prejudicial aos direitos de terceiro a analisar caso a caso, não carecendo a previsão legal imperativa de constar expressamente de qualquer contrato.
14 - Na conta solidária coletiva, o recorrente pode compensar o crédito que tenha sobre algum dos contitulares até à totalidade do saldo, pois se cada depositante tem a vantagem de poder movimentar sozinho o respetivo saldo, tem a desvantagem fiduciária e assumida de poder ser despojado do seu valor por ato unilateral do seu “parceiro” de conta.
15 - Um declaratário normal, com a abertura de uma conta solidária, não deixa de estar consciente da eventualidade de um cotitular proceder ao levantamento da totalidade da quantia depositada, e também das consequências que decorrem da admissibilidade de um regime de compensação que prevê a solidariedade passiva por dívidas suscetível de atingir a totalidade do património depositado.
16 - Nesse preciso sentido com meridiana clarividência, o teor, supra transcrito, do acórdão S.T.J. de 09/06/2009.
17 - A fidúcia que è a base fulcral de abertura e manutenção de uma conta em tais circunstâncias, não altera a natureza legal de tal compensação: se o cotitular se conforma, rectius... deseja a possibilidade de o seu “parceiro” de conta, poder esgotar por ato unilateral o saldo da mesma conta, de igual forma, encara como viável, a possibilidade de ser efetivada a compensação contratual e automática dos créditos da mesma conta.
18 - Casos que se incluem dentro do mesmo grau e natureza de extinção de créditos.
19 - Quanto ao SEGUNDO GRUPO, foi entendido na sentença recorrida que tais cláusulas são nulas, por desrespeito ao disposto nos arts. 12, 15, 17, 18, al. c) e 21, al. g), do R.J.C.C.G.
20 - As imputadas nulidades foram sustentadas sobretudo em 3 argumentos: - Não prevenção pelas cláusulas em apreço das exceções de ordem pública, previstas no art. 800, n.º 2 do C.C.; - O cariz pouco explícito das preditas cláusulas; - Não previsão no teor respetivo de que não resultaria exclusão de responsabilidade do Banco imputável a título de dolo ou culpa grave.
21 – O recorrente é alheio às relações entre o cliente e o terceiro, comerciante ou prestador de serviços, com quem acordou a aceitação de meios de pagamento, sendo tais relações, quanto ao Banco, claramente “res inter alios”.
22 - Não pode o recorrente assumir qualquer responsabilidade que possa resultar das operações realizadas, com os cartões por si emitidos, entre o aderente, titular do cartão e terceiros, pois não se trata de atos de seus legais representantes ou auxiliares, nem de sistemas ou equipamentos no âmbito da sua esfera técnica e jurídica, ou por si controlados ou utilizados, nem pela qualidade dos bens e serviços obtidos através da utilização do referido cartão.
23 - Todo e qualquer conflito que possa surgir entre o titular do cartão e o terceiro prestador do serviço, ou de qualquer ocorrência impeditiva da aceitação do cartão no estabelecimento, não poderá ser da responsabilidade do recorrente.
24 - Não estando na letra e no espírito das cláusulas invocadas que o Banco se pretenda eximir a qualquer responsabilidade decorrente das operações realizadas com o dito cartão, mesmo que sejam eventualmente resultantes de vícios da sua prestação e que lhe possam ser atribuídos a título de dolo ou culpa grave, ou que sejam emergentes do risco.
25 - Tais transcritas disposições contratuais, apenas plasmam a desresponsabilização do Banco pelas questões que possam surgir entre o comerciante o utilizador do cartão, no que respeita à transação que este mesmo execute.
26 - Ou de meios de comunicação e de interação do cliente para com o Banco Recorrente na exclusiva responsabilidade do próprio cliente.
27 - Não se vislumbrando como poderia recorrente ser responsabilizado v. g. pelo facto do terminal de pagamento do comerciante (que pode ou não ser um Terminal do próprio Banco) não aceitar o cartão do cliente ou se encontrar avariado ou com mau funcionamento, nem como poderia ser responsabilizado pela utilização do “mail”, telefone e outros meios de comunicação do cliente, em particular nos casos de erros de transmissão, e/ou deficiências técnicas.
28 - Decorre das regras gerais de direito que a desresponsabilização constante das normas apreciandas, não abarca os casos emergentes de culpa do recorrente.
29 - Com as preditas cláusulas não se pretende afirmar que, v. g., caso os sistemas do Banco tenham sofrido uma anomalia técnica e em resultado disto a ordem ou transmissão do cliente não seja eventualmente recebida, os danos dai decorrentes não possam ser imputáveis ao Banco recorrente.
30 - Situação bem diversa seria o caso, por exemplo, de um atraso na transmissão da ordem porquanto a velocidade da internet (largura de banda) contratada pelo cliente com o seu fornecedor de serviço ser insuficiente ou o servidor desse mesmo prestador tenha sofrido anomalia técnica.
31 - Afigura-se evidente que os danos dai decorrentes para o cliente não poderiam ser de forma alguma assacados ao recorrente, sendo pois este o sentido geral de tais cláusulas.
32 - E não a previsão de uma qualquer renúncia antecipada de direitos por parte do credor – cliente – por anomalias imputáveis ao Banco nos termos do art. 809 do Código Civil.
33 - Daí que se não possa concordar com a sentença quanto ao argumento do cariz pouco explícito das preditas cláusulas, designadamente quanto à não previsão, no teor respetivo, de que não resultaria exclusão de responsabilidade do Banco recorrente imputável a título de dolo ou culpa grave.
34 - Por último, sempre se dirá da desnecessidade de prevenção nas cláusulas em apreço das exceções de ordem pública, previstas no art. 800, n.º 2 do C.C.
35 - Tendo em conta a definição de Ordem Pública, afigura-se quase tautológico exigir a prevenção em cláusulas contratuais de exceções de Ordem Pública, como a sentença parece exigir, precisamente pelo seu sentido não contratual e extra partes.
36 - No entender do recorrente, não será nula cláusula contratual que não preveja expressamente, por exemplo, a exceção do n.º 2 do art. 280 do C.C....
37 - Nestes termos entende o Banco recorrente que as transcritas cláusulas 6.3 e 6.4; 16.5 e 16.6; 5 e 6, não são nulas, nos termos das disposições invocadas.
38 - Sem prejuízo do supra concluído, a publicitação em dois dos jornais de maior tiragem editados em Lisboa e Porto, em 2 dias consecutivos, de tamanho não inferior a 1⁄4 de página afigura-se absolutamente desproporcionada.
39 - Não sendo sequer uma obrigação legal, em face do estabelecido no art. 30, n.º 2 do R.J.C.C.G. tanto mais que nos termos do art. 35 do RJCCG, foi prevista a criação de um serviço de registo de sentenças anulatórias encarregado de publicitação de tais decisões.
40 - A condenação do recorrente na publicitação de qualquer eventual sentença inibitória não tem o efeito útil atribuído pela sentença, pelo que, nesse segmento, no limite, deverá ser julgada a improcedência do pedido formulado contra o recorrente
41 - Ou, sem prejuízo de tudo o supra alegado, em abono do referido princípio da proporcionalidade, tal publicidade ser reduzida somente para um jornal de circulação nacional, em 1 só dia, em tamanho não inferior a 1/6 de página.
42 - A decisão recorrida, no segmento em recurso, violou, por errada interpretação e aplicação as normas constantes dos artigos nos arts. 12, 15, 17, 18, c), 19, alínea d), 20, 21, al. g), e 30, n.º 2 do R.J.C.C.G., bem como os artigos 335, 800, 809 e 853, todos do C.C.

O Ministério Público respondeu ao recurso e, defendendo a decisão recorrida, veio dizer, em síntese, o seguinte:
- A sentença declarou ilegais dois conjuntos de cláusulas previstas em contratos de adesão utilizados pela recorrente que, em suma, preveem: - A possibilidade de, em caso de insuficiência de saldo, o banco efetuar a compensação através de débitos em contas da cotitularidade solidária de algum dos titulares da conta ou de vender ativos que nas mesmas contas se encontrem depositados; - A isenção de responsabilidade do banco pela não aceitação de cartões de débito em qualquer estabelecimento, bem como por danos decorrentes de sistemas de comunicação, de falsificações, ou da utilização do B3….
- Relativamente à primeira questão, encontra-se definitivamente decidida, pelo recente Ac. de Uniformização de Jurisprudência de 13.10.15: “É proibida, nos termos do preceituado pelo art. 15.º da LCCG, por contrária à boa-fé, a cláusula contratual geral que autoriza o banco predisponente a compensar o crédito sobre um cliente com o saldo de conta colectiva solidária de que o mesmo cliente seja ou venha ser cotitular”.
- Relativamente à segunda questão, encontra-se já na sentença suficiente fundamentação no sentido que, “ainda que teoricamente admissível que o banco réu não tenha pretendido atribuir a tais cláusulas um sentido de irrestrita exclusão da sua responsabilidade, o certo é que os termos em que se encontram redigidas são suscetíveis de comportar tal interpretação” e as alegações de recurso não trazem nada de novo que não tenha já sido amplamente analisado.
- Salienta-se que o controlo a exercer sobre as cláusulas contratuais gerais em sede de ação inibitória parte da premissa de que tais cláusulas não são efetivamente negociadas nem o cliente tem efetiva liberdade para as discutir, de tal forma que a sua redação tem de ser clara e absolutamente esclarecedora sobre o alcance dos direitos e deveres das partes.
- O uso das expressões “o banco permanecerá alheio a todos os incidentes...bem como todas as responsabilidades”, “não assume qualquer responsabilidade” “o banco não será responsável por quaisquer danos ou prejuízos”, confere a tais cláusulas uma amplitude excessiva, abarcando situações que a lei claramente proíbe. Por esse motivo, são nulas.
- A condenação a dar publicidade à sentença não constitui uma pena ou sanção. Antes visa satisfazer um interesse público. Assim, a proporcionalidade da condenação nada tem a ver com o comportamento do réu, mas antes com as exigências do interesse público.

O recurso foi recebido nos termos legais e, na Relação, dispensaram-se os Vistos. Cumpre apreciar o mérito da apelação.

1.3 – Objeto do recurso:
Tendo em conta as conclusões do recorrente, a questão objeto da apelação reconduz-se a saber se as cláusulas contratuais aqui em causa devem ser declaradas nulas – como entendeu a 1.ª instância – ou, ao invés e como pretende a apelante, se não há fundamento para tal declaração, quanto a todas elas ou relativamente a algumas delas, e com que consequências, nomeadamente no que respeita à publicitação do decidido.

2 – Fundamentação
2.1 – Fundamentação de facto:
A 1.ª instância deu como assentes (e relevantes) os seguintes factos, os quais, nesta sede, não se mostram impugnados:
1 - O réu Banco B…, S. A., (doravante B…) é uma sociedade comercial que tem por objeto social o “exercício da atividade bancária, incluindo todas as operações acessórias, conexas ou similares, compatíveis com essa atividade e permitidas por lei”.
2 - No exercício da sua atividade, tem vindo a celebrar em Portugal, com múltiplos clientes seus, contratos cujas cláusulas são as constantes dos documentos juntos, cujo conteúdo se dá aqui por inteiramente reproduzido (doc. nos 2 e 3).
3. Trata-se dos seguintes contratos:
4 - A) Contratos (I) de contas de depósito de valores; (II) de utilização do serviço B1… / B2…; (III) e de utilização de Serviços de Pagamento, incluindo transferências a crédito e a débito, cartões de pagamento e débitos diretos – cujas condições gerais constituem o doc. n.º 2;
5 - B) Contrato de Conta de Depósito de Valores e de Pagamentos (“Conta B3…”) – cujas condições gerais constituem o doc. n.º 3.
6 - Para tanto, o réu apresenta aos interessados que com ele pretendam contratar um clausulado previamente elaborado por si, o qual não é objeto de qualquer negociação individual.
7 - Àqueles apenas é concedido aceitar ou não as cláusulas gerais insertas nos referidos contratos, estando-lhes vedado alterá-las de qualquer forma através da negociação.
8. - Tais contratos destinam-se à utilização futura por parte do Réu, tendo em vista uma pluralidade de clientes.
9 - A) No que concerne às condições gerais dos contratos ((I) de contas de depósito de valores; (II) de utilização do serviço B1…/B2…; (III) e de utilização de Serviços de Pagamento, incluindo transferências a crédito e a débito, cartões de pagamento e débitos diretos (doc. 2), constam as seguintes cláusulas:
10 - I - Cláusula 8.3 (sob a epígrafe “Provisão e Débitos na Conta e Ultrapassagem de Crédito” referente ao contrato da conta de depósito de valores)
11 - Na secção A – referente à conta de depósito de valores – a cláusula 8.3 (provisão e débitos na conta e ultrapassagem de crédito) estabelece que – “No caso de insuficiência de saldo, o Banco fica desde já autorizado a efetuar tais débitos em qualquer conta aberta junto do Banco da titularidade individual ou cotitularidade solidária de algum dos Titulares da Conta. Quando, não obstante a insuficiência de saldo o Banco haja autorizado o débito na conta, o Titular autoriza e confere desde já poderes ao Banco para, em seu nome e representação, proceder à venda, resgate, reembolso ou desmobilização de quaisquer ativos que nas mesmas se encontrem depositados ou inscritos, ou no caso de seguros, que tenham sido subscritos através do Banco, até ao montante que se revele suficiente para permitir ao Banco efetuar a compensação dos valores correspondentes ao débito efectuado, assumindo o Titular todos os custos, despesas e comissões inerentes, de acordo com o Precário em vigor.”
12 - A referida cláusula estabelece a possibilidade de compensação de créditos entre os contratantes recorrendo a outras contas do titular, inclusive a contas (solidárias) das quais o cliente não é o único titular.
13 - E a compensação pré-estabelecida na referida condição geral permite ao Banco atingir o património de cotitulares noutras contas.
14 - II – Cláusulas 6.3 e 6.4 (sob a epígrafe “Utilização” dos cartões de débito B…)
15 - Na secção C – referente à utilização dos cartões de débito B… – as cláusulas 6.3 e 6.4 estabelecem que – 6.3 – Sem prejuízo de adotar as medidas que entender convenientes, o Banco não pode ser responsabilizado pela não aceitação do cartão em qualquer estabelecimento, por deficiência de atendimento ou inoperacionalidade dos equipamentos ou redes de transmissão de dados, nem pela má qualidade dos bens e serviços obtidos através da utilização do referido cartão.
16 - 6.4 – O Banco é e permanecerá alheio a todos os incidentes e questões que possam suscitar-se entre o comerciante ou prestador de serviços ou os seus representantes e o Titular, bem como a todas as responsabilidades por quaisquer consequências que tais factos possam originar.
17 - III – Cláusulas 5 e 6 (sob a epígrafe “Comunicação e Informação”)
18 - Na secção G – referente à comunicação e informação entre o cliente e o banco réu – as cláusulas 5 e 6 estabelecem que – 5 – O Banco não assume qualquer responsabilidade pelos danos ou prejuízos resultantes da utilização do correio, telefone, endereço eletrónico, swift ou qualquer outro sistema de comunicação nomeadamente em consequência de atrasos, perdas, violação, deturpações, ou deficiente compreensão da informação transmitida, bem como da falsificação de assinaturas ou documentos.
19 - 6 – Em particular, o Banco não será responsável pelos danos ou prejuízos derivados de erros de transmissão, deficiências técnicas, interferências ou desconexão ocorridas por via do âmbito do sistema de comunicação utilizados pelo Cliente para acesso aos serviços através de canais remotos (telefone, Internet ou outros).
20 - B) No que concerne ao Contrato de Conta de Depósito de Valores denominada “Conta B3...” (doc. 3) constam as seguintes cláusulas:
21 - IV - Cláusula 8.3 (sob a epígrafe “Provisão e Débitos na Conta”)
22 - A cláusula 8.3 estabelece que - “No caso de insuficiência de saldo, o Banco: (i) fica desde já autorizado a efetuar tais débitos em qualquer conta aberta junto do Banco da titularidade individual ou cotitularidade solidária de algum dos Titulares da Conta. Quando, não obstante a insuficiência de saldo o Banco haja autorizado o débito na conta, o Titular autoriza e confere desde já poderes ao Banco para, em seu nome e representação, proceder à venda, resgate, reembolso ou desmobilização de quaisquer ativos que nas mesmas se encontrem depositados ou inscritos, ou no caso de seguros, que tenham sido subscritos através do Banco, até ao montante que se revele suficiente para permitir ao Banco efetuar a compensação dos valores correspondentes ao débito efectuado, assumindo o Titular todos os custos, despesas e comissões inerentes, de acordo com o Preçário em vigor.”
23 - V – Cláusulas 16.5 e 16.6 (sob a epígrafe “Comunicação e Informação”) As referidas cláusulas 16.5 e 16.6 estabelecem que - “16.5. O Banco dispõe de meios técnicos e humanos necessários à execução do presente contrato e desenvolve os melhores esforços na resolução de eventuais ocorrências que limitem ou diminuam a normal qualidade de prestação do serviço. O Cliente reconhece que os serviços disponibilizados pelo Banco através do B3… estão sujeitos a interferências, interrupções, desconexões ou outras anomalias, designadamente em consequência de avarias, sobrecargas, cargas da linha ou outras eventualidades, aceitando expressamente o Cliente que o Banco não será responsável por quaisquer danos ou prejuízos que possam resultar de tais eventos para o Cliente. De igual modo, o Banco não assume qualquer responsabilidade pelos danos ou prejuízos resultantes da utilização do correio, telefone, correio eletrónico, swift ou qualquer outro sistema de comunicação, nomeadamente em consequência de atrasos, perdas, violação, deturpações ou deficiente compreensão da informação transmitida, bem como da falsificação de assinaturas ou documentos.
24 - 16.6. Em particular, o Banco não será responsável pelos danos ou prejuízos derivados de erros de transmissão, deficiências técnicas, interferências ou desconexões ocorridas por via e no âmbito dos sistemas de comunicação utilizados pelo Cliente para acesso aos serviços através de canais remotos (telefone, Internet ou outros).”

2.2 – Apreciação do mérito do recurso:
Em termos sucintos, e sublinhando o que temos por mais relevante, vejamos as razões da 1.ª instância para decidir como decidiu, julgando integralmente procedente a ação.

A sentença recorrida, depois de identificar a pretensão formulada pelo Ministério Público[1]; de definir o que sejam cláusulas contratuais gerais e de caraterizar a ação inibitória, aprecia a validade/nulidade das diversas cláusulas aqui em causa, dividindo-as em dois grupos. “Quanto ao primeiro grupo, de que resulta a possibilidade de o réu efetuar uma compensação de créditos, ainda que no âmbito de uma conta solidária com terceiros, registam-se posições doutrinais divergentes, parte das quais aceita a possibilidade de tal compensação, a que aderiu alguma jurisprudência. Parece-nos, porém, que tal interpretação não acolherá da melhor forma os diversos interesses em conflito (...). Deverá entender-se que da possibilidade de movimentação livre da conta coletiva solidária resulta a consequência de que, contraindo um dos contitulares um débito com origem diversa da dita conta, perante o banco depositário, o outro é responsável pelo mesmo? Ou seja, decorrerá daqui ainda uma solidariedade passiva pelo referido débito? Mais precisamente, no âmbito dos presentes autos, em que o que está em causa é sabermos se a possibilidade de o banco atingir, com a compensação realizada, o património do contitular da conta solidária, que é alheio ao débito a compensar, viola o princípio da boa-fé, estará um depositante solidário mediano obrigado, ou em condições de contar com uma tal possibilidade? É certo que, conforme se escreve no acórdão do STJ de 25.02.1981, BMJ 304, pág. 444 e ss., na conta solidária pode entender-se que “há como que uma relação de solidariedade, de representação entre os contitulares, mercê da aceitação de abertura de conta em tais circunstâncias” (...) Em termos semelhantes, veja-se o Ac. do STJ de 07.07.1999, dgsi (...) Ou seja, embora esteja subjacente à abertura de uma conta bancária solidária à ordem uma relação de confiança entre os contitulares (...) não nos parece que se possa levar tão longe a relação de solidariedade daí decorrente, ao ponto de dever entender-se que ao abrir uma conta solidária cada contitular desde logo se responsabiliza, sem mais, perante o banco por eventuais débitos assumidos pelo outro, principalmente quando alheios a tal conta, e inerentes consequências. De outro modo, estaria o contitular a conferir mandato ao parceiro para, por seu turno, conferir a terceiro poderes para livre movimentação da conta (...) No sentido da inadmissibilidade desta compensação pronunciou-se, designadamente, o Ac. do STJ de 11.03.1999: “I - Nos depósitos bancários solidários surge como credor o cotitular que se apresenta a fazer a movimentação da conta. II - O Banco devedor não pode operar a compensação com um (ou mais) cotitular do depósito que seja, simultaneamente, seu devedor, por, antes da movimentação da conta, aquele não ser o credor do banco (...)”. Considera o Autor que uma tal espécie de cláusula atenta contra o princípio da boa-fé, violando o disposto nos arts. 15.º e 19.º al. d), este ex vi art. 20.º, todos do DL 446/85 (...) Estipula o art. 19.º al. d), que “são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: Imponham ficções de receção, de aceitação ou de outras manifestações de vontade com base em factos para tal insuficientes.” Ora, como se referiu, não se afigura de exigir ao contraente mediano que adere a uma conta de depósito bancário solidária que conte com a possibilidade de o seu património vir a ser atingido por operações de compensação levadas a cabo pelo banco depositário com vista ao ressarcimento de créditos que detenha sobre outro titular de tal conta e a cuja constituição seja alheio o referido contraente. Tal situação apenas deverá ser admissível no caso de o próprio contrato de abertura de conta de depósito solidária prever, expressamente, tal possibilidade, a ela aderindo, voluntária e conscientemente, o contitular da conta em causa. Na falta desta expressa previsão estaremos, pois, de facto, perante uma ficção de aceitação ou manifestação de vontade, violadora da confiança exigível à segurança adequada do tráfico jurídico, violadora, por isso também, do princípio da boa-fé, tal como previsto no art. 15.º do diploma legal. Neste sentido pronunciou-se o STJ, mais recentemente, no Ac. de 25.06.2015, in dgsi[2] (...) Finalmente, não se nos afigura suficiente o argumento a que recorre o réu, de que a compensação prevista respeitará os limites, impeditivos de prejuízo para terceiros, decorrentes do estipulado no art. 853.º n.º 2 do Código Civil, pois que a cláusula em causa deixaria tal apreciação casuística no seu livre arbítrio.”

Passando a apreciar o segundo grupo de cláusulas[3], “verifica-se que, todas elas, são cláusulas que visam restringir ou excluir a responsabilidade do réu em determinadas situações (...) Defende o réu a validade destas cláusulas por considerar, em síntese, que: - é alheio às relações entre o cliente e o terceiro comerciante ou prestador de serviços, que não são seus legais representantes ou auxiliares; - não pode controlar os equipamentos utilizados para as operações realizadas com os cartões por si emitidos nem a qualidade dos bens e serviços com o mesmo obtidos; - do teor da cláusula não pode extrair-se uma exclusão indiscriminada da sua responsabilidade (...) Porém, embora tal devesse ser a interpretação a dar às cláusulas em questão, se nos encontrássemos em sede de apreciação concreta das mesmas (...) já não pode ser essa a conclusão a extrair em sede de ação inibitória. Assim, ainda que seja teoricamente admissível que não tenha o banco réu pretendido atribuir a tais cláusulas um sentido de irrestrita exclusão da sua responsabilidade, o certo é que os termos em que as cláusulas se encontram redigidas são suscetíveis de comportar tal interpretação. E com tal sentido, têm de considerar-se violadoras do disposto no art. 18.º al. c) e 21.º al. f) do DL n.º 446/85, na medida em que delas não seja possível excluir uma interpretação que conduza à irresponsabilização do réu por danos que possam ser-lhe imputados a título de dolo, culpa, ou pelos quais devesse responder objectivamente.
Não é, no entanto, inteiramente idêntica a conclusão a que conduzem todas as situações acima enumeradas, no que se reporta à ponderação de interesses a efetuar, na qual assenta o controlo do conteúdo das cláusulas (...) Importa, assim, apreciar se das cláusulas em apreço pode extrair-se uma exclusão da responsabilidade do réu por danos imputáveis a culpa grave ou dolo da sua parte – situação violadora do art. 18.º al. c) e – ou imputáveis a risco pelo qual deva responder - situação essa, violadora do prescrito no art. 21.º al. f). No que à responsabilidade objectiva se refere, importará, antes de mais, apurar por conta de qual das partes contratuais deverá, em face da lei, correr o risco de ocorrência do dano em questão. Para tal será relevante ter em conta o processo causal de produção do dano, nomeadamente, apreciar se o mesmo tem origem em círculo de eventos que esteja na direção efetiva de alguma das partes, ou de que alguma delas colha as respectivas vantagens, devendo, por isso, suportar os inerentes riscos (...) No caso, as situações de exclusão de responsabilidade mencionadas supra em 1.º a 3.º reportam-se a danos decorrentes das relações entre o cliente e o terceiro prestados do serviço adquirido com o cartão de débito emitido pelo réu. As situações enumeradas em 4.º a 6.º referem-se a danos decorrentes de anomalias nos sistemas de comunicação utilizados. Ora, no caso de as cláusulas serem interpretadas com o sentido preconizado pelo réu – de não visarem a sua desresponsabilização por danos imputáveis ao réu a título doloso ou culposo ou por eventos que o mesmo possa controlar – as mesmas não seriam, em princípio, de apodar violadoras dos preceitos contidos nos arts. 18.º al. c) e 21.º al. g) do DL 446/85 (...) No que se refere às cláusulas de exclusão de responsabilidade por danos decorrentes de anomalias nos sistemas de comunicação utilizados para pagamento ou para prestação de serviços B3…, dir-se-á, com o réu, que não deverá este ser responsabilizado por situações decorrentes de equipamentos que não possa controlar, e que as cláusulas não visam danos decorrentes de avarias em equipamentos os sistemas do banco. Mais uma vez, com esse sentido, as cláusulas poderiam considerar-se válidas. Porém, da redação de tais cláusulas tal sentido não decorre de forma inteiramente explícita – é, aliás, uma das finalidades das orientações interpretativas postuladas pelo legislador no DL no 446/85 a de fomentar a clareza na elaboração das disposições negociais – não sendo de excluir, em última análise, o resultado da exclusão da responsabilidade do réu, ainda que os danos ali enumerados possam imputar-se a dolo, culpa grave da sua parte ou a círculo de eventos que se encontrem na sua esfera de controlo, de que beneficie e cujos riscos, por isso, deva suportar (...) a admissibilidade das cláusulas em análise pressuporia a expressa previsão no seu texto de que das mesmas não resultaria a exclusão da responsabilidade do réu por facto que pudesse ser-lhe imputável a título de dolo ou culpa grave ou a título de responsabilidade pelo risco. Não se verificando tal expressa previsão, tem de concluir-se pela nulidade das referidas cláusulas. Neste sentido, pode ler-se no Ac. do STJ de 13.11.2014[4], in dgsi (...)”.
Finalmente, a propósito da publicação da decisão, o tribunal recorrido refere que “o modo de publicidade a adoptar deverá ser adequado à eficaz proteção dos interesses tidos em vista, prejudicando, ainda assim, na menor medida possível, os legítimos interesses do visado (no caso, à sua imagem, que resulta, naturalmente, afectada pelo facto). É, no fundo, uma concretização do critério propugnado pelo art. 335.º do CC para a colisão de direitos. Em análoga situação, sendo também invocada pelo réu o carácter desproporcionado da publicação, decidiu o STJ: “O princípio da proporcionalidade, em sentido amplo, ou da proibição de excesso, goza de dignidade constitucional, desde logo, por força do preceituado pelo artigo 18.º, n.º 2, 2.ª parte, da Constituição, decompondo-se nos subprincípios constitutivos da conformidade, idoneidade ou adequação, impondo que a medida adotada para a realização do interesse público deve ser apropriada à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes, ou seja, da exigibilidade, da necessidade, da indispensabilidade ou da menor ingerência possível, enquanto que o princípio da proporcionalidade, «stricto sensu», ou da justa medida, se destina a avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim (...)”. No caso em análise no referido aresto, foi, assim, considerara adequada e equilibrada aos interesses em jogo a publicação da decisão em condições em tudo semelhantes à pretendida nos presentes autos, quanto à publicação em jornais (...) Já a pretensão, igualmente manifestada pelo autor, de publicação na página da internet do réu, afigura-se desnecessária à eficaz tutela dos interesses em causa e, como tal, excessivamente violadora da imagem do réu, não se determinando a sua realização.”

Cumpre apreciar.

A longa transcrição que fizemos da sentença recorrida pretende evidenciar que as questões que continuam pertinentes em sede de apelação foram todas elas apreciadas com pertinência e profundidade na 1.ª instância. Cumpre agora, como é próprio de um tribunal de recurso, reexaminá-las.

Ainda que com o risco de repetirmos parcialmente o que já foi vincado na decisão do tribunal recorrido, convém começar com alguns esclarecimentos prévios, relativos à problemática que aqui é suscitada.

As cláusulas contratuais gerais, em especial as relativas à “realidade bancária” constituem um “conjunto de proposições pré-elaboradas que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a propor ou a aceitar”, caraterizando-se por vários “elementos esclarecedores”, nomeadamente a generalidade e a rigidez e, além disso, também frequentemente evidenciam a desigualdade entre as partes, a complexidade e a sua natureza formulária (António Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 5.ª Edição, Revista e Atualizada, Almedina, 2014, págs. 487/488). As cláusulas contratuais gerais são “estipulações predispostas em vista de uma pluralidade de contratos ou de uma generalidade de pessoas, para serem aceites em bloco, sem negociação individualizada ou possibilidade de alterações singulares. Pré-formulação, generalidade e imodificabilidade aparecem, assim, como as caraterísticas essenciais do conceito” (Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Diretiva Sobre Cláusulas Abusivas, 2.ª Edição, Revista e Aumentada, Reimpressão, Almedina, 2005, pág. 212). Assim, apenas “merecem a qualificação de ccg as cláusulas que, não tendo em vista uma contraparte determinada, nem apresentando uma conformação moldada por uma concreta relação contratual, revestem caráter geral e abstrato” (Joaquim de Sousa Ribeiro, O Problema Do Contrato – As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual, Almedina, 1999, pág. 447).

Os limites de conteúdo das cláusulas contratuais gerais estão fixados no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, o qual consagrou “a boa-fé como princípio geral de controlo (art. 16.º), enumerando de seguida um extenso rol de cláusulas absoluta ou relativamente proibidas (arts. 18.º, 19.º, 21.º e 22.º) – Joaquim de Sousa Ribeiro, “Responsabilidade e garantia em cláusulas contratuais gerais (DL. n.º 446/85, de 25 de outubro)”, in Direitos dos Contratos, Estudos, Coimbra Editora, 2007, págs. 101/179, a pág. 101).

Um dos mecanismos de controlo do conteúdo das cláusulas contratuais gerais é a chamada ação inibitória. Nos termos do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 446/85, “As cláusulas contratuais gerais, elaboradas para utilização futura, quando contrariem o disposto nos artigos 15.º, 16.º, 18.º, 19.º, 21.º e 22.º podem ser proibidas por decisão judicial, independentemente da sua inclusão futura efetiva em contratos singulares.” Não está aqui em causa o controlo concreto, que encara a cláusula como elemento de um determinado contrato, mas um “controlo que incide sobre as cláusulas, em si mesmas”, um controlo abstrato que se dirige “contra o risco de proliferação não contrariada de cláusulas ilícitas”, pretendendo impedir que “disposições legais sejam maciçamente violadas” e servindo, nessa medida, “o interesse público na defesa e reafirmação da ordem jurídica” (Joaquim de Sousa Ribeiro, O Problema Do Contrato... cit., págs. 491 e 494/495). Esta ação é “um mecanismo de fiscalização judicial abstrato das cláusulas, com a finalidade de eliminar do mercado os modelos contratuais em que se encontrem as cláusulas abusivas” (Ana Prata, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais – Anotação ao Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, Almedina, 2010, pág. 149), é “uma ação dirigida à abstenção do uso ou da recomendação de cláusulas contratuais gerais proibidas _ quer porque contrárias ao princípio da boa-fé, quer porque incluídas nos artigos 18.º, 19.º, 21.º e 22.º do diploma”, dirigindo-se “à imposição de um non facere através da condenação em prestação de facto negativo, a saber, a não utilização ou não recomendação de cláusulas contratuais gerais proibidas” (Ana Filipa Morais Antunes, Comentário à Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, Coimbra Editora, 2013, pág. 351).
Importa acrescentar, por fim, que as regras de interpretação, consagradas nos artigos 10.º e 11.º do Decreto-Lei n.º 446/85 não têm aplicação à ação inibitória ou, pelo menos e mais concretamente, a regra do n.º 2 do citado artigo 11.º (e como decorre do seu n.º 3) não tem aplicação. É que, por um lado, “a interpretação subjacente à eventual declaração de nulidade com efeito genérico não tem como objeto os contratos singulares” e, por outro, a exclusão prevista naquele n.º 3 “tem em vista impedir o efeito perverso que teria a eventual aceitação como válidas de cláusulas ininteligíveis ou ambíguas, em que a dúvida de interpretação se situe entre um sentido de que resulte o caráter abusivo e um outro sentido que as tornaria lícitas”. Assim, nas ações inibitórias, “a proteção dos potenciais aderentes impõe que, na dúvida, o juiz opte pela qualificação das cláusulas como abusivas” (Carlos Ferreira de Almeida, Contratos IV, Almedina, 2014, pág. 303).

Feitas as referência (genéricas) antecedentes, importa reapreciar a decisão aqui em recurso, a qual julgou procedente a pretensão formulada pelo Ministério Público e, em conformidade, declarou nulas as cláusulas que se sindicavam. Essas cláusulas, como decorre dos termos da ação, dos fundamentos da sentença e também do próprio recurso do Banco réu, podem dividir-se em dois grupos, aqui identificados com alguma simplificação: um primeiro atinente à faculdade (do réu) de exercer a compensação, utilizando saldos inseridos em contas que podiam não ser apenas singulares (do cliente) e um segundo, relativo à eventual exclusão da responsabilidade do Banco aquando da utilização de cartões de crédito e serviços online.

Quanto ao primeiro grupo de cláusulas, o recorrente apela a jurisprudência, desde logo do Supremo Tribunal de Justiça, que as admite, possibilitando o exercício automático da compensação e a sujeição a esta de cotitulares de outra conta do devedor.

Como realça a sentença recorrida, a questão não era de entendimento uniforme. No entanto, muito embora acompanhemos as considerações do tribunal da 1.ª instância, que veio a concluir pela nulidade dessas cláusulas, acresce que devemos ter em conta a jurisprudência uniformizada através do AUJ 2/2016 (Diário da República de 7.01.2016), proferido no Processo n.º 2475/10.0YXLSB.L1.S1-A e que, no segmento aqui relevante, fixou o seguinte entendimento: “É proibida, nos termos do preceituado pelo artº. 15º da LCCG, por contrária à boa-fé, a cláusula contratual geral que autoriza o banco predisponente a compensar o seu crédito sobre um cliente com o saldo de conta coletiva solidária, de que o mesmo cliente seja ou venha a ser contitular.”

Como se vinca no acórdão uniformizador, “O regime solidário não foi escolhido para facilitar a vida ao Banco na cobrança dos respectivos créditos, mas no interesse exclusivo dos titulares da conta. A confiança recíproca dos contitulares em que nenhum deles usará o respetivo saldo em seu exclusivo proveito não permite inferir que aceitam que o Banco compense o crédito que detém sobre um deles com o saldo existente na conta solidária. O regime estabelecido nos depósitos bancários coletivos é de solidariedade imprópria de credores e não de devedores. Qualquer um dos contitulares pode esgotar o saldo, mas o Banco não pode tomar a iniciativa de escolher unilateralmente o contitular a quem o entregar, para se desonerar da sua obrigação. A autorização dada ao Banco para compensar o seu crédito com o saldo da conta em que o seu devedor é contitular, no regime da solidariedade, transforma os restantes contitulares em seus devedores e no regime de solidariedade. Esta autorização é dada ao Banco para operar a compensação também sobre contas colectivas solidárias futuras. A imposição desta cláusula aos aderentes do contrato de depósito coletivo em regime de solidariedade, sem possibilidade da respectiva discussão e boa compreensão dos seus contornos e riscos, contraria a boa-fé que se exige às partes na negociação e celebração dos contratos (artº. 15º das CCG), sendo nula”.

Tendo em conta o que se deixa transcrito, parece-nos hoje evidente que as cláusulas integrantes do primeiro grupo têm de ser declaradas nulas e, nesse ponto, nenhuma censura merece a decisão apelada.

No segundo grupo de cláusulas aqui em apreciação está em causa a restrição ou exclusão da responsabilidade do réu, em determinadas circunstâncias, e o tribunal recorrido considerou-as nulas, atendendo ao disposto nos artigos 18, al. c) e 21, al. f) do Decreto-Lei n.º 446/85.

As cláusulas em apreço constam dos pontos 15, 16, 18, 19, 23 e 24 da matéria de facto (– Sem prejuízo de adotar as medidas que entender convenientes, o Banco não pode ser responsabilizado pela não aceitação do cartão em qualquer estabelecimento, por deficiência de atendimento ou inoperacionalidade dos equipamentos ou redes de transmissão de dados, nem pela má qualidade dos bens e serviços obtidos através da utilização do referido cartão; – O Banco é e permanecerá alheio a todos os incidentes e questões que possam suscitar-se entre o comerciante ou prestador de serviços ou os seus representantes e o Titular, bem como a todas as responsabilidades por quaisquer consequências que tais factos possam originar; – O Banco não assume qualquer responsabilidade pelos danos ou prejuízos resultantes da utilização do correio, telefone, endereço eletrónico, swift ou qualquer outro sistema de comunicação, nomeadamente em consequência de atrasos, perdas, violação, deturpações, ou deficiente compreensão da informação transmitida, bem como da falsificação de assinaturas ou documentos; – Em particular, o Banco não será responsável pelos danos ou prejuízos derivados de erros de transmissão, deficiências técnicas, interferências ou desconexão ocorridas por via do âmbito do sistema de comunicação utilizados pelo Cliente para acesso aos serviços através de canais remotos (telefone, Internet ou outros); - O Banco dispõe de meios técnicos e humanos necessários à execução do presente contrato e desenvolve os melhores esforços na resolução de eventuais ocorrências que limitem ou diminuam a normal qualidade de prestação do serviço. O Cliente reconhece que os serviços disponibilizados pelo Banco através do B3... estão sujeitos a interferências, interrupções, desconexões ou outras anomalias, designadamente em consequência de avarias, sobrecargas, cargas da linha ou outras eventualidades, aceitando expressamente o Cliente que o Banco não será responsável por quaisquer danos ou prejuízos que possam resultar de tais eventos para o Cliente. De igual modo, o Banco não assume qualquer responsabilidade pelos danos ou prejuízos resultantes da utilização do correio, telefone, correio eletrónico, swift ou qualquer outro sistema de comunicação, nomeadamente em consequência de atrasos, perdas, violação, deturpações ou deficiente compreensão da informação transmitida, bem como da falsificação de assinaturas ou documentos; - Em particular, o Banco não será responsável pelos danos ou prejuízos derivados de erros de transmissão, deficiências técnicas, interferências ou desconexões ocorridas por via e no âmbito dos sistemas de comunicação utilizados pelo Cliente para acesso aos serviços através de canais remotos (telefone, Internet ou outros)) e, segundo os normativos citados no parágrafo precedente, respetivamente, “São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: c) Excluam ou limitem, de modo direto ou indireto, a responsabilidade por não cumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso, em caso de dolo ou de culpa grave” e “São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: f) Alterem as regras respeitantes à distribuição do risco.

Em defesa da validade das cláusulas citadas, o réu, quer na ação quer no recurso, sustenta que não está, nem na letra nem no espírito destas, que o banco pretende eximir-se a qualquer responsabilidade que lhe possa ser assacada, a título de dolo, de culpa grave ou de risco, acentuando que é alheio às relações estabelecidas entre o seu cliente e um terceiro (comerciante ou prestador de serviços), sequer podendo assumir qualquer responsabilidade em relação às operações realizadas com cartões, tanto mais que “decorre das regras gerais de direito que a desresponsabilização constante das normas apreciandas não abarca os casos de culpa” do réu.

Seguindo à letra a argumentação do apelante, parecerá tão óbvia a não abrangência da exclusão da sua responsabilidade que se torna pertinente questionar a necessidade ou utilidade das cláusulas em apreço. Sucede que o óbvio é vizinho do desnecessário e a conjugação de ambos só pode conduzir à ambiguidade. E, como já se citou, nas ações inibitórias, “a proteção dos potenciais aderentes impõe que, na dúvida, o juiz opte pela qualificação das cláusulas como abusivas” (Carlos Ferreira de Almeida, Contratos IV, cit., pág. 303).

Por isso, a propósito destas cláusulas, não podemos deixar de concordar com a 1.ª instância, pois estamos perante uma ação inibitória e não perante a apreciação de um determinado clausulado, concreto e antecipadamente discutido. Como pertinentemente diz a sentença, mesmo que, em admissão teórica, “o banco não tenha pretendido atribuir a tais cláusulas um sentido de irrestrita exclusão da sua responsabilidade, o certo é que os termos em que as cláusulas se encontram redigidas são suscetíveis de comportar tal interpretação”.

Como já se salientou, o controlo do conteúdo das cláusulas contratuais gerais que é feito em sede de ação inibitória pressupõe que as mesmas não foram objeto de negociação, ou seja, que o cliente do Banco não teve possibilidade (ou seja, liberdade) para as discutir, sobrando-lhe apenas a sua aceitação ou a recusa contratual. Daí a necessidade, evidenciada na sentença, de tais cláusulas terem de ser completamente claras e inequívocas, sob pena de, nesta sede apreciativa própria da ação inibitória, se revelarem nulas.

Pelas razões ditas, também quanto a este segundo grupo de cláusulas, a sentença não merece reparo.

Por fim, quanto à questão da publicidade da decisão.

No caso presente, o tribunal indeferiu a pretensão do autor de ver publicada a decisão condenatória na página da internet do réu, pois a considerou “desnecessária à eficaz tutela dos interesses em causa e, como tal, excessivamente violadora da imagem do réu, não se determinando a sua realização”, mas condenou o apelante a “dar publicidade à decisão (art. 30.º, n.º 2, do RCCG) e a comprovar nos autos essa publicidade, no prazo de dez dias, mediante anúncio a publicar em dois dos jornais de maior tiragem editados em Lisboa e Porto, de tamanho não inferior a 1⁄4 (um quarto) de página, durante dois dias consecutivos”. Assim, só está em causa, agora em sede de recurso, a condenação de publicidade ordenada pelo tribunal.

Nos termos do artigo 30, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 446/85, “A pedido do autor, pode ainda o vencido ser condenado a dar publicidade à proibição, pelo modo e durante o tempo que o tribunal determine.”

Como refere Ana Filipa Morais Antunes (Comentário à Lei das Cláusulas... cit., pág. 366), entre os meios que podem reforçar a eficácia da ação inibitória encontra-se “a possibilidade de requerer a publicidade da sentença condenatória” e acrescenta que a jurisprudência vem sustentando que tal publicidade “tem suporte constitucional, não podendo ser atacada nem com fundamento numa suposta inconstitucionalidade material (por violação do artigo 26.º, n.º 1 da CRP) nem orgânica”. Ana Prata (Contratos de Adesão e... cit., pág. 627), por sua vez, salienta que “A publicitação da decisão judicial é um instrumento que pode ter grande impacte no mercado, quer na sua função dissuasora da utilização das cláusulas nulas, quer na vertente pedagógica e de informação dos sujeitos que recorrem a empresas para satisfação de necessidades” e lamenta que tal publicitação, “por um lado, fique dependente de pedido do autor e, por outro, que o tribunal possa não o atender.”

No caso presente, a publicitação ordenada pelo tribunal recorrido parece-nos proporcional, pertinente e avisada.

Proporcional ao determiná-la apenas nos jornais, excluindo a página online do réu; pertinente e avisada porque, nos termos em que se mostra decidida, cumpre, necessária e suficientemente, as finalidades da lei, permitindo o conhecimento do conteúdo da decisão aos eventuais interessados.

Também nesta parte, por isso, o recurso não procede, devendo o apelante, oportunamente e transitada a decisão, proceder à ordenada publicitação.

A apelação, pelas razões que foram sendo ditas, revela-se totalmente improcedente, havendo que confirmar na íntegra a decisão apelada.

As custas do recurso são devidas pelo apelante, atento o seu decaimento.


3 – Decisão:
Pelos fundamentos que se foram deixando ditos, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a presente apelação e, em conformidade, confirma-se integralmente a sentença proferida na 1.ª instância.

Custas pelo apelante.

Porto, 7.04.2016
José Eusébio Almeida
Carlos Gil
Carlos Querido
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[1] “(...) a apreciação da legalidade de dois grupos de cláusulas, inseridas pelo réu nas condições gerais de contratos por si elaboradas com vista à contratação futura com um número indeterminado de potenciais clientes, a que se aplica, nos termos do art. 1.º n.º 1 do DL n.º 446/85, de 25/10, o regime legal estipulado no referido diploma.”
[2] “(...) II - A reciprocidade dos créditos implica que a compensação apenas tenha lugar, em relação a débitos e créditos existentes entre os mesmos dois sujeitos, isto é, o declarante só pode utilizar, para operar a compensação, créditos que sejam seus, e não créditos alheios, ainda que o titular respetivo dê o seu consentimento, inexistindo a possibilidade da invocação da compensação de um crédito ou débito de outro condevedor ou concredor solidário (...) IV - O Banco não pode, unilateralmente, por sua iniciativa, ou seja, sem qualquer um dos titulares da conta solicitar o cumprimento, extinguir a relação jurídica, operando a compensação com um crédito de outro dos cotitulares da conta, solidária ou coletiva, que sejam, simultaneamente, seus devedores (...) VI - A abertura de conta não equivale ao acordo de compensação, sendo necessário uma convenção suplementar quanto à compensação, não apenas, no âmbito do contrato de mútuo hipotecário destinado à habitação, mas, desde logo, no que concerne ao contrato de abertura da conta-depósito, em que o cotitular da conta coletiva, conjunta ou solidária, no ato formal da sua abertura, ou, posteriormente, tenha autorizado o outro cotitular, devedor no contrato de mútuo hipotecário para a habitação, a proceder à sua movimentação, para além da proporção na titularidade do respetivo saldo, sob pena de, não se provando a mesma, não se tornar operante a compensação voluntária (...)”.
[3] As “6.3 e 6.4 da secção C, 5 e 6 da secção G do contrato mencionado em A) e 16.5 e 16.6 do contrato mencionado em B) (...) As cláusulas estipulam a exclusão de responsabilidade nas seguintes situações: 1- não aceitação do cartão de pagamento em qualquer estabelecimento, por deficiência de atendimento ou inoperacionalidade dos equipamentos ou redes de transmissão de dados; 2 - má qualidade dos bens e serviços obtidos através da utilização do referido cartão; 3 - incidentes entre o comerciante ou prestador de serviços e o titular; 4 - danos decorrentes de utilização de diversos tipos de sistemas de comunicação, nomeadamente em caso de atrasos, perdas, violação, deturpações ou deficiente compreensão da informação transmitida ou falsificação de assinaturas ou documentos; 5 - danos decorrentes de erros de transmissão, deficiências técnicas, interferências ou desconexão por via do âmbito do sistema de comunicação utilizado pelo cliente para acesso aos canais remotos; 6 - danos decorrentes de interferências, interrupções, desconexões ou outras anomalias na linha e referentes aos serviços B3….”
[4] “IV - Desrespeita o regime das cláusulas contratuais gerais, cuja indicação é exemplificativa, a cláusula por via da qual o banco não assume a responsabilidade, impondo a adesão do cliente a esse entendimento, por falhas de equipamento, serviços informáticos ou sistemas de telecomunicação que sejam imputáveis ao banco a título de negligência (art. 809.º do CC em conjugação com o art. 15.º da LCCG e corpo dos arts. 18.º, 21.º e 22.º). V - Desrespeita igualmente o art. 15.º e 21.º, al. f), do DL 446/85, a cláusula que exime de qualquer responsabilidade, incluindo a que emerge do risco, a instituição de crédito quando estejam em causa danos com base na responsabilidade de terceiros envolvidos em operações abrangidas pelas condições gerais. VI - Não desrespeita o regime das cláusulas contratuais gerais a cláusula em que a instituição de crédito se exime da responsabilidade resultante de ações ou omissões de terceiros determinante da interrupção do funcionamento de serviços informáticos e de telecomunicações cuja detenção e controlo pertence a terceiros e que a instituição de crédito não controla nem pode controlar.”