Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2666/14.5YYPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: ACTOS INÚTEIS
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
RENOVAÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RP202001272666/14.5YYPRT-A.P1
Data do Acordão: 01/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O AE apenas poderá proceder à extinção da execução nos termos do n.º 2 do artigo 750.º do CPC, desde que verificados os seguintes requisitos: i) a procura infrutífera de bens penhoráveis, durante três meses a contar da sua notificação para que inicie as diligências para penhora; ii) a notificação do exequente, decorrido o referido prazo, para especificar quais os bens que pretende ver penhorados, com a expressa cominação legal de imediata extinção da execução, caso não sejam indicados pelo exequente, nem pelo executado, bens penhoráveis, no prazo de dez dias; iii) a notificação simultânea do executado para que indique bens à penhora, com as cominações previstas no n.º 1 in fine do artigo 750.º do CPC.
II - Tendo o executado deduzido embargos, alegando que o pagamento que efetuou extingue a execução (face a um acordo que invoca), a extinção da execução nos termos do n.º 2 do artigo 750.º do CPC não determina a extinção dos embargos por inutilidade superveniente da lide.
III - Na situação referida, caso se venha a renovar a execução, com posterior penhora de bens do executado, voltará a tornar-se premente a averiguação sobre se houve ou não acordo de pagamento, sobre se a quantia paga pelo executado era ou não suscetível de extinguir a execução, pelo que, com a extinção da instância nos embargos por invocada inutilidade da lide, [depois de produzida prova e de realizadas duas sessões de julgamento], não se previne a eventual renovação da execução, abrindo-se a possibilidade de inutilização de toda a tramitação dos embargos, e da sua posterior (e desnecessária) repetição, o que poderá traduzir-se na realização de atos processuais inúteis, expressamente proibida pelo disposto no artigo 130.º do código de processo civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2666/14.5YYPRT-A.P1

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Na ação executiva que correr termos no Juízo de Execução do Porto - Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, instaurada por B…, S.A., contra C…, o executado deduziu embargos, invocando a extinção da execução, com os seguintes fundamentos: em 29.06/.2015, o ora embargante propôs para “liquidação total do processo”, a redução do valor em débito para 1.500,00 € (mil e quinhentos euros), a pagar no prazo de 15 dias; posteriormente, via e-mail, datado de 08.07.2015, questionou o Agente de Execução (AE) sobre se iria receber algum documento a comprovar a extinção da dívida, ao que este respondeu afirmativamente; em cumprimento do acordo celebrado, o ora embargante procedeu ao pagamento da guia que lhe foi enviada pelo AE, em 08.07.2015, tendo questionado o AE sobre qual o motivo por que nessa guia era referido “pagamentos parciais”, ao que o AE respondeu prontamente, nestes termos: “na sequência da sua comunicação infra, cumpre-me informar V. Exa. que o pagamento leva ao fim do processo”; face ao acordo referido, ficou o embargante convicto da extinção da dívida exequenda, ignorando por completo que este processo executivo ainda corria os seus termos.
A embargada contestou, alegando, no que respeita à invocação do pagamento: o Agente de Execução não é parte no processo nem tão pouco tem legitimidade para propor ou aceitar qualquer proposta de pagamento formulada por qualquer uma das partes; o embargante nunca fez chegar qualquer proposta de acordo para pagamento do valor em dívida à embargada; nunca a embargada recebeu qualquer proposta de pagamento, ainda que por intermedio do Agente de Execução, pelo que é alheia a qualquer informação que tenha sido prestada pelo mesmo.
Encontra-se junta aos autos de embargo, certidão do título executivo, do qual consta, como quantia exequenda, a quantia de € 7.084,08.
Em 16.05.2019 foi proferido despacho saneador, no qual: foi dispensada a realização da audiência prévia; foi fixado o valor da causa em € 7.084,08; foi julgada improcedente a exceção de falta de citação do embargante no procedimento de injunção; foram considerados reunidos todos os pressupostos formais que permitem o conhecimento do mérito dos embargos; foi definido o objeto do litígio e foram fixados os temas de prova.
Realizou-se a audiência de julgamento, tendo-se realizado duas sessões (em 11.06.2019 e 3.07.2019), após o que, em 3.09.2019[1] foi proferida sentença, que se reproduz na íntegra:
«Nos presentes autos de embargos de executado movidos por C… contra “B…, S.A.”, com os sinais nos autos, atendendo a que na execução o aqui embargante/executado foi notificado para os efeitos do disposto no art. 750º, nº 1, do C.P.Civil (em Dezembro de 2018) e não indicaram bens para penhora no prazo aí previsto, deve essa execução ser extinta por força do plasmado no nº 2 do mesmo normativo.
Na verdade, nessas situações, a prossecução da instância dos embargos de executado perde a sua razão de ser na medida em que o citado art. 750, nº 2, estipula que a execução deve ser declarada extinta pela agente de execução caso não sejam indicados bens para penhora no prazo aí previsto.
Assim sendo e dado que o executado, no prazo legal, não indicou bens para penhora, deveria a Srª. AE ter extinta a execução, o que deverá efectuar com base na presente decisão e por força do citado normativo.
Com efeito, torna-se inútil a prossecução de uma execução que é patrimonial na falta de património penhorável (vide, entre outros, Paulo Faria e Ana Luísa Loureiro, in “Primeiras Notas ao Código de Processo Civil”, vol. II; págs. 281 e 282). Isto é, a extinção da execução decorre de um efeito ope legis que apenas pode ser evitada caso sejam indicados bens penhoráveis (para este efeito não releva o mero requerimento feito pela ilustre mandatária da exequente para serem efectuadas pesquisas pela Srª AE; e ainda porque esse requerimento já foi efectuado bem depois do prazo previsto no citado art. 750º, nº 1, do CPC).
Nessa conformidade, a presente lide perdeu a sua razão de ser na medida em que visava precisamente a extinção da execução de harmonia com o plasmado no art. 732º, nº 4, do C.P.Civil visto que a presente instância de embargos não pode sobreviver sem a manutenção da instância da execução.
A presente decisão não preclude, como é bom de ver, que de futuro, caso entretanto sejam conhecidos bens penhoráveis ao executado, este não possa deduzir o seu direito de defesa contra essa execução ou mesmo a presente execução renovada, na medida em que a extinção da presente execução se baseia precisamente na falta de bens penhoráveis no património daquele (vide art. 850º, nº 4, do citado código; e ainda, entre outros, o Acórdão da Relação do Porto de 24-02-2015, in www.dgsi.pt).
Nestes casos de renovação da execução terão de ser indicados, em concreto, bens penhoráveis do executado, pelo exequente; não se basta tal renovação com a mera indicação vaga ou genérica de bens penhoráveis, já que o art. 850º, nº 5, do CPC, exige a especificação, a concretização dos mesmos.
Note-se ainda que nestas situações, e dado que o executado deduziu embargos de executado, não deve o seu nome ser incluído na lista pública de execuções, na medida em que essa inclusão pressupõe, como parece ser evidente, que o mesmo nenhuma defesa apresentou no prazo legal (tanto mais que para tal inclusão precisaria de ser afirmado o valor da dívida em apreço de harmonia com o disposto nos arts. 4º, nº 2 e 5º, nº 2, al. c) da Portaria nº 313/2009, de 30 de Março).
Ou seja, nestes casos a Srª. AE deverá proceder à extinção da execução de harmonia com o preceituado no art. 750º, nº 2, do C.P.Civil mas sem incluir os nomes dos executados na lista pública de execução dado que tal configuraria uma violação dos direitos de defesa e do contraditório daqueles.
No presente caso, não serão imputadas custas às partes na medida em que não se lhes pode assacar tal responsabilidade visto que a dedução dos presentes embargos e a sua inutilidade superveniente não lhes pode ser imputada de harmonia com o acima exposto (vide art. 527º, do C.P.Civil).
Nestes termos, e ao abrigo do disposto nos arts. 277º, al. e), ex vi art. 551º, nº 1, do C.P.Civil, julgo extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
Sem custas por não serem imputáveis às partes nos termos acima expostos.
Face ao ora determinado ficou prejudicada a realização da audiência de julgamento designada nos autos. Registe e notifique, sendo ainda a Srª. AE para, em 10 dias, demonstrar nos autos de execução a extinção da mesma ao abrigo do disposto no art. 750º, nº 2, do C.P.Civil e sem proceder à inclusão do executado na lista pública de execuções de acordo com o supra determinado».
Não se conformou a embargada e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações, findas as quais formula as seguintes conclusões:
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Não foi apresentada qualquer resposta às alegações de recurso.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objeto do recurso
O objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 3.º, n.º 3, do diploma legal citado), consubstancia-se nas seguintes questões:
i) averiguar se estão presentes os requisitos enunciados nos n.ºs 1 e 2 do artigo 750.º do CPC;
ii) saber de ocorrem razões determinantes da inutilidade superveniente da lide nos embargos.
2. Fundamentos de facto
A factualidade provada relevante é a que consta do relatório que antecede, a que acrescem os seguintes factos, colhidos na certidão junta aos autos:
1) Foi efetuada a penhora de um saldo bancário, no valor de € 252,54, em 17.05.2018;
2) Consta dos autos a seguinte informação prestada nos autos, pela nova AE, em 24.07.2019 [Relatório]:
«D…, Agente de Execução nos presentes autos vem aos mesmos, na sequência do douto despacho proferido dizer e esclarecer o seguinte:
- Junto se anexa o print do histórico do processo, constante do programa …, referente à tramitação do AE E…, que se situa entre 07/08/2014 e a data da nomeação da signatária, pela CPEE, em 13/03/2018;
- Relativamente à referência feita no despacho às “comunicações e email's”, conforme se verifica pelo print junto, os email's enviados através do programa, não estão disponíveis para serem visualizados, pois não aparece o símbolo para ser aberto o documento, como assinalei no print;
- De referir que, aquando da nomeação da signatária pela CPEE, o processo tinha informação estatística de: “Falta/Insuficiência de bens (Pagamento parcial voluntário)” em 22/03/2016;
- Conforme solicitado, junto anexo o relatório de liquidação elaborado pela Sra. Agente de Execução Dra. F….
Quanto ao actual estado dos autos informa-se que após o levantamento do sigilo fiscal do Executado foi solicitada informação à AT, a qual depois de pagos os respectivos emolumentos foi disponibilizada e junta aos autos.
Pelo que se aguarda que a Exequente, em face de tal informação, venha informar que diligências pretende sejam realizadas.
Mais se informa que à ordem dos presentes autos encontra-se penhorada a quantia de 252,54€, conforme autos de penhora oportunamente elaborado em 17/05/2018.
É pois o que me cumpre informar/esclarecer, ficando ao dispor para o que for tido por conveniente».
3) Com o relatório referido no ponto anterior, foi junto aos autos um documento com a designação “Gestão Processual de Escritórios de Solicitadores de Execução”, referente à execução n.º 2666/14.5YYPRT, no qual constam várias referências, nomeadamente:
«Registo Automático de recebimentos – 9.07.2015 – 1.500,00»
«Indicação de bens à penhora – 27.10.2015»
«Pagamento Parcial Voluntário – 8.01.2016»
«Extinção – Falta/Insuficiência de bens – 22.03.2016»
4) Não consta dos autos, nomeadamente da certidão do processamento do AE, a referência a qualquer notificação do executado para os efeitos do disposto no n.º 1 in fine do artigo 750.º do Código de Processo Civil, quer do relatório da atual AE (que se transcreveu no ponto 1), quer do relatório de “Gestão Processual” do anterior AE.

3. Fundamentos de direito
3.1. A ausência dos requisitos enunciados nos n.ºs 1 e 2 do artigo 750.º do CPC
Preceitua o n.º 1 do artigo 750.º do Código de Processo Civil:
1 - Se não forem encontrados bens penhoráveis no prazo de três meses a contar da notificação prevista no n.º 1 do artigo 748.º, o agente de execução notifica o exequente para especificar quais os bens que pretende ver penhorados na execução; simultaneamente, é notificado o executado para indicar bens à penhora, com a cominação de que a omissão ou falsa declaração importa a sua sujeição a sanção pecuniária compulsória, no montante de 5 % da dívida ao mês, com o limite mínimo global de 10 UC, se ocorrer ulterior renovação da instância executiva e aí se apurar a existência de bens penhoráveis.
2 - Se nem o exequente nem o executado indicarem bens penhoráveis no prazo de 10 dias, extingue-se sem mais a execução.
3 - No caso previsto no n.º 1, quando a execução tenha início com dispensa de citação prévia, o executado é citado; se o exequente não indicar bens penhoráveis, tendo-se frustrado a citação pessoal do executado, não há lugar à sua citação edital deste e extingue-se a execução nos termos do número anterior.
O n.º 2 do normativo que se transcreveu afigura-se-nos transparente e de interpretação unívoca, no sentido de que o AE apenas poderá proceder à extinção da execução, verificados os seguintes requisitos: i) a procura infrutífera de bens penhoráveis, durante três meses a contar da notificação do AE para que inicie as diligências para penhora; ii) a notificação do exequente, decorrido o referido prazo, para especificar quais os bens que pretende ver penhorados; iii) a notificação simultânea do executado para que indique bens à penhora, com as cominações previstas no n.º 1 in fine do artigo 750.º do CPC.
Em abono do princípio da cooperação, haverá ainda que considerar a exigência de indicação na notificação do exequente, da cominação prevista no n.º 2 do artigo 750.º: a imediata extinção da execução, caso não sejam indicados pelo exequente, nem pelo executado, bens penhoráveis, no prazo de dez dias.
O histórico do processo na tramitação do anterior AE revela-se, por demais, absolutamente incongruente.
Vejamos porquê.
Consta, nomeadamente, do referido histórico: «Indicação de bens à penhora – 8.01.2016»; «Pagamento voluntário - Extinção – Falta/Insuficiência de bens – 22.03.2016».
Em suma, apenas dois meses e meio após a menção de «Indicação de bens à penhora», o AE inseriu no histórico do processo duas informações incompatíveis: pagamento voluntário e extinção por falta de bens.
Não existe no referido histórico de tramitação da execução qualquer referência a qualquer notificação do executado, para os efeitos do n.º 1 in fine do artigo 750.º do Código de Processo Civil.
Também não consta do mesmo histórico qualquer referência a qualquer notificação às partes, da extinção da execução – por essa razão, apesar da vaga referência à «Extinção – Falta/Insuficiência de bens», registada em 22.03.2016, a execução continuou, tendo os embargos dado entrada mais de dois anos decorridos, em 28.11.2018.
Constata-se assim a deficiente gestão processual do anterior AE, que veio a ser substituído.
Caso a execução tivesse sido declarada extinta, não teria havido, obviamente, lugar à dedução de quaisquer embargos, decorridos mais de dois anos.
Como se decidiu no acórdão da Relação de Lisboa, de 10.05.2018 [2491/08.2TBPDL-B.L1-6], «O decurso do prazo de três meses, previsto neste preceito legal, para a localização de bens penhoráveis através das diligências realizadas pelo agente de execução, não permite por si só declarar extinta a execução, sem ocorrer prévia notificação ao exequente e executado nos termos previstos no seu nº 2»[2].
Para a extinção prevista no n.º 2 do artigo 750.º do CPC, é imperioso que: as diligências de penhora resultem infrutíferas; seja devolvido ao exequente o ónus de indicar os bens necessários à satisfação do seu crédito; seja notificado o executado para indicar bens à penhora, com as cominações legais.
Acresce, como bem refere a recorrente, que ocorreram na ação executiva, várias indicações de bens, tendo sido concretizada uma penhora.
Com efeito, resulta da consulta do histórico de processamento do anterior AE, que foram feitas indicações de bens à penhora, em 26.02.2015, 10.05.2015, 27.10.2015 e 8.01.2016, tendo sido efetuada uma penhora - de um saldo bancário - em 17.05.2018.
Cabe ainda referir que, conforme resulta da informação prestada pela atual AE, quanto ao atual estado dos autos, que a mesma requereu à AT o levantamento do sigilo fiscal do executado, a qual foi disponibilizada e junta aos autos, aguardando-se que a exequente, em face de tal informação, venha informar que diligências pretende sejam realizadas.
Face ao exposto, considerando a imperatividade do disposto no n.º 2 do artigo 750.º do Código de Processo Civil, revela-se manifestamente procedente a argumentação da recorrente, já que não se cumpriram os requisitos legais para a extinção a execução.
3.2. A necessidade de prosseguimento dos embargos
Insurge-se a recorrente contra a extinção da instância dos embargos por inutilidade superveniente da lide, concluindo que «Inexistem razões ou fundamentos de direito susceptíveis de pôr em crise a prossecução dos presentes autos».
Entendemos, salvo todo o respeito devido, que lhe assiste razão.
Vejamos porquê.
Refere o Mº Juiz na sentença recorrida:
«A presente decisão não preclude, como é bom de ver, que de futuro, caso entretanto sejam conhecidos bens penhoráveis ao executado, este não possa deduzir o seu direito de defesa contra essa execução ou mesmo a presente execução renovada, na medida em que a extinção da presente execução se baseia precisamente na falta de bens penhoráveis no património daquele…».
No entanto, caso sejam encontrados bens e se renove a instância executiva, ao executado não restará alternativa, para além de voltar a deduzir embargos, com os mesmos fundamentos.
Recorde-se que o executado deduziu os presentes embargos, com fundamento num alegado acordo de pagamento que cumpriu.
Ora, apesar de já ter sido produzida prova, tendo-se realizado duas sessões de julgamento, a abrupta extinção da instância nos embargos sem conhecimento do mérito inutiliza toda a já longa tramitação dos autos, obrigando o executado a repetir os fundamentos que invocou em sua defesa, caso se renove a execução com posteriores penhoras.
Entramos assim num debate que não é pacífico na jurisprudência: saber se a extinção da execução por aplicação do n.º 2 do artigo 750.º do Código de Processo Civil determina a extinção da instância nos embargos.
No acórdão da relação de Évora, de 22.09.2016 [71/13.0TBETZ-A.E1], respondeu-se à questão enunciada, nos termos que se sintetizam no respetivo sumário:
«I - Pretendendo o embargante com a oposição à execução colocar em causa o próprio título executório, visando a improcedência total ou parcial da execução, a inutilidade superveniente da sua pretensão só ocorre se, por via de um comportamento concludente como é o pagamento voluntário da quantia exequenda, aceita o direito do credor talqualmente este se encontra representado no título executivo (artigo 849.º, n.º 1, alínea a) do CPC).
II - Se, porém, a execução for extinta por qualquer uma das demais razões que a lei actualmente consagra, designadamente por não ser possível encontrar bens ou porque os encontrados não são suficientes para a satisfação do interesse do credor, podendo a instância executiva ser posteriormente renovada, não se verifica a inutilidade superveniente da lide quanto aos embargos de executado tempestivamente deduzidos, devendo os autos prosseguir para apreciação do respectivo mérito, como for de direito».
No Blogue do IPPC[3] em post de 4.01.2017, o Professor Teixeira de Sousa, após transcrição parcial da fundamentação jurídica do citado acórdão[4], conclui com o seguinte comentário:
«O acórdão da RE (de que foi relatora a Des. G…) é um daqueles casos em que se patenteia uma evidência que, afinal, ainda estava por descobrir.
Os embargos de executado cumprem uma função de oposição a uma execução pendente, mas, como o acórdão mostra, também podem cumprir a função de prevenir a renovação de uma execução entretanto extinta. Assim, se a oposição à execução deduzida pelo executado puder obstar à renovação de uma execução extinta (o que apenas é possível saber em função do concreto fundamento alegado pelo executado), essa oposição não se torna inútil com a extinção da execução. Pelo contrário: a oposição à execução deve subsistir, embora apenas com a finalidade de prevenir a eventual renovação da execução.
Sob o ponto e vista formal (que não é o mais relevante na situação em análise), importa referir que, como decorre do disposto nos art. 779.º, n.º 5, e 850.º, n.º 5, CPC (e, em especial, da remissão para o art. 850.º, n.º 4), a execução extinta e a execução renovada são uma e mesma execução.
Não podemos estar mais de acordo.
Caso se renove a execução, com posterior penhora de bens do executado, voltará a tornar-se premente a averiguação sobre se houve ou não acordo de pagamento, sobre se a quantia paga pelo executado era ou não suscetível de extinguir a execução.
Cremos, reiterando o devido respeito, que com a extinção da instância nos embargos por invocada inutilidade da lide, depois de produzida prova e de realizadas duas sessões de julgamento, não se previne a eventual renovação da execução, abrindo-se a possibilidade de inutilização de todas a tramitação dos embargos, e da sua posterior (e desnecessária) repetição, o que poderá traduzir-se na realização de atos processuais inúteis, expressamente proibida elo disposto no artigo 130.º do Código de Processo Civil.
Também por esta razão, deverá proceder o recurso.

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente procedente o recurso, ao qual concedem provimento e, em consequência, em revogar a decisão recorrida, determinando o prosseguimento da tramitação dos embargos de executado.
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Custas do recurso pelo recorrido.
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Porto, 27.01.2020
Carlos Querido
Mendes Coelho
Joaquim Moura
___________
[1] Tinha sido agendada a continuação da audiência de julgamento para 18.09.2019.
[2] Veja-se, no mesmo sentido, o acórdão da Relação de Lisboa, de 28.06.2018 [processo n.º 1977/10.3TBPDL.1.L1-6], onde se conclui: «Não se manifestando a negligência do exequente e estando pendentes diligências relevantes no sentido de serem encontrados bens penhoráveis, não deve a execução ser extinta nos termos do artigo 750º nº 2 do CPC».
[3] https://blogippc.blogspot.com/
[4] Insere-se aqui a referida trasncrição:
«[...] como claramente resulta dos n.ºs 4 e 5 do artigo 732.º do CPC, a oposição à execução mediante embargos é dependência do processo executivo, daí que a procedência dos embargos extinga a execução, no todo ou em parte, constituindo a decisão de mérito proferida nos embargos à execução, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.
O efeito principal dos embargos consiste, pois, na extinção definitiva da execução, no todo ou em parte, por efeito do caso julgado formado pela decisão proferida neste enxerto de carácter declarativo, situação diversa da extinção da execução que não tem aquele alcance, podendo ser renovada a execução nas situações contempladas na lei, sendo que no actual regime do processo executivo tal extinção nem sequer ocorre por via de despacho judicial.
Relembramos esta distinção entre a acção executiva e a natureza dos embargos enxertados na mesma, porquanto a mesma tem que estar necessariamente subjacente na decisão do caso vertente.
Como vimos, a instância de embargos foi julgada extinta por inutilidade superveniente da lide, na sequência da extinção da execução pela Senhora Agente de Execução.
Porém, apesar de o processo de oposição à execução estar funcionalmente ligado ao processo executivo, de que constitui apenso, e consequentemente, a extinção da instância num deles poder determinar a extinção do outro, nem sempre tal pode acontecer, sendo esta conclusão evidente se tivermos presente o sobredito quanto à natureza de um e outro processo.
Assim, se a procedência dos embargos extingue a execução no todo ou parte (artigo 732.º, n.º 4, do CPC), tornando inútil o respectivo prosseguimento, já a extinção da execução só torna supervenientemente inútil a oposição por embargos que à mesma tenham sido deduzidos, quando tal extinção seja definitiva por ter ocorrido o pagamento da quantia exequenda, em qualquer uma das modalidades possíveis (artigos 795.º, n.º 1, e 846.º do CPC), ou seja, por ter sido conseguida a satisfação do credor [...]
Em reforço do que acabamos de concluir note-se que, mesmo a situação relativa à desistência do exequente, que é outra causa de extinção da execução, se estiverem pendentes embargos de executado, depende da aceitação do embargante (artigo 848.º do CPC), ou seja, o legislador deixa na esfera deste a apreciação da manutenção ou não do respectivo interesse no prosseguimento dos embargos.
Na verdade, pretendendo o embargante com a oposição à execução colocar em causa o próprio título executório, visando a improcedência total ou parcial da execução, a inutilidade superveniente da sua pretensão só ocorre se, por via de um comportamento concludente como é o pagamento voluntário da quantia exequenda, aceita o direito do credor talqualmente este se encontra representado no título executivo (artigo 849.º, n.º 1, alínea a) do CPC).
Se assim não for, ou seja, se a execução for extinta por qualquer uma das demais razões que a lei actualmente consagra, designadamente por não ser possível encontrar bens ou porque os encontrados não são suficientes para a satisfação do interesse do credor (artigos 797.º e 750.º, n.º 2, do CPC), podendo a instância executiva ser posteriormente renovada caso venham a ser encontrados e indicados bens penhoráveis que possam satisfazer integral ou parcialmente o referido desiderato (artigos 850.º, n.º 5 e 849.º, n.º 1, alíneas c), d) e e), do CPC), então não se vê como se preenche o pressuposto da inutilidade superveniente da lide quanto aos embargos que pretendem precisamente definir se o direito representado no título existe ou se existe com a extensão que lhe foi atribuída pelo credor. [...]
[...] na situação dos autos, a manutenção do litígio que opõe exequente e executado é mais evidente porquanto houve concretização da penhora em bens do executado, ainda que estes sejam insuficientes para satisfazer no imediato a dívida exequenda.
Como é sabido, nos termos do artigo 735.º, n.º 1, do CPC, estão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondam pela dívida exequenda. Daí que a concretização da penhora retire da esfera de disponibilidade material e jurídica do devedor os bens necessários a tornar efectiva a obrigação exequenda, que aquele voluntariamente não cumpriu, desta feita pelo valor que os bens de que o devedor é desapossado representem ou pela apreensão de quantias que alcancem o valor correspondente, ainda que obtidas fraccionadamente.
Portanto, no caso vertente, o património do executado já foi atingido pela diligência de penhora, concretizando-se o respectivo desapossamento com vista à satisfação do credor, adjudicando-se-lhe o valor penhorado, o que irá continuar a acontecer no futuro.
Desta sorte, tendo o executado deduzido tempestivamente oposição à execução, não pode manifestamente considerar-se que a mesma ficou supervenientemente inútil com a extinção condicional da execução, até porque os descontos no vencimento do executado mantêm-se e prosseguirão até ao limite mencionado na matéria de facto.»