Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
919/09.3TJPRT-C.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
IMPUGNAÇÃO DA RESOLUÇÃO
EXCEPÇÃO DE CASO JULGADO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
NATUREZA DA ACÇÃO
RECONVENÇÃO
VALOR A RESTITUIR
Nº do Documento: RP20151109919/09.3TJPRT-C.P2
Data do Acordão: 11/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A definitividade na resolução do conflito de interesses, decorrente da força do caso julgado atribuída à decisão judicial que já não admite recurso ordinário ou reclamação, desdobra-se em duas vertentes: i) por um lado, a questão decidida não pode ser de novo reapreciada (trata-se do campo próprio de atuação da exceção dilatória de caso julgado ou do efeito negativo do caso julgado); ii) por outro lado, o respeito pelo conteúdo da decisão anteriormente adoptada implica que não possa haver decisão posterior que a contrarie (o que se traduz a denominada autoridade ou efeito positivo do caso julgado).
II - Tendo sido considerado em acórdão anterior proferido nestes autos por este Tribunal, com trânsito em julgado, que os negócios de compra e venda objeto de resolução a favor da massa insolvente foram efetuadas com o único intuito de prejudicar a massa e os credores, e que os autores/recorrentes tinham conhecimento desse facto, porque não podiam desconhecê-lo, ficou definitivamente decidida a oponibilidade aos recorrentes da declaração resolutiva, ficando prejudicada a apreciação de todas as questões relacionadas com esta questão.
III - A ação de impugnação da declaração resolutiva a favor da massa insolvente é de simples apreciação negativa, porque visa tão-só a demonstração da inexistência ou não verificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo administrador da insolvência (artigo 10.º, nº 3, alínea a), do CPC).
IV - Face à natureza da referida ação, não há lugar a pedido reconvencional, o qual, se formulado, será absolutamente inócuo, considerando que a improcedência da ação tem como necessária consequência a devolução à massa dos bens alienados ou do seu valor, não se revelando necessária a formulação de tal pedido por via reconvencional, ou qualquer outra providência por parte da massa insolvente, nomeadamente a instauração posterior de qualquer outra ação.
V - O valor a considerar, na eventualidade da impossibilidade de restituição (por os autores já terem alienado os imóveis adquiridos), será o correspondente à alienação e não ao que pagaram pela aquisição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 919/09.3TJPRT-C.P2

Sumário do acórdão:
I. A definitividade na resolução do conflito de interesses, decorrente da força do caso julgado atribuída à decisão judicial que já não admite recurso ordinário ou reclamação, desdobra-se em duas vertentes: i) por um lado, a questão decidida não pode ser de novo reapreciada (trata-se do campo próprio de atuação da exceção dilatória de caso julgado ou do efeito negativo do caso julgado); ii) por outro lado, o respeito pelo conteúdo da decisão anteriormente adoptada implica que não possa haver decisão posterior que a contrarie (o que se traduz a denominada autoridade ou efeito positivo do caso julgado).
II. Tendo sido considerado em acórdão anterior proferido nestes autos por este Tribunal, com trânsito em julgado, que os negócios de compra e venda objeto de resolução a favor da massa insolvente foram efetuadas com o único intuito de prejudicar a massa e os credores, e que os autores/recorrentes tinham conhecimento desse facto, porque não podiam desconhecê-lo, ficou definitivamente decidida a oponibilidade aos recorrentes da declaração resolutiva, ficando prejudicada a apreciação de todas as questões relacionadas com esta questão.
III. A ação de impugnação da declaração resolutiva a favor da massa insolvente é de simples apreciação negativa, porque visa tão-só a demonstração da inexistência ou não verificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo administrador da insolvência (artigo 10.º, nº 3, alínea a), do CPC).
IV. Face à natureza da referida ação, não há lugar a pedido reconvencional, o qual, se formulado, será absolutamente inócuo, considerando que a improcedência da ação tem como necessária consequência a devolução à massa dos bens alienados ou do seu valor, não se revelando necessária a formulação de tal pedido por via reconvencional, ou qualquer outra providência por parte da massa insolvente, nomeadamente a instauração posterior de qualquer outra ação.
V. O valor a considerar, na eventualidade da impossibilidade de restituição (por os autores já terem alienado os imóveis adquiridos), será o correspondente à alienação e não ao que pagaram pela aquisição.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Em 11.10.2011, B… e esposa C…, por apenso aos autos de insolvência n.º 919/09.3TJPRT, nos termos do disposto no artigo 125º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, vieram intentar ação declarativa de impugnação de resolução de negócio jurídico em benefício da massa insolvente, com processo ordinário, contra a Massa Insolvente de D…, representada pelo respectivo Administrador, Senhor Dr. E…, formulando os seguintes pedidos: 1.º que seja revogada a declaração, emitida pelo Senhor Administrador de Insolvência, de resolução do negócio jurídico celebrado entre o insolvente e sua mulher e F…, formalizado pela escritura pública de compra e venda outorgada em 21 de Maio de 2007 e junta aos autos a folhas 78 a 86, na parte em que nela se contempla a venda dos prédios urbanos e rústicos descritos no artigo 1º, posteriormente adquiridos pelos AA.;
Caso assim não se entenda:
2.º que seja a ré condenada a pagar aos autores a quantia de € 25.700,00 (vinte e cinco mil e setecentos euros), a título de indemnização devida pelo valor de todas as benfeitorias necessárias realizadas nos prédios, acrescida dos juros de mora legais que se vencerem após a citação.
3º que seja a ré condenada a reconhecer e ser declarado por sentença que aos autores assiste o direito de levantarem dos prédios todas as benfeitorias úteis que nele efetuaram, nomeadamente, as descritas nos artigos 86º e 88º, para além de outras que como tal venham a ser consideradas.
4º que seja reconhecido por sentença que aos autores assiste o exercício do direito de retenção sobre os prédios nos quais realizaram benfeitorias, até que o valor destas se encontre integralmente pago.
Como suporte da sua pretensão, alegaram os autores em síntese: por escritura pública celebrada em 21 de maio de 2007, o insolvente D… e mulher, G…, venderam a F…, entre outros, os prédios identificados na petição; por documento particular autenticado, outorgado no dia 4 de junho de 2009, F… e mulher, H…, venderam ao autor marido e este comprou-lhes, os referidos prédios; por escritura pública outorgada no dia 14 de julho de 2010, os autores venderam a I… e mulher, J…, de nacionalidade sueca, o prédio urbano identificado na alínea a) do artigo 1º; e por documento particular autenticado, outorgado em 30 de novembro de 2010, venderam a K…, casado com L…, o prédio rústico identificado na alínea e) do artigo 1º; mantêm ainda os autores, na sua esfera jurídica, a posse e o direito de propriedade sobre os prédios urbano e rústicos, identificados nas alíneas b), c), d) e f), inscritos na matriz sob os artigos 143 (urbano) e 987, 519 e 647 (rústicos); por carta registada com aviso de recepção, datada de 09 de maio de 2011, remetida ao Dr. F…, o Administrador da Insolvência declarou resolvido em benefício da massa insolvente, ora ré, o negócio jurídico de compra e venda dos bens imóveis e móveis, contemplados na escritura pública outorgada em 21 de maio de 2007, celebrada entre aquele, como comprador, e o insolvente e sua mulher, como vendedores; resolução essa que fundamentou, de facto, na argumentação expendida na declaração inserta na dita carta e, de Direito, nos artigos 120º, 121º, 123º, 124º e 126º, do CIRE; na mesma data e pela mesma via, remeteu o Administrador da Insolvência a H…, mulher do comprador, cópia da carta remetida a este; sob correio registado com aviso de recepção, remeteu o Administrador de Insolvência aos autores, em 13 de junho de 2011, cópias das cartas referidas supra, enviadas ao Dr. F… e mulher e, bem assim, cópia da publicação da sentença de insolvência no Diário da República; com a comunicação aos autores da declaração de resolução do referido negócio jurídico, celebrado entre o insolvente e sua mulher e o Dr. F…, pretendeu o Administrador de Insolvência fazer estender os respectivos efeitos legais à posterior transmissão, para os autores, dos prédios urbanos e rústicos referidos; os autores não se conformam com tal pretensão, que lhes retiraria a propriedade de prédios que, livremente e de boa fé, adquiriram por compra e pagaram; dois dos quais, aliás, já alienaram onerosamente a terceiros, que assim agiram de igual boa fé; a pretendida resolução, ou não tem cobertura legal ou é inexistente ou ineficaz, ou extemporânea ou nula ou, ainda, insubsistente; falta um pressuposto da declaração de insolvência dos alienantes, dado que os bens alienados constituíam património comum de ambos os vendedores e, apesar de ter sido requerida a insolvência de ambos, apenas o alienante marido foi declarado insolvente; a resolução é ineficaz porque não foi comunicada a todas as partes nele envolvidas, vendedores e compradores; prescreveu o direito à resolução do negócio, dado que o prazo legal de seis meses para se efetuar a resolução expirava no dia 16 de maio de 2011; a declaração resolutiva é nula, porque o Administrador de Insolvência limitou-se a remeter aos autores a cópia da declaração que havia enviado ao transmitente, F…, sem qualquer motivação; haverá que considerar a realização de benfeitorias necessárias e úteis nos prédios, as quais lhes aumentaram substancialmente o valor.
Citada, a Massa Insolvente de D… contestou e reconviu, concluindo:
(i) deve ser julgada improcedente por não provada a ação, designadamente a nulidade invocada do direito de resolução, bem como a peticionada caducidade desse direito; ao invés,
(ii) deve ser declarada procedente a reconvenção e, em consequência, serem os AA. condenados na restituição da quantia de € 75.000,00 e respectivos juros à taxa legal, desde a data do recebimento, em substituição do prédio vendido pelos impugnantes aos 3.os intervenientes;
(iii) Na eventualidade de não se provar a má fé dos 4.os intervenientes na venda do prédio a que se reporta o contrato de compra e venda - doc. nº 3 da p.i. – devem os AA ser condenados a entregar à Massa a quantia de € 15.000,00, acrescidos dos juros à taxa legal, desde o recebimento da quantia, em substituição do prédio vendido.
(iv) Mais se requer a fixação de um prazo, não superior a 15 dias, para a entrega dos bens ainda na posse dos AA.
(v) Requere a intervenção principal, ao lado dos AA, dos últimos adquirentes dos imóveis referidos nas alíneas a) e e) do art. 1.º da petição: D… e G…, F… e H…; I… e mulher J…, K… e L….
Em síntese, alegou a ré: a resolução em benefício da Massa teve por destinatários o insolvente e esposa a e quem com eles negociou – o Dr. F… e sua esposa; os efeitos da resolução são oponíveis aos transmissários posteriores, nos termos do artigo 124º do CIRE; o Administrador da Insolvência notificou no prazo legal os intervenientes no negócio a resolver; a insolvência foi decretada em 12-11-2010 com carácter restrito; nos termos do artigo 39º, 7, c) do CIRE, cabia ao Administrador da Insolvência apenas elaborar parecer de qualificação da insolvência; só depois de um credor dar conhecimento nos autos da existência de bens é que o processo prosseguiu, vindo a insolvência a ser declarada sem carácter restrito a 28-2-2011; O Administrador da Insolvência notificou o Dr. F… e esposa para a morada que deles constava na escritura de compra e venda, por carta registada com a/r, tendo sido deixado aviso pelos correios e as cartas não foram levantadas; nos termos legais os destinatários consideram-se notificados; a notificação aos primeiros transmissários está em tempo. A notificação aos ora Autores de 13-6-2011 destinou-se a dar-lhes conhecimento da resolução operada nos termos dos artigos 124º e 126º do CIRE; já foi declarada a insolvência da mulher do insolvente D…; relativamente à primeira transmissão, o Administrador da Insolvência teve dela conhecimento em 3.3.2010, bem como do facto de a mesma ter sido feita por um valor baixíssimo, que abrangeu a totalidade dos bens do Insolvente e que ocorreu numa altura em que a insolvência era iminente; relativamente à segunda transmissão cabe aos autores alegar e provar a sua boa fé, sendo certo que os autores sabiam que a compra dos bens do insolvente pelo seu advogado não era uma compra normal e transparente, e ainda de que a mesma foi conscientemente prejudicial para os credores do insolvente; quanto às alegadas benfeitorias, desconhece a ré se os autores as realizaram.
Os autores responderam à reconvenção, pugnando pela sua improcedência.
Em 12.01.2012 foi proferido despacho que determinou a notificação do Administrador da insolvência para esclarecer: se o interveniente (no negócio) F… assinou algum dos avisos de recepção das cartas que lhe foram enviadas (ou foi notificado através de notificação judicial avulsa), indicando nos autos as folhas onde se encontram os documentos que titulam o que alegar; como apurou a morada do interveniente F… (e esposa) para a qual remeteu a carta cujo AR veio devolvido; em que datas e porque meios contactou este interveniente, indicando nos autos as folhas onde se encontram as cópias das missivas que titulam o que alegar; se declarou a resolução ao cônjuge do insolvente, devendo prestar, relativamente a esta interveniente, os esclarecimentos acima ordenados a respeito do interessado F….
No mesmo despacho foi determinada a notificação das partes, esclarecendo que a ação corre termos ao abrigo do DL 108/2006.
Por despacho de 12.03.2012 foi determinada a notificação dos autores: “para esclarecer se formulam pedidos de impugnação da resolução e de declaração da inoponibilidade da resolução (ou apenas o primeiro, para além dos que respeitam às alegadas benfeitorias)”.
Em requerimento de 23.03.2012, vieram os autores prestar o seguinte esclarecimento:
“Pelo exposto, esclarecem os AA. que, além dos pedidos identificados em 2º, 3º e 4º formulam ainda, por um lado, pedido de impugnação da resolução, traduzido na declaração da ineficácia da declaração de resolução emitida pelo Senhor Administrador de Insolvência, ao negócio jurídico celebrado entre eles e o adquirente do insolvente.
Por outro lado, formulam ainda pedido de declaração de inoponibilidade, ao dito negócio, dos efeitos da referida resolução, em termos tais que não afete o seu direito, enquanto terceiros.”.
Em 20.04.2012 foi proferido o seguinte despacho:
«O tribunal propõe-se, ao abrigo dos arts. 2.º e 7.º do RPCE, levar a cabo uma cisão processual, de forma a simplificar a instância e a obter a justa composição do litígio por um modo célere. O julgamento da causa deve ser dividido em dois momentos.
No primeiro momento, será produzida prova e julgada a questão da inoponibilidade da resolução operada – e só isto se discutirá.
Decidida esta questão, em audiência de produção de prova contraditória, prosseguirá a lide, já não se discutindo esta matéria, se aquela decisão não tornar inútil o conhecimento do restante objecto (impugnação da resolução).
Notifique o presente despacho às partes para, querendo, se pronunciarem, no prazo de 10 dias.
No mesmo prazo, deverão indicar a prova específica já relacionada (documentos e testemunhas já indicadas) que apresentam para esta questão (inoponibilidade da resolução), considerando-se, nada sendo dito, que indicam toda a prova já apresentada.».
Ouvidas as partes, em 11.05.2012 foi proferido o seguinte despacho:
«Ao abrigo dos arts. 2.º e 7.º do RPCE, opera-se uma cisão processual, dividindo-se o julgamento da causa em dois momentos.
No primeiro momento, será produzida prova e julgada a questão da inoponibilidade da resolução operada – e só isto se discutirá.
Decidida esta questão, em audiência de produção de prova contraditória, prosseguirá a lide, já não se discutindo esta matéria, se aquela decisão não tornar inútil o conhecimento do restante objecto (impugnação da resolução). Só neste segundo momento, se necessário, haverá pronúncia sobre a admissibilidade da demanda reconvencional e sobre a intervenção de terceiros, por serem estas questões estranhas à singela discussão da primeira questão.».
Foi realizada audiência final, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Por todo o exposto, julgo a acção procedente, julgando inoponível aos autores, B… e C… a resolução declarada pelo Sr. Administrador da Insolvência objecto desta acção.
Custas a cargo da massa insolvente (já incluídas na base de tributação do processo: art. 303.º do CIRE).
Valor da causa: o dado pelas partes.
Registe e notifique.
Em face da decisão supra proferida, perde utilidade o conhecimento do restante objecto da acção (estando satisfeito o interesse legítimo da autora) e demais questões pendentes, o que se decide.
Notifique.».
Não se conformou a ré e interpôs recurso de apelação, tendo os autos subido a esta Relação, onde foi proferida decisão sumária que revogou a sentença de 1.ª instância e determinou o prosseguimento da ação «para apreciação dos demais pedidos dos Autores e da Ré».
Não se conformaram os autores e reclamaram para a conferência, que manteve a decisão singular por acórdão proferido em 9.07.2014.
Baixaram os autos à 1.ª instância, onde foi proferido em 28.11.2014 o seguinte despacho:
«Invocam os Autores a nulidade da declaração resolutiva, por falta de motivação.
Alegam os Autores, para o efeito, que o Administrador de Insolvência deve alegar os factos que traduzam a prejudicialidade dos atos visados, e os que caraterizam a má fé do transmissário, colocando-se as exigências de alegação e de fundamentação do requisito da má fé ainda com maior acuidade relativamente aos adquirentes posteriores ao ato resolúvel, na medida em que, neste caso, o ónus da prova de tal requisito incumbe ao Administrador da Insolvência, como resulta do art. 124.º, n.º 1 do C.I.R.E. e do art. 342.º do Código Civil, e que no caso em apreço, o Administrador da Insolvência limitou-se a remeter aos Autores a cópia da declaração de resolução que havia enviado ao transmitente, acrescentando que havia decidido pela resolução do negócio celebrado entre aquele, o insolvente e sua mulher, considerando os respetivos efeitos extensivos às posteriores transmissões, nada alegando sobre o requisito da má fé pretensamente imputável aos Autores.
Compulsado o Apenso F, verifica-se que foi invocada, pela aí Autora M…, S.A., a ineficácia da notificação de resolução, sustentando que a comunicação efetuada pelo Sr. Administrador da Insolvência não obedecia aos requisitos do art. 120.º, remetendo para carta eventualmente enviada ao Dr. K…, carta essa com que se pretendia resolver todos os atos de disposição constantes da escritura de 21/05/2007, mas sem individualizar o ato concreto que pretendia ver resolvido ficando-se por uma intenção de resolução genérica.
Por decisão de 18/06/2014, proferida naquele apenso, foi apreciada a questão da ineficácia da notificação de resolução levantada pela aí Autora, decisão que foi oportunamente objeto de recurso, encontrando-se o referido apenso no Tribunal da Relação do Porto.
Considerando a similitude das questões levantadas, e a fim de evitar uma eventual contradição de julgados, afigura-se que os presentes autos deverão aguardar o trânsito em julgado da decisão a proferir pelo Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do Apenso F, o que se decide, ao abrigo do disposto no art. 272.º, n.º 1, 2.ª parte do C.P.C.
Notifique.
Transitada em julgado a decisão a proferir no Apenso F, abra novamente conclusão.».
Em 30.10.2014 foi proferido acórdão nesta Relação, no âmbito do Apenso F, no qual foi julgado “improcedente o pedido de impugnação da resolução” efetuada pelo Administrador Judicial da Massa Insolvente de D…, através de carta de 13.06.2011, remetida a N…, S.A., com o teor que se reproduz parcialmente:
“Pela presente e na qualidade de administrador da insolvência (…), venho informar V.Exa. que decidi, de acordo com o determinado nos artigos 120, 121, 123, 124 e 126 do Código da Insolvência, pela resolução dos contratos que os aqui insolventes celebraram com (…) F… (…) H…, cujos efeitos legais são extensíveis às transmissões sequentes.
Para conhecimento de V. Exa. junto anexo cópia das cartas que foram endereçadas a (…) F… e esposa H… …”.
Não se conformou a autora/recorrente, e interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, onde em 5.05.2015 foi proferido acórdão que confirmou a decisão recorrida[2].
Foi prestada informação nos autos, sobre as decisões anteriormente referidas, proferidas no Apenso F.
Em 25.06.2015 foi proferida decisão, na qual: foi indeferido o requerimento da Massa Insolvente de D…, de intervenção principal provocada, ao lado dos Autores, de D… e G…; foi admitida a reconvenção, e fixado à ação o valor de € 170.000,00; foi indeferido o pedido de intervenção principal dos compradores I… e mulher J…, e de K… e L….
No que respeita ao indeferimento do pedido de intervenção dos compradores, constam da decisão os seguintes fundamentos:
«Para fundamentar a reconvenção e o pedido reconvencional, requer a Ré a intervenção principal dos compradores I… e mulher J…, e de K… e L…, com os sinais dos autos.
Por sentença proferida no Apenso G, em 02/03/2012, no âmbito da ação de impugnação da resolução intentada por J… e I…, já transitada em julgado, foi a ação julgada procedente e inoponível aos Autores a resolução objeto dos autos, sendo esta, quanto àqueles, ineficaz.
Por sentença proferida no Apenso D, em 18/02/2013, no âmbito da ação de impugnação da resolução intentada por K… e L…, já transitada em julgado, foi a ação julgada parcialmente procedente e inoponível aos Autores a resolução declarada pelo Sr. Administrador da Insolvência.
A força de caso julgado impede uma nova apreciação da oponibilidade aos chamados da declaração de resolução efetuada pelo Sr. Administrador da Insolvência.
Assim sendo, indefere-se o requerido chamamento para intervenção.»
Na mesma data (25.06.2015), foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Atento o exposto, julga-se a presente ação improcedente e procedente a reconvenção e, consequentemente:
a) declara-se reconhecida a existência do direito da Ré;
b) absolve-se a Ré da instância, relativamente ao pedido subsidiário contra a mesma formulado;
c) condenam-se os Reconvindos na restituição à Reconvinte da quantia de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), acrescida dos respetivos juros à taxa legal, desde 14/07/2010, bem como da quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), acrescida dos juros à taxa legal, desde 30/11/2010, e
d) condenam-se os Reconvindos a entregar à Reconvinte, no prazo de quinze dias, os bens ainda na sua posse.
Custas da ação e da reconvenção a cargo dos Autores/Reconvindos.
Registe e notifique.».
Não se conformaram os autores e interpuseram recurso de apelação, apresentando alegações, findas as quais, concluem:
1ª Salvo devido respeito e melhor entendimento, a causa a que se reportam os autos do presente apenso não repete, quanto à causa de pedir e pedidos, a causa do apenso F.
2ª Pelo que se aplicou indevidamente o caso julgado, tal qual o define os artigos 580º e 581º do CPC.
3ª Consequentemente, absteve-se o Meritíssimo Juiz de conhecer de três questões fundamentais suscitadas pelos recorrentes na sua petição inicial, quais sejam o facto de a mulher do insolvente e também alienante no negócio pretendido resolver em benefício da massa insolvente, não ter sido declarada insolvente, de apenas ter sido remetida à mulher do adquirente mera cópia da carta resolutiva remetida a este e de não terem sido notificados da resolução o insolvente e sua mulher.
4ª Deste modo, violou o Meritíssimo Juiz o disposto no artigo 608º/2 do CPC, sendo nula a sentença, nos termos previstos no artigo 615º/1, al. a).
5ª É nosso entendimento que a resolução de um negócio em benefício da massa insolvente, pressupõe necessariamente que à data em que é emitida, se encontrem ambos os alienantes em estado de insolvência judicialmente declarada.
6ª O que não sucedida com a mulher do insolvente, que apenas veio a ser declarada insolvente em momento até posterior ao da entrada em juízo da presente ação.
7ª Não nos parece que seja outro o entendimento subjacente à letra e ao espírito do artigo 120º e seguintes do C.I.R.E., nos quais não atentou o Meritíssimo Juiz,
8ª No que concerne às comunicações da decisão de resolução, provindo ela de um terceiro estranho ao negócio, cremos que deveria ter sido dirigida, com igual conteúdo e motivação, a todos os que nele intervieram diretamente e, bem assim, àqueles que, não tendo nele intervindo, disponham de legitimidade para a impugnar e, quanto as estes, também com os fundamentos de que depende a oponibilidade dos efeitos daquela, nomeadamente aqueles em que assentam a má fé.
9ª É isso que parece decorrer dos artigos 436º/1 do CCivil e dos artigos 120º e 125º do C.I.R.E.
10ª Deste modo, não é suficiente que à mulher do adquirente tenha apenas sido remetida mera cópia da carta resolutiva remetida àquele.
11ª Pelo que é nula a resolução.
12ª No que respeita às notificações efetuadas ao insolvente e mulher, constata-se do apenso F que apenas foram remetidas em 10.08.2011, como resulta do expediente documental de folhas 159 a 166, sendo que, para os presentes autos, nenhuma prova, necessariamente documental, foi carreada pela recorrida.
13ª Parece-nos de básico entendimento que um terceiro só pode ser afetado pela resolução de um negócio precedente, se e na medida em que este tenha sido previa e efetivamente resolvido.
14ª E sendo certo que a resolução opera por comunicação às partes contratantes (insolvente e mulher, por um lado e adquirente e mulher, por outro), na data em que os recorrentes, terceiros transmissários, foram notificados da resolução, o que sucedeu em 13 de Junho de 2011 (documentos 6 a 9 da PI), ela ainda pura e simplesmente não existia, na medida em que não havia ainda sido efetuada, sequer tentada, a notificação ao insolvente e sua mulher, que só veio a suceder, como se disse, em 10.08.2011.
15ª Existindo nos autos do apenso F prova documental que impunha decisão diversa da proferida, deveria o Meritíssimo Juiz, consoante fosse de seu entendimento, declarar inexistente, nula ou ineficaz a resolução.
16ª Desconsiderou-se, assim, o comando do artigo 436º/1 do CCivil e, mais uma vez, parece-nos nula a decisão, nos termos do artigo 615º/1, al. d), do CPC.
17ª É nosso – modesto – entendimento que, pretendendo fazer-se projetar num terceiro os efeitos da declaração de resolução de um negócio antecedente, a declaração de oponibilidade é autónoma daquela e, nessa medida, deve ser autonomamente fundamentada e motivada, sobretudo quanto aos factos de que depende a oponibilidade da resolução, nomeadamente e sobretudo aqueles em que assenta o nuclear requisito da má fé.
18ª Dito de forma mais terrena: se alguém pode ver afetado um negócio por se considerar ter nele intervindo de má fé, hão de os factos em que ela assenta ser-lhe devidamente comunicados.
19ª Ninguém pode defender-se convenientemente de uma “acusação” cujos fundamentos desconhece.
20ª Ora, a remessa aos recorrentes de mera cópia da carta resolutiva, importa a nulidade da declaração resolutiva ou, pelo menos, a nulidade da declaração de oponibilidade.
21ª Lacuna essa que não pode ser suprida nos articulados.
22ª Foi assim violada a primeira parte do número 1 do artigo 124º do C.I.R.E.
23ª Por outro lado, como decorre daquele mesmo preceito, a oponibilidade da resolução, na dupla transmissão e transmissões posteriores, pressupõe a má fé de todos eles.
24ª Tal significa que, nem o negócio posteriormente celebrado entre os recorrentes e I… e mulher, quanto ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 142, nem o negócio celebrado com K…, quanto ao prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 624, podem de forma alguma ser afetados pela declaração resolutiva, pois que, como resulta da sentença recorrida, não se provou a má fé de qualquer deles.
25ª Consequentemente, não podem os recorrentes ser compelidos a restituir à recorrida os preços recebidos.
26ª A presente ação não é de simples apreciação negativa, na medida em que não foi proposta com o único intuito de ver declarada a inexistência do direito resolutivo da recorrida, mas também com intuito condenatório, de impugnação de resolução em aspetos objetivos e formais (ver Acórdão do TRP, proferido em 26.11.2012, no âmbito do processo nº 912/11.6TBLSD.P1).
27ª Aliás, é tão só sobre tais questões que versa a decisão recorrida, uma vez que a outra já se mostra decidida.
28ª Não sendo a ação de simples apreciação negativa, deveria ter sido conhecida e decidida a questão da indemnização por benfeitorias realizadas pelos recorrentes nos prédios cuja restituição é ordenada e, bem assim, a questão de lhes assistir ou não o direito de retenção dos prédios até que aquela se mostrasse paga.
29ª Não tendo apreciado tal questão, antes remetendo os recorrentes para a propositura de uma ação independente, voltou o Meritíssimo Juiz a provocar a nulidade da sentença, como previsto no artigo 615º/1, al. d) do CPC.
30ª Mas, na eventualidade de, neste particular, se acolher o entendimento da primeira instância, então também não deveria ter sido admitida a reconvenção (vejam-se os Acórdãos do STJ de 20.03.2014, publicado na CJ, ano XXII, tomo I/2014, pág. 165 e Acórdão da RE de 29.07.21982, publicado na CJ, 278º).
31ª Na verdade, se, por se tratar de uma ação de simples apreciação negativa, não se admitiu o pedido de condenação da recorrida no pagamento de benfeitorias, como pode ter-se admitido, conhecido e julgado procedente o pedido reconvencional condenatório da recorrida?
32ª Tal entendimento do Tribunal recorrido traduziu-se na violação grosseira do “princípio da igualdade” das partes, constante do artigo 4º do CPC.
33ª Na procedência total da reconvenção, condenou o Meritíssimo Juiz a quo os recorrentes a restituir à recorrida as quantias de € 75.000,00 e de € 15.000,00, por eles recebidas em consequência da alienação a terceiros de dois dos prédios que haviam adquirido, acrescidas dos juros de mora à taxa legal, contados, respetivamente, de 14.07.2010 e 30.11.2010.
34ª Como sabemos, a resolução do negócio tem efeito retroativo e é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, devendo ser restituído tudo o que foi prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (artigos 433º, 434º e 289º/1, do CCivil).
35ª No caso concreto, os valores a restituir seriam aqueles pelos quais os recorrentes adquiriram os prédios em causa, ou seja, € 10.000,00 e € 1.250,00 (cfr. doc. 1 junto com a PI).
36ª Se a resolução tem o mesmo efeito na nulidade e da anulabilidade, tudo se passa como se o negócio, a que se pretende sejam extensivos os efeitos daquela, nunca se tivesse concretizado, devendo, pois, ser repristinada toda a situação vigente no momento da sua celebração.
37ª Nesse momento, os valores dos prédios eram os referidos na cláusula 35ª.
38ª Impor-se aos recorrentes que restituam os valores pelos quais os venderam, porventura advindos da sua astucia comercial, é fazer acrescer o património da recorrida de forma clamorosamente indevida, o que se traduziria num evidente enriquecimento injustificado.
38ª A decisão violou, assim, o “princípio nominalista”, ínsito no artigo 550º do CCivil.
Vejam-se, a este propósito, os Acórdãos do STJ de 11 de Março de 1999, publicado na CJ, ano VII, tomo I, pág. 152 a 155, de 18 de setembro de 2003, número convencional JSTJ000, em www.dgsi.pt e 15 de Fevereiro de 2000, número convencional JSTJ00041617.
Nestes e nos melhores termos de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, consequentemente, ser revogada a douta decisão recorrida e substituída por outra que julgue procedente a ação e improcedente a reconvenção.
Para a eventualidade de se considerar procedente a reconvenção, deverá sê-lo apenas parcialmente, quanto aos valores a restituir, que deverão ser aqueles pelos quais os recorrentes adquiriram os prédios que entretanto alienaram, devendo, neste caso, ser apreciada e decidida, também, a questão da indemnização pelas benfeitorias realizadas, de acordo com a prova pericial produzida e, bem assim, o invocado direito de retenção.
A ré apresentou resposta às alegações de recurso, concluindo:
ii) Por decisão já transitada foi declarada a oponibilidade da declaração resolutiva aos recorrentes, por ser constatado e declarado que houve má fé por parte dos recorrentes na celebração das compras e vendas dos ditos prédios de baião pertencentes ao insolvente D… e mulher;
ii. A declaração de oponibilidade, atento o regime do artº 124 CIRE, da declaração resolutiva é pois operante contra os recorrentes, 2.os transmissários dos bens, e implica que tenham de entregar no prazo prescrito na decisão os bens que tenham em seu poder; os que tiverem vendido devem fazê-los reverter para a massa através do seu valor (artº 126 cire);
iii. Tal valor, sendo de substituição, há-de ser o que consta do documento de venda aceite por ambas as partes e não o valor que consta do acto sobre que foi declarada a má fé;
iv. Tal restituição, nos termos da lei, deve ser feita com os frutos obtidos, seja mediante a procedência do pedido recovencional, este assente em factos confessados, seja através da relação de liquidação, declarada que foi a improcedência da impugnação de que decorre a inteira operância dos efeitos da resolução, que são idênticos aos da nulidade;
v. Não sendo admitida a reconvenção, deve então o valor dos prédios ser devolvido com juros à taxa legal, desde a data da sua venda, à ré massa, como efeito do acto resolutivo declarado pelo ai ao abrigo da lei insolvencial e oponível aos recorrentes;
vi. Tudo ao abrigo do disposto no artº 289 cc e auj 4/95, conforme interpretação já defendida.
Sobre a nulidade arguida, pronunciou-se o Mº Juiz, por despacho de 15.09.2015, nestes termos:
«Invocam os Apelantes a nulidade da sentença recorrida, ao abrigo do disposto no art. 615.º, n.º 1 do C.P.C., alegando, para o efeito, que o tribunal se absteve de conhecer de três questões suscitadas pelos Recorrentes na sua petição inicial, como sejam o facto de a mulher do Insolvente e também alienante no negócio pretendido resolver em benefício da massa insolvente, não ter sido declarada insolvente, de apenas ter sido remetida à mulher do adquirente mera cópia da carta resolutiva remetida a este e de não terem sido notificados da resolução o Insolvente e sua mulher.
Compulsada a sentença proferida nos autos, verifica-se que na mesma se concluiu que os Autores carecem do direito de impugnar a resolução com os invocados fundamentos, tendentes a abalar a eficácia da primeira transmissão, pelas razões expressas na primeira parte da respetiva fundamentação de direito.
Afigura-se, assim, inexistir a invocada nulidade, a que alude o art. 615.º, n.º 1, al. d) do C.P.C.
Notifique.».
II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões: i) apreciação dos efeitos positivos (ou autoridade) do caso julgado; ii) apreciação da arguição de nulidade; iii) abordagem da questão da má-fé dos posteriores adquirentes; iv) definição da natureza da ação e consequências dessa definição; e v) a questão da reconvenção e do valor a restituir
2. Fundamentos de facto
Está provada nos autos a seguinte factualidade relevante[3]:
1 - O Insolvente e a sua mulher, G…, já então separada deste, com o Dr. F…, ilustre Advogado da Comarca do Porto, outorgaram na escritura de compras e vendas a 21 de Maio de 2007 no Cartório Notarial de Matosinhos da licenciada O…, escritura essa que teve por objecto os seguintes bens (nessa escritura o Insolvente e a mulher intervieram como vendedores e o Dr. F… e a mulher como compradores):
(imóveis)
a) O prédio urbano, composto de casa de moradia, para habitação com loja e eira, sito em …, descrito na Conservatório do Registo Predial de Baião, sob o n° 299/19940107, inscrito na matriz predial urbana da freguesia … sob o art. 142, pelo preço de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros);
b) O prédio urbano, composto de casa de moradia, para habitação com barraco, sito em …, descrito na Conservatório do Registo Predial de Baião, sob o n° 300/19940107, inscrito na matriz predial urbana da freguesia … sob o art. 143, pelo preço de € 300,00 (trezentos euros);
c) O prédio rústico, composto por cultura com videiras e pastagem, sito no …, descrito na Conservatório do Registo Predial de Baião, sob o n° 305/19940107, inscrito na matriz predial rústica da freguesia … sob o art. 987, pelo preço de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros);
d) O prédio rústico, composto por cultura de videiras em bardo, sito no …, descrito na Conservatório do Registo Predial de Baião sob o n° 306/19940107, inscrito na matriz predial rústica da freguesia … sob o art. 519, pelo preço de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros);
e) O prédio rústico, composto por pinhal e mato, sito em …, descrito na Conservatório do Registo Predial de Baião sob o n° 307/19940107, inscrito na matriz predial rústica da freguesia … sob o art. 624, pelo preço de € 125,00 (cento e vinte cinco euros);
f) O prédio rústico, composto por pinhal e mato, sito no …, descrito na Conservatório do Registo Predial de Baião sob o n° 308/ 19940 107, inscrito na matriz predial rústica da freguesia … sob o art. 647, pelo preço de € 125,00 (cento e vinte cinco euros);
g) Fracção autónoma designada pela letra "V" correspondente à habitação … no 5° andar, com entrada no n° … da Rua …, com garagem n° . na cave e arrecadação n° .. na mesma, que faz parte integrante do prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n° 00152/290687, inscrito na matriz predial urbana da freguesia … sob o art. 1652, pelo preço de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros);
(móveis)
h) Todo o recheio que compõe o imóvel identificado no ponto i) que conste do documento complementar à referida escritura, pelo preço de € 11.546,50 (onze mil quinhentos e quarenta e seis euros e cinquenta cêntimos);
O preço global de venda declarado é de € 52.346,50.
O preço declarado de venda dos imóveis de a) a f) é de € 5.800,00.
A escritura está certificada a fls. 157 e ss destes autos.
2 - A aquisição descrita no ponto 1 dos prédios de a) a f) foi inscrita na Conservatória do Registo Predial de Baião a favor do adquirente em 24 de Maio de 2007.
3 - Em 19 de Novembro de 2007, foi inscrito o arresto dos referidos imóveis de a) a f), promovido por M…, SA., para garantir a quantia de € 228.985,76.
4 - Em 06 de Março de 2008, foi inscrito o arresto dos referidos imóveis de a) a f)), promovido por P…, Lda., para garantir a quantia de € 53.482,65.
5 - Em 20 de Março de 2008, foi feito o registo de uma acção instaurada por P…, Lda., contra as partes no contrato referido no ponto 1 e H…, pedindo a declaração de nulidade deste (Processo 285/08.4TVPRT).
6 - Em 26 de Junho de 2008, foi feito o registo de uma acção instaurada por M…, SA, contra as partes no contrato referido no ponto 1 e H…, pedindo a declaração de nulidade deste, por simulação (Processo 89/08.4TVPRT).
7 - Em 27 de Abril de 2009, M…, SA, o insolvente, G…, F… e H… declararam transigir sobre o litígio discutido no Processo 89/08.4TVPRT, por meio de termo lavrado neste, conforme fls. 151 e segs., onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
"1. Os primeiros Réus (insolvente e cônjuge) reconhecem terem para com a Autora uma dívida que totaliza a quantia de 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) relativa ao capital e juros vencidos até hoje titulados pela letra que como documento número um foi junta aos presentes autos;
2. Para pagamento dessa divida os segundos Réus procedem à dação em pagamento do imóvel constituído pela fracção autónoma designada pela letra V (...) do prédio urbano (…) descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 00152/290687 (…), bem como dos bens móveis que fazem parte do seu recheio e foram objecto de arresto, valorando o imóvel em € 170.000,00 (…) e os móveis em 80.000,00 (…);
3. A A., com o recebimento do imóvel, declara nada mais ter a reclamar dos primeiros Réus, seja a que titulo for, considerando-se completamente ressarcida".
4. Atento o pagamento efectuado, a A. declara não mais ter interesse na manutenção do arresto decretado no apenso A dos presentes autos relativamente aos restantes bens sobre os quais o mesmo incidiu.
5. De igual modo, a A. desiste de todos os restantes pedidos formulados na acção contra os Réus.
8 - Em 27 de Abril de 2009, P…, Lda., o Insolvente, G…, F… e H… declararam transigir sobre o litígio discutido no Processo 285/08.4TVPRT, por meio de termo lavrado neste, nos termos constantes de fls. 205 e segs., que aqui se dão por transcritos. (transacção mediante a entrega de quantia em dinheiro)
9 - Em 04 de Maio de 2009, foi registada a aquisição dos bens referidos no ponto 1 (imóveis de a) a f)), a favor dos aqui Autores, tendo por sujeitos passivos F… e H….
10 - Em 26 de Maio de 2009, foi inscrito o cancelamento do arresto registado em 19 de Novembro de 2007.
11 - Em 26 de Maio de 2009, foi inscrito o cancelamento do arresto registado em 06 de Março de 2008.
12 - Em 26 de Maio de 2009, foi inscrito o cancelamento da acção registada em 26 de Junho de 2008.
13 - Em 26 de Maio de 2009, foi inscrito o cancelamento da acção registada em 20 de Março de 2008.
14 - Por documento particular autenticado, outorgado no dia 4 de Junho de 2009, F… e mulher, H…, declaram vender ao Autor marido, tendo este declarado comprar-lhes, os prédios identificados no ponto antecedente, pelo valor declarado de € 40.000,00 (fls. 26 e segs.).
15 - O Autor B… entregou ao Dr. F… 25.000,00 a título de sinal, através de cheque datado de 10-3-2008, debitado e pago a 14-3-2008.
16 – Foi a testemunha Q…, solicitador, que a mando do Autor B…, quem procedeu ao cancelamento dos arrestos e quem promoveu o registo da aquisição provisória dos imóveis a favor do ora Autor.
17 - Em 05 de Junho de 2009, foi convertida em definitiva a aquisição provisoriamente registada em 04 de Maio de 2009.
18 – Em 21-5-2009 S…, Lda instaurou acção especial de insolvência de pessoa singular contra D…, tendo este sido declarado insolvente por sentença proferida nos autos principais em 12 de Novembro de 2010 (fls. 272 a 286), complementada em 28 de Fevereiro de 2011 (fls. 443), e que transitou em julgado a 5-4-2011.
19 - Por cartas remetidas em 13 de Junho de 2011, o Administrador da insolvência comunicou aos Autores ter declarado resolvido, em benefício da massa insolvente, o descrito negócio celebrado mediante escritura outorgada em 21 de Maio de 2007, nos termos descritos de fls. 710 a 715 dos autos principais, que aqui se dão por transcritas (fls. 53 e segs., e 56 e segs.).
20 - No início da década de 90 do século passado, uma amiga do Autor pediu-lhe para encontrar um terreno para a esposa do Insolvente, na região de Baião.
21 - O autor satisfez o pedido de sua amiga, encontrando um conjunto de terrenos contíguos, e, nesse contexto, aceitou intervir como procurador do Insolvente e da sua esposa na aquisição destes terrenos, conforme escritura de 18 de Março de 1994 junta a fls. 166 e segs., que aqui se dá por transcrita.
22 - Por escritura pública outorgada no dia 14 de Julho de 2010, os AA. declararam vender a I… e mulher, J…, de nacionalidade sueca, declarando estes adquirir, o prédio urbano identificado na alínea a) do artigo 10, inscrito na matriz sob o artigo 142, descrito na CRP de Baião sob o número 299, conforme documento junto a fls. 35, que aqui se dá por transcrito. A venda declarada foi por € 75.000,00.
23 - Por documento particular autenticado, outorgado em 30 de Novembro de 2010, declararam vender a K…, casado com L…, declarando estes adquirir, o prédio rústico identificado na alínea e) do artigo 10, inscrito na matriz sob o artigo 624, descrito na CRP de Baião sob o número 307, conforme documento junto a fls. 39, que aqui se dá por transcrito. A venda declarada foi por € 15.000,00.
24 - O Autor conhecia o insolvente e era pessoa da sua confiança.
25 - Através dos registos aludidos em 3, 4, 5 e 6 lavrados em todos os prédios constantes do artigo 1 da p.i.- (de a) a f)), alcançava-se sem margem para dúvidas que os credores P… e M… demandavam o insolvente e mulher, o Dr. F… e mulher, por causa das vendas simuladas desses prédios.
26 - O Autor teve conhecimento do teor dos registos prediais dos imóveis de a) a f) de 1 aquando do pagamento dos 25.000,00 € a título de sinal – 10-3-2008.
27 - O autor é pessoa muito conhecida e interventiva em negócios no meio de Baião.
28 - Por douta sentença proferida no Apenso F (facto nº 10) deste mesmo processo foi dado como provado "ao emitirem as declarações vertidas na escritura outorgada em 21 de Maio de 2007, os outorgantes visaram fugir com os bens dela objecto à acção dos credores do insolvente D…" – cfr.733.
29 – e (facto nº 12) que ”ao outorgarem a transacção obtida no Proc. nº 89/08.4TVPRT, F… e esposa não tinham intenção de satisfazer uma obrigação própria perante M… de quem não se consideravam devedores de qualquer prestação, não se considerando M… sua credora da quantia em dívida satisfeita com a dação”.

3. Fundamentos de direito
3.1. A questão do caso julgado e a arguição de nulidade
Nas conclusões 1.ª a 4.ª, os recorrentes insurgem-se contra o facto de o tribunal recorrido ter feito prevalecer a autoridade do caso julgado, considerando que da mesma decorre a preclusão de questões invocadas pelos ora recorrentes.
Para melhor sistematização da decisão, reproduzem-se as conclusões nas quais os recorrentes manifestam a assinalada divergência:
“1ª Salvo devido respeito e melhor entendimento, a causa a que se reportam os autos do presente apenso não repete, quanto à causa de pedir e pedidos, a causa do apenso F.
2ª Pelo que se aplicou indevidamente o caso julgado, tal qual o define os artigos 580º e 581º do CPC.
3ª Consequentemente, absteve-se o Meritíssimo Juiz de conhecer de três questões fundamentais suscitadas pelos recorrentes na sua petição inicial, quais sejam o facto de a mulher do insolvente e também alienante no negócio pretendido resolver em benefício da massa insolvente, não ter sido declarada insolvente, de apenas ter sido remetida à mulher do adquirente mera cópia da carta resolutiva remetida a este e de não terem sido notificados da resolução o insolvente e sua mulher.
4ª Deste modo, violou o Meritíssimo Juiz o disposto no artigo 608º/2 do CPC, sendo nula a sentença, nos termos previstos no artigo 615º/1, al. a).”
Vejamos o que consta da sentença:
«[…] Invocam os Autores B… e mulher C… a falta do pressuposto da declaração de insolvência dos alienantes.
Alegam os Autores, para o efeito, que o negócio que se pretende resolvido em benefício da massa insolvente foi celebrado entre D… e mulher, como vendedores, e F…, como comprador; que os bens alienados constituíam património comum de ambos os vendedores, e que apenas o alienante marido foi declarado insolvente, concluindo os Autores que a resolução do negócio em benefício da massa insolvente só seria admissível, caso ambos tivessem sido declarados insolventes, de outro modo, veria a mulher do insolvente reverter para a massa insolvente dele, bens que também a ela pertenciam, com claro prejuízo seu.
Invocam ainda os Autores a ineficácia da resolução, alegando que a declaração com vista à obtenção da resolução de um negócio bilateral, de compra e venda, deveria ter sido comunicada a todas as partes envolvidas, vendedores e compradores, e que compulsados os autos, constata-se que a declaração de resolução apenas foi remetida ao comprador, Dr. F…, com conhecimento a sua mulher, e não também aos vendedores, insolvente e sua mulher.
Acrescentam os Autores que, pese embora a mulher do comprador não tenha intervindo na escritura, não deixam os bens nela adquiridos de constituir património comum dela e de seu marido, atenta a natureza onerosa do negócio e o regime da comunhão de bens adquiridos que vigora no respetivo casamento, pelo que a declaração de resolução também lhe deveria ter sido notificada com o mesmo conteúdo e motivação da que foi remetida ao seu marido, e não apenas a remessa/notificação de simples cópia da declaração.
Compulsado o processo principal e respetivos apensos, verifica-se que quer o Insolvente D… e mulher, quer a contraparte F…, não exerceram o direito de impugnar a resolução do negócio de 21/05/2007, na sequência das comunicações que lhes foram efetuadas, pelo que a resolução declarada pelo Sr. Administrador da Insolvência tornou-se eficaz em relação aos bens objeto da primeira transmissão, contando-se essa eficácia resolutiva desde a data da receção das respetivas cartas, conforme disposições conjugadas dos arts. 224.º, n.º 1, 1.ª parte, 436.º do Código Civil e 123.º, n.º 1 do C.I.R.E. Assim se decidiu no Acórdão do tribunal da Relação do Porto de 30/10/2014, proferido no âmbito do Apenso F, confirmado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/05/2015, e reiterado pelo Acórdão do tribunal da Relação do Porto proferido nos presentes autos, já transitado em julgado.
Consequentemente, carecem os Autores do direito de impugnar a resolução com os invocados fundamentos, tendentes a abalar a eficácia da primeira transmissão.
[…]
Invocam ainda os Autores a nulidade da declaração resolutiva, por falta de motivação, alegando que incumbe ao Administrador da Insolvência o ónus da prova do requisito da má fé, como resulta do art. 124.º, n.º 1 do C.I.R.E., entendendo-se por má fé o conhecimento, à data do ato, de qualquer das circunstâncias referidas no n.º 5 do art. 120.º do C.I.R.E.; que no caso, o Administrador da Insolvência limitou-se a remeter aos Autores cópia da declaração de resolução que havia enviado ao transmitente, Dr. F…, acrescentando que havia decidido pela resolução do negócio celebrado entre aquele e o insolvente e sua mulher, e que considerava os respetivos efeitos extensivos às posteriores transmissões, nada tendo alegado sobre o requisito da má fé pretensamente imputável aos Autores.
Por Acórdão do tribunal da Relação do Porto de 09/07/2014, proferido nos presentes autos, já transitado em julgado, foi decidido que a resolução operada pela Massa Insolvente em relação à venda, em 21/05/2007, dos imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Baião, sob os n.ºs 299/19940107, 300/19940107, 305/19940107, 306/19940107, 307/19940107 e 308/19940107, inscritos na matriz predial urbana sob os arts. 142, 143, 987, 519, 624 e 647, é oponível aos Autores.
Está, assim, decretada, com eficácia de caso julgado, a oponibilidade da resolução aos Autores, transmissários dos referidos imóveis, por via do trânsito em julgado do referido Acórdão.».
Apreciando a argumentação expendida pelos recorrentes, cumpre, desde já, enunciar uma conclusão que constitui suporte inabalável de toda a argumentação jurídica que se expenderá sobre a temática do recurso: este Tribunal já se pronunciou com trânsito em julgado sobre a questão da oponibilidade da resolução a favor da massa insolvente, declarando a má-fé dos adquirentes iniciais [F… e H…], bem como dos ora recorrentes (autores), adquirentes posteriores dos bens referidos no ponto 1 [imóveis de a) a f)], registada a favor dos recorrentes (em 4.06.2009), concluindo: «Daí que a resolução operada pela Massa em relação às vendas dos imóveis de 1 – a) a f) havidas em 21 de Maio de 2007 seja oponível relativamente ao ora Autor e Esposa, que adquiriram a propriedade de tais bens por documento particular autenticado de 4 de Junho de 2009»
Na manta de retalhos em que o processo se tornou devido às várias decisões judiciais relevantes nele proferidas[4], não podemos deixar de integrar no texto do presente acórdão alguns trechos das decisões anteriores, com vista a torná-lo compreensível.
Assim, transcreve-se parte da fundamentação do acórdão desta Relação, transitado em julgado, na parte em que fundamenta a oponibilidade da resolução aos autores:
«Conforme facto 15 - O Autor B… entregou ao Dr. F… 25.000,00 a título de sinal, através de cheque datado de 10-3-2008, debitado e pago a 14-3-2008. É desta altura o acordo verbal entre o Autor e o Dr. F… para a compra dos imóveis em causa.
O Autor terá ficado à espera que o Dr. F… cancelasse os ónus e encargos que incidiam sobre os prédios a adquirir. E conforme 16 – foi a testemunha Q…, solicitador, que a mando do Autor B…, quem procedeu ao cancelamento dos arrestos e quem promoveu o registo da aquisição provisória dos imóveis a favor do ora Autor.
O Autor teve conhecimento do teor dos registos prediais dos imóveis de a) a f) de 1 aquando do pagamento dos 25.000,00 € a título de sinal – 10-3-2008- facto 26.
Já vimos que o arresto da M… data de 19-11-2007 e abrange 6 prédios. Na acção que esta credora registou em 20-3-2008 pedia a declaração de nulidade da escritura de compra e venda outorgada a 21 de Maio de 2007 no Cartório Notarial de Matosinhos da licenciada O…, aludida em 1 dos factos provados.
O arresto da P… data de 6-3-2008 e abrange 6 prédios. Na acção que esta credora registou em 26-6-2008 pedia se declarasse nulo e de nenhum efeito, por simulado, o contrato de compra e venda celebrado por escritura pública a 21 de Maio de 2007 no Cartório Notarial de Matosinhos da licenciada O…, aludida em 1 dos factos provados. Pedia-se ainda que se ordenasse o cancelamento de todos os actos de registo efectuados com base na escritura referida, bem como todos os registos posteriores, e ainda o cancelamento dos registos a favor dos adquirentes Dr. F… e esposa – ver por todos fls. 174.
Facto - 25 - Através dos registos aludidos em 3, 4, 5 e 6 lavrados em todos os prédios constantes do artigo 1 da p.i.- (de a) a f)), alcançava-se sem margem para dúvidas que os credores P… e M… demandavam o Insolvente e mulher, o Dr. F… e mulher, por causa das vendas simuladas desses prédios.
Os valores destas acções eram elevados - € 228.985,76 e € 53.482,65.
O Autor tinha e teve a oportunidade de via Solicitadores que com ele colaboravam se inteirar das acções executivas que corriam nos Tribunais contra o Insolvente e esposa, se inteirar da sua situação económica e financeira.
Os ónus e encargos foram cancelados em Maio de 2009. Em 05 de Junho de 2009, foi convertida em definitiva a aquisição provisoriamente registada em 04 de Maio de 2009 da propriedade dos bens a favor do Autor.
De Março de 2008 a 4 de Junho de 2009 o Autor junto do Dr. F…, junto do “caseiro” que trabalhava a T…, junto do Insolvente de quem era amigo e pessoa de sua confiança, teve muito tempo para se inteirar da situação económica e financeira deste. Teve tempo para junto do insolvente se inteirar da razão do teor dos registos prediais, do motivo de venda da quinta ao Dr. F….
Para uma pessoa habitual, para um comprador normal e minimamente diligente que consultasse os registos prediais antes da aquisição, não ficava com qualquer dúvida sobre a situação falimentar em que estava o D… e a esposa, e legitimamente desconfiaria da conivência do Dr. F… nas vendas, com o fim de prejudicar a massa e os credores.».
Em suma, foi anteriormente considerado por este Tribunal, com trânsito em julgado, que as vendas foram efetuadas com o único intuito de prejudicar a massa insolvente e dos credores, e que os autores tinham conhecimento desse facto, porque não podiam desconhecê-lo.
Vejamos agora a relevância da decisão do Supremo Tribunal de Justiça proferida no Apenso F (em 5.05.2015), na qual se confirmou um acórdão desta Relação, de 30.10.2014, que julgou improcedente o pedido de impugnação da resolução declarada pelo administrador da insolvência relativamente à escritura de compra e venda de 21.05.2017 (na qual foram também alienados os imóveis em discussão nestes autos).
Consignou o Mº Juiz no despacho de 28.11.2014:
«Invocam os Autores a nulidade da declaração resolutiva, por falta de motivação.
Alegam os Autores, para o efeito, que o Administrador de Insolvência deve alegar os factos que traduzam a prejudicialidade dos atos visados, e os que caraterizam a má fé do transmissário (…)
Compulsado o Apenso F, verifica-se que foi invocada, pela aí Autora M…, S.A., a ineficácia da notificação de resolução, sustentando que a comunicação efetuada pelo Sr. Administrador da Insolvência não obedecia aos requisitos do art. 120.º, remetendo para carta eventualmente enviada ao Dr. F…, carta essa com que se pretendia resolver todos os atos de disposição constantes da escritura de 21/05/2007, mas sem individualizar o ato concreto que pretendia ver resolvido ficando-se por uma intenção de resolução genérica.
Por decisão de 18/06/2014, proferida naquele apenso, foi apreciada a questão da ineficácia da notificação de resolução levantada pela aí Autora, decisão que foi oportunamente objeto de recurso, encontrando-se o referido apenso no Tribunal da Relação do Porto.
Considerando a similitude das questões levantadas, e a fim de evitar uma eventual contradição de julgados, afigura-se que os presentes autos deverão aguardar o trânsito em julgado da decisão a proferir pelo Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do Apenso F, o que se decide, ao abrigo do disposto no art. 272.º, n.º 1, 2.ª parte do C.P.C.
Notifique.
Transitada em julgado a decisão a proferir no Apenso F, abra novamente conclusão.».
Pois bem, a carta (declaração de resolução) é a mesma, o negócio (escritura de compra e venda de 21.05.2007) é o mesmo, as formalidades (conteúdo da carta e envio) são as mesmas.
Refere o Mº Juiz que se poderá suscitar “eventual contradição de julgados”, caso sobre a mesma declaração (de resolução) se pronunciem dois tribunais de forma diferente: um considerando a declaração nula e válido o negócio sobre o qual incidia (escritura de compra e venda), e outro declarando a declaração válida e, em consequência, ineficaz a mesma escritura.
Trata-se da problemática da autoridade do caso julgado.
Seguindo de perto a doutrina vertida no acórdão da Relação de Coimbra, de 6.12.2011[6], diremos que a definitividade na resolução do conflito de interesses, decorrente da força do caso julgado atribuída à decisão judicial que já não admite recurso ordinário ou reclamação, desdobra-se em duas vertentes: i) por um lado, a questão decidida não pode ser de novo reapreciada (trata-se do campo próprio de actuação da excepção dilatória de caso julgado ou do efeito negativo do caso julgado); ii) por outro lado, o respeito pelo conteúdo da decisão anteriormente adoptada implica que não possa haver decisão posterior que a contrarie (o que se traduz a denominada autoridade do caso julgado ou o efeito positivo do caso julgado)[7].
Na esteira do ensinamento do Professor Alberto dos Reis[8], o Professor Manuel Domingos de Andrade[9] traça a fronteira entre as figuras da excepção e da autoridade do caso julgado, nestes termos:
«O que a lei quer significar [nos arts. 497.º e 498.º do CPC] é que uma sentença pode servir como fundamento de excepção de caso julgado quando o objecto da nova acção, coincidindo no todo ou em parte com o da anterior, já está total ou parcialmente definido pela mesma sentença; quando o Autor pretenda valer-se na nova acção do mesmo direito […] que já lhe foi negado por sentença emitida noutro processo – identificado esse direito não só através do seu conteúdo e objecto, mas também através da sua causa ou fonte (facto ou título constitutivo). Esta interpretação permite chegar a resultados positivos bastante parecidos com aqueles a que tende uma certa teoria jurisprudencial, distinguindo entre a excepção do caso julgado e a simples invocação pelo Réu da autoridade do caso julgado que corresponde a uma sentença anterior, e julgando dispensáveis, quanto a esta 2.ª figura, as três identidades do artigo 498 […]».
Posteriormente, a distinção entre os conceitos de “caso julgado” e “autoridade de caso julgado” veio a ser objecto de aprofundado estudo por parte de Miguel Teixeira de Sousa “O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material”, in BMJ, 325-49 e seguintes, cujas conclusões se sintetizam com a transcrição de dois pequenos trechos desse trabalho[10]:
«[…]A excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção de caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (Zweierlei), mas também a inviabilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (Zweimal). [...] Quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição da decisão antecedente. […]».
A distinção doutrinária entre os conceitos de “caso julgado” e “autoridade de caso julgado”, veio a merecer o acolhimento do Supremo Tribunal de Justiça, nos seguintes arestos: Acórdão de 26.01.1994, in BMJ, n.º 433, pág. 515; Acórdão de 19.02.1998, in BMJ, n.º 474, pág. 405[11]; Acórdão de 12.11.2009, proferido no Processo n.º 510/09.4YFLSB, 6ª Secção; e ainda que lateralmente, no acórdão de 4.03.2008, proferido no Processo n.º 07A4620[12].
Em síntese, a fronteira entre as duas figuras define-se pelos seguintes factores: i) com a “excepção do caso julgado” visa-se evitar o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito, ao passo que a figura da “autoridade do caso julgado” tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda - o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida; ii) com a “excepção do caso julgado” visa-se evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior, ao passo que na “autoridade do caso julgado”, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada.[13]
Como consta da citação transcrita supra, do Professor Manuel Domingos de Andrade[14], a teoria que faz a distinção entre a excepção do caso julgado e a autoridade do caso julgado, considera «[…] dispensáveis, quanto a esta 2.ª figura, as três identidades do artigo 498 […]».
Esta tese tem tido acolhimento na jurisprudência, como se ilustra com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.12.2007[15], onde lapidarmente se decidiu: «A autoridade de caso julgado da sentença transitada e a excepção de caso julgado constituem efeitos distintos da mesma realidade jurídica, pois enquanto que a excepção de caso julgado tem em vista obstar à repetição de causas e implica a tríplice identidade a que se refere o artº 498º do CPC (de sujeitos, pedido e causa de pedir), a autoridade de caso julgado de sentença transitada pode actuar independentemente de tais requisitos, implicando, contudo, a proibição de novamente apreciar certa questão.»
No mesmo sentido, veja-se o acórdão do STJ de 3.12.2009[16], onde se decidiu: «São realidades jurídicas distintas a excepção dilatória do caso julgado, que pressupõe a repetição de uma causa com identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (art. 498.º do CPC) e a chamada excepção inominada da preclusão da dedução da defesa, que não exige tal identidade.»
Também no mesmo sentido, veja-se o acórdão do STJ, de 6.03.2008[17], e o acórdão da Relação de Guimarães, de 12.07.2011[18]
Ora, tendo sido declarada com trânsito em julgado a validade da resolução a favor da massa insolvente, declarada pelo administrador da insolvência relativamente ao mesmo negócio e cumpridas as mesmas formalidades, salvo todo o respeito devido, não vislumbramos como possa no mesmo processo ser declarado nula a mesma declaração e válido o mesmo negócio.
É a autoridade ou efeito positivo do caso julgado.
Alegam os recorrentes que o Mº Juiz se absteve de conhecer de três questões fundamentais: o facto de a mulher do insolvente e também alienante no negócio pretendido resolver em benefício da massa insolvente, não ter sido declarada insolvente; o facto de apenas ter sido remetida à mulher do adquirente mera cópia da carta resolutiva remetida a este; o facto de não terem sido notificados da resolução o insolvente e sua mulher.
Apesar de as questões se encontrarem prejudicadas pela autoridade do caso julgado, a latere se dirá:
Quanto à esposa do insolvente, G…, foi declarada insolvente, ela própria, constando dos autos tal informação (fls. 917 dos autos de insolvência)[19].
Quanto às formalidades, ou sua omissão, respeitantes aos insolventes, transcreve-se o que consta da decisão recorrida, com referência aos acórdãos proferidos nos autos e já transitados: «Compulsado o processo principal e respetivos apensos, verifica-se que quer o Insolvente D… e mulher, quer a contraparte F…, não exerceram o direito de impugnar a resolução do negócio de 21/05/2007, na sequência das comunicações que lhes foram efetuadas, pelo que a resolução declarada pelo Sr. Administrador da Insolvência tornou-se eficaz em relação aos bens objeto da primeira transmissão (…). Assim se decidiu no Acórdão do tribunal da Relação do Porto de 30/10/2014, proferido no âmbito do Apenso F, confirmado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/05/2015, e reiterado pelo Acórdão do tribunal da Relação do Porto proferido nos presentes autos, já transitado em julgado. Consequentemente, carecem os Autores do direito de impugnar a resolução com os invocados fundamentos, tendentes a abalar a eficácia da primeira transmissão.».
Lendo o acórdão do Supremo, proferido no Apenso F., concluímos que a declaração de resolução (repete-se, que se trata da mesma declaração em discussão nos autos) se deverá considerar válida e eficaz:
«Temos pois como assente que o direito potestativo de resolução do contrato por parte do Administrador da Insolvência, a que alude o normativo inserto no artigo 120º do CIRE, embora não exija para a sua plena eficácia uma justificação completa que esgote todos os fundamentos, deverá contudo, conter os elementos fácticos suficientes que permitam ao destinatário saber o porquê da resolução e essa suficiência deverá ser objecto de uma análise casuística, cfr os Ac STJ de 25 de Fevereiro de 2014 da aqui Relatora, de 20 de Março de 2014 (Relator Azevedo Ramos) e de 29 de Abril de 2014 (Relator Pinto de Almeida), in www.dgsi.pt.
Todavia, os destinatários da declaração resolutiva só poderão ser, em primeira análise, os intervenientes no negócio cuja destruição de efeitos se pretende o que significa que a mesma terá de ser dirigida ao(s) insolvente(s) e à pessoa ou às pessoas que com ele(s) negociaram, sendo certo que na especie o AI enviou, na oportunidade, a aludida declaração resolutiva ao Insolvente e aos adquirentes do imóvel, os quais não deduziram contra a mesma qualquer impugnação, tendo-a aceite como boa, portanto.
A sobredita resolução negocial, no que tange à compra e venda efectuada pelo Insolvente da fracção V a B e E B, mostra-se plenamente eficaz, tendo produzido a extinção da transacção havida entre aqueles, frisando-se que a mesma continha todos os elementos necessários e suficientes para o cabal conhecimento pelos intervenientes dos fundamentos em que o AI baseou a sua motivação, cfr Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, Código Da Insolvência E Da Recuperação De Empresas Anotado, 2013, 369/372.».
Decorre do exposto, face às decisões anteriores produzidas nos autos e transitadas em julgado, considerando a autoridade ou efeito positivo do caso julgado, que não se verifica a nulidade arguida pelos recorrentes, revelando-se improcedente a sua argumentação no que se reporta a este segmento do recurso (conclusões 1.ª a 22.ª).
3.2. A questão da má-fé dos posteriores adquirentes
Nas conclusões 23.ª a 25.ª, vêm os recorrentes alegar que não se verifica a má fé dos que lhes adquiriram os prédios: I… e mulher, e K…[20].
Cumpre referir que a sentença recorrida condenou “os Reconvindos (ora recorrentes) na restituição à Reconvinte (massa insolvente) da quantia de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), acrescida dos respetivos juros à taxa legal, desde 14/07/2010, bem como da quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), acrescida dos juros à taxa legal, desde 30/11/2010, e (…) a entregar à Reconvinte, no prazo de quinze dias, os bens ainda na sua posse.”.
Ou seja, I… e mulher, e K… não são partes nesta ação (e muito menos no presente recurso), até porque a sua intervenção processual foi duplamente rejeitada, tendo tal decisão transitado em julgado[21], não sendo tais pessoas afetadas pela sentença recorrida.
Torna-se assim irrelevante a questão da má fé de quem, adquiriu prédios aos recorrentes, improcedendo as conclusões 23.ª a 25.ª.
3.3. A natureza da ação
Alegam os recorrentes (conclusões 26.ª a 29.ª) que a ação não é de simples apreciação negativa, pelo que deveria ter sido conhecida e decidida a questão da indemnização por benfeitorias realizadas pelos recorrentes nos prédios cuja restituição é ordenada e, bem assim, a questão de lhes assistir ou não o direito de retenção dos prédios até que aquela se mostrasse paga, insurgindo-se quanto ao facto de o Mº Juiz os ter remetido para uma ação autónoma.
Salvo todo o respeito devido, não lhes assiste razão, também nesta matéria.
No acórdão desta Relação, de 26.11.2012[22], conclui-se que esta ação é de simples apreciação negativa, porque “visará tão-só a demonstração da inexistência ou inverificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo administrador da insolvência (artigo 10.º, nº 3, alínea a), do Código de Processo Civil).”.
O entendimento expresso no citado aresto tem sido reiteradamente afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, como se colhe, a título exemplificativo, do acórdão de 25.02.2014[23]: «É de mera apreciação negativa a acção de impugnação da resolução a favor da massa, pois trata-se de uma providência judicial destinada a pôr termo a uma incerteza objectiva susceptível de colocar em crise o valor de uma determinada relação jurídica concreta e precisa, paralela à das acções de impugnação de escritura de justificação notarial e com a qual não se pretende, não se visa e não se pode concluir, por uma qualquer condenação, pretendendo-se antes a declaração de que a resolução do contrato promessa feita a favor da massa insolvente não produziu qualquer eficácia.»[24].
Improcede a argumentação da recorrente, também neste segmento (conclusões 26.ª a 29.ª).
3.4. A questão da reconvenção e do valor a restituir
Alegam os recorrentes (conclusões 30.º a 38.ª), que caso se considere que a ação é de simples apreciação negativa, não deveria ter sido admitida a reconvenção, insurgindo-se contra a sua condenação na restituição à recorrida das quantias de € 75.000,00 e de € 15.000,00, por eles recebidas em consequência da alienação a terceiros de dois dos prédios que haviam adquirido, acrescidas dos juros de mora à taxa legal, dado que a resolução do negócio tem efeito retroativo sendo equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, devendo ser restituído tudo o que foi prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (artigos 433º, 434º e 289º/1, do CCivil), pelo que os valores a restituir seriam aqueles pelos quais os recorrentes adquiriram os prédios em causa, ou seja, € 10.000,00 e € 1.250,00.
Mais alegam que a devolução do valor em causa, obtido devido à sua “astúcia comercial” faz acrescer o património da recorrida de forma clamorosamente indevida, o que se traduziria num evidente enriquecimento injustificado.
Vamos por partes.
Quanto à natureza da ação, já nos pronunciámos no ponto anterior, considerando-a de simples apreciação negativa, pelo que, como bem referem os recorrentes, a reconvenção não deveria ter sido admitida.
No entanto, a admissão do pedido reconvencional torna-se inócua, como lapidarmente se refere no acórdão do Supremo anteriormente citado, dado que a improcedência da ação determina a eficácia da resolução e, consequentemente, a obrigação de restituição dos bens à massa insolvente, ou do seu valor, se se tornou impossível a restituição em espécie (natural).
Vejamos o que diz o Supremo (STJ, 25.02.2014, 251/09.2TYVNG-H.P1.S1): «Se na reconvenção o Réu pretende ver declarada a eficácia da resolução por si efectivada através da carta enviada ao promitente comprador, tal pedido mostra-se inócuo, já que a improcedência da acção de simples apreciação negativa tem essa necessária consequência em termos prático-jurídicos, estando a coberto do caso julgado no que tange a tal constatação, tornando desnecessária qualquer outra providência por parte do Réu, maxime, a instauração pelo seu lado de uma acção de simples apreciação positiva.».
E que valor terá que ser restituído?
Os recorrentes preconizam a devolução do valor pelo qual os bens foram transaccionados - manifestamente inferior ao valor de mercado.
Ressalvado todo o respeito devido, não podemos concordar com a proposta dos recorrentes, considerando que ficou declarada com trânsito em julgado, a sua má-fé no negócio de aquisição dos bens - no acórdão desta Relação, proferido nestes autos em 9.07.2014, transitado em julgado – que por via disso determinou que “a resolução operada pela Massa em relação às vendas dos imóveis de 1 – a) a f) havidas em 21 de Maio de 2007 seja oponível relativamente ao ora Autor e Esposa”[25].
Ora, adquiridos os bens pelos recorrentes neste contexto, seria correta a sua condenação na restituição do valor acordado na transação?
Afigura-se-nos que a resposta terá que ser negativa e que, salvo o devido respeito, entre a aquisição e a alienação, o que fez aumentar o valor dos imóveis não foi a alegada “astúcia comercial” dos recorrentes, mas o facto de os mesmos terem sido adquiridos por preço inferior ao seu valor real.
Dispõe o n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil, que “Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.”.
O conceito de “valor correspondente” é definido por Mota Pinto[26], nestes termos: cada uma das partes é obrigada a restituir tudo o que recebeu e não apenas aquilo com que se locupletou”.
Mal seria que os recorrentes, face às circunstâncias concretas do negócio que celebraram, pudessem enriquecer com ele (com o consequente empobrecimento da massa insolvente), anulando-se o negócio e locupletando-se com a diferença entre os valores de aquisição [€ 10.000,00 e € 1.250,00] e os valores de alienação [€ 75.000,00 e de € 15.000,00].
Recorde-se, que a resolução só é oponível aos ora recorrentes, porque o acórdão anterior desta Relação (de 9.07.2004), transitado em julgado, considerou verificados os respetivos requisitos, nomeadamente o da sua má-fé no negócio objeto da declaração de resolução por parte do administrador de insolvência.
A obrigação de restituição dos valores em causa decorre, como se refere no acórdão do STJ citado, “da improcedência da ação de simples apreciação negativa” e não de qualquer pedido reconvencional, inócuo in casu.
De todo o exposto decorre a improcedência deste segmento do recurso (conclusões 30.º a 38.ª).

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso, ao qual negam provimento, e, em consequência, em manter a sentença recorrida.
Custas do recurso pelos recorrentes.
*
O presente acórdão compõe-se de trinta e oito páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.

Porto, 9 de novembro de 2015
Carlos Querido
Soares de Oliveira
Alberto Ruço
_________
[1] Trata-se da fração predial V, transmitida pelo insolvente pra F… e esposa, através da escritura outorgada em 21.05.2007 (a mesma a que se reportam estes autos – vide facto provado 1.). Tal fração corresponde à alínea g) do n.º 1 dos factos provados: “g) Fracção autónoma designada pela letra "V" correspondente à habitação … no 5° andar, com entrada no n° … da Rua …, com garagem n° . na cave e arrecadação n° .. na mesma, que faz parte integrante do prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n° 00152/290687, inscrito na matriz predial urbana da freguesia … sob o art. 1652, pelo preço de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros)”.
[2] Acórdão proferido no Proc. n.º 919/09.3TJPRT-F.P3.S1, acessível no site da DGSI.
[3] Factualidade constante do acórdão deste Tribunal, anteriormente referido, proferido nestes autos em 9.07.2014 e transitado em julgado.
[4] Nos presentes autos (apenso C), foi interposto recurso, apreciado em decisão singular, após o que houve reclamação, tendo o coletivo mantido a decisão singular em conferência, em acórdão transitado em julgado, de 9.07.2014. No que respeita ao Apenso F, referente ao mesmo negócio (escritura de 21.05.2007), veja-se o seguinte trecho do relatório do acórdão do STJ, de 5.05.2015: «Foi proferida sentença a julgar inoponível à Autora a resolução declarada pelo AI, tendo sido declarado que perdia a utilidade o conhecimento do restante objecto da acção, estando assim satisfeito o interesse legitimo daquela e não se admitiu o pedido reconvencional formulado, cfr 249 a 258.
Recorreu a massa insolvente, tendo vindo a ser proferido Acórdão a anular a decisão proferida, nos termos do artigo 712º, nº4 do CPCivil, com a ampliação do julgamento quanto à matéria de facto, cfr fls 293 a 312.
Após a repetição do julgamento, foi proferida nova sentença, cfr fls 386 a 408, onde se julgou procedente a acção julgando-se inoponível em relação à Autora a resolução declarada pelo AI, tendo sido declarado que perdia a utilidade o conhecimento do restante objecto da acção, estando assim satisfeito o interesse legitimo daquela.
De novo recorreu a massa insolvente, tendo na sequência desta nova impugnação recursiva o Tribunal da Relação do Porto produzido Acórdão, fls 494 a 515, a julgar procedente a Apelação, revogando a sentença e ordenando o prosseguimento dos autos apenas para a apreciação do objecto (resolução do negócio) que se não mostrava prejudicado, porquanto declarado ficou que a resolução operada era oponível à Autora.
Produzida nova sentença, de fls 564 a 566, foi julgada inoponível à Autora a resolução declarada pelo AI.
Desta decisão apelou a Massa Insolvente, tendo o recurso sido julgado procedente e em consequência foi declarada nula a sentença e o Tribunal da Relação, substituindo-se ao primeiro grau, proferiu decisão julgando improcedente o pedido de impugnação da resolução, com improcedência total da acção, tendo determinado a entrega pela Autora ao administrador de insolvência da fracção predial V e o respectivo recheio – nos termos em que este recheio esteve identificado no auto de arresto do apenso A do processo …. – no prazo de 15 dias a contar do trânsito em julgado do Acórdão, sob pena das consequências previstas no artigo 126º, nº 3 do CIRE e o cancelamento dos registos prediais incidentes sobre o imóvel.
Inconformada com este Aresto recorreu a Autora, agora de Revista…».
[5] Os desembargadores que subscreveram o acórdão de 9.07.2014, anteriormente proferido nestes autos, inseriram no facto provado 28: "ao emitirem as declarações vertidas na escritura outorgada em 21 de Maio de 2007, os outorgantes visaram fugir com os bens dela objecto à acção dos credores do insolvente D…".
[6] Proferido no Proc. 1223/10.0TBTMR.C1, relatado pelo ora relator.
[7] Neste sentido veja-se, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora 2007, Jorge Miranda e Rui Medeiros, página 78, anotação XII, alínea a).
[8] Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 80.º, página 393.
[9] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 320
[10] Retirados das páginas 176 e 179 do BMJ citado
[11] Também disponível em http://www.dgsi.pt (Proc. n.º 96B980)
[12] Estes dois últimos disponíveis em http://www.dgsi.pt
[13] Lebre de Freitas e outros, CPC Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 2001, pág. 325; Teixeira de Sousa, O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, in BMJ 325º, págs. 49 e seguintes.
[14] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 320
[15] Proferido no Processo n.º 07A3739, acessível em http://www.dgsi.pt
[16] Proferido no Processo n.º 8870/03.4TVLSB.L1.S1, acessível em http://www.dgsi.pt
[17] Proferido no Processo n.º 08B402, acessível em http://www.dgsi.pt
[18] Proferido no Processo n.º 4959/10.1TBBRG.G1, acessível em http://www.dgsi.pt
[19] Vide: http://legislacaoportuguesa.com/anuncio-n-o-63612012-d-r-n-o-59-parte-d-serie-ii-de-2012-03-22/: «Anúncio n.º 6361/2012, D.R. n.º 59, Parte D, Série II de 2012-03-22, 1.º Juízo Cível do Tribunal da Comarca do Porto, sentença da declaração de insolvência no processo n.º 345/11.0TJPRT, em que é insolvente G… …».
[20] Os recorrentes não fazem qualquer alusão à sua má-fé, já provada e declarada no acórdão desta Relação, de 9.07.2014.
[21] Em 25.06.2015 foi proferida decisão, transitada em julgado, na qual foi indeferido o pedido de intervenção principal dos compradores I… e mulher J…, e de K… e L….
[22] Proferido no Processo n.º 1056/09.6TBLSD-D.P1, acessível no site da DGSI, no qual foi adjunto o ora relator.
[23] Proc. n.º 251/09.2TYVNG-H.P1.S1, acessível no site da DGSI.
[24] Veja-se, no mesmo sentido, o acórdão do STJ, 20.03.2014, Proc. 251/09.2TYVNG-I.P1, também acessível no site da DGSI.
[25] Se não se tivesse provado a sua má-fé, a resolução não lhes seria oponível, como se refere no acórdão do STJ, proferido no apenso F, onde se transcreve parte do referido acórdão desta Relação.
[26] Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1996, pág. 617.