Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1065/11.5TXLSB-J.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MOREIRA RAMOS
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
Nº do Documento: RP201409171065/11.5TXLSB-J.P1
Data do Acordão: 09/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Deve ser concedida a liberdade condicional a recluso que complete 2/3 da pena se a imagem global do facto retida a partir do acervo fáctico realmente apurado, não sendo amplamente positiva, permite todavia suportar o juízo de prognose favorável à sua libertação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1065/11.5 TXLSB-J.P1

Tribunal da Relação do Porto
(2ª Secção Criminal – 4ª Secção Judicial)

Origem: 2º Juízo do TEP

Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO:


No processo supra identificado, por decisão datada de 25/03/2014, após sustentada (cfr. fls. 26 a 28), decidiu-se não colocar o condenado B… em liberdade condicional aos 2/3 da execução da pena aplicada.

Inconformado com a sobredita decisão, este veio interpor recurso da mesma nos termos constantes de fls. 7 a 3 destes autos, aqui tidos como especificados, tendo formulado, a final, as seguintes conclusões (transcrição, com numeração da nossa autoria):

1ª. O arguido encontra-se a cumprir urna pena única de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva por crime de tráfico de estupefacientes.

2ª. Iniciou o cumprimento da pena em 21 de Março de 2011.

3ª. O cumprimento do meio da pena deu-se em 27 de Janeiro de 2013.

4ª. O cumprimento dos dois terços da pena deu-se em 27 de Outubro de 2013.

5ª. A concessão da liberdade condicional por cumprimento do meio da pena foi indeferida.

6ª. A concessão da liberdade condicional por cumprimento dos dois terços da pena foi indeferida.

7ª. O arguido não se conforma com esta decisão, que é ilegal por incorrecta apreciação dos facto e aplicação do direito.

8ª. Beneficiou de precárias bem-sucedidas até Setembro de 2012.

9ª. Ao atingir o meio da pena, requereu que lhe fosse concedida a liberdade condicional, justamente porque reunia os requisitos previstos no art. 61º do Código Penal, tendo sido proferido despacho de indeferimento.

10ª. No caso, estão reunidos os requisitos objectivos estabelecidos quanto às condições mínimas de cumprimento da pena, ou seja, o recluso já cumpriu dois terços da pena.

11ª. E quanto aos requisitos substanciais, mormente quanto à prevenção especial onde se valora “.... a natureza do cume praticado e pelo qual cumpre pena ...”, entendemos que foi valorizada em excesso, violando o disposto no art. 61º do C.P ..

12ª. Na verdade, ao colocarem o cerne do indeferimento da liberdade condicional no tipo de crime que foi praticado – o tráfico de estupefacientes – o Juiz foi mais além do que a letra e o espírito ela lei, isto porque o referido artigo não faz depender a concessão da liberdade condicional do tipo de crime praticado pelo agente.

13ª. O que a lei dispõe é que é importante que o recluso seja capaz de conduzir a sua vida, logo que restituído à liberdade, de forma socialmente responsável, compatível com os valores da ordem pública e da paz social.

14ª. Pelo que houve uma incorrecta apreciação de facto e clara violação do disposto no art. 61º do C.P.

O recurso foi regularmente admitido (cfr. fls. 2 e 3)[1].

O Ministério Público apresentou a resposta constante de fls. 18 a 24, aqui tida como reproduzida, concluindo que deveria negar-se provimento ao recurso e manter-se a decisão recorrida.

Nesta instância, a Ex.ma Procuradora emitiu parecer através do qual preconizou também a improcedência do recurso (cfr. fls. 126 a 129).

No cumprimento do artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, nada mais foi aduzido.

Após exame preliminar, colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir, nada obstando a tal.
II – FUNDAMENTAÇÃO:

a) a decisão recorrida:

No que ora importa destacar, a decisão recorrida é do teor seguinte (transcrição):

2 – Factos com relevo para a decisão a proferir, tidos como provados:
O condenado encontra-se a cumprir, pela prática dos indicados crimes, a pena de:
a) NUIPC PCC 477/10.6JELSB – 2.ªVaraCrTJLisboa
- 1 crime de tráfico de estupefacientes (21.º n.º 1 - DL 15/93 de 22JAN) (4A6M de prisão)
(factos de 27out2010)
[correio de droga – Brasil – Portugal – ingestão de 81 bolotas de cocaína – peso de 798,530gr),
(Ac. condenatório com trânsito em julgado de 21mar2011 (decisão de 1.ª instância 1mar2011)
Iniciou o cumprimento da pena em 21mar2011, com termo previsto para 27abr2015, o ½ vencido em 27jan2013 e os 2/3 a operarem em 27out2013.
Não tem outros antecedentes criminais conhecidos.
Cumpre a 1.ª reclusão.
Referências constantes do SIPR (ficha biográfica – situação jurídico penal – do condenado):
- processos pendentes:
a) nada consta.
- outras penas autónomas a cumprir:
a) nada consta.
– medidas de flexibilização de pena:
Regime Comum – esteve em RAI de 19mar2012 a 21nov2011
LSJ – 2 – a última a 13/16jul2013 (posteriormente, nos CT’s em que solicitou LSJ’s viu serem-lhe as mesmas indeferidas);
LCD – 2 – a última a 7/10set2012 (resultado negativo – posse de haxixe no regresso);
Os elementos do Conselho Técnico, novamente, emitiram parecer unânime desfavorável à concessão da liberdade condicional.
Ouvido o condenado, novamente declarou o mesmo consentir na liberdade condicional.
O Ministério Público, novamente, emitiu parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional.
Dos relatórios das competentes Equipas da DGRSP (Serviços de Reinserção Social e Serviços Prisionais), dos esclarecimentos obtidos em sede de CT e da audição do condenado, em conclusão, extrai-se que:
– comportamento prisional /registo cadastral:
O condenado que vinha mantendo ao longo da reclusão uma postura adequada de contexto, sem conflitos, cometeu infracção disciplinar em 10set2012 (posse de estupefaciente) pelo qual foi punido com 5D de permanência obrigatória no alojamento; é pessoa educada e cordial, correcta no relacionamento interpessoal.
– situação económico-social e familiar:
O condenado é solteiro, sem ocupação definida, tem como habilitações literárias o 9.º ano (obtido no EP); proveniente duma fratia de 7, cresceu em Bairro social problemático, mas em família estruturada, com condição económica equilibrada; mantém contacto (afectivo, estável e de proximidade) com a família de origem, de quem recebe visitas da mãe; conta com esse apoio familiar, a qual está disposta a recebê-lo; trata-se de habitação com condições adequadas de habitabilidade; o condenado é pessoa conhecida na área de residência; ainda que associado aos envolvimentos de consumos e tráfico de estupefacientes, não obstante o desalento da sua condição, inexiste rejeição social /sentimentos de animosidade ao seu regresso no meio delimitado de presença, meio esse onde a problemática de exclusão social e a problemática de adição de convivência com estupefacientes é comum;
– perspectiva laboral/educativa:
O condenado que possui experiência profissional indefinida por diversificada (ajudante de impressão, restauração, limpeza), refere (de forma meramente verbal e sem qualquer concretização documentada ou sequer verificada) projecto de trabalho que passa por emprego numa empresa de trabalho temporário (alterou o projecto anterior); não possui suporte económico pessoal, dependendo de terceiros – mormente família, em momento inicial -.
– caracterização pessoal:
O condenado, continuando a apresentar discurso de assunção da prática dos factos (sendo esse discurso de idêntica atitude positiva na admissão com relação ao discurso apresentado em sede de julgamento), igualmente continua a expressar uma inadequada (por insuficiente) consciência critica, o que se funda na atitude de desvalorização que denota quanto à gravidade dos factos, considerando a pena adequada (assim se focando sob o mero prisma do prejuízo pessoal); verbaliza arrependimento; mantém discurso ambivalente, pois ainda não plenamente sedimentado quanto à ratio da prática dos factos (que funda quer na atracção económica que a contrapartida a ser correio de droga lhe proporcionaria – cerca de €5.000,00 – num momento de desemprego em que sobrevivia face a apoios sociais – RSI – quer na toxicodependência), assim, também neste campo, se situando na sua pessoa e apenas sob esse prisma, onde foca os prejuízos; age, pois, de forma desculpabilizante e minimizadora das suas acções e dos efeitos das mesmas em terceiros; é pessoa com historial de toxicodependência, iniciada pela adolescência, sempre em evolução e com sucessivos tratamentos sem sucesso; nem sequer em sede prisional larga consumos, como se aponta pela apreensão efectuada; não consegue adequar nem problematizar a sua pessoal ligação aos consumos de haxixe (droga mais leva das consumidas), que desconsidera e em relação à qual insiste na desvaloirização; no EP esteve impedido na faxina do bar dos reclusos, saindo face a infracção disciplinar; actualmente está impedido na padaria; sendo pessoa assertiva, com flexibilidade de raciocínio, revela particulares carências de capacidade para antecipar as consequências dos seus actos; não revela capacidade e motivação para a mudança comportamental e para a não reincidência; é apto a tal, sendo que para tal necessita desenvolver trabalho que lhe venha a permitir tal alcance (criando evolução de discurso, capacidade e aptidão laboral e, essencialmente, crescimento de actuação e de distanciamento à toxicodependência a tal será apto em fase de apreciação futura).
3 – Factos com relevo para a decisão a proferir, tidos como não provados:
Inxistem.
Tudo o que em contrário com o dado como com relevo para a decisão a proferir se assuma, ou se trate de matéria de direito, instrumental ou conclusiva e, como tal, insusceptível de ser chamada à colação nesta sede.
4 – Motivação dos factos com relevo para a decisão a proferir:
O dever constitucional de fundamentação dos despachos judiciais basta-se com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito em que assenta a decisão, bem como com o exame crítico das provas que serviram para fundar a convicção. Exige-se, deste modo um duplo momento: o da indicação dos meios de prova que serviram para formar tal convicção, como, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção livre se forme em determinado sentido ou se valorem de determinada forma os diversos meios de prova apresentados nos autos [2].
Considera-se, assim, em particular:
A) certidão da(s) decisão(ões) condenatória(s);
B) certidão do(s) cômputo(s) de pena(s), com homologação;
C) CRC [ou referência em sede de decisão(ões) condenatória(s)] do condenado;
D) print do SIP do condenado, com ponderação de regime de execução da pena ao nível de concessão de medidas de flexibilização (Regime Comum, RAI, RAE, LSJ, LCD, temporalidade, número e (in)sucesso das mesmas), bem como a avaliação do comportamento prisional, mormente quanto ao relacionamento, quer com os membros do sistema prisional, quer com os demais reclusos, à (in)existência de infracção(ões) discpilinar(es) e, neste último caso o tipo da(s) mesma(s) - leve(s) ou grave(s), a ocorrência, ou não, de pluralidade e/ou reiteração;
E) relatório (eventual actualização) da Equipa dos Serviços de Reinserção Social da DGRSP contendo avaliação da evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena, das competências adquiridas nesse período, do seu comportamento prisional e da sua relação com o crime cometido – este, em concreto, limita-se (e bem) a dar conta da concretização dos pontos que se alteraram com relação ao anterior relatório;
F) relatório (eventual actualização) da Equipa dos Serviços Prisionais da DGRSP contendo avaliação das necessidades subsistentes de reinserção social, das perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional do recluso e das condições a que deve estar sujeita a concessão de liberdade condicional, ponderando ainda, para este efeito, a necessidade de protecção da vítima – este, em concreto, limita-se (e bem) a dar conta da concretização dos pontos que se alteraram com relação ao anterior relatório;
G) acta de realização de conselho técnico, ponderando a sua valência de órgão auxiliar do TEP com funções consultivas – art. 142.º do CEP -, considerando o sentido dos pareceres emitidos pelos membros, a natureza de oralidade dos esclarecimentos nessa sede prestados, designadamente quanto aos relatórios que os respectivos serviços hajam produzido, assim como o sentido de votação de cada um dos membros, quanto à concessão da liberdade condicional e às condições a que a mesma deve ser sujeita;
H) teor das declarações do condenado prestadas em sede de audição;
I) parecer da Digna Magistrada do Ministério Público;
J) demais documentos juntos aos autos, mormente, existindo, de reporte a actividade laboral futura do condenado.
Assim, o Tribunal formou a sua convicção com base, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, pelos esclarecimentos orais fornecidos em sede de conselho técnico, pelas declarações e depoimentos, constantes do quanto é o somatório factual inerente ao teor e fundamento dos relatórios juntos aos autos, e declarações do condenado em sede de audição, tudo em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões, parcialidade, coincidências e mais inverosimilhanças que, porventura, transpareçam das mesmas declarações e depoimentos. No que concerne directamente aos relatórios (eventuais actualizações) das Equipas de Reinserção Social e dos Serviços Prisionais da DGRSP juntos aos autos, desde já se refira que a valoração feita dos mesmos o foi no sentido do seu alcance concreto. Tal não se confunde com vinculação. De facto, muito embora sejam relevantes meios de obtenção de prova sobre as condições pessoais e prisionais do recluso, os mesmos não são vinculativos, não constituem prova pericial e, como tal, não alcançam o patamar de subtracção de livre apreciação de prova do julgador. Foram, assim apreciados como informação auxiliar à formação de convicção nos limites legais do art. 127.º do CPP [3]. No que diz respeito às declarações do condenado, em particular ao que das mesmas resulta vertido em sede de formação de teor dos relatórios (eventuais actualizações) das Equipas de Reinserção Social e dos Serviços Prisionais da DGRSP e na comparação destes com o produzido em sede de audição, atendeu-se primordialmente ao sentido das mesmas nesta última situação, o que se fez face à valoração de assunção/confissão [4] e/ou negação/contradição e ao tempero que da mesma se faz em sede de conjugação de princípio da imediação com princípio da livre apreciação da prova [5].
5 - O Direito aplicável:
A fase da execução da pena determina que a presente apreciação (1/2 de pena em sede de RI – art. 180.º CEP, 2/3 de pena, ou 2/3 de pena em sede de RI – art. 180.º CEP) continue a ser de reporte à chamada liberdade condicional facultativa.
Consequentemente, estão em causa os mesmos desígnios de fundamentação que serviram para a apreciação anterior, pelo que, em cumprimento de exigência de economia processual, aqui os dou por reproduzidos para todos os legais efeitos (cfr. fls. 77/80 da decisão de 17jun2013).
6 - O caso concreto dos autos:
Estamos perante a 2.ª apreciação de viabilidade/possibilidade de concessão de liberdade condicional que, in casu se reporta a fase igual ou posterior aos 2/3 de cumprimento de pena.
Em introito cumpre dizer que a situação do recluso é no presente praticamente igual àquela que o mesmo revelava em sede da apreciação da liberdade condicional pelo ½ da pena, Nessa revelou-se como negativa, agora continua no mesmo ponto (ainda que de pendor negativo, pois nem perante a chamada de atenção, que sempre a decisão anterior foi, esforço de evolução fez). Estamos, pois, perante um quadro em que pouco ou nada ao quadro de fundamentação anterior haverá que acrescentar, sendo que nem por aplicação da dimensão pro libertate [6] se logra vislumbrar modo para defender que o futuro imediato da pena deva operar em sede extramuros e sob a égide controlada e apoiada de liberdade condicional.
Adiante.
O condenado declarou aceitar a aplicação da liberdade condicional.
Estão, pois, preenchidos os pressupostos formais da concessão da liberdade condicional.
O mesmo já não acontece quanto aos requisitos substanciais da concessão da liberdade condicional.
Entendemos que no presente momento continua a não nos ser permitido concluir – de forma plena e sem dúvida para além da razoável - por um juízo de prognose favorável no sentido de que o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes, como a libertação não se revela minimamente compatível com a defesa da ordem e da paz social.
Como supra dissemos, não há dúvida que para ser concedida a liberdade condicional no presente momento apenas têm de estar preenchidas as razões de prevenção especial – [a): reinserção do condenado e prevenção da reincidência - não voltar a delinquir] e as razões de prevenção geral – [b).
Explanando.
Quanto à prevenção especial.
O condenado mantém a assunção dos factos, do mesmo modo que mantém a ausência de modo pleno. Antes o faz de forma ambivalente.
É que ainda que assuma os factos – o que já admitia em sede de julgamento -, o certo é que tem uma atitude critica insuficiente. De facto, o condenado continua a centrar a sua actuação num misto duma chamada má influência de terceiros (as chamadas à tentação do lucro fácil, numa situação de desemprego e de sobrevivência à base de RSI) associada a uma situação de influência da toxicodependência e na necessidade de obtenção de lucro fácil para tal.
Ora, ainda que se aceite que ao descrito agir do condenado não é indiferente a sua problemática de adições e alguma inerente impulsividade nas mesmas (das quais não se desvincula, mesmo em sede prisional, o quanto revela a sua perigosidade), tal não significa que se possa ter tal como factor desculpabilizante. Antes pelo contrário, é factor agravante ao nível da ponderação de reporte à prevenção especial. De facto, não só é certo que tal situação não é geradora de diminuição de responsabilidade, como o certo é que este centrar da sua actuação em influências força a conclusão de que o sentido da pena e os fins com a reclusão visados não se mostram ainda alcançados de forma adequada.
De facto, “a culpa [7] tem que ser pessoal e directa, e não deferida” e no caso do condenado não o é.
Revelam-se, assim e no presente, índices de necessidade de operação de prevenção especial ainda em grau acentuado, dado que tal actuação é particularmente denunciadora do modo de ser do condenado.
Valoram-se, assim, negativamente, estes factores, o que se faz conjugado com a natureza do crimes praticado e pelo qual cumpre pena – crime este praticado através de uma actuação particularmente reveladora do modo de ser (personalidade) do condenado - pois há que não esquecer que é condição indispensável para a concessão da liberdade condicional a realização de um prognóstico individualizado de reinserção social que traduza um conteúdo favorável, assente, essencialmente, na probabilidade séria de que o condenado em liberdade adopte um comportamento socialmente responsável, sob o ponto de vista criminal.
E disso, garantidamente, o recluso não deu provas, como é pleno exemplo o incidente disciplinar de posse de estupefaciente, o que força a conclusão de que se nem recluso cessa com os consumos, muito menos cessarão se for em liberdade no presente momento. Como tal, o juízo de prognose é plenamente negativo.
Por outras palavras, num juízo de prognose antecipada, deverá poder concluir-se que a restituição do arguido à liberdade o levará a adoptar uma conduta fiel ao direito, integrando-se na sociedade, de forma a não voltar a incorrer na prática de crimes. Ora, para tanto, importa verificar a sua “capacidade objectiva de readaptação”, na sugestiva expressão de Figueiredo Dias, de modo que as expectativas de reinserção sejam manifestamente superiores aos riscos que a comunidade deverá suportar com a antecipação da sua restituição à liberdade. Ou seja, é em concreto que os índices de ressocialização revelados pelo condenado devem aferir-se, considerando a sua conduta anterior e posterior à condenação, bem como a evolução da sua personalidade ao longo do cumprimento da pena. E um tal juízo de prognose há-de assentar, inevitavelmente, nos relatórios juntos aos autos e nos elementos de facto que o recluso queira apresentar, não se ignorando, naturalmente, o/s crime/s por que foi condenado. Nos termos do art. 40.° do CP, a execução da pena visa a “protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, tendo portanto uma função de paz jurídica, típica da prevenção geral, e uma função de reinserção que convoca a prevenção especial.
Revelam-se, assim e no presente, índices de necessidade de operação de prevenção especial em grau especialmente acentuado, pois a personalidade do condenado e o momento de interiorização do desvalor da sua conduta (em absoluto insuficiente) não permitem sequer a formulação de um prognóstico minimamente favorável, quão mais o exigido plenamente favorável à sua imediata libertação.
De facto, concluindo, apresenta vários factores de risco, no quanto se destacam a baixa escolaridade, a inexistência de hábitos de trabalho e de trabalho garantido, a dificuldade em gerir a vida de forma autónoma, mormente ao nível da abstenção de consumos (que insistentemente desvaloriza na gravidade), sendo exigível – para que alcance reinserção social concreta -, primordialmente a aquisição de competências pessoais, sociais e laborais, bem como interiorização de valores ético-jurídicos de reporte à necessidade de afastamento pleno e efectivo da toxicodependência, que lhe permitam a adopção de um estilo de vida normativo com vista a expurgar o risco (elevado in casu) de reincidência na prática criminal.,
Como tal, ao nível da exigência de prevenção especial, a conclusão forçosa é a de que o momento da liberdade condicional não está ainda alcançado, dadas as plenas dúvidas sobre o seu comportamento no futuro o que gera a necessidade de a pena operar e produzir efeitos de consolidação ao nível da reinserção social que se visa.
Não se mostra, assim, preenchido o quanto é requisito substancial da concessão da liberdade condicional, ao nível da alíneas a) do n.º 2 do art. 61.º do CP, por falta do juízo prognose positiva/favorável, o que a impossibilita.
*
b) – apreciação do mérito:

Antes de mais, convirá recordar que, conforme jurisprudência pacífica[8], de resto, na melhor interpretação do artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso deve ater-se às conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo, obviamente, e apenas relativamente às sentenças/acórdãos, da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal[9].
Anote-se, em sede de conclusões, que importa apreciar apenas as questões concretas que resultem das conclusões trazidas à discussão, o que não significa que cada destacada conclusão encerre uma individualizada questão a tratar, tal como sucede no caso vertente.

Assim sendo, e em face das efectivas conclusões apresentadas pelo recorrente, importa saber se o despacho recorrido é ilegal por incorrecta apreciação dos factos e do direito, impondo-se a sua revisão e a inerente concessão da pretendida liberdade condicional.

Vejamos, pois.

Numa síntese do alegado constata-se que o recorrente discorda do decidido porquanto entende que, apesar do seu bom comportamento global e do apoio familiar de que beneficia, o tribunal, e com base em relatórios apenas pretensamente actualizados (basta compará-los) desde a apreciação da liberdade condicional aquando do meio da pena, indeferida com base neles, valorizou excessiva e indevidamente alguns aspectos.
Primeiro, o facto de ter sido encontrado na posse de uma dose de estupefaciente, facto que ocorreu já em 10 de Setembro de 2012, ou seja, há dezanove meses atrás, e pelo qual foi castigado, além de que, e desde então, deixou de beneficiar de precárias bem-sucedidas, o que também não se compreende, pelo que tem que se atender a tal facto, sendo certo que não consome qualquer tipo de drogas, pelo que tem que se considerar que está afastado do consumo de estupefacientes em definitivo (e se dúvidas houvesse, o estabelecimento prisional tem os meios necessários para comprovar tal facto, através de exames de despistagem, que nunca foram realizados), contexto em que não pode conformar-se com a conclusão de que “nem sequer em sede prisional larga consumos”.
Depois, e evidenciando alguma tendência persecutória, o facto de se ter considerado que a sua mãe vive no … e que se trata de um local de tentação para o consumo de estupefacientes, dando-se como assente que é um meio onde a problemática de exclusão social e a problemática de adição e de convivência com estupefacientes é comum, o que não pode vingar, já que, além do tráfico e consumo de estupefacientes não ter, hoje em dia, locais definidos, aquele bairro é um bairro como outro qualquer, onde residem pessoas tão válidas como numa rua da … ou das …, por exemplo.
Aqui acresce ainda o facto de entrar em contradição quando no relatório é referido que a sua família vive naquele bairro, mas é uma família estruturada e com condição económica equilibrada, devendo anotar-se que, se o problema reside no facto de voltar ao mencionado bairro, o mesmo tem uma irmã que reside em Gondomar e está disponível para o receber, enquanto não tiver as condições necessárias para ter a sua própria casa.
Em terceiro lugar, porque o relatório assinala como factor negativo o facto de possuir experiência profissional diversificada, mas de ter referido apenas um projecto de trabalho que passa por emprego numa empresa de trabalho temporário, quando é certo que tal experiência variada, nomeadamente nas áreas da limpeza, restauração e artes gráficas, lhe facilitará o ingresso no mercado de trabalho, não podendo exigir-se que apresente um contrato de trabalho, mas podendo antever-se que tal experiência profissional, associada à adquirida em reclusão, é variada e que, por isso, lhe facilitará o ingresso no mercado de trabalho, sendo que, na actual conjuntura do mercado de trabalho, as empresas de trabalho temporário têm uma vertente mais prática e facilitadora de ingresso de nesse mesmo mercado de trabalho, contexto em que será de apreciar positivamente o facto de ter consciência dessa realidade e estar disponível para trabalhar em qualquer situação que lhe seja proposta, pois que apenas quer ser economicamente independente e útil para a sociedade, sendo certo que, mesmo que se preveja alguma dificuldade no início da sua soltura, tem o apoio incondicional da família, mormente da sua mãe, que o acolhe e provê às suas necessidades, enquanto não conseguir o ingresso no mercado de trabalho.
Finalmente, e quanto aos requisitos substanciais, mormente quanto à prevenção especial, onde se valora a natureza do crime praticado, entende que esta foi valorizada em excesso e, indevidamente, pois que tal ultrapassa a letra e o espírito da lei, violando o disposto no artigo 61º do Código Penal, já que este não faz depender a concessão da liberdade condicional do tipo de crime praticado.
Anotando ainda que assume os factos que motivaram a sua prisão e que tem hoje uma consciência crítica sobre os mesmos, apesar de ter alguma dificuldade na sua verbalização, conclui que o cumprimento de dois terços da pena deve ser considerado suficiente para a satisfação das necessidades de prevenção geral e especial e para a defesa da ordem e paz social e que, a manter-se a situação de privação da liberdade, esta terá um cariz negativo, pelo que preconiza que lhe seja dada uma oportunidade para demonstrar que se encontra ressocializado e que é capaz de viver em sociedade, esta, sim, a verdadeira finalidade da execução da pena de prisão.

Na resposta que apresentou, o Ministério Público rebateu uma tal argumentação, salientando, em síntese, que, sendo a personalidade do agente um factor de essencial importância para a concessão da liberdade condicional, particularmente pela via da prevenção e do prognóstico favorável à outorga da liberdade, não poderia ignorar-se a natureza e gravidade do crime em causa, bem como o modo como foi perpetrado e o que estava na sua origem, a toxicodependência do arguido e dificuldades do agregado familiar, não podendo dizer-se que o tipo de crime é excessivamente valorizado, pois que o se valoriza na decisão recorrida, para além da gravidade imanente ao tipo, são as razões que estiveram na origem da sua prática e o comportamento do arguido no decurso da execução da pena, aliadas às condições que possui no exterior.
Concluiu, pois, que as exigências de prevenção especial não se mostravam ainda satisfeitas e que o arguido deveria interiorizar devidamente a censurabilidade da sua actuação criminosa, consolidar o abandono do consumo de estupefacientes, os quais, como ele próprio refere, estiverem na génese daquela, e procurar obter melhores perspectivas de trabalho no exterior, pelo que preconizava a manutenção do decidido, que, na sua óptica, não violava o artigo 61º, nº 2, do Código Penal.

Tal tese foi depois seguida e reforçada no anotado parecer, no qual se sublinhou ainda que, conforme decorre da factualidade provada, no momento da decisão não se verificavam, nem o arguido as invoca, quaisquer circunstâncias atinentes à sua vida ou personalidade das quais pudesse concluir-se que, uma vez em liberdade, o mesmo conduziria a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes, e, a par, durante a reclusão não se verificou uma evolução da sua personalidade susceptível de permitir a conclusão de que já foram alcançadas as necessidades de prevenção especial.

Apreciando.

Estipula o artigo 61º, nº 2, do Código Penal, que “O tribunal coloca o condenado em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e o mínimo de seis meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social”.
Por seu turno, estipula o nº 3 do mesmo preceito que “O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior”.
Começaremos por anotar que “in casu” existe total sintonia apenas no tocante aos parâmetros formais que norteiam o instituto aqui em apreço, já que quanto ao denominado pressuposto material que era imperioso que aqui estivesse presente, existe a anotada discórdia do recorrente.
Relembre-se que no caso vertente está apenas em causa a previsão contida na sobredita alínea a) a qual, como é sabido, nos dá a matriz daquele “multiplexo” pressuposto material aqui em análise, o qual encerra um juízo de prognose favorável que corresponde à interpretação que já anteriormente anunciava Jorge de Figueiredo Dias quando a lei o descrevia aludindo apenas ao bom comportamento prisional do recluso e à sua capacidade de se readaptar à vida social e vontade séria de o fazer[10]. O que vale por dizer que, na prática, esta nova versão legal corresponde aos subjacentes critérios interpretativos que outrora enformavam já a apreciação da concessão, ou não, da liberdade condicional.
E aqui coloca-se já em evidência a pedra de toque do presente recurso, uma vez que o recorrente afirma que a decisão recorrida só não lhe concedeu a pretendida liberdade condicional porque valorou excessivamente o facto de ter sido encontrado na posse de uma dose de estupefaciente, o que ocorreu já em 10 de Setembro de 2012 e pelo que foi castigado, o facto de pretender voltar a residir em bairro problemático, mormente em sede de tráfico e consumos de estupefacientes e o facto de não ter emprego garantido, ao que acresceu a natureza do crime.
É isto, em suma.
Será assim?
Começaremos por relembrar que a liberdade condicional tem como objectivo “criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão”, mormente em prolongados períodos de afastamento da colectividade[11].
Para garantir um tal desiderato, e posto que eram ontologicamente esperadas dificuldades, o legislador previu, além do mais, a imposição de regras de conduta e/ou regime de prova e a implementação de um plano de reinserção social (cfr. artigo 64º, do Código de Processo Penal), o que, conjuntamente com o acompanhamento ou apoio social que, por via de regra, anda associado à liberdade condicional, constitui uma forma de ajudar o condenado nessa delicada tarefa, designadamente, atenuando “a influência de várias componentes exteriores de perigosidade, com o que se garantirá o sucesso de uma libertação definitiva”[12].
No entanto, e para além de uma tal matriz enformadora, a liberdade condicional visa também “adaptar a duração do cumprimento da pena à evolução do réu no estabelecimento prisional, estimulando-o, ao mesmo tempo, para que oriente o seu destino, durante o cumprimento, em prol de um comportamento positivo” e, no caso da liberdade condicional obrigatória, pretende-se também “ir ao encontro das necessidades dos piores elementos da criminalidade, impondo-lhes que continuem sujeitos a um regime de vigilância apertada e a uma qualquer forma de coação”[13].
Cientes de um tal sentir interpretativo subjacente ao instituto aqui em apreço, vejamos, agora, se a decisão recorrida fez a errónea interpretação factual e legal propugnada pelo recorrente.
Voltando, pois, à decisão recorrida, esta destaca que a inexistência de um prognóstico favorável radica, em síntese, no facto de assumir os factos, mas de forma ambivalente e com uma atitude critica insuficiente, conjugado com a natureza do crime praticado e com o incidente disciplinar de posse de estupefaciente, contexto em que se concluiu que existiam índices de necessidade de operação de prevenção especial em grau especialmente acentuado, pois a personalidade do condenado e o momento de interiorização do desvalor da sua conduta (em absoluto insuficiente) não permitiam sequer a formulação de um prognóstico minimamente favorável.

Ora bem.

Joeirados todos estes aspectos que estribam a decisão recorrida, acaba por concluir-se, com o maior respeito, que, de facto, o tribunal recorrido avaliou de forma excessivamente rigorosa o quadro global apurado, que ainda extrapolou.
Na verdade, e tal como anotava o recorrente, é evidente que a denominada actualização dos relatórios foi apenas aparente, já que, sendo uns cópias dos anteriores, basicamente, todos acabam por se quedar no episódio da posse de estupefacientes, já longínquo e sem indícios, a não ser meramente especulativos, de manutenção de consumos, já que, aquele episódio isolado, sem actos de despiste posteriores, perfeitamente possíveis, como aquele aqui relembrava, não permite sustentar uma tal ilação. E toda a conduta posterior foi perfeitamente esquecida a partir desse incidente.
Ainda assim, o último relatório do IRS é favorável à concessão de liberdade condicional, tal como sucedera já aquando do meio da pena, não se percebendo as razões que levaram ao acrescento, manuscrito, por alguém (?), que consta da acta de fls. 108, onde se anota um voto em sentido diferente do parecer, isto é, não se sabe as causas de tal inversão, o que, em face do antagónico teor do anterior relatório, seria imperioso conhecer.
Por outro lado, dando de barato que assumiu os factos de forma ambivalente e com uma atitude critica insuficiente, ilação que poderá ter na sua base apenas uma peculiar forma de o recorrente se expressar, o que a baixa escolaridade, que a decisão recorrida valorou, ajudaria a explicar (nas suas palavras, a dificuldade de verbalização), o certo é que tal aspecto não pode ser decisivo.
Com efeito, e tal como é sustentado num recente acórdão proferido neste TRP, no qual nos revemos, “Deve reconhecer-se que não é, em rigor e nos termos legais, requisito de concessão da liberdade condicional (a meio da pena ou cumpridos dois terços da mesma, nos termos dos nºs 2 e 3 do referido artigo 61º) que o condenado revele arrependimento e interiorize a sua culpa. Tal é, seguramente, uma meta desejável à luz das finalidades da pena, mas que supõe uma mudança interior que não pode, obviamente, ser imposta. A lei exige, antes, que se verifique um prognóstico no sentido de que o recluso não voltará a cometer novos crimes. A ausência de arrependimento pode ser sinal do perigo de cometimento de novos crimes, mas não necessariamente. Se as circunstâncias em que ocorreu o crime são especialíssimas e de improvável repetição, não poderá dizer-se que a ausência de arrependimento significa perigo de cometimento de novos crimes. E também não pode dizer-se que um recluso que não revele arrependimento, ou não assuma mesmo a prática dos factos que levaram à sua condenação (em julgamento ou durante a execução da pena) não poderá nunca beneficiar de liberdade condicional antes de atingir cinco sextos da pena (nos termos do nº 4 do referido artigo 61º)”[14].
Ora, cremos que não poderá afirmar-se que as circunstâncias que levaram ao cometimento do crime aqui em apreço ainda persistem, desde logo porque, queira-se ou não, é temerário afirmar-se que persistem os consumos.
Acresce a questão do emprego, porque apenas projectado e sem documento de suporte.
Aqui, sim, pode não haver a necessária segurança.
Simplesmente, e tal como afirma o recorrente, o mercado de trabalho não está nada fácil, facto notório aqui interferente (cfr. artigo 412º do Código de Processo Civil), pelo que, as diversificadas tarefas que o mesmo já desempenhou poderão ajudá-lo a encontrar emprego, sendo igualmente verdade que as empresas de trabalho temporário ainda são as que vão conseguindo alguma colocação nesse transfigurado mercado de trabalho.
Por outro lado, resulta dos autos que o recorrente tem hábitos de trabalho, o que constitui sempre um indício promissor.
Claro está que, numa primeira fase, irá depender da família, que o apoia e que, como anota a decisão recorrida, é estruturada e tem condição económica equilibrada, constituindo sempre algum risco o facto de voltar ao bairro, notoriamente problemático.
No entanto, o mesmo não tem culpa da família ali residir, além de que aponta a alternativa da residência da irmã, o que pode ser depois explorado através do IRS, já que é imperioso o acompanhamento do recorrente durante o período que lhe restar.
De qualquer modo, e este é um argumento de ordem prática, o recorrente sabe que este período é ainda de cumprimento de pena e que, se retroceder na evolução positiva do seu comportamento, poderá ter que regressar ao meio prisional. O que significa que o risco calculado que aqui tem necessariamente que se correr está sempre acautelado, o que é factor que aquele não esquecerá, seguramente.
Resta a natureza do crime.
A decisão recorrida valorou esse aspecto para referir apenas que o mesmo foi praticado através de uma actuação particularmente reveladora do modo de ser, personalidade, do condenado.
Ora, apesar de se tratar de um aspecto que se prende mais com a prevenção geral, aqui não sindicada, o certo é que não poderá negar-se que a natureza do crime se relaciona necessariamente com a denotada personalidade revelada pela conduta, pelo que, nessa perspectiva, é factor aqui atendível.
Por explicar fica apenas qual é, afinal, o modo de ser do recorrente que a decisão recorrida valorou, já que esta não o explica.
De qualquer modo, se o desemprego e a toxicodependência de outrora estiveram na génese do sucedido, e se o recorrente manteve hábitos de consumo adquiridos durante o cumprimento do serviço militar, que terminou quando tinha dezanove anos de idade, conforme consta do acórdão condenatório junto aos autos, e, ainda assim, praticou apenas um crime, e apenas há cerca de quatro anos atrás, não poderá afirmar-se que tenha uma personalidade assim tão deformada, pois, caso contrário, não passaria os “picos” de consumos, que então englobavam também cocaína, sem delinquir e/ou “traficar”.
Em suma.
Joeirados todos estes aspectos que estribam a decisão recorrida, acaba por concluir-se que, de facto, e tal como alegava o recorrente, a questionada denegação da liberdade condicional radica, em bom rigor, apenas no referenciado episódio de posse de “haxixe”, longínquo e pelo qual já foi deveras punido, já que toda a fundamentação é repetição da que foi feita aquando do meio da pena, existindo um claro vazio relativamente ao que depois se passou, pois que afirmar simplesmente que a situação é praticamente igual à que o recluso revelava naquela altura, continuando negativa, pois que nem a chamada de atenção que a decisão anterior constitui o levou a fazer um esforço de evolução, é nada dizer, com o maior respeito, ao menos no concreto.
E o certo é que o relatório do IRS dá conta de um “…recluso primário, empenhado em demonstrar que alterou o seu comportamento, que assume ter cometido um erro e aparenta estar abstinente” (avaliação que, anote-se, vigorava já aquando do meio da pena).
Em que ficámos, afinal ???
Por tudo isto, e sem questionar que aqui, tal como na “quase” congénere suspensão da execução da pena, existe um acrescido subjectivismo na análise e interpretação do fixado acervo de factos, atento o sublinhado conteúdo significante que dimana do citado artigo 61º, nº 2, al. a), do Código Penal, que aqui impera, entendemos que no caso vertente, nesta altura (ou seja, quando estão por cumprir apenas sete meses da pena aplicada, sensivelmente) e ainda que um tanto no limite[15], será de correr este implícito risco aqui presente, pois que a imagem global retida a partir do acervo fáctico realmente apurado, não sendo das mais amplamente positivas, permite, ainda assim, suportar o estatuído juízo de prognose favorável[16], assim impondo o dever[17] de determinar a libertação condicional do recorrente, a qual deverá ficar subordinada às condições que constavam do relatório elaborado em Dezembro último, a saber:
– manter inserção sócio-familiar na residência indicada pelo tribunal (aqui poderá equacionar-se a possibilidade de ir residir com a irmã, em Gondomar);
– diligenciar pró-activamente enquadramento laboral e manter o exercício laboral regular;
– manter um comportamento socialmente ajustado, afastando-se de indivíduos e locais conotados com a prática delituosa; e,
– manter-se abstinente do consumo de substâncias estupefacientes e (se ainda fôr caso disso), recorrer ao serviço de intervenção nos comportamentos aditivos e dependências (SICAD) e cumprir as orientações clínicas e outras que lhe forem propostas;
– aceitar e colaborar com a equipa de DGRS responsável pelo seu acompanhamento.
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Flui naturalmente do que vai dito que há-de proceder a pretensão aqui trazida pelo recorrente, o que implicará a sua imediata libertação, no aludido condicionalismo.
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III – DISPOSITIVO:

Pelo exposto, os juízes deste TRP acordam em julgar procedente o recurso interposto pelo arguido B…, em consequência do que, e nos moldes sobreditos, decidem revogar a decisão recorrida, determinado a sua colocação imediata em liberdade condicional, com termo previsto para 27/04/2015, subordinada às supra mencionadas condições.

Sem tributação (cfr. artigo 153º, nº 1, do CEP, “a contrario”).

Notifique, emitindo-se os necessários mandados de libertação do recorrente, com a anotação de que a sua libertação só não ocorrerá se tiver que ficar detido à ordem doutro processo, o que, não se vislumbrando, deve, ainda assim, ser previamente indagado junto do processo de origem e do EP onde o mesmo se encontra detido.

Após trânsito, a 1ª instância deverá dar cumprimento ao demais consignado no artigo 177º, nº 3, do CEP.
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Porto, 17/09/2014[18].
Moreira Ramos
Maria Deolinda Dionísio
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[1] E contrariamente ao que consta a fls 2, al. D), estes autos mantêm natureza urgente, pois que aqui está em causa a denegação da liberdade condicional e a excepção ao artigo 151º prevista no artigo 179º, nº 3, ambos do Código de Execução das penas e Medidas Privativas da Liberdade, abreviadamente, CEP, visa apenas retirar a natureza urgente aos casos de concessão com pareceres favoráveis, o que bem se compreende.
[2] Como refere o Prof. Cavaleiro de Ferreira in Curso de Processo Penal, II.ºV, p. 300, as normas da experiência são (…) “definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto sub judice, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.” Sobre a livre convicção do juiz diz o Prof. Figueiredo Dias in Direito Processual Penal, IºV, p. 203 e ss. que e esta é (…) “uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais - , mas em todo o caso , também ela uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros.
[3] Neste sentido, entre muitos, o Ac. do TRP de 13julho2011, proferido pela Sr.ª Juíza Desembargadora Ana Paramés no NUIPC 2006/10.2TXPRT deste TEP-Porto; igualmente a Decisão Sumária do TRP de 3julho2012, proferida pela Sr.ª Juíza Desembargadora M. Leonor Esteves, nos autos NUIPC 1350/11.6TXPRT-D.P1, nota 10 e as citações jurisprudenciais aí constantes.
[4] Como se colhe – em lugar paralelo - do Ac. do TRC de 15fevereiro2012, proferido pelo Sr. Juiz Desembargador Jorge Jacob no NUIPC 363/10.0PBCBR.C1 “A confissão, enquanto atitude colaborante do arguido, pode traduzir-se ou não numa circunstância atenuante de carácter geral (…) relevando indirectamente ao nível da valoração das exigências de prevenção especial, se no contexto em que for feita transmitir indicações positivas relativamente à atitude/personalidade do agente. O seu valor processual, em termos práticos, acaba por variar na razão directa da sua relevância, podendo assumir um vasto leque de graduações que vão da confissão extremamente relevante (a que permite ultrapassar acentuadas dúvidas ou ter como assentes factos para os quais não existe outra prova) à confissão absolutamente irrelevante (a título de exemplo, a confissão feita após concluída a produção da prova, quando todos os factos confessados se oferecem já como manifestamente provados; a confissão do óbvio, quando tiver havido prisão em flagrante delito), podendo ainda ser subjectivamente valorada na determinação da atitude interna do agente relativamente aos factos praticados e à interiorização da gravidade da sua conduta.
[5] O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na sede de audição do recluso. É aí que em sede de execução da pena e, em particular, no campo da apreciação da liberdade condicional, opera a tão necessária quão almejada oralidade e imediação na produção de prova, o mesmo é dizer, na recepção directa de prova. Já o princípio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto. Neste particular, ainda que em lugar paralelo, cfr. o Ac. do TRC de 22abril2009, proferido pelo Sr. Juiz Desembargador Orlando Gonçalves no NUIPC 2912/06.9TALRA.C1, na parte em que o mesmo reporta o quanto a doutrina de Figueiredo Dias e Cavaleiro Ferreira referem, bem como o citado e dito no Ac. da TRC de 6março2002 (CJ, T2, 44) (…) “quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.
[6] A qual, consabidamente, é um principio geral no domínio dos direitos fundamentais (na dúvida deve optar-se pela solução que, em termos reais, seja menos restritiva ou menos onerosa para a esfera de livre actuação dos indivíduos) – cfr. José Carlos Vieira de Andrade, in Os Direitos Fundamentais – Na Constituição Portuguesa de 1976, Almedina, 1983, 9 131).
[7] O termo "culpa" é aqui utilizado, não no sentido estrito de elemento constitutivo da infracção, mas no sentido amplo de todos os elementos do crime que nela se perspectivem e que podem ser tomados em conta para graduar a censura que por ela deva ser feita ao agente, ai incluindo a ilicitude, a culpa propriamente dita e a influência da pena sobre o criminoso - cfr., neste sentido Eduardo Correia, Direito Criminal, 11, p. 320 s., e Anabela Rodrigues, “A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade”, 120
[8] Vide Ac. do STJ, datado de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt, aqui citado por ser um dos mais recentes, no qual se sustenta que “Como decorre do art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, excetuadas as questões de conhecimento oficioso”.
[9] Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I série-A, de 28/12/95.
[10] Vide, Autor cit., in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, págs, 538 a 540.
[11] Vide, referências doutrinárias, in O Código Penal de 1982, de Leal-Henriques e Simas Santos, Vol. I, págs. 336 e 337, com perfeita atualidade, apesar das alterações entretanto emprestadas ao Código Penal pelas sucessivas «reformas».
[12] Vide Ob. Cit. na nota anterior, pág 337.
[13] Vide Ob. Cit. na nota anterior, pág 337.
[14] Acórdão relatado por Pedro Vaz Pato, datado de 10/10/2012, a consultar in www.dgsi.pt.
[15] Mas aqui convém relembrar a presença da proibição do excesso vertida no artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, tal como reafirma Joaquim Gomes em recente acórdão proferido neste TRP em 03/10/2012, a consultar in www.dgsi.pt, e no qual, curiosamente, também se sublinha que o discurso meramente argumentativo ou abstracto não poderá firmar a existência de reais obstáculos à concessão da liberdade condicional.
[16] Relembre-se, na versão do acórdão deste TRP datado de 14/04/2010, relatado por Artur Oliveira, a consultar in www.dgsi.pt, que a liberdade condicional só pode ser recusada “…na decorrência de motivo sério para duvidar da capacidade do recluso para, uma vez em liberdade, não repetir a prática de crimes”.
[17] É bom que se relembre, tal como sustenta Melo Lima, em acórdão proferido neste TRP em 25/03/2010, a consultar in www.dgsi.pt, que “A liberdade condicional, regulada no art. 61º, 2 do C. Penal, deve ser considerada não um benefício, mas antes um verdadeiro direito subjetivo do recluso, significando uma forma substitutiva da execução”.
[18] Texto composto e revisto pelo relator (artigo 94º, nº2, do Código de Processo Penal).