Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
425/17.2T8OAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: CONTRATO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉCTRICA
EDP
REPARAÇÃO DE DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RP20190218425/17.2T8OAZ.P1
Data do Acordão: 02/18/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 690, FLS 276-288)
Área Temática: .
Sumário: I- Celebrado contrato de fornecimento de energia elétrica, mesmo que a sua renovação esteja sujeita à limitação decorrente do artigo 108º nº 2 do Regulamento das Relações Comerciais do Setor Elétrico, não afasta este e a eventual extinção do contrato, a necessidade do pré-aviso da interrupção de fornecimento, em respeito em primeira linha pelo disposto no artigo 5º da Lei 23/96.
II- Tal pré-aviso de interrupção por facto imputável ao cliente deverá ser efetuado pelo prestador de serviços com quem o cliente celebrou a relação contratual, ainda que legalmente a competência do corte esteja atribuída ao operador de rede.
III- A violação de tal dever, quando geradora de danos para o cliente, constitui o prestador de serviços na obrigação de indemnizar os mesmos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 425/17.2T8OAZ.P1
3ª Secção Cível
Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunto - Juíza Desembargadora Fernanda Almeida
Adjunto - Juiz Desembargador António Eleutério
Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Jz. Local Cível de Oliveira de Azeméis
Apelante/B...
Apeladas/”C... S.A.” e outra

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
..............................................
..............................................
..............................................
I- Relatório
B..., instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra “C..., S.A.”.
Pela procedência da ação e invocando para o efeito ter sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais como consequência de um corte de energia levado a cabo pela R. que perdurou por 16 dias sem que da sua parte A. tivesse incorrido qualquer incumprimento contratual, peticionou o A. a condenação da R. ao pagamento da quantia de € 40.825,00 acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.
*
................................................
................................................
................................................
II - FACTUALIDADE PROVADA.
(O tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade)
“1) A ré C..., S.A. dedica-se exclusivamente à comercialização de energia elétrica.
2) A interveniente C1..., S.A. é a empresa que exerce a atividade de operador de rede de distribuição de energia elétrica no território continental de Portugal.
3) É da competência da C1... a interrupção do fornecimento de energia nos respetivos locais de consumo.
4) Na qualidade de operadora de rede, a C1... abastecia de energia elétrica o local de consumo do autor.
5) No qual se encontrava instalado o contador .............
6) O autor celebrou com a C... um acordo, ao qual foi atribuído o código de identificação ............, mediante o qual esta se obrigou a fornecer-lhe energia elétrica no local de consumo sito na Rua ..., n.º ..., ..., freguesia ..., concelho de Oliveira de Azeméis, mediante o pagamento da correspondente contrapartida pecuniária.
7) O autor sempre pagou à ré a energia elétrica fornecida por esta e consumida por ele.
8) Em 16 de Novembro de 2015, foi cortado sem pré-aviso, o fornecimento de energia elétrica no local de consumo do autor.
9) O corte de energia foi levado a cabo pela C1....
10) Que no dia 27 de Novembro de 2015 procedeu à sua religação.
11) O C2... serve para a troca de comunicações e informações entre o operador de rede de distribuição e as comercializadoras que operam no mercado energético.
12) A energia elétrica destinava-se a fornecer a moradia do autor situada no local de consumo.
13) Entre 16/11/2015 e 27/11/2015, o autor ficou impossibilitado de utilizar todos os seus eletrodomésticos, a saber: televisão, rádio, frigoríficos, arcas congeladoras, aspirador, exaustor, aquecedor, fogão, micro-ondas e todos os outros cujo funcionamento dependia de eletricidade.
14) Dentro da habitação do autor, este dispunha de pelo menos uma arca e um frigorífico, onde guardava frangos, coelhos, carne de porco, de vaca, bacalhau, polvo e pescada, vegetais diversos, entre os quais, tomates, feijão e courgette, em quantidades não apuradas.
15) Em consequência do corte de energia, todos os bens alimentares referidos ficaram estragados e impróprios para consumo humano.
16) Durante aquele período de tempo, por não dispor do fogão elétrico e do micro-ondas, o autor e o seu agregado familiar tiveram de fazer todas as suas refeições fora de casa.
17) A casa do autor era, como é, exclusivamente servida de água proveniente de um furo hertziano existente no quintal, munido de um motor elétrico.
18) Para a água do furo chegar aos canos de distribuição de água e às torneiras da casa do autor, é necessário que esse motor funcione.
19) Em virtude do corte de energia, o autor ficou impossibilitado de tomar banho, bem como os demais elementos do seu agregado familiar, que consigo coabitam.
20) E teve ainda de comprar água para consumo doméstico.
21) E de se socorrer da generosidade de familiares, a quem pediu que lhe dessem água em garrafões, para poder providenciar à higiene mínima da sua habitação e tudo o mais que se mostrasse necessário.
22) Sendo aquela habitação a única que o autor possuía e onde residia de forma permanente, bem como o seu agregado familiar, composto por sua esposa e um filho menor.
23) Por causa da falta de luz o autor viu-se limitado no exercício pleno do seu direito à habitação e qualidade de vida básico,
24) O que lhe causou um enorme transtorno e incómodo.
25) Diariamente, enquanto esteve privado de eletricidade, o autor fez diversas chamadas por dia para a ré, na tentativa de que esta resolvesse a situação, no que despendeu muito tempo.
26) Para além de ter visto a sua vida alterada e transtornada.
27) Em 28/06/2012, o autor celebrou com a ré o primeiro contrato para obras para o local de consumo em apreço.
28) O qual tem como ponto de entrega temporário identificado com o n.º .....................
29) Aquando da celebração do contrato foi entregue pelo autor à ré uma licença de obras datada de 25/04/2010 e válida até 15/11/2015.
30) Visando o contrato celebrado com o autor apenas o fornecimento de energia para a obra que foi objeto de licença de construção.
31) E não o seu uso doméstico.
32) Para a manutenção do C3... provisório o autor deveria entregar à ré, até 15/11/2015, a prorrogação da licença de obras emitida pela Câmara Municipal.
33) O que o autor não fez.
34) Apesar de saber que a devia entregar.
35) Por força dessa omissão, a ré não carregou a prorrogação da licença de obras no C2....
36) O que determinou que a C1... ordenasse o corte sem que a ré o tivesse solicitado.
37) Após a interrupção do fornecimento de energia, o seu restabelecimento exigia a entrega pelo autor da prorrogação da licença de obra, do termo de responsabilidade na exploração e do termo da responsabilidade na execução.
38) Documentos que o autor fez chegar à ré no final do dia 19/11/2015.
39) E que pela ré foram carregados no C2....
40) Em consequência, após pedido da ré, a C1... disponibilizou o agendamento da religação no dia 26/11/2015.
41) Todos os documentos entregues à C... e que devem ser conhecidos do Operador de Rede de Distribuição são carregados no C2....
42) Concretamente, a validade da licença de obras para efeitos de ligação e corte de fornecimento.
43) No dia 16/10/2015, a interveniente enviou à ré uma comunicação sinalizando que a licença de obras da instalação estava a atingir o seu término.
44) E não recebeu qualquer pedido de prorrogação da licença.
45) No dia 11/11/2015, a interveniente comunicou à ré a data prevista para a execução da interrupção de energia elétrica na instalação, ou seja, 16/11/2015.
46) No dia 20/11/2015 deu entrada um pedido de prorrogação da licença para a instalação.
47) No seguimento desse pedido, a ré remeteu à interveniente o respetivo comprovativo com nova data de validade da licença de obras, 15/05/2016.
48) E nesse mesmo dia (20/11/2015) o pedido foi aceite, tendo a interveniente remetido à ré comunicação onde identificou a necessidade de agendamento da religação da instalação até ao dia 27/11/2015.”
*
Foram ainda dados como não provados os seguintes factos pelo tribunal a quo:
“II.B - Factos Não Provados:
Com relevância para a decisão, não se consideraram provados os seguintes factos:
49) Apesar das diligências encetadas pelo autor junto da ré para que esta restabelecesse o fornecimento da energia elétrica, logo no dia 16/11/2015, bem como nos dias seguintes, a ré nada fez.
50) O autor tinha duas arcas frigoríficas e dois frigoríficos.
51) Os frangos e coelhos aí guardados tinham o valor global de €75,00.
52) O autor tinha 30 kg de carne de porco, no valor de €4,00/kg, totalizando €120,00, 25 kg de carne de vaca, no valor de €6,00/kg, a totalizar €150,00, bacalhau, polvo e pescada, no valor de €130,00.
53) O autor tinha nos frigoríficos pimentos, cenouras, alfaces e iogurtes, estes, no valor de €15,00.
54) Os vegetais guardados tinham um valor total de €70,00.
55) Todas as refeições foram feitas no restaurante, no que o autor despendeu pelo menos €40,00 diários.
56) Para tomar banho, o autor, a sua mulher e o filho de ambos, viram-se obrigados a deslocar-se diariamente ao Porto, a casa da sua filha, para fazê-lo, no que o autor despendeu, em gasóleo, para efetuar as viagens, cerca de €10,00 diários.
57) O autor gastou €25,00 na compra de água para consumo doméstico.
58) O autor pediu água a amigos.
59) Ficando por causa disso a dever-lhes favores.
60) Por não ter eletricidade na sua residência, o autor perdeu uma encomenda de 13.000 pés ao valor unitário de €2,40, que lhe permitiria auferir um lucro no valor de pelo menos €1.560,00 (5%), que assim deixou de auferir no exercício da sua atividade.
61) O autor gastou, pelo menos, a quantia de €80,00 em telefonemas para a ré.
62) Por força do corte de energia, o autor sentiu-se e sente-se triste, angustiado e desgostoso.
63) Com o que tudo sofreu e sofre.”
III- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta ser questão a apreciar o alegado erro na aplicação do direito.
***
Decorre das conclusões formuladas pelo recorrente que o mesmo discorda da decisão recorrida na medida em que entende, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, estarem a R. recorrida bem como a interveniente, obrigadas a proceder ao pré-aviso do corte quer nos termos do disposto no artigo 137º nº 3 do Regulamento das Relações Comerciais do Setor Elétrico nº 561/2014 de 22/12 (RRC); quer nos termos da Lei dos Serviços Públicos – Lei 23/96 de 26/07 a qual veio criar no ordenamento jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais.
Considera-se utente para os fins da Lei 23/96 “a pessoa singular ou coletiva a quem o prestador do serviço se obriga a prestá-lo”; prestador de serviços abrangidos por esta Lei “toda a entidade pública ou privada que preste ao utente qualquer dos serviços referidos no nº 2 do artigo 1º, independentemente da sua natureza jurídica, do título a que o faça ou da existência ou não de contrato de concessão” e “serviços públicos essenciais abrangidos por esta Lei, entre outros, precisamente “o serviço de fornecimento de energia elétrica” – vide artigo 1º da citada Lei.
Conforme se extrai do confronto entre definição de utente e a definição de consumidor [Lei 24/96 de 31/07 – artigo 2º nº 1] não são os mesmos entre si coincidentes, antes sendo o primeiro conceito muito mais abrangente porquanto inclui todo o utente, independentemente da sua dimensão, natureza – pessoa singular ou coletiva – ou fim a que destina o serviço fornecido.
Sem qualquer distinção, para este efeito quanto à relação contratual estabelecida. O mesmo é dizer que a natureza da instalação elétrica provisória ou eventual – vide artigo 108º do Regulamento 561/2014[1] em vigor à data da prática dos factos – em nada altera ou contende com a aplicação do disposto na Lei 23/96 à relação contratual estabelecida entre as partes, in casu A. e R..
E no que a esta em concreto concerne, sempre se diz que o contrato celebrado entre A. e R. e junto pela própria R. a fls. 81 e segs. (e não foi impugnado) é um contrato intitulado “Contrato de Energia”, do qual não consta qualquer menção à provisoriedade da instalação elétrica nem à sujeição do mesmo a termo resolutivo na verificação da caducidade da licença de obras, como efetivamente deveria constar nos termos do artigo 108º citado supra.
Do respetivo clausulado extrai-se:
- na 1ª cláusula das condições particulares ser o seu objeto “o fornecimento de energia elétrica pela C... o cliente, nos termos constantes das presentes Condições Particulares e das Condições Gerais”;
- sendo o fornecimento objeto deste contrato efetuado no seguinte ponto de consumo (cláusula segunda):
“(…)
C3...:....................
(…)”.
E nada se dizendo nas condições particulares quanto ao prazo ou duração do contrato:
- consta da cláusula 2ª das condições gerais que: “O contrato entra em vigor na data da sua assinatura e produz efeitos em relação a cada um dos pontos de consumos individualmente considerados na data em que:
a) estes reunirem todas as condições legais e regulamentares de acesso ao fornecimento de energia elétrica (…)
b) a instalação de utilização de energia elétrica (…) se encontrar no estado de conservação e funcionamento definido nos termos das regras técnicas e de segurança aplicáveis e
c) se iniciar o respetivo fornecimento.
- ainda, e nos termos da mesma cláusula 2ª, nº 3, consta que “O presente contrato tem a duração mínima de 1 (um) ano, renovando-se automática e sucessivamente por períodos de 1 (um) ano se nenhuma das partes notificar a outra, por escrito, com 60 (sessenta) dias de antecedência relativamente à data da sua cessação, da intenção de se opor à renovação ou de alterar as suas condições.”
- por sua vez e sob a epígrafe “Cessação do Contrato” – cláusula 13ª consta que a cessação do contrato pode ocorrer:
a) por oposição à renovação, por iniciativa da C... nos prazos estabelecidos na Cláusula Segunda;
(…)
c) por denúncia, a todo o tempo, por iniciativa da C..., nos termos do disposto no Regulamento das Relações Comerciais do Setor Elétrico (…) mediante notificação por escrito a enviar com uma antecedência de pelo menos 30 dias relativamente à data de produção dos efeitos da denúncia;
(…)
f) por resolução por iniciativa da C..., caso se verifique a interrupção do fornecimento de energia elétrica (…) por causa imputável ao cliente, mediante notificação por escrito enviada ao Cliente com uma antecedência de, pelo menos, 20 (vinte) dias relativamente à data de produção de efeitos da resolução.
- finalmente e sob a epígrafe “Qualidade de Serviço”, cláusula 11ª é expresso que o fornecimento de energia elétrica pela R. no âmbito deste contrato observará os parâmetros de qualidade de serviço definidos no Regulamento da Qualidade de Serviço do setor (RQS) e no Regulamento das Relações Comerciais do Setor Elétrico (RRC).
Ainda e nos termos do nº 5 desta mesma cláusula 11ª é estabelecido que o “Cumprimento dos demais parâmetros gerais e individuais de qualidade de serviço de natureza comercial nomeadamente no que respeita (i) à ativação de fornecimento (ii) ao restabelecimento de fornecimento após interrupção por facto imputável ao cliente”, são nos termos do RQS “da responsabilidade do operador da rede de distribuição respetivo, podendo o seu incumprimento conferir ao cliente o direito a uma compensação.”
Temos assim contratualmente definidas regras quer para a cessação contratual - com definição de avisos prévios (a enviar pela R. ao A.) para produção dos efeitos de extinção contratual - quer para a suspensão de fornecimento e religamento por remissão para RQS (à data dos factos o Regulamento 455/2013 publicado in DRE de 29/11/2013, 2ª S) e RRC.
Deste RRC há a destacar o artigo 137º que regula a interrupção do fornecimento de energia elétrica por facto imputável ao cliente a pedido do comercializador ou comercializador de último recurso[2] (pelas situações nele previstas) bem como nas situações previstas no artigo 75º - estas respeitantes a interrupção por ação do operador de rede - e que no seu nº 3 estipula a necessidade de aviso prévio à interrupção no mínimo de 20 dias relativamente à data em que irá ocorrer, salvo nas situações previstas nas als. d) e i) e ainda f) do nº1 que no caso não se aplicam.
Destas apenas se justifica mencionar a al. f) na qual é prevista a suspensão do fornecimento (aqui sim sem pré-aviso) por “f) Incumprimento das disposições legais e regulamentares relativas às instalações elétricas, no que respeita à segurança de pessoas e bens”.
Porque a falta do autor respeitava não às instalações elétricas mas ao licenciamento de obra [vide 32) a 36) dos factos provados], reafirma-se a não aplicação desta exceção à situação sub judice.
Regras que se mostram portanto conformes ao disposto na Lei 23/96 e nomeadamente ao disposto no seu artigo 5º sobre a suspensão do fornecimento, em respeito pelos mecanismos de proteção do utente previstos nesta Lei dos serviços públicos essenciais, in casu o aqui A. e que conforme já supra referido se aplicam a esta relação contratual.

Conclui-se do exposto que a relação contratual estabelecida entre A. e R. está subordinada, para além do que as próprias partes estipularam em sede contratual e dos demais normativos legais específicos deste setor, ao disposto na Lei 23/96 e aos mecanismos que a mesma veio criar com vista à proteção do utente, in casu, o aqui A..
Aliás o tribunal a quo, apreciando a pretensão do recorrente convocou o previsto nesta Lei, cuja aplicação quanto à sujeição da interrupção do fornecimento a aviso prévio todavia afastou, com fundamento numa extinção do vínculo contratual por caducidade atenta a verificação do termo resolutivo a que estava sujeito.
Assim, pode ler-se na fundamentação de direito do tribunal a quo o seguinte:
Para tanto, importa desde logo salientar a natureza específica do contrato de fornecimento de energia elétrica celebrado entre autor e ré.
Com efeito, a instalação em causa possuía carácter provisório, atenta a finalidade a que se destinava, a saber, a realização de obras.
Estabelece o artigo 178.º, do Regulamento n.º 561/2014, que:
“1 - As condições técnicas para as ligações às redes são as estabelecidas na legislação aplicável.
2 - As instalações elétricas não podem ser ligadas às redes sem a prévia emissão de licença ou autorização por parte das entidades administrativas competentes”.
Em concreto, à celebração de um contrato de fornecimento de energia elétrica para obras, é indispensável a apresentação de diversos documentos, tais como, licença de obras emitida pela Câmara Municipal, termo de responsabilidade pela execução da instalação elétrica e termo de responsabilidade pela exploração elétrica ou declaração de responsabilidade, consoante a potência contratada seja superior ou não a 10kVA (cfr. Decreto-Lei n.º 517/80, de 31-10, entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 96/2017, de 10-08, que apenas entrou em vigor no passado dia 01/01/2018, mas que estabelece o regime das instalações elétricas particulares).
E, uma vez celebrado, a instalação tem carácter provisório, o que vale por dizer que se destina “a ser usada por tempo limitado, no fim do qual é desmontada, deslocada ou substituída por outra definitiva” (artigo 3.º, n.º 1, alínea s), do Regulamento n.º 561/2014, de 22-12), acrescentando o n.º 1 do artigo 206.º, do mesmo diploma que: “Consideram-se ligações provisórias as que se destinam a alimentar instalações de carácter temporário, nomeadamente as instalações para reparações, ensaios de equipamentos, obras e estaleiros, sendo desmontadas, deslocadas ou substituídas por ligações definitivas findo o período e objeto a que se destinavam”.
Ora, segundo o artigo 108.º, n.º 2, do Regulamento de Relações Comerciais do Sector Elétrico (Regulamento n.º 561/2014, de 22-12), “no caso de instalações provisórias. A renovação do contrato de fornecimento de energia elétrica fica condicionada aos termos e prazos constantes da respetiva licença”.
Da conjugação destas normas decorre que o contrato em causa possui prazo certo, estando o seu termo sujeito ao prazo de validade da licença de obras emitida.
Portanto, está o mesmo sujeito a um termo resolutivo (artigo 278.º, do Código Civil) que, verificado, importa a caducidade do contrato e, como tal, a sua extinção3 [3 “A caducidade de um contrato determina a extinção do vínculo ipso iure, por exemplo no termo do prazo ajustado” – Pedro Romano Martinez, in “Da cessação do Contrato”, 3.ª ed., Almedina, p. 45., sem dependência de declaração que uma das partes tenha de fazer à outra.]
Donde, no caso em apreço não são convocáveis a normas relativas à interrupção do fornecimento de energia elétrica, designadamente as consagradas nos artigos 69.º e segs., do Regulamento n.º 561/2014, de 22-12, porque, na verdade, não estamos perante uma interrupção do fornecimento, mas antes uma cessação do contrato.
Por conseguinte, não se vê que a C... tenha incumprido qualquer obrigação contratual que sobre si impendia, posto que, decorrido o prazo de validade da licença sem que fosse apresentada pelo autor a sua prorrogação, o contrato de fornecimento de energia cessou, não se mantendo a partir de 15/11/2015 a obrigação a cargo da ré de fornecer eletricidade ao autor.
Consequentemente, não se vislumbra ainda que a C1... ao concretizar o desligamento da energia tenha incorrido na prática de qualquer ato ilícito.
Poder-se-á, porém, argumentar que este desligamento/corte teve lugar sem qualquer aviso prévio, aí residindo a ilicitude da conduta assacada à ré e à interveniente, por violação das normas que regulam o sector.
Diz-nos o artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96, de 26-07 (lei dos serviços públicos essenciais), que: “A prestação do serviço não pode ser suspensa sem pré-aviso adequado, salvo caso fortuito ou de força maior”, norma essa que se reflete nos procedimentos estabelecidos no Regulamento n.º 561/2014, de 22-12, para a interrupção do fornecimento de energia elétrica, mormente, nos seus artigos 75.º, n.º 2 e 137.º, n.ºs 4 e 5.
Todavia, como o próprio teor literal destes normativos indica, estas situações pressupõem a continuidade do serviço, a subsistência do contrato, o que não sucede manifestamente no caso em apreço, posto que o contrato pode nem sequer vir a cessar, caso no último dia de vigência da licença seja apresentada a respetiva prorrogação. Por isso, a inexistência de aviso prévio ao corte de energia que vimos analisando não constitui violação contratual ou das normas que regulam o sector, pois que o mesmo nem sequer faria sentido, em virtude de o comercializador desconhecer de antemão se o contrato vai cessar ou não no termo do prazo de validade da licença.
Na verdade, só no fim do prazo de validade desta e, caso o titular do contrato não apresente a prorrogação da licença, é que cessará o fornecimento de energia, o que sucedeu no caso em apreço, no dia seguinte ao termo daquele prazo.
Se a C..., por cortesia, costumava alertar os clientes para a previsão da cessação contratual, era disso mesmo que se tratava, cortesia comercial de uma previsão (pois nem sequer se pode falar de pré-aviso de corte), que não é fonte de qualquer obrigação nem de qualquer legítima expectativa tutelável juridicamente.
Ademais, o autor sabia que tipo de contrato celebrara com a ré e sabia ainda que a sua subsistência estava dependente de uma postura ativa da sua parte, mediante a apresentação atempada dos documentos que o permitiriam. Não o fez, porém, pelo que vir nesta ação imputar responsabilidades a terceiros por um ato (omissão) que só a si diz respeito e que lhe é imputável, afigura-se-nos desajustado. “
Portanto, o tribunal a quo tendo por base a provada finalidade do contrato – vide 30) dos factos provados / fornecimento de energia para a obra que foi objeto de licença de construção; e a necessidade de entrega da prorrogação da licença de construção para a manutenção do C3... provisório – vide 28) e 32) dos factos provados - concluiu:
- 1º ter ocorrido a extinção do contrato por caducidade, atenta a verificação do termo resolutivo a que se encontrava sujeito;
- 2º estar a R. dispensada de proceder ao pré-aviso de corte na medida (para além do mais) em que este pressupõe uma relação contratual que se prolonga – “continuidade do serviço” – mas que no caso se extinguiu;
Aviso prévio que tão pouco faria sentido, na medida em que o comercializador desconhece de “antemão se o contrato vai cessar ou não no termo do prazo de validade da licença” porquanto a sua prorrogação pode ser tempestivamente apresentada.

Salvo o devido respeito não concordamos com a linha de raciocínio expendida.
Há que distinguir interrupção/suspensão do fornecimento da energia elétrica da extinção do contrato, nomeadamente por sujeição do mesmo a termo resolutivo.
Da factualidade provada o que resulta demonstrado é que a interrupção de fornecimento/corte foi concretizada: vide factos provados 8 e 9, 36 e 37 e 45.
Não que as partes consideraram cessada a relação contratual entre as mesmas estabelecida. Tanto que uns dias depois, a pedido do A., foi efetuada a religação do fornecimento de energia elétrica ao seu local de consumo: vide factos provados 10 e 48.
Esta religação só se entende num contexto de (ainda) manutenção da relação contratual entre as partes estabelecida. O que é confirmado pela documentação junta aos autos, da qual se realça o teor da informação de religação – doc. 10 inserto a fls. 59 onde é dada nota de uma “alteração contratual” por substituição de equipamento com disjuntor avariado.
Aliás a própria R. na contestação alegou ter com o A. celebrado um contrato, cujo vínculo se mantém desde 28/06/2012.
O tribunal a quo convocou o disposto no artigo 108º nº 2 do RRC para concluir pela extinção da relação contratual.
Nos termos deste artigo 108º nº 2 “No caso de instalações provisórias, a renovação do contrato de fornecimento de energia elétrica fica condicionada aos termos e prazos constantes da respetiva licença”.
Independentemente das questões que se possam colocar a propósito do enquadramento, que se nos afigura em abstrato correto, da relação contratual estabelecida entre as partes ao regime previsto no artigo 108º nº 2 do RRC de cuja aplicação derivaria a automática extinção do contrato na verificação do termo da licença de que era dependente, tendo como pressuposto que a sua duração estaria também estabelecida por referência à validade da licença – o que se diz atentos os termos do contrato entre as partes efetivamente celebrado e acima já enunciados – facto é que este artigo condiciona a renovação contratual aos termos e prazos da licença.
Mas não afasta a necessidade do pré-aviso do corte de fornecimento.
Celebrado contrato de fornecimento de energia elétrica, mesmo que a sua renovação esteja sujeita à limitação decorrente do artigo 108º nº 2 do Regulamento das Relações Comerciais do Setor Elétrico, não afasta este e a eventual extinção do contrato, a necessidade do pré-aviso da interrupção de fornecimento, em respeito em primeira linha pelo disposto no artigo 5º da Lei 23/96.
A submissão da relação contratual sub judice aos diversos Regulamentos e normativos já citados, exige na sua interpretação um juízo de pressuposta compatibilidade entre os mesmos (vide artigo 9º do CC).
Neste pressuposto conclui-se que este artigo 108º nº 2, atento para além do mais o disposto nos artigos 137º e 75º deste mesmo RRC, conjugado quer com o disposto na citada Lei 23/96 quer com o estipulado contratualmente não afasta a necessidade de sempre [e salva a exceção prevista no nº 1 da al. f) do artigo 75º ou as situações de caso fortuito ou força maior consagrados no artigo 5º nº 1 da Lei 23/96] ser observado um prévio aviso ao corte/interrupção de fornecimento.
O que in casu não ocorreu [vide 8) dos factos provados].
E quanto a este corte relembra-se que o prestador de serviços abrangido pelo disposto na Lei 23/96 é todo aqueleindependentemente do título a que o faça – que presta os serviços abrangidos por esta mesma Lei.
Pelo que e independentemente do contrato em causa estar ou não sujeito a termo resolutivo e este se ter verificado, sempre o prestador de serviços estava obrigado a proceder ao pré-aviso de suspensão de fornecimento da energia elétrica com 20 dias de antecedência. Não por cortesia comercial, mas porque tal dever emana quer do artigo 5º da citada Lei quer do artigo 137º do RRC.
A tal obrigação, aliás, não é certamente alheio o aviso que a C1... enviou à aqui R., dando nota precisamente um mês antes do términus indicado da licença de que – na qualidade de entidade responsável pela interrupção do fornecimento de energia nos locais de consumo – a licença de obras se aproximava do seu términus e que não havia recebido pedido de prorrogação da licença. Posteriormente tendo comunicado a data da execução da interrupção – vide nºs 2) e 43) a 45) dos factos provados.
Do disposto no artigo 5º da Lei 23/96 vindo de citar, a interrupção do fornecimento só pode ocorrer sem pré-aviso adequado em situações de caso fortuito ou de força maior[3]. O que é conforme ao estipulado nos artigos 14º e 16º nº 2 al. a) do RQS e 69º e segs. do RRC [4]
Claramente nenhuma destas situações foi invocada no caso.
A suspensão decorreu da não entrega tempestiva da prorrogação de licença de construção. E tanto R. como interveniente sabiam que caso tal ato não fosse tempestivamente praticado, haveria lugar à pela interveniente anunciada à R. suspensão de fornecimento.
A interveniente cumpriu o seu dever de aviso – em tempo – à R. para que esta diligenciasse pela observância do pré-aviso, já que a R. é na relação contratual estabelecida entre A. e R. a contraparte e foi esta quem falhou no cumprimento da obrigação contratual de pré-aviso ao A. de que tal corte seria executado - pela distribuidora e como consequência da não entrega de documentação em falta. Documentação que ao A. cumpria entregar à R. para que esta posteriormente carregasse a prorrogação da licença no Portal identificado em 11) dos factos provados através do qual se opera a troca de comunicações e informação entre a interveniente – operadora de rede de distribuição e a aqui R. – comercializadora de energia elétrica.
E como tal à interveniente nenhuma censura merece o seu comportamento, no âmbito do cumprimento dos seus deveres de operadora de rede[5]. A implicar a correção da decidida absolvição do pedido quanto a esta parte.
O mesmo não se entende ser o caso da R..
Tal pré-aviso de interrupção por facto imputável ao cliente deveria ter sido efetuado pelo prestador de serviços com quem o cliente celebrou a relação contratual, ainda que legalmente a competência do corte esteja atribuída ao operador de rede.
À R. bastava, alertada que foi pela operadora de rede, que enviasse ao A. um pré-aviso indicando os motivos pelos quais a suspensão ocorreria, dando assim tempo ao A. para se prevenir atempadamente quer quanto à tempestiva apresentação dos documentos necessários quer precavendo-se contra um anunciado corte no caso de não entregar a documentação legal exigida, permitindo por esta via obviar aos prejuízos que o A. veio nestes autos reclamar, com base na surpresa do corte.
Note-se que o conhecimento por parte do A. da necessidade de apresentação de documentação para que o fornecimento da eletricidade pudesse prosseguir em observância das exigências legais não afasta a referida surpresa, na medida em que da parte do A. era legítimo contar com um pré-aviso de suspensão enviado pela R., por assim a Lei o determinar.
E nos termos do artigo 11º nº 1 da Lei 23/96 é ónus do prestador de serviço a prova de todos os factos relativos ao cumprimento das suas obrigações e ao desenvolvimento de diligências decorrentes da prestação dos serviços a que se refere esta Lei.
Estando as partes obrigadas à execução contratual em conformidade com as obrigações assumidas, sempre pautando o seu comportamento de acordo com as regras da boa-fé (vide artigos 405º e 406º, 762º e 763º do CC), temos que a violação do apontado dever contratual por parte da R. (por referência ao artigo 5º da Lei 23/96) constitui ato ilícito, fundamento da peticionada indemnização dos danos que o A. tenha logrado demonstrar ter sofrido como consequência de tal atuação (artigo 798º do CC), sendo certo que a culpa se presume (artigo 799º do CC) e a R. não logrou elidir tal presunção.
"Para haver obrigação de indemnizar é condição essencial que haja dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém", [cfr. A. Varela in "Das Obrigações em Geral" vol. 1º, 5ª ed., p. 557].
Existindo o dano, aquele que estiver obrigado a repará-lo, deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art.º 562º do C.C.). A lei manda "reconstituir, não a situação anterior à lesão, mas a situação (hipotética) que existiria, se não fora o facto determinante da responsabilidade." Ant. Varela in ob. cit. p. 862.
Nos termos do disposto no art.º 566º n.º 1 do C.C. " A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
2- Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos." (sublinhado nosso).

Demonstrada a atuação ilícita da R. e não afastada a presunção de culpa, cumpre apreciar a factualidade apurada e da mesma concluir se estão demonstrados danos bem como o nexo causal entre a conduta ilícita e os danos apurados.
O A. peticionou a título indemnizatório a condenação da R. ao pagamento dos danos pelo mesmo descritos em 35º a 41º e 45º e 46º a 49º da p.i. num total de € 38.000,00 [em causa danos não patrimoniais], bem como na condenação do pagamento de € 2.825,00 pelos factos descritos em 23º a 34º e 42º a 44º [em causa danos patrimoniais].
Da factualidade provada, mormente os factos 8) a 10) e 12) a 26) resulta que como consequência do corte de energia levado a cabo pela C1... (no contexto acima já analisado) sem pré-aviso ficou o autor impossibilitado de utilizar todos os seus eletrodomésticos bem como de ter acesso a água, já que esta era extraída de um furo hertziano com o auxílio de motor elétrico.
Consequentemente ficou impossibilitado durante 12 dias não só de utilizar todos os eletrodomésticos necessários às atividades da vida diária como cozinhar, manter alimentos no frigorífico e arca congeladora, ver ou ouvir televisão e rádio, ainda aquecer alimentos em micro ondas ou efetuar a limpeza da casa com aspirador ou mesmo aquecer a casa; como também e pelo não acesso à água ficou impossibilitado quer de fazer a sua higiene como de fazer a limpeza da casa[6].
Situação que lhe causou limitação do pleno exercício do seu direito à habitação e qualidade de vida básico; lhe causou enorme transtorno e incómodo, alterando e transtornando a vida do autor que ficou impossibilitado de tomar banho em casa, ou de cozinhar, consequentemente se vendo obrigado a fazer todas as refeições fora – suas e do respetivo agregado familiar.
Com vista a minimizar os transtornos causados tendo ainda o A. se socorrido da generosidade de familiares a quem pediu água para providenciar a higiene mínima da sua habitação e o que mais se mostrasse necessário.
Apurado ficou ainda que o A. despendeu muito tempo a tentar resolver esta situação junto da R..
A situação assim descrita justifica a atribuição de uma indemnização a título de danos não patrimoniais.
Nos danos não patrimoniais – aqueles que afetam bens da personalidade, insuscetíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária – mais do que uma verdadeira indemnização é antes a reparação do dano que se visa alcançar.
Na fixação do quantum indemnizatório, e tal como decorre do disposto no artigo 496º nº 4 do CC, há que recorrer a critérios de equidade, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º já que é impossível de em concreto apurar valor do dano.
Deste normativo resultam especificadas o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, bem como as “demais circunstâncias do caso”, entre as quais naturalmente há que atender desde logo à gravidade do dano e à necessidade de o valor a arbitrar proporcionar ao lesado uma adequada compensação pelos padecimentos por este suportados. Neste caso, ainda, sendo de considerar o período durante o qual estes danos se produziram, ou seja 12 dias.
Desta ponderação da culpa e situação do lesante bem como do lesado se extrai uma dupla funcionalidade desta indemnização: sancionatória e reparadora - cfr. neste sentido Ac. TRP de 08/10/2002, Relator Marques Castilho in www.dgsi.pt/jtrp e Ac. STJ de 21/04/2010, Relatora Isabel Pais Martins, in www.dgsi.pt/jstj e ainda Ac. STJ 23/02/2012, in http://www.dgsi.pt/jstj.pt, Relatora Isabel Pais Martins onde se explica “embora o dinheiro e as dores morais sejam grandezas heterogéneas, a prestação pecuniária a cargo do lesante, além de constituir para este uma sanção adequada, pode contribuir para atenuar, minorar e de algum modo compensar os danos sofridos pelo lesado.
Tendo presentes todos estes elementos e a factualidade apurada acima elencada, da qual resulta evidenciada a perturbação que o corte de energia causou ao A. e sua vivência durante 12 dias, entende-se in casu ser de fixar o quantum indemnizatório em € 5.000,00.
A este valor acrescendo juros de mora desde a citação e até efetivo e integral pagamento, à taxa de juros legal.
Mais resulta da factualidade provada que o A., como consequência do corte operado, viu todos os alimentos que guardava no frigorífico e arca deteriorados – alimentos estes descriminados em 14) e 15) dos factos provados; viu-se obrigado a fazer todas as refeições, bem como do seu agregado familiar, fora de casa - 16) dos factos provados; ainda teve de comprar água para consumo doméstico – 20) dos factos provados.
O valor dos alimentos deteriorados não ficou provado.
Tão pouco ficou provado o valor despendido com as refeições feitas fora de casa.
Tal como o valor despendido com a água para consumo doméstico adquirido.
Embora os danos tenham ficado demonstrados: alimentos deteriorados, refeições fora de casa e aquisição de água, não foi possível apurar a sua quantificação.
Nesta parte impõe-se a condenação da R. ao pagamento do valor que se vier a liquidar no respetivo incidente de liquidação – assim o impõe o disposto no artigo 609º nº 2 do CPC, tendo sempre por limite o valor do pedido formulado pelo autor.
Incidente a tramitar nos termos dos artigos 358º e segs. com vista à liquidação dos danos não apurados, recorrendo-se então e se necessário for como recurso último à equidade (566º nº 3 do C.C.).
Procede assim parcialmente o recurso interposto pelo recorrente.
***
IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso interposto e consequentemente, revogando parcialmente a decisão recorrida, decide-se:
- Condenar a R. “C...” a pagar ao A. a título de indemnização pelo dano não patrimonial a quantia de € 5.000,00, a crescida de juros de mora desde a citação e até integral pagamento à taxa legal.
- Condenar a R. “C...” a pagar ao A. a título de indemnização pelo dano patrimonial a quantia que se vier a liquidar em incidente de liquidação tendo por referência os danos apurados e descritos em 14) a 16) e 20) dos factos provados.
- No mais mantém-se a decisão recorrida.
- Custas pelo recorrente e R. na proporção de 1/3 e 2/3 respetivamente.
Notifique.

Porto, 2019-02-18.
Fátima Andrade
Fernanda Almeida
António Eleutério
______________
[1] Regulamento de Relações Comerciais do Setor Elétrico, alterado já em 2017 pelo Regulamento 632/2017.
[2] Pedido direcionado ao operador de rede a quem incumbe efetuar tais atos - vide em concreto artigo 45º do RQS.
[3] No Regulamento de Qualidade de Serviço (RQS) do Setor Elétrico aprovado em 2013 – RQS 455/2013 -e em vigor à data dos factos, após definição no artigo 3º de: c) Cliente ou consumidor – pessoa singular ou coletiva que compra energia elétrica para consumo próprio, nos termos da definição estabelecida no RRC; d) Comercializador – entidades cuja atividade consiste na compra a grosso e na venda a grosso e a retalho de energia elétrica, em nome próprio ou em representação de terceiros, nos termos estabelecidos na lei; e) Comercializador de último recurso – entidade titular de licença de comercialização sujeita a obrigações de serviço universal, nos termos da lei; u) Operador da rede – entidade titular de concessão ou de licença, ao abrigo da qual é autorizada a exercer a atividade de transporte ou de distribuição de energia elétrica, correspondendo a uma das seguintes entidades cujas funções estão previstas no RRC para Portugal continental: a entidade concessionária da RNT, a entidade concessionária da RND, as entidades concessionárias de redes em BT em Portugal continental, a entidade concessionária do transporte e distribuição da RAA e a entidade concessionária do transporte e distribuidor vinculado da RAM; w) Ponto de entrega – ponto da rede onde se faz a entrega de energia elétrica à instalação do cliente ou a outra rede.”, foram elencados os casos fortuitos ou de força maior no artigo 7º nos seguintes termos:
“Artigo 7.º Casos fortuitos ou de força maior
1 - Para efeitos do presente regulamento, consideram-se casos fortuitos ou de força maior aqueles que reúnam simultaneamente as condições de exterioridade, imprevisibilidade e irresistibilidade face às boas práticas ou regras técnicas aplicáveis e obrigatórias. 2 - Consideram-se casos fortuitos as ocorrências que, não tendo acontecido por circunstâncias naturais, não poderiam ser previstas.
3 - Consideram-se casos de força maior as circunstâncias de um evento natural ou de ação humana que, embora pudesse prevenir-se, não poderia ser evitado, nem em si, nem nas consequências danosas que provoca.”
[4] Artigo 14.º Fornecimento em regime contínuo
1 - Os operadores das redes devem proceder, sempre que possível, de forma a não interromper o fornecimento de energia elétrica.
2 - Nos termos do RRC, o fornecimento de energia elétrica bem como a prestação do serviço de transporte e de distribuição, podem ser interrompidos por: a) Razões de interesse público. b) Razões de serviço. c) Razões de segurança. d) Casos fortuitos ou casos de força maior. e) Facto imputável ao cliente. f) Acordo com o cliente.
Classificando e caraterizando o artigo 16º os diversos tipos de interrupção
[5] No artigo 9.º do RQS é definida a “Partilha de responsabilidades e direito de regresso” nos seguintes termos:
“1 - Os comercializadores e os comercializadores de último recurso respondem pelos diversos aspetos da qualidade de serviço junto dos clientes com quem celebrem um contrato de fornecimento, sem prejuízo da responsabilidade dos operadores das redes com quem estabeleceram contratos de uso das redes e do direito de regresso sobre estes, nos termos estabelecidos no RARI, no RRC, no Artigo 58.º, Artigo 59.º e no Artigo 60.º.
2 - A partilha de responsabilidade entre os diversos intervenientes é feita por acordo entre as partes, devendo, preferencialmente, constar do contrato de uso das redes.”
[6] Não é aqui considerada a afetação do agregado familiar porquanto apenas o A. e a título individual formulou pedido indemnizatório.