Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2586/20.4T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: CRÉDITOS LABORAIS
TRABALHO SUPLEMENTAR
ÓNUS DE PROVA
REGISTOS DE TEMPO DE TRABALHO
REGISTOS DE TRABALHO SUPLEMENTAR
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP202111152586/20.4T8VFR.P1
Data do Acordão: 11/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4.ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Vindo a Autora reclamar créditos laborais alegadamente decorrentes da prestação de trabalho em dia de folga complementar, de não lhe ter sido concedido descanso compensatório e ter prestado trabalhão suplementar, cabia-lhe alegar e fazer prova dos factos necessários para suportar esses alegados direitos (art.º 342.º co CC).
II - A falta ou irregularidade dos registos dos tempos de trabalho ou de trabalho suplementar não consubstancia, só por si, violação do dever de cooperação estabelecido no art.º 417.º do CC, implicando como consequência imediata a inversão do ónus de prova, caso o empregador seja notificado, nos termos do art.º 429.º 1, do CPC, para os apresentar e não satisfaça esse dever por uma daquelas razões.
III - Em primeiro lugar há que indagar perante as circunstâncias do caso concreto e a eventual justificação que for oferecida, se a situação deve ser considerada como recusa de colaboração. Na hipótese de se concluir que houve falta de colaboração, então, respeitando essa falta a quem seja parte na acção, para além da apreciação livre dessa recusa para efeitos probatórios, a norma remete para o estabelecido no art.º 344º, nº 2,do Código Civil, referindo sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do aí preceituado.
IV - A inversão do ónus da prova significa que a parte a quem competia demonstrar os factos que alegou, nos termos das regras sobre a repartição do ónus de prova, deixa de ter esse encargo, passando a recair sobre a parte contrária – que culposamente tornou impossível a prova desses factos - o ónus de provar o facto contrário.
V - De acordo com o estabelecido aquele normativo, são dois os pressupostos para fazer operar a sanção da inversão do ónus de prova:
i) que por acção da parte contrária, a prova de determinada factualidade se tenha tornado impossível;
b) que o comportamento dessa parte (contrária), lhe seja imputável a título culposo.
VI - A dificuldade na produção da prova de um facto não é suficiente para preencher o primeiro dos apontados pressupostos, sendo imprescindível que a prova se tornado impossível
VII - No caso a lei não exige que a demonstração dos factos alegados pela autora só possa fazer-se através do registo dos tempos de trabalho e/ou do registo de trabalho suplementar. A autora não só tinha condições para saber quais foram concretamente os dias em que prestou trabalho em dia de descanso complementar, ou quando devia ter tido descanso compensatório e ao invés trabalhou e, ainda, em que dias e horas prestou trabalho suplementar, como para além disso, a prova dessa factualidade é possível de ser feita através de outros documentos e de prova testemunhal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 2586/20.4T8VFR.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I. RELATÓRIO
I.1 No Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira - B… instaurou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo declarativo comum, a qual veio a ser distribuída ao J2, contra “C… Unipessoal, Ldª, pedindo que seja julgada procedente e, em consequência, se condene a Ré no pagamento dos seguintes créditos laborais:
- horas de trabalho efetivamente prestadas pela A. e não pagas pela R., durante todos os dias da folga complementar que aquela prestou a esta, durante toda a vigência dos CT, excetuando o período de férias gozadas pela A., na quantia de €2.453,84;
- trabalho prestado pela A. à R. em dia de descanso complementar, remunerado a 100%, na quantia de €2.453,84;
- subsídio de alimentação devido à A. pela R., durante aquele trabalho suplementar, na quantia de €397,76;
- folga semanal compensatória durante aquele período que a A. não teve., na quantia de €2.435,84;
- trabalho suplementar e percentagens de trabalho prestado pela A. em período noturno, na quantia de €307,10;
- a diferença verificada entre a remuneração base de €635,00 paga pela R. no ano de 2020 e aquela que deveria ser paga pela R. à A. no mesmo ano de 2020, de €638,00, diferença que corresponde à quantia de €25,00;
- a diferença não paga pela R. à A., a titulo de subsídio de alimentação no período ficcionado de lay off pela R, na quantia de €90,40;
- formação obrigatória não promovida pela R., em todo o período da execução laboral, na quantia de €228,75;
- ilegal compensação efetuada pela R. em sede do subsídio de férias na quantia de €500,00, tudo acrescido de juros vencidos e vincendos à taxa legal em vigor e até integral pagamento;
- indemnização a título de danos não patrimoniais em montante nunca inferior a €5.000,00.
Para tanto, alega, em síntese, que:
- Em 20.09.2018, por contrato de trabalho a termo certo e parcial, a A. foi admitida ao serviço da Ré, como trabalhadora de limpeza e para exercer funções dessa categoria, sob as ordens e direção da Ré, por um período de 25horas semanais; em outubro de 2018, A. e R. revogaram esse contrato e outorgaram um novo contrato de trabalho, a tempo inteiro, cuja cópia não possui por não lhe ter sido entregue duplicado do mesmo pela Ré, contrato esse que cessou em 25.07.2020;
- Ao longo da execução dos contratos, a A. sempre trabalhou no dia da folga complementar, sem que a R. a remunerasse em conformidade, nem lhe deu folga de compensação; e também nunca remunerou a A. com o acréscimo relativo ao trabalho noturno prestado por esta; nem nunca remunerou a A. pelo trabalho suplementar que prestou nos clientes da R, designadamente 43 horas de trabalho suplementar;
- Em Maio de 2020, sem o comunicar aos seus trabalhadores, a Ré recorreu ao lay-off simplificado, funções em 50%, mas continuou a exigir que os seus trabalhadores prestassem 8 horas de trabalho diárias, como aconteceu com a A.;
- no ano de 2020, processou e pagou a remuneração base de €635, quando o CCT previa uma remuneração base de €638;
- A ré descontou à A., no processamento do mês de junho, um valor de €500, a pretexto de adiantamentos que lhe tinha feito, mas que não fez;
- A Ré não ministrou formação profissional;
- A conduta da Ré, ao longo da execução da relação laboral foi sistemática e reiteradamente prejudicial à A., o que lhe provocou um enorme desgosto, ansiedade e pânico de despedimento e por isso a A. decidiu unilateralmente fazer cessar o seu contrato de trabalho. A Ré, já depois da cessação do contrato, tentou chantagear a A. no sentido de a demover de lutar pelos seus direitos, o que lhe provocou enormes constrangimentos, incómodos e nervosismo.
Realizada audiência de partes, não foi possível a sua conciliação.
Regularmente notificada para o efeito, a ré contestou, pedindo a final que a acção seja julgada improcedente, por não provada.
Alega, no essencial, que A. e R. celebraram uma alteração ao primitivo contrato de trabalho a termo certo e tempo parcial. Mais alega que, durante todo o período em que se manteve a relação laboral entre A. e R., a A. sempre teve dificuldades económicas e por isso sempre foi ajudada pela entidade empregadora e, entre essas ajudas, o adiantamento referidos nos artigos 14º, 32º e 33º da p.i., legalmente processado nos termos da alínea f) do nº2 do artigo 279º do CT.
I.2 Findos os articulados foi proferido despacho saneador no qual foi dispensado o despacho previsto no artigo 596º nº 1 do CPC.
Foi, ainda, fixado valor da acção em €13.889,53.
Realizou-se, depois, a audiência de discussão e julgamento.
I.3 Subsequentemente foi proferida sentença, fixando a matéria de facto provada e aplicando o direito aos factos, concluída com o dispositivo seguinte:
- «Pelo exposto, o Tribunal decide julgar parcialmente procedente a presente acção, e consequentemente, condenar a Ré “C…, Unipessoal, Ldª” a pagar à A. B…, as seguintes quantias:
1-a)- A quantia de €25 (vinte e cinco euros), a título de a diferença verificada entre o vencimento base efetivamente pago pela R. no ano de 2020 e aquele que devia ser pago pela R. à A., nos termos do CCT aplicável.
b)- A quantia de €228,75 (duzentos e vinte e oito euros e setenta e cinco cêntimos), a título de formação obrigatória não ministrada pela R., desde setembro de 2018 a julho de
c)- A quantia de €500 (quinhentos euros), pela ilegal compensação efetuada pela R. no processamento e pagamento do subsídio de férias, em junho de 2020.
d)- Sobre tais quantias são devidos juros de mora, contados desde a data do respectivo vencimento e até integral e efectivo pagamento, à taxa legal de 4% (artºs. 804.º, 805.º/2/a) e 3, 806.º/1 e 2, todos do C. Civil).
2) No mais, absolver a Ré dos pedidos.
(..)».
I.4 Inconformada com esta sentença, a Autora interpôs recurso de apelação, o qual foi admitido e fixado o efeito e modo de subida adequados. Apresentou alegações, as quais sintetizou nas conclusões seguintes:
I. Sumariamente, o presente recurso versa sobre as seguintes questões:
a. a não inversão do ónus da prova;
b. o trabalho suplementar não remunerado;
c. a não remuneração parcial do subsídio de alimentação em regime de lay off simplificado
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I.5 A Recorrida Ré contra-alegou, finalizando as alegações nas conclusões seguintes:
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I.6 O Ministério Público teve visto nos autos, nos termos do art.º 87.º3, do CPT, tendo-se pronunciado no sentido de ser rejeitado o recurso ou ser-lhe negado provimento.
I.7 Foram cumpridos os vistos legais e determinada a inscrição do processo para julgamento em conferência.
I.8 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 640.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], as questões colocadas para apreciação pela recorrente consistem em saber se o tribunal a quo errou o julgamento quanto ao seguinte:
Na apreciação da prova, ao não ter considerado provado que:
i) “Ao longo da execução dos CT, a A. sempre trabalhou no dia de folga complementar sem que a R. a remunerasse pelo trabalho prestado em dia de folga complementar, assim como nunca a R. concedeu à recorrente qualquer folga de compensação pela não concessão da sobredita folga complementar” (conclusão VI);
- “Ao longo da execução dos contratos de trabalho nunca a R. remunerou a recorrente pelo trabalho suplementar que esta prestou nos clientes da R., sempre e por vontade desta” (conclusão IX);
- “A recorrente prestou 43 horas de trabalho suplementar entre o dia 23/01/2020 e o dia 07/03/2020, sendo que tais serviços foram desempenhados em dias de folga complementar” (conclusão IX).
ii) Na apreciação da prova, por não ter considerado provado que “a R. não liquidou os créditos laborais relativos à diferença não paga pela R. à recorrente, a titulo de subsídio de alimentação no período de Lay Off pela R, na quantia de €90,40”.
iii) Na aplicação do direito – no pressuposto da alteração da matéria de facto - ao não ter condenado a Ré no pagamento de trabalho suplementar e da não remuneração parcial do subsídio de alimentação em regime de lay off simplificado.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II. MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou o elenco factual que segue:
Os Factos Provados:
Da petição:
1º- A A. foi admitida ao serviço da R., por contrato de trabalho, a termo certo e a tempo parcial, em 20 de Setembro de 2018, com a categoria profissional de trabalhadora de limpeza para, sob a autoridade, direção e fiscalização desta, desempenhar funções dentro da sua categoria profissional por um período de trabalho de 25 horas semanais, nas instalações da Ré à data da outorga do contrato e/ou instalações futuras da Ré, assim como em qualquer outro local onde a primeira outorgante se ache a prestar serviços.
2º- Em outubro de 2018, A. e R. fizeram uma alteração a esse contrato de trabalho, que passou a ser a tempo inteiro, 40 horas semanais.
3º- A R. nunca entregou à A. um duplicado desse contrato.
4º- O contrato de trabalho cessou, por iniciativa da A., em 25/07/2020.
5º- A A. auferia uma remuneração base de €635,00 mensais e subsídio de alimentação no valor de €4,52 por cada dia de trabalho efetivamente prestado, sendo que o trabalho semanal a prestar era de 40 horas semanais prestadas durante cinco dias da semana.
6º- A R. em Abril e Maio de 2020, recorreu ao designado Lay Off Simplificado, enquanto medida excecional e temporária de resposta à pandemia Covid 19, decidindo unilateralmente a R. comunicar à Segurança Social que a A. passaria a desempenhar funções em tal regime a 50%, i.é., lay off parcial.
7º- Naqueles meses de Abril e Maio, a R. fez refletir na base de incidência no cálculo das contribuições, o valor de €317,50 em cada um daqueles dois meses, ou seja, metade da remuneração base de €635,00.
8º- A R. durante todo o período de vigência do contrato de trabalho no ano de 2020, processou à A., a remuneração-base de €635,00.
9º- No dia 23/06/2020 a R. encerrou o processamento da remuneração relativa a junho/2020, conferindo à A. sob o código R30, o Subsídio de Férias vencidas no dia 1 de Janeiro de 2020, relativas ao ano anterior, no valor de €635,00.
10º- A Ré descontou nesse mês de Junho à A., alegando adiantamentos que lhe fez sobre remunerações, o valor de €500,00 e liquida por transferência bancária o remanescente de €65,15.
11º- A R. não diligenciou pela formação contínua à A.
12º- A R. no ano de 2020 e durante a vigência do contrato de trabalho da A, remunerou os seus trabalhadores e a A, com o vencimento base de €635,00 mês.
13º- A Ré processou nos salários dos meses de Abril e Maio de 2020, 50% da remuneração base no valor de €317,50 – vide rubrica R01 do recibo de vencimento de Abril/2020, e igual valor sob as rubricas R92/R93 do recibo de vencimentos de Maio/2020 e €45,20 no mês de Abril/2020 e igual valor no mês de Maio/2020, a título de subsídio de alimentação.
14º- Durante a vigência do CT outorgado entre A e R., esta nunca promoveu a formação contínua da A., pelo que lhe é devido a esse título, o montante de €228,75.
15º- No mês de Junho de 2020, a R. processou o subsídio de férias da A. no valor de €635,00. Porém, a R. sob o código D15 do recibo, efetuou uma compensação a seu favor, sobre o valor de €500,00 que aquela qualifica como “Descontos (adiantamento)“, que a A. não aceita nem reconhece.
16º- A A. constatou no final do mês que a R. efetuou uma transferência bancária para a sua conta no valor de €65,15, ou seja, o remanescente do valor pago pela R. a título de subsídio de férias, depois de descontados os sobreditos €500,00.
17º- A A. decidiu unilateralmente fazer cessar por sua iniciativa um contrato de trabalho que a vinculava à R.
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Da contestação:
18º- A A. foi declarada insolvente no processo nº1587/14.1TBVFR, que correu termos no extinto 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, processo que, por força da reorganização judiciária, atualmente corre termos sob o mesmo número no Juízo do Comércio de Oliveira de Azeméis.
19º- Durante a relação laboral, várias vezes, a Ré ajudou financeiramente a A., emprestando-lhe quantias em dinheiro.
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Mais se provou que:
20º- A A. esteve de baixa médica de 17.07.2020 a 28.07.2020.
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Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a boa decisão da causa, designadamente não se provou que:
- Ao longo da execução dos CT, a A. sempre trabalhou no dia da folga complementar sem que a R. a remunerasse pelo trabalho prestado em dia de folga complementar, assim como nunca a R. concedeu à A. qualquer folga de compensação pela não concessão da sobredita folga complementar;
- Durante a execução dos contratos de trabalho nunca a R. remunerou a A. pelo trabalho suplementar que esta prestou nos clientes da R., sempre e por vontade desta;
- Designadamente 43 horas de trabalho suplementar prestado pela A. à R., entre o dia 23/01/2020 e o dia 07-03-2020, sendo que tais serviços foram desempenhados em dias de folga obrigatória e/ou complementar;
- A A. prestou à Ré o trabalho noturno registado no documento nº3 junto, a que corresponde um crédito a favor daquela no valor de €307,10;
- A R. não comunicou aos seus trabalhadores em geral e em particular à A., que recorreu ao designado Lay Off Simplificado, sendo que desta redução a R. viria a colher apoios financeiros indevidos da Segurança Social, por um lado e, por outro lado, prejudicar a A.;
- A R. durante aquele período de lay off simplificado, continuou a exigir que os seus trabalhadores continuassem a trabalhar pelo menos as 8 normais horas diárias e em alguns casos, trabalho suplementar, como aconteceu com a A.;
- O valor que respeita às horas de trabalho efetivamente prestadas pela A. e não pagas pela R., durante todos os dias da folga complementar que aquela prestou a esta, durante toda a vigência do contrato de trabalho, excetuando o período de férias gozadas pela A., totaliza a quantia de €2.453,84;
- E o correspondente subsídio de alimentação devido à A. pela R. no valor de €397,76;
- O valor correspondente à folga semanal compensatória durante aquele período que a A. não teve é de €2.435,84.
- A A. nunca, em momento algum, solicitou à R. quaisquer adiantamentos à remuneração mensal;
- A R. aproveitando-se da humilde condição de empregada de limpeza da A., sempre a enganou no período da execução dos contratos de trabalho, provocando nesta enorme desgosto, ansiedade, pânico de despedimento, noites mal dormidas e absoluta falta de paz social na empresa;
- A conduta da R. ao longo da execução da relação laboral foi, pelo que antecede, sistemática e reiteradamente prejudicial para a A., da qual resultou acrescido sofrimento e angústias na A. quanto ao seu futuro, dada, por um lado a sua idade e, por outro lado, a atual crise pandémica que o país atravessa, com especial relevância para a elevadíssima taxa de desemprego que se espera e em especial para desempregados com a idade da A.;
- A A. sentiu grande tristeza e uma profunda ofensa por a R. a tentar enganar;
- Após a cessação contratual, a Ré fez à A. diversas tentativas de chantagens no sentido de a demover de lutar pelos seus direitos laborais, o que lhe provocou enormes constrangimentos, incómodos e nervosismo
II.2 IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
A recorrente tribunal insurge-se contra a decisão da matéria de facto, alegando que o Tribunal a quo errou o julgamento ao não ter considerado provado que:
- “Ao longo da execução dos CT, a A. sempre trabalhou no dia de folga complementar sem que a R. a remunerasse pelo trabalho prestado em dia de folga complementar, assim como nunca a R. concedeu à recorrente qualquer folga de compensação pela não concessão da sobredita folga complementar” (conclusão VI);
- “Ao longo da execução dos contratos de trabalho nunca a R. remunerou a recorrente pelo trabalho suplementar que esta prestou nos clientes da R., sempre e por vontade desta” (conclusão IX);
- “A recorrente prestou 43 horas de trabalho suplementar entre o dia 23/01/2020 e o dia 07/03/2020, sendo que tais serviços foram desempenhados em dias de folga complementar” (conclusão IX).
- “a R. não liquidou os créditos laborais relativos à diferença não paga pela R. à recorrente, a titulo de subsídio de alimentação no período de Lay Off pela R, na quantia de €90,40”.
Contrapõe a recorrida que a recorrente não observou os ónus da impugnação relativa à decisão da matéria de facto constantes do artigo 640º do CPC, quer nas conclusões, quer nas alegações, neste caso por se verificar que a matéria de facto não está concreta e individualmente impugnada, antes fazendo-o, incorrectamente, em bloco. Defende que o recurso da matéria de facto deve ser rejeitado.
No mesmo sentido pronunciou-se o Ministério Público no parecer a que alude o art.º 87.º 3, do CPC.
Cabe, pois, começar por dirimir este ponto.
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavas de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222].
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt].
É também entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do STJ, que o recorrente não cumpre o ónus de especificação imposto no art.º 640º, nº 1, al b), do CPC, quando procede a uma mera indicação genérica da prova que, na sua perspetiva, justifica uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal de 1.ª Instância, em relação a um conjunto de factos, sem especificar quais as provas produzidas quanto a cada um dos factos que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, fazendo a apreciação crítica das mesmas. Nesse sentido, acompanhando o entendimento afirmado nos acórdãos do STJ de 20-12-2017 e 5-09-2018 [respectivamente, nos processos n.ºs 299/13.2TTVRL.C1.S2 e 15787/15.8T8PRT.P1.S2, disponíveis em www.dgsi.pt], no mais recente acórdão de 20-02-2019, daquela mesma instância [proc.º 1338/15.8T8PNF.P1.S2, Conselheiro Chambel Mourisco, disponível em www.dgsi.pt)], consignou-se no respectivo sumário o seguinte:
I - O artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil estabelece que se especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso.
II - Não cumpre aquele ónus o apelante que nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, relativamente a cada um dos factos concretos cuja decisão impugna, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos.
Contudo, como também é entendimento do STJ, casos há em que apesar da impugnação da matéria de facto se dirigir a um bloco de factos, ainda assim deverá ser admitida, nomeadamente, quando aqueles respeitem à mesma realidade e os concretos meios de prova indicados sejam comuns a esses factos. Nesse sentido, o recente acórdão do STJ de 19-05-2021 [Proc.º 4925/17.6T8OAZ.P1.S1, Conselheiro Chambel Mourisco], em cujo sumário pode ler-se:
1. A exigência, imposta pelo art.º 640.º, n.º1,al. b), do Código de Processo Civil, de especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registos de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens de gavação em que se funda o recurso.
2. Quando o conjunto de factos impugnados se refere à mesma realidade e os concretos meios de prova indicados pelo recorrente sejam comuns a esses factos, a impugnação dos mesmos em bloco não obstaculiza a perceção que se pretende impugnar, pelo que deve ser admitida a impugnação.
No mesmo sentido pronunciou-se o recente Acórdão de 14-07-2021, do mesmo Tribunal [Proc.º 19035/17.8T8PRT.P1.S1; Conselheiro Júlio Gomes, disponível em .dgsi.pt], lendo-se no respectivo sumário: [III] “ É excessiva a rejeição da impugnação da matéria de facto feita em “blocos” quando tais blocos são constituídos por um pequeno número de factos ligados entre si, tendo o Recorrente indicado com precisão os meios de prova e as formulações alternativas que pretendia ver adotadas”.
A este propósito, Abrantes Geraldes, após observar que a possibilidade de alteração da matéria de facto deixou de ter carácter excepcional, acabando “por ser assumida como uma função normal do Tribunal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra”, logo prossegue advertindo que “Nesta operação foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente“ [Op. cit., p. 123/124].
Por último, cabe ter presente que conforme o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido, quando o recorrente não cumpra o ónus imposto no art.º 640.º do Código de Processo Civil não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento, que está reservado para os recursos da matéria de direito [Cfr. acórdãos de 7-7-2016, processo n.º 220/13.8TTBCL.G1.S1, Conselheiro Gonçalves Rocha; e, de 27-10-2016, processo n.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso; (ambos disponíveis em www.dgsi.pt )].
Atentos estes princípios vejamos se algo obsta à apreciação da impugnação.
No que concerne às conclusões, embora não surja com a clareza e precisão que seria desejável a indicação de quais os factos não provados impugnados, o certo é que delas resulta já com suficiência quais as respostas alternativas que se pretendem sejam consideradas por via da procedência da impugnação, nomeadamente, as que acima se apontaram. Estando determinadas as alterações que se pretendem ver consignadas, embora exigindo uma leitura atenta e cuidada das conclusões e, também, um esforço interpretativo, acaba por se perceber quais os factos não provados que foram indicados pelo Tribunal a quo e que são objecto da impugnação, nomeadamente, os seguintes:
- Ao longo da execução dos CT, a A. sempre trabalhou no dia da folga complementar sem que a R. a remunerasse pelo trabalho prestado em dia de folga complementar, assim como nunca a R. concedeu à A. qualquer folga de compensação pela não concessão da sobredita folga complementar;
- Durante a execução dos contratos de trabalho nunca a R. remunerou a A. pelo trabalho suplementar que esta prestou nos clientes da R., sempre e por vontade desta;
- Designadamente 43 horas de trabalho suplementar prestado pela A. à R., entre o dia 23/01/2020 e o dia 07-03-2020, sendo que tais serviços foram desempenhados em dias de folga obrigatória e/ou complementar;
- A R. não comunicou aos seus trabalhadores em geral e em particular à A., que recorreu ao designado Lay Off Simplificado, (..).;
- A R. durante aquele período de lay off simplificado, continuou a exigir que os seus trabalhadores continuassem a trabalhar pelo menos as 8 normais horas diárias e em alguns casos, trabalho suplementar, como aconteceu com a A.
Entende-se, pois, que as conclusões cumprem pelos mínimos o que se entende exigível.
Quanto aos demais ónus, é verdade que a autora não cuidou de atacar individualmente cada um dos factos não provados. Porém, os dois grupos respeitam a duas realidades que são identificáveis, em concreto o alegado trabalho suplementar decorrente de prestação de trabalho em dias complementar de descanso e a alegada prestação de 8 horas de trabalho durante o período de trabalho simplificado e a alegada não comunicação do recurso a Lay Off Simplificado.
Acresce dizer que em qualquer caso o fundamento para sustentar a alteração não passa pela indicação de meios de prova. Para a matéria relativa ao trabalho suplementar, a recorrente vem defender que o Tribunal a quo erro ao não os considerar provados por efeito de inversão do ónus de provado, violando o n.º 2 do art.º 344.º do C.C; quando ao segundo, alega que foi violado o art.º 4.º 2, do DL n.º 10-G/2020, de 26 de Março [estabelece medidas excecionais e temporárias, definindo e regulamentando os termos e as condições de atribuição dos apoios destinados aos trabalhadores e às empresas afetados pela pandemia da COVID-19].
Por último, deve ainda assinalar-se que a recorrente formula juízos críticos visando justificar as alterações pretendidas.
Conclui-se, pois, que foram cumpridos os ónus de impugnação, não havendo razões para rejeitar a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
II.2.1 Como referimos acima, defende a recorrente que o Tribunal a quo errou ao considerar não provado o seguinte:
- Ao longo da execução dos CT, a A. sempre trabalhou no dia da folga complementar sem que a R. a remunerasse pelo trabalho prestado em dia de folga complementar, assim como nunca a R. concedeu à A. qualquer folga de compensação pela não concessão da sobredita folga complementar;
- Durante a execução dos contratos de trabalho nunca a R. remunerou a A. pelo trabalho suplementar que esta prestou nos clientes da R., sempre e por vontade desta;
- Designadamente 43 horas de trabalho suplementar prestado pela A. à R., entre o dia 23/01/2020 e o dia 07-03-2020, sendo que tais serviços foram desempenhados em dias de folga obrigatória e/ou complementar.
E, pretende que se considere provado o que segue:
- “Ao longo da execução dos CT, a A. sempre trabalhou no dia de folga complementar sem que a R. a remunerasse pelo trabalho prestado em dia de folga complementar, assim como nunca a R. concedeu à recorrente qualquer folga de compensação pela não concessão da sobredita folga complementar” (conclusão VI);
- “Ao longo da execução dos contratos de trabalho nunca a R. remunerou a recorrente pelo trabalho suplementar que esta prestou nos clientes da R., sempre e por vontade desta” (conclusão IX);
- “A recorrente prestou 43 horas de trabalho suplementar entre o dia 23/01/2020 e o dia 07/03/2020, sendo que tais serviços foram desempenhados em dias de folga complementar” (conclusão IX).
O tribunal a quo justificou a sua convicção quanto à decisão sobre a matéria de facto em extensa fundamentação, fazendo referência minuciosa a todos os meios de prova, designadamente ao que resultou das declarações de parte e dos testemunhos, mas dela relevando agora os extractos seguintes:
-«[…]
A restante prova produzida, designadamente a prova testemunhal e por declarações produzida em audiência, não permitiu minimamente demonstrar, com o grau de certeza que se exige, que a A. tivesse prestado trabalho em folga complementar, que não lhe tivesse sido pago, ou que nunca tivesse gozado folga de compensação; nem que A. tivesse prestado trabalho noturno no ano de 2020, nem que tivesse prestado trabalho suplementar que não lhe foi pago, nem que tivesse trabalhado 8 horas por dia no período de lay-off. E era à A. que competia tal ónus de prova, porquanto como já se deixou consignado no despacho proferido em audiência do dia 9 de dezembro de 2020, documentado na respetiva ata, os registos dos tempos de trabalho foram juntos pela Ré a fls. 37 e ss, não existindo qualquer razão para aplicar a disciplina prevista no nº2 do artigo 417º do CPC respeitante à inversão do ónus da prova, (como infra melhor se explicitará a propósito da falta de junção de registos de trabalho suplementar prestado).
Nenhuma das testemunhas indicadas pela A. e nem a própria A., fizeram referência a dias concretos, meses, anos em que tal trabalho tivesse sido prestado, sendo certo que o documento apresentado pela A. a fls. 13 verso, que apelida de registo dos tempos de trabalho, foi expressamente impugnado pela Ré quanto ao seu teor e o mesmo não foi confirmado por quem quer que fosse (a não ser a própria A. que o preencheu em folha que ninguém reconheceu sequer como sendo a folha de registo utilizada na empresa).
Aliás, convém desde já deixar consignado que a A., nas suas declarações, afirmou sem qualquer hesitação que, até dezembro de 2019, tudo lhe foi pago pela Ré e que os seus alegados créditos só existem a partir de janeiro de 2020.
Acresce ainda que os registos dos tempos de trabalho juntos pela Ré a fls. 37 a 49, que a A. considerou impugnados por não terem as características dos nºs 1 a 3 do artigo 202º do CT - sem que tivesse referido quais -, mas cujo teor não impugnou expressamente, documentam folgas semanais, não documentando trabalho noturno no ano de 2020. E dos registos juntos pela empresa D… apenas é possível concluir os períodos em que a A. ali trabalhou, sem que permitam demonstrar que tais períodos não lhe foram pagos ou que não gozou as folgas semanais a que tinha direito pelo trabalho prestado ao sábado de manhã, designadamente no ano de 2020, já que até aí é a própria A. a afirmar que tudo lhe foi pago. A título exemplificativo, verifica-se e regista-se que, no mês de novembro de 2018 (fls. 39), verifica-se que a A. trabalhou no sábado de manhã, dia 3 e folgou na segunda-feira à tarde (dia 5); nos sábados subsequentes 10, 17 e 24 não trabalhou. Em fevereiro e 2019 (fls. 40 verso e registos a D… a fls. 50 verso), a A, trabalhou no dia 2, sábado e manhã e folgou na segunda feira, dia 4, de manhã. No dia 1 de junho de 2019, a A. trabalhou esse sábado de manhã e folgou dia 3 de junho (segunda) de manhã, como resulta de fls. 42 verso e 50 verso. Em janeiro de 2020, trabalhou no sábado de manhã, dia 25 de janeiro (fls. 46 e 51) e folgou no dia 29 de janeiro à tarde.
Foram ainda valorados os depoimentos das testemunhas.
[…]
*
Quanto aos factos dados como não provados, não foi produzida prova que lograsse convencer o tribunal, com o grau de certeza que se exige ou apurou-se realidade diversa, nos termos já supra expostos.
Em primeiro lugar, regista-se que, no que respeita a horas prestadas para além do horário de trabalho da A., é a própria A. a afirmar nas suas declarações de parte, que até dezembro de 2019, tudo lhe foi pago a esse título. E era à A. que competia a alegação e a prova dos factos constitutivos do seu direito, designadamente depois dessa data, nos termos do artigo 342º, nº1, do C.Civil. É certo que, a A. veio invocar que, como a Ré não juntou os registos desse trabalho suplementar, registos esses que são obrigatórios, e por isso inverteu-se o ónus da prova, nos termos do artigo 417º, nº2, do CPC. Não cremos, contudo, que lhe assista razão nessa argumentação.
Não tendo a Ré cumprido a sua obrigação legal sobre o registo obrigatório do trabalho suplementar, prevista no artigo 231º do CTrabalho, como temos de concluir da prova produzida que não cumpriu, pois que devia existir um registo obrigatório do trabalho prestado para além do horário (e não há dúvidas que a A., ao longo da sua relação laboral, prestou esse trabalho suplementar, facto que foi confirmado não só pela A., mas pela supervisora da Ré), daí não decorre automaticamente, como pretende a A. uma inversão do ónus da prova.
O artigo 231º do CT, sob a epígrafe registo de trabalho suplementar, estabelece que: 1 - O empregador deve ter um registo de trabalho suplementar em que, antes do início da prestação de trabalho suplementar e logo após o seu termo, são anotadas as horas em que cada uma das situações ocorre. 2 - O trabalhador deve visar o registo a que se refere o número anterior, quando não seja por si efectuado, imediatamente a seguir à prestação de trabalho suplementar. 3 - O trabalhador que realize trabalho suplementar no exterior da empresa deve visar o registo, imediatamente após o seu regresso à empresa ou mediante envio do mesmo devidamente visado, devendo em qualquer caso a empresa dispor do registo visado no prazo de 15 dias a contar da prestação. 4 - Do registo devem constar a indicação expressa do fundamento da prestação de trabalho suplementar e os períodos de descanso compensatório gozados pelo trabalhador, além de outros elementos indicados no respectivo modelo, aprovado por portaria do ministro responsável pela área laboral. 5 - A violação do disposto nos números anteriores confere ao trabalhador, por cada dia em que tenha prestado actividade fora do horário de trabalho, o direito a retribuição correspondente a duas horas de trabalho suplementar. 6 - O registo de trabalho suplementar é efectuado em suporte documental adequado, nomeadamente impressos adaptados ao sistema de controlo de assiduidade existente na empresa, que permita a sua consulta e impressão imediatas, devendo estar permanentemente actualizado, sem emendas ou rasuras não ressalvadas. 7 - O empregador deve comunicar, nos termos previstos em portaria do ministro responsável pela área laboral, ao serviço com competência inspectiva do ministério responsável pela área laboral a relação nominal dos trabalhadores que prestaram trabalho suplementar durante o ano civil anterior, com discriminação do número de horas prestadas ao abrigo dos n.os 1 ou 2 do artigo 227.º, visada pela comissão de trabalhadores ou, na sua falta, em caso de trabalhador filiado, pelo respectivo sindicato. 8 - O empregador deve manter durante cinco anos relação nominal dos trabalhadores que efectuaram trabalho suplementar, com discriminação do número de horas prestadas ao abrigo dos n.os 1 e 2 do artigo 228.º e indicação dos dias de gozo dos correspondentes descansos compensatórios. 9 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.os 1, 2, 4 ou 7 e constitui contra-ordenação leve a violação do disposto no n.º 8.
Em primeiro lugar, nem sequer cremos que tenha aqui aplicação a disciplina prevista no artigo 417º, nº2, do CPC, isto porque, na sequência do despacho proferido em audiência, a Ré veio esclarecer que não possui quaisquer outros registos para além dos que já tinha juntado e é essa a razão para os não juntar, pelo que, não pode concluir-se que existe da parte da Ré qualquer violação do dever de colaboração injustificado.
Por outro lado, o nº5 do citado artigo 231º do CT, prevê como sanção para o incumprimento das regras, que o trabalhador por cada dia que tenha desempenhado a sua atividade fora do horário de trabalho, adquire o direito à retribuição correspondente ao valor de duas horas de trabalho suplementar
Daí que, o que pode equacionar-se, a nosso ver, é saber se existe fundamento para a inversão do ónus da prova, ao abrigo do estipulado no artigo 344º, nº2 do Código Civil, que prevê que “Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado (…)”.
O artigo 231º do Código do Trabalho determina que o empregador proceda ao registo do trabalho suplementar. Com isso, visa-se, por um lado, permitir o controlo por parte das entidades públicas competentes e, por outro, facilita-se ao trabalhador a prova da prestação de trabalho suplementar.
Mas esta omissão não determina automaticamente a inversão do ónus da prova da prestação de trabalho suplementar.
A inversão do ónus da prova exige que a prova de determinada factualidade se tenha tornado impossível de fazer, por ação ou, neste caso, omissão culposa da parte contrária. Nada disso sucede nos autos, pois que se a A. alega que trabalhou para além do seu horário, tem de saber em que dias e meses o fez, podendo produzir prova testemunhal, documental e mesmo por declarações/depoimento de parte desse facto, o que manifestamente não fez, desde logo porque nem sequer alegou em que concretos dias prestou trabalho para além do seu horário de trabalho.
Daí que, consideramos neste enquadramento que, a falta de registo do trabalho suplementar prestado pela trabalhadora não determina a inversão do ónus da prova quanto ao número de horas prestado, por referência a concretos dias, competindo à A. fazer prova desse facto, que não logrou efetuar.- cfr. neste sentido Ac. STJ de 19.11.2008, 11.07.2012, in www.dgsi.pt. Relativamente a horas prestadas a mais pela A., de janeiro a julho de 2020 e que não lhe tivessem sido pagas, não foi feita prova segura nesse sentido, nem mesmo a A. foi capaz de indicar os dias, horas em que prestou trabalho para além do seu horário e que não lhe tivessem sido pagas.
Além disso, o CT previu expressamente as consequências da violação de registo, fazendo-o apenas nos termos previstos no nº5 do artigo 231º do CT e não já em termos de inversão do ónus da prova.
Como refere Pedro Romano Martinez, in Código do Trabalho Anotado, 4ª edição, 2005, Almedina, pág. 392, (em anotação ao nº7 do artigo 204º do CT de 2003, mas cujas considerações são aplicáveis ao nº5 do artigo 231º do CT), “V. O nº7 deste artigo prevê a sanção para o incumprimento das regras de registo previstas nos nºs 1 a 4. Entende-se que esta sanção visa impedir que a inobservância daquelas regras redunde em prejuízo para o trabalhador que, onerado com o correspondente encargo probatório, não logra demonstrar os momentos concretos em que prestou trabalho suplementar, designadamente porque o registo obrigatório não existe ou se encontra incorretamente preenchido.
Assim sendo, a estatuição da norma não será de aplicar quando não obstante a violação das regras de registo, o trabalhador consegue fazer prova do momento e da duração do trabalho suplementar, ainda que esta duração seja inferior a duas horas.
No fundo, o conteúdo da norma perde a aparência de comando sancionatório, aproximando-se mais da ideia de presunção ilidível: sempre que o trabalhador demonstre que trabalhou fora do horário e os dias em que o fez, presume-se que o terá feito durante duas horas. Receberá, então, o acréscimo remuneratório correspondente ao dia da semana em que o trabalho terá sido prestado”.
No caso, não é aplicável o artigo 344º, nº2, do C.Civil, desde logo porque a A. não fez prova da impossibilidade de prova do trabalho suplementar por outra via, designadamente prova testemunhal.
E o mesmo se aplica ao registo a que alude o artigo 202º do Código do Trabalho; o facto de a A. entender que esses registos juntos pela Ré não têm as características previstas nos nºs 1 a 3 desse preceito, não equivale a dizer que tais registos não existam e sobretudo que possa prevalecer-se de qualquer inversão do ónus da prova no que a essa factualidade respeita, competindo-lhe alegar e demonstrar os dias em que prestou trabalho noturno, em que prestou trabalho em dias de folga complementar ou obrigatória, o que não fez. Muito menos se demonstrou que não tivesse folgado, quando trabalhou ao sábado (sendo certo que a A. nem sequer alegou que sábados de 2020 trabalhou) e o ónus de alegação desse facto só a ela competia.
Alega a recorrente, no essencial, que requereu ao Tribunal a quo que nos termos do art.º 429.º do CPC, fosse notificada a R. para juntar ao processo todos os registos de tempo de trabalho da recorrente durante todo o período da relação laboral com a R., ou seja, os, registos referenciados nos nºs1, 2 e 3 do art.º 202.º do Código de Trabalho, assim como para juntar também, os registos do trabalho suplementar prestado pela recorrente à Ré, registos a que se refere o art.º 231.º do Código do Trabalho. A R. juntou 18 documentos, que foram objecto de impugnação, a que se refere o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do CPC pela recorrente por os qualificar de falsos.
Mais refere, que o tribunal a quo na sentença entendeu não haver lugar à inversão do ónus da prova invocada e requerida pela recorrente nos termos do n.º 2 do art.º 344.º do C.C., por considerar que a R. cumpriu com o dever de cooperação para a descoberta da verdade material, nos termos do disposto nos nºs 1 e 2 do art.º 417.º do CPC.
Defende que não foi cumprido aquele ónus de cooperação pela R., uma vez que esta falseou e remeteu ao tribunal a quo os registos de tempo de trabalho da recorrente que não correspondem, e tendo-os o tribunal a quo considerados válidos e aceites, ainda que sem a observância dos requisitos impostos pelos n.ºs 1 a 3 do art.º 202.º do Código do Trabalho, violou o tribunal a quo o disposto nos nºs 1 e 2 do art.º 417.º do CPC, nos n.ºs 1 a 3 do art.º 202.º do Código do Trabalho e n.º 2 do art.º 344.º do Código Civil, impondo-se a alteração por este Tribunal ad quem” (..) reconhecendo justificada a inversão do ónus da prova” e consequentemente a alteração de facto no sentido pretendido.
Diremos, desde já, que concordamos, em geral, com a argumentação constante da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, afigurando-se-nos que faz a correcta interpretação e aplicação dos normativos que a recorrente autora alega terem sido violados e, logo, que ajuizou bem ao entender não haver lugar à inversão do ónus de prova. Passamos a justificar esta asserção.
De acordo com as regras de repartição do ónus de prova, como princípio, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” [art.º 342.º n.º1, do CC].
Vindo a Autora reclamar créditos laborais alegadamente decorrentes da prestação de trabalho em dia de folga complementar, de não lhe ter sido concedido descanso compensatório e ter prestado trabalhão suplementar, cabia-lhe alegar e fazer prova dos factos necessários para suportar esses alegados direitos.
Nos termos do artigo 202.º do CT, [1] O empregador deve manter o registo dos tempos de trabalho, incluindo dos trabalhadores que estão isentos de horário de trabalho, em local acessível e por forma que permita a sua consulta imediata”, o qual [2] “(..)deve conter a indicação das horas de início e de termo do tempo de trabalho, bem como das interrupções ou intervalos que nele não se compreendam, por forma a permitir apurar o número de horas de trabalho prestadas por trabalhador, por dia e por semana, (..)”.
Parafraseando Júlio Gomes, o “registo dos tempos de trabalho” destina-se a “(…) permitir o controlo do respeito dos condicionalismos legais nesta matéria” [Direito do Trabalho - Relações Individuais de Trabalho, Vol. I, Coimbra Editora, 2007, p. 666].
A falta ou irregularidade dos registos de tempo de trabalho faz incorrer o empregador em ilícito contra-ordenacional, como decorre do n.º5, do aludido artigo : “Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto neste artigo”.
Por seu turno, no que aqui releva, de acordo com o disposto no artigo 231.º, [1] “O empregador deve ter um registo de trabalho suplementar em que, antes do início da prestação de trabalho suplementar e logo após o seu termo, são anotadas as horas em que cada uma das situações ocorre”, o qual deve ser visado pelo trabalhador [n.º2] “quando não seja por si efectuado, imediatamente a seguir à prestação de trabalho suplementar”. A falta de registo do trabalho suplementar nos termos estabelecidos no artigo, constitui contra-ordenação grave (n.º 9) e [5] “(…) confere ao trabalhador, por cada dia em que tenha prestado a actividade fora do horário de trabalho, o direito a retribuição correspondente a duas horas de trabalho suplementar
Diga-se, desde já, que a falta ou irregularidade dos registos dos tempos de trabalho ou de trabalho suplementar não consubstancia, só por si, violação do dever de cooperação estabelecido no art.º 417.º do CC, implicando como consequência imediata a inversão do ónus de prova, caso o empregador seja notificado, nos termos do art.º 429.º 1, do CPC, para os apresentar e não satisfaça esse dever por uma daquelas razões.
Com efeito, nos termos do art.º 430.º do CPC, “[S]e o notificado não apresentar o documento, é-lhe aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 417.º.”. Por seu turno, o n.º2, do art.º 417.º estabelece que “Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no nº 2 do artigo 344º do Código Civil”.
Assim, em primeiro lugar há que indagar perante as circunstâncias do caso concreto e a eventual justificação que for oferecida, se a situação deve ser considerada como recusa de colaboração. Na hipótese de se concluir que houve falta de colaboração, então, respeitando essa falta a quem seja parte na acção, para além da apreciação livre dessa recusa para efeitos probatórios, a norma remete para o estabelecido no art.º 344º, nº 2,do Código Civil, referindo sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do aí preceituado.
Vale isto por dizer, que para a parte ser sancionada com a inversão do ónus de prova é necessário que se verifiquem os pressupostos estabelecidos no art.º 344.º 2, do CC, dispondo a norma o seguinte: “[..] inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, [..]”.
A inversão do ónus da prova significa que a parte a quem competia demonstrar os factos que alegou, nos termos das regras sobre a repartição do ónus de prova, deixa de ter esse encargo, passando a recair sobre a parte contrária – que culposamente tornou impossível a prova desses factos - o ónus de provar o facto contrário.
De acordo com o estabelecido aquele normativo, são dois os pressupostos para fazer operar a sanção da inversão do ónus de prova:
i) que por acção da parte contrária, a prova de determinada factualidade se tenha tornado impossível;
b) que o comportamento dessa parte (contrária), lhe seja imputável a título culposo.
Assim, como observa o Ac. do STJ de 21-04-2016 [proc.º 64/10.0TTLSB.L1.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso, disponível em www.dgsi.pt], “Não basta pois que a parte recuse ou não justifique a falta de colaboração. É ainda necessário que essa falta de colaboração tenha tornado impossível a prova do facto ao onerado com essa prova, [….] e que esse comportamento tenha sido culposo”.
A dificuldade na produção da prova de um facto não é suficiente para preencher o primeiro dos apontados pressupostos, sendo imprescindível que a prova se “tornado impossível”. Como assinala o acórdão da Relação de Évora, de 25-05-2017 [Proc.º 1216/15.0T8TMR.E2, Desembargador João Luís Nunes, disponível em www.dgsi.pt], é entendimento reafirmado pela jurisprudência, nomeadamente do STJ [p.ex. nos acórdãos 04.07.02, Proc.º n.º 1411/02; de 26-02-03, Revista n.º 2084/02; e, de 12-01-2006, Recurso n.º 2655/05] «(..) e pela doutrina [entre outros, Manuel de Andrade (obra citada, pág. 203), de acordo com o qual a dificuldade da prova de um facto não altera a repartição do ónus das prova, e Vaz Serra (RLJ 106-315), que considera haver inversão do ónus da prova quando “...a prova não for possível ou for extremamente difícil àquele que, segundo as regras do artigo 342.º, teria de a fazer (...)”], só a impossibilidade de prova dos factos pela parte com ela onerada, determina a sua inversão, nos termos do art.º 344, n.º 2, do CC».
No caso a lei não exige que a demonstração dos factos alegados pela autora só possa fazer-se através do registo dos tempos de trabalho e/ou do registo de trabalho suplementar. A autora não só tinha condições para saber quais foram concretamente os dias em que prestou trabalho em dia de descanso complementar, ou quando devia ter tido descanso compensatório e ao invés trabalhou e, ainda, em que dias e horas prestou trabalho suplementar, como para além disso, a prova dessa factualidade é possível de ser feita através de outros documentos e de prova testemunhal.
De resto, como se refere na fundamentação, a autora apresentou o documento de fls. 13 verso, que apelidou de registo dos tempos de trabalho, prestou declarações de parte, arrolou testemunhas para a prova dos factos que alegou e foram juntos registos pela empresa D…, local onde prestou trabalho.
Acontece, como refere o tribunal a quo, que aquele documento, “não foi confirmado por quem quer que fosse (a não ser a própria A. que o preencheu em folha que ninguém reconheceu sequer como sendo a folha de registo utilizada na empresa); que “a A., nas suas declarações, afirmou sem qualquer hesitação que, até dezembro de 2019, tudo lhe foi pago pela Ré e que os seus alegados créditos só existem a partir de janeiro de 2020”; que “ dos registos juntos pela empresa D… apenas é possível concluir os períodos em que a A. ali trabalhou, sem que permitam demonstrar que tais períodos não lhe foram pagos ou que não gozou as folgas semanais a que tinha direito pelo trabalho prestado ao sábado de manhã, designadamente no ano de 2020, já que até aí é a própria A. a afirmar que tudo lhe foi pago”: e, que a “ prova testemunhal e por declarações produzida em audiência, não permitiu minimamente demonstrar, com o grau de certeza que se exige, que a A. tivesse prestado trabalho em folga complementar, que não lhe tivesse sido pago, ou que nunca tivesse gozado folga de compensação; nem que A. tivesse prestado trabalho noturno no ano de 2020, nem que tivesse prestado trabalho suplementar que não lhe foi pago”.
Por conseguinte, o que houve foi dificuldade na prova dos factos alegados e não impossibilidade de prova por conduta culposa da Ré.
Ora, como elucida o Acórdão desta Relação de 20-06-2016 [Proc.º 335/15.8T8AVR.P1, Desembargadora Paula Leal de Carvalho, disponível em www.dgsi.pt] “O que as regras relativas à repartição do ónus da prova significam, em termos de decisão da matéria de facto, é que a dúvida sobre a realidade de um facto deve ser decidida contra a parte a quem o facto aproveita (art. 414º do CPC/2013). E significam também, em termos de decisão de direito, que, perante a falta de prova de determinado facto, a causa deve ser julgada, conforme for de direito, contra a parte que estava onerada com a prova do facto correspondente”.
Concluindo, nesta parte improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
II.2.2 Como ficou explicado, a recorrente discorda ainda da decisão sobre a matéria de facto, em razão do Tribunal a quo ter considerado não provado o seguinte:
- A R. não comunicou aos seus trabalhadores em geral e em particular à A., que recorreu ao designado Lay Off Simplificado, (..).;
- A R. durante aquele período de lay off simplificado, continuou a exigir que os seus trabalhadores continuassem a trabalhar pelo menos as 8 normais horas diárias e em alguns casos, trabalho suplementar, como aconteceu com a A..
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, a propósito desta factualidade lê-se o seguinte:
[..]
A restante prova produzida, designadamente a prova testemunhal e por declarações produzida em audiência, não permitiu minimamente demonstrar, com o grau de certeza que se exige, que a A. tivesse [..] tivesse trabalhado 8 horas por dia no período de lay-off.
[..]
Desta prova testemunhal produzida, indicada pela A., não é possível dar como provado [.. ] sequer que tivesse continuado a trabalhar 8 horas por dia, durante o período em que a empresa recorreu a lay-off.
[..]
Quanto às declarações/depoimento de parte, os mesmos foram valoradas com muitas reservas, pois que é evidente a forma parcial como, o mais das vezes, depuseram. Daí que mereceram a credibilidade do tribunal, quando confirmados por outros elementos de prova ou importem confissão.
Quanto ao depoimento de parte da legal representante da Ré, E…, o mesmo foi desde logo valorado na parte em que se traduziu na confissão de factos, como resulta da assentada lavrada na ata da audiência de 09.12.2020, a fls. 58.
[…]
Confirma que teve de recorrer ao lay-off de 50%, em abril, maio e junho, referindo que alguns seus clientes fecharam, tendo falado pessoalmente com os trabalhadores e feito uma carta a comunicar-lhes isso mesmo, carta que a A. lhe disse que não precisava de lhe enviar. Os trabalhadores abrangidos passaram a trabalhar ou só de manhã, ou só de tarde e se fizessem o dia todo folgavam depois um dia (factos que as testemunhas F…, G… e H… confirmaram, pelo que, existindo tal corroboração, o seu depoimento neste particular logrou convencer).
[..]
Quanto ao período de lay-off, a A. refere ter trabalhado todos os dias, 8 horas por dia e até mais, afirmando não ser verdade que tenha trabalhado apenas em tempo parcial; porém, os registos da D… (onde refere ter trabalhado), juntos a fls. 50 a 51 não permitem confirmar tais declarações, porquanto nesses meses (março, abril, maio e junho), por exemplo no mês de março apenas trabalhou 5 dias, 6 dias em abril, maio apenas aí trabalhou 6 dias e em junho apenas 3 dias.
[…]
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Quanto aos factos dados como não provados, não foi produzida prova que lograsse convencer o tribunal, com o grau de certeza que se exige ou apurou-se realidade diversa, nos termos já supra expostos.
[…]
Quanto à questão do lay-off, a prova produzida, analisada no seu conjunto, não permite concluir que a Ré, apesar de ter recorrido ao lay-off parcial, tenha mantido os seus trabalhadores a trabalhar a tempo inteiro, designadamente a A., não tendo sido feita qualquer prova segura a esse propósito e também não se demonstrou com segurança que não o tenha comunicado aos trabalhadores (vários trabalhadores referiram em tribunal que existiu uma reunião onde tal lhes foi comunicado). E nem sequer se alcança o fundamento para que a Ré fosse esconder dos trabalhadores o facto de ter recorrido à medida de lay-off, já que os mesmos inevitavelmente dela se iriam aperceber no momento do pagamento da retribuição e entrega do recibo.
[..].
Defende a recorrente, que, “considerando que o tribunal a quo concluiu por não provado que a R. não comunicou aos seus trabalhadores em geral e em particular à recorrente que recorreu ao designado Lay Off Simplificado, ignorando e violando o disposto no n.º do do art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 26 de março, impõe-se ao Venerando Tribunal ad quem que, constatado e provado o facto da R. não ter comunicado por escrito aos seus trabalhadores, destarte à recorrente de que a partir de 01 de abril de 2020 a empresa R. iria entrar a 50% naquele regime, provada está a inobservância do legalmente exigido à R. e em consequência, considerar nulo todo o processado sob esse regime e dar como provado que a R. não liquidou os créditos laborais relativos à diferença não paga pela R. à recorrente, a titulo de subsídio de alimentação no período de Lay Off pela R, na quantia de €90,40 peticionada na p.i. [Conclusão XVI].
Decorre da sua posição, que o fundamento invocado pela recorrente para sustentar a pretendida alteração é a alegada violação do art.º 4.º2, do DL.º 10-G/2020, de 26 de Março, diploma que, como enuncia o art.º 1.º, estabelece medidas excecionais e temporárias, definindo e regulamentando os termos e as condições de atribuição dos apoios destinados aos trabalhadores e às empresas afetados pela pandemia da COVID-19, tendo em vista a manutenção dos postos de trabalho e a mitigação de situações de crise empresarial.
A norma alegadamente violada estabelece o seguinte: “Para efeitos de aplicação do previsto nas alínea a) do número anterior, o empregador comunica, por escrito, aos trabalhadores a respetiva decisão, indicando a duração previsível, ouvidos os delegados sindicais e comissões de trabalhadores, quando existam, e remetendo de imediato requerimento eletrónico ao serviço competente da área da segurança social acompanhado de declaração do empregador contendo a descrição sumária da situação de crise empresarial que o afeta e, nos casos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º, de certidão do contabilista certificado da empresa que o ateste, bem como da listagem nominativa dos trabalhadores abrangidos e respetivo número de segurança social”.
Por seu turno, o n.º1 al. a), do mesmo artigo, estabelece que [1] Em situação de crise empresarial, nos termos previstos no artigo anterior, o empregador tem direito a:[a)] Apoio extraordinário à manutenção de contrato de trabalho, com ou sem formação, em caso de redução temporária do período normal de trabalho ou da suspensão do contrato de trabalho, nos termos dos artigos 298.º e seguintes do Código do Trabalho”
Salvo o devido respeito, não logramos perceber qual o raciocínio lógico da recorrente para pretender sustentar que a alegada violação daquele normativo, nomeadamente, por alegada omissão da comunicação por escrito da decisão da Ré recorrer ao regime temporário previsto no diploma, visando obter apoio extraordinário em virtude da redução do período normal de trabalho, seja susceptível de implicar a prova, por mero efeito do incumprimento daquele formalidade, do facto alegado e que foi ulgado não provado, ou seja, que “A R. durante aquele período de lay off simplificado, continuou a exigir que os seus trabalhadores continuassem a trabalhar pelo menos as 8 normais horas diárias […]»; e, muito menos, como agora pretende a recorrente, passar a dar-se como provado que “a R. não liquidou os créditos laborais relativos à diferença não paga pela R. à recorrente, a titulo de subsídio de alimentação no período de Lay Off pela R, na quantia de €90,40 peticionada na p.i..”.
Sempre com o devido respeito, o argumento não tem qualquer fundamento legal e assenta numa construção à margem das regras elementares da lógica. Dito em poucas palavras, mesmo que a Ré não tenha feito a comunicação “por escrito”, não é essa falta de observância da forma indicada pela lei que prova que ela ou qualquer outra trabalhadora continuou a cumprir o horário normal, ao invés de praticar a redução de horário, nem tão pouco se foram, ou não, liquidados créditos laborais a título de subsídio de refeição.
Nos termos das regras gerais sobre a repartição da prova, sobre a autora recaía o ónus de demonstrar os factos que alegou (art.º 342.º1, CC).
Ora, como decorre com clareza e devidamente justificado da fundamentação do Tribunal a quo acontece é qua a A., pese embora a prova que arrolou, não logrou demostrar aquelas alegações.
Assim, improcede também esta parte da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
II.3 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
A recorrente discorda da sentença por alegado erro de julgamento na aplicação do direito aos factos, pretendendo a sua alteração, mas partindo do pressuposto de ver alterada a matéria de facto no sentido que veio defender.
Assim, tendo improcedido a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, necessariamente improcede a alteração da decisão na aplicação do direito aos factos provados e, logo, sucumbe o recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.

As custas do recurso são da responsabilidade da autora, atento o decaimento (art.º 527.º CPC).

Porto, 15 de Novembro de 2021
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira