Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9667/18.2T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
DISSOLUÇÃO
PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
Nº do Documento: RP202011099667/18.2T8VNG.P1
Data do Acordão: 11/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A dissolução de uma sociedade comercial, prevista nos artigos 141º a 145º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), opera a modificação da situação da sociedade provida de personalidade jurídica, sendo um pressuposto para a extinção da sociedade e a primeira fase do processo que conduz a essa extinção.
II - Uma das hipóteses legalmente prevista de dissolução da Sociedade é a dissolução administrativa, a qual nos termos do disposto no artigo 144º do CSC é regulada em diploma próprio, designadamente no Regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais (RJPADLEC), aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março - artigos 4º a 14º.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO Nº 9667/18.2T8VNG.P1
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Comarca do Porto- Juízo de comércio de Vila Nova de Gaia – J2
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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.
I. RELATÓRIO.
Recorrente(s): - B…;
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Veio B… impugnar judicialmente a decisão do Exmo. Senhor Conservador Auxiliar do Registo Comercial do Porto, datada de 20 de Outubro de 2018, que suspendeu o processo administrativo de dissolução de C…, Lda..
Foi junta prova documental.
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O Ministério Público pronunciou-se no sentido da impugnação proceder, considerando que:
“(…) Os conflitos existentes entre os sócios, que conduziram à não aprovação das contas durante dois anos consecutivos, não são, a nosso ver, motivo para suspensão do procedimento, tanto mais que a sua fundamentação – a pendência de processo judicial e processos de inquérito – não encontra apoio na lei nem tais processos têm como consequência o suprimento da não aprovação das contas anuais durante dois anos e, consequentemente, da omissão do seu registo na conservatória (…).
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Na sequência o Tribunal Recorrido decidiu, de imediato, a questão levantada pelo impugnante (sem audição da prova testemunhal e por declarações que a requerida arrolou, por a entender desnecessária) no seguinte sentido:
“Decisão
Pelo exposto, improcede a impugnação de B…, mantendo-se a decisão do Exmo. Senhor Conservador do Registo Comercial do Porto de fls. 170.
Tendo ficado vencido, o impugnante vai condenado no pagamento das custas (artigo 527.º, 1 e 2, do CPC), que se fixam, como incidente, em 4 UC (artigo 7.º, 4, do RCP e Tabela II anexa a esse diploma).
Notifique e, após trânsito, remeta à Conservatória do Registo Comercial do Porto. “
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É justamente desta decisão que o Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“CONCLUSÕES:
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Foram apresentadas contra-alegações, onde a Recorrida pugna pela improcedência do recurso com os seguintes fundamentos aqui sintetizados (a Recorrida não apresentou conclusões):
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Nenhuma das outras entidades notificadas (Ministério Público; Presidente do IRN e o Sr. Conservador) apresentou alegações - art. 106º do C. R. Comercial.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, o Recorrente coloca a seguinte única questão que importa apreciar:
- saber se a decisão recorrida, na medida que confirma a decisão do Exmo. Sr. Conservador de suspender o procedimento administrativo de dissolução da Recorrida, é violadora do disposto na alínea a) do artigo 5º do RJPADLEC.
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A) - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
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A decisão proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
“Da matéria de facto
Mostra-se assente que:
1) A C…, Lda., é uma sociedade por quotas, com sede em Cinfães, que tem como sócios: a) D…, com uma quota de 1.000€. b) B…, com uma quota de 2.000€. c) E…, com uma quota de 2.000€, tudo conforme termos da certidão da matrícula de fls. 188/192.
2) Na sequência de comunicação escrita, datada de 20 de Junho de 2018, com assinatura ilegível, de se encontrar em situação irregular por falta de prestação de contas, conforme termos de fls. 4, cujo teor aqui se dá por reproduzido, foi iniciado procedimento administrativo de dissolução da recorrente.
3) A C…, Lda., entregou a informação empresarial simplificada dos anos de 2015 e 2016, tudo conforme termos de fls. 29 a 83 e 84 a 143, cujo teor aqui se dão por reproduzidos.
4) Do balancete geral da requerida relativo a 2017 mostra-se registada um valor de depósitos à ordem de 14.571,6€ e de imobilizado/equipamentos no valor de 13.346,23€, tudo conforme termos do documento de fls. 26 a 28, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
5) Na assembleia geral da requerida realizada a 31 de Março de 2017 não foram aprovadas as contas do exercício de 2015 e 2016, tudo conforme termos da acta de fls. 144/1445, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
6) Na assembleia geral da requerida realizada a 8 de Junho de 2017 não foram aprovadas as contas do exercício de 2015 e 2016, tudo conforme termos da acta de fls. 146/150, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
7) Na assembleia geral da requerida realizada a 8 de Maio de 2018 não foram aprovadas as contas do exercício de 2015, 2016 e 2017, tudo conforme termos da acta de fls. 151/154, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
8) Por despacho do Exmo. Senhor Conservador Auxiliar do Registo Comercial do Porto, datado de 20 de Outubro de 2018, foi determinado suspender o processo administrativo de dissolução de C…, Lda., por se encontrarem pendentes os seguintes processos judiciais: a) processo n.º 6024/17.1T8VNG, que corre termos no Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, em que a sociedade pede aos sócios B… e D… uma indemnização por comportamento desleal com a sociedade. b) processo crime n.º 503/16.5GBBCL, do Ministério Público junto de Cinfães, instaurado pela sociedade contra os sócios B… e D…. c) acção especial de destituição de titular de órgão social, proposta por B… contra a requerida e E… (processo n.º 5905/16.4T8GMR, que corre termos no Juízo de Comércio de Viseu), tudo conforme termos de fls. 170 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
9) a audiência de discussão e julgamento do processo n.º 6024/17.1T8VNG, no qual a requerida peticiona uma indemnização de 254.123,20€ entre outros a B…, está marcada para 18, 19, 20 e 21 de Fevereiro de 2019, conforme termos de fls. 224/225 e 242/258, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
10) Com data de 18 de Dezembro de 2018, foi proferido despacho de arquivamento no inquérito crime n.º 503/16.5GBBCL, conforme termos de fls. 226/237, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
11) a acção especial de destituição de titular de órgão social - processo n.º 5905/16.4T8GMR, que corre termos no Juízo de Comércio de Viseu, improcedeu conforme termos de fls. 331/368, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
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Matéria de facto não provada:
- Inexiste”.
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B) - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Já se referiu qual é a única questão que é colocada nos presentes autos.
Em primeiro lugar, importa definir, de uma forma exacta, os contornos da questão, pois que se nos afigura que o Recorrente não identifica de uma forma correcta o âmbito da mesma.
Com efeito, a decisão que aqui se mostra posta em causa é apenas a decisão do Exmo. Sr. Conservador do Registo Comercial que, no âmbito do procedimento administrativo de Dissolução da Sociedade oficiosamente instaurado ao abrigo do disposto na al. a) do art. 5º do RJPADLEC[1], determinou a suspensão do procedimento (decisão essa confirmada na sentença aqui posta em crise).
Nesta conformidade, a única questão que aqui se poderá discutir é a de saber se estavam verificados os requisitos legais (processuais) que permitiram ao Exmo. Conservador do Registo Comercial determinar a suspensão do processo de que era titular.
Ou seja, no presente recurso não interessa discutir se estão ou não verificados os requisitos legais previstos no art. 5º, al. a) do citado regime jurídico que conduziriam à dissolução da Sociedade.
Com efeito, a decisão que constitui o objecto do presente recurso apenas decidiu suspender o processo – já iremos ver com que fundamento tal poderia ocorrer – e não que não se verificavam os fundamentos para determinar a dissolução administrativa da sociedade (que, no fundo, é o pressuposto de que partirá o recorrente para fundamentar o seu recurso – v. por exemplo a conclusão E) “Dos factos provados sob os números 5), 6) e 7) não se compreende que o Mº. Juiz a quo não extraia a consequência prevista na alínea a) do artigo 5º do RJPADLEC: dissolução”).
Mas comecemos por esclarecer, em termos gerais, em que é consiste o procedimento administrativo de dissolução das Sociedades aqui em aplicação, e que se encontra previsto no RJPADLEC (Regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais), aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março[2].
A dissolução de uma sociedade comercial, prevista nos artigos 141º a 145º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), opera, como é sabido, a modificação da situação da sociedade provida de personalidade jurídica, sendo um pressuposto para a extinção da sociedade e a primeira fase do processo que conduz a essa extinção.
O seu principal efeito é a entrada imediata da sociedade em liquidação, nos termos previstos no artigo 146º do CSC e artigo 15º do citado RJPADLEC, sendo esta a segunda fase do processo que deverá proporcionar “a satisfação dos direitos dos credores sociais, o apuramento do património líquido da sociedade e a partilha pelos sócios do activo disponível”[3].
Nos termos do disposto no artigo 144º do CSC, o regime do procedimento administrativo de dissolução é regulado em diploma próprio, sendo que, como é sabido, o preceito alude ao regime constante do atrás referido RJPADLEC, designadamente do disposto nos seus artigos 4.º a 14.º, para a dissolução administrativa voluntária, iniciada através de requerimento, e para a dissolução administrativa oficiosa, iniciada através de auto do conservador do registo comercial - sendo esta última, a situação dos presentes autos.
Assim, as modalidades de dissolução poderão ser diversas consoante a causa que lhe der origem:
1) causas de dissolução automática, as quais estão previstas no artigo 141º, n.º 1, a) a e) do CSC, actuando por si mesmas, nos termos aí consignados;
2) causas de dissolução administrativa oficiosa e necessária, de acordo com o disposto nos artigos 143.º do CSC e 5.º, a) a e) do RJPADLEC, que “operam por declaração do conservador do registo comercial, em procedimento oficiosamente instaurado por sua iniciativa no cumprimento de um dever funcional”;
3) causas de dissolução administrativa voluntária ou facultativa, sobretudo nos termos dos artigos 142.º, nºs 1 e 2 do CSC e 4.º, n.º 1, a) a f) do RJPADLEC, a qual resulta também de declaração do conservador, mas no seguimento de requerimento pedindo o reconhecimento da causa de dissolução da entidade; e
4) causas de dissolução voluntariamente deliberada, de acordo com o artigo 142.º, nºs 3 e 4 do CSC[4].
Portanto, o artigo 5.º do RJPADLEC (aqui em aplicação), em conjunto com o artigo 143º do CSC[5], incide sobre a dissolução administrativa que opera por instauração oficiosa do conservador.
Segundo certa doutrina as alíneas a) a e) do artigo 5.º compreendem causas autónomas de dissolução das sociedades comerciais, isto é, “suficientes para invocação autónoma do conservador, mas não passíveis de invocação pelos interessados”. Contudo, podem concorrer com a causa prevista quer no artigo 142º, n. 1, c) do CSC quer no artigo 4º, nº 1, c) do RJPADLEC, a qual respeita à hipótese de a sociedade não ter exercido qualquer actividade durante dois anos consecutivos, razão pela qual o artigo 143º do CSC refere que o procedimento administrativo de dissolução deve ser instaurado oficiosamente “caso não tenha sido ainda iniciado pelos interessados”[6].
Assim, para efeitos do auto a que se refere o corpo do artigo 5.º do RJPADLEC, aquelas alíneas do referido artigo representam a “causa de dissolução” a identificar.
Para além disso, é necessário identificar a sociedade comercial a extinguir e especificar as circunstâncias que determinaram a instauração do procedimento, sendo que todos estes elementos deverão constar do referido auto de modo a demonstrarem a legalidade do acto do conservador[7].
Compulsados os autos (o procedimento administrativo de dissolução), não existem quaisquer dúvidas que o Exmo. Conservador do Registo Comercial cumpriu integralmente estes requisitos processuais, tendo instaurado oficiosamente, na sequência da informação que lhe chegou, o procedimento administrativo de dissolução da Sociedade Recorrida com fundamento na al. a) do art, 5º do citado regime jurídico.
Sucede que conforme decorre do ponto 8) dos factos provados:
“Por despacho do Exmo. Senhor Conservador Auxiliar do Registo Comercial do Porto, datado de 20 de Outubro de 2018, foi determinado suspender o processo administrativo de dissolução de C…, Lda., por se encontrarem pendentes os seguintes processos judiciais: a) processo n.º 6024/17.1T8VNG, que corre termos no Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, em que a sociedade pede aos sócios B… e D… uma indemnização por comportamento desleal com a sociedade. b) processo crime n.º 503/16.5GBBCL, do Ministério Público junto de Cinfães, instaurado pela sociedade contra os sócios B… e D…. c) acção especial de destituição de titular de órgão social, proposta por B… contra a requerida e E… (processo n.º 5905/16.4T8GMR, que corre termos no Juízo de Comércio de Viseu), tudo conforme termos de fls. 170 cujo teor aqui se dá por reproduzido”.
Ora, é justamente esta a decisão (confirmada pela decisão recorrida) que o Recorrente pretende pôr em causa.
Como já referimos, a decisão que aqui se mostra posta em causa é apenas esta decisão do Exmo. Sr. Conservador do Registo Comercial de suspensão do procedimento administrativo de dissolução fundado na pendência das outras acções identificadas no despacho (decisão confirmada pela sentença recorrida) - e não, a questão de saber se estão verificados os requisitos legais previstos no art. 5º, al. a) do citado regime jurídico que conduziriam à dissolução da Sociedade, pelo que toda a argumentação apresentada pelo Recorrente nesse âmbito não assume qualquer relevância para o que aqui se discute.
Aqui chegados, vejamos se o Exmo. Conservador do Registo Comercial decidiu bem (tal como a sentença recorrida), quando, em face dos elementos factuais de que dispunha (mencionados na decisão que proferiu), determinou a suspensão do identificado procedimento.
A primeira questão que se coloca – que, aliás, nem sequer é colocada por qualquer uma das partes – é a de saber com que fundamento legal o Exmo. Conservador do Registo Comercial pode determinar a suspensão do procedimento administrativo de dissolução aqui em discussão (note-se que nem o Exmo. Conservador nem a sentença recorrida mencionam expressamente o fundamento legal da decisão proferida).
De seguida, apurado esse fundamento legal, importa verificar se efectivamente estavam preenchidos os requisitos legais que permitiam essa suspensão, tendo em conta os elementos factuais disponíveis à data em que a decisão foi proferida.
Ora, respondendo à primeira pergunta, apesar do legislador fazer referência a um processo administrativo, julga-se que o regime processual aplicável é o constante do Código do Registo Comercial e, subsidiariamente, o do Código do Processo Civil (e não o regime processual constante do Código de Procedimento Administrativo)[8].
Com efeito, a dissolução e liquidação administrativa e oficiosa de entidades comerciais, instituída pelo RJPADLEC, conforme decorre do preâmbulo do DL atrás identificado, visou justamente evitar que inúmeras situações originassem um processo judicial, atribuindo a competência para a dissolução e liquidação às conservatórias, “sempre com garantia do direito de impugnação judicial”, o qual estabeleceu “igualmente um procedimento administrativo da competência da conservatória para os casos legais de dissolução e liquidação de entidades comerciais, a requerimento de sócios e credores da entidade comercial”.
De acordo com Paula Costa e Silva, a reforma acarretou, assim, a desjudicialização dos processos de dissolução e liquidação, pela substituição dos respectivos procedimentos judiciais por procedimentos administrativos, sub-rogando a competência do juiz por uma competência do conservador[9].
No entanto, como já fomos avançando, o facto de a reforma ter adoptado a qualificação legal dos procedimentos como administrativos não significa que seja aplicável o Código de Procedimento Administrativo.
Com efeito, a maior parte dos actos praticados nos serviços de registo não tem a natureza de actos administrativos, mas são antes actos próprios de direito registal (dos quais são exemplo: os casamentos civis, os registos prediais de aquisição ou de hipoteca, os registos de constituição de sociedade comercial, os registos de aquisição de propriedade de veículo automóvel, entre outros)[10] - sem esquecermos, obviamente, que os preceitos do RJPADLEC não esgotam o normativo relevante em matéria de dissolução (e liquidação), pois que é ainda necessário considerar, como vimos, as normas do Código das Sociedades Comerciais (o que mais uma vez aponta de uma forma decisiva para não aplicabilidade do aludido Código do Procedimento Administrativo).
Daí que seja pacífico que este último Código não seja aplicável quando – como sucedeu no caso concreto - o procedimento de dissolução e liquidação de entidade comercial passe, por algum motivo (impugnação), a jurisdicional, nomeadamente pela existência de conflito[11].
Além disso, importa ter em atenção que este tipo de procedimento administrativo visa atingir uma decisão definitiva de dissolução (artigo 11.º do RJPADLEC) ou uma decisão definitiva que declare encerrada a liquidação (artigo 25.º do RJPADLEC), decisões que irão conduzir a que o conservador lavre oficiosamente o registo da dissolução (artigo 13.º do RJPADLEC) e/ou o registo do encerramento da liquidação (artigos 11.º, n.º 4, 13.º e 25.º. n.º 3 do RJPADLEC) seguindo as regras estabelecidas no Código do Registo Comercial.
Assim, não há dúvidas que, no âmbito dos procedimentos de dissolução administrativa oficiosa e necessária, a natureza registal do procedimento, bem como da decisão, impõe a aplicação subsidiária das normas do CRegComercial.
Ora, se é esta a conclusão a que aqui temos de chegar, importa, pois, aplicar o que o CRegComercial determina e, em caso de a situação não se encontrar nele directamente prevista, aplicar subsidiariamente o regime do CRegPredial como decorre directamente do estabelecido no art. Artigo 115.º daquele primeiro Código.
Com efeito, pode-se ler nesse preceito legal que:
“Direito subsidiário
São aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao registo comercial, na medida indispensável ao preenchimento das lacunas da regulamentação própria, as disposições relativas ao registo predial que não sejam contrárias aos princípios informadores do presente diploma”.
Ora, a verdade é que se compulsarmos qualquer um dos Códigos, nenhum deles prevê expressamente a situação que aqui nos preocupa, ou seja, a situação em que o Exmo. Conservador do Registo (Comercial ou Predial) determina, num qualquer dos procedimentos especialmente previstos, a sua suspensão.
Nesta sequência, importa aplicar a regra subsidiária também prevista no art. Artigo 156.º do CRegPredial.
Com efeito, pode-se ler nesse preceito legal que:
“Direito subsidiário
Salvo disposição legal em contrário, aos actos, processos e respectivos prazos previstos no presente código é aplicável, subsidiariamente e com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil”.
Percorrido todo este caminho, fica evidenciado que o fundamento legal que permitiu que o Exmo. Conservador do Registo Comercial tenha podido determinar a suspensão do procedimento administrativo de dissolução deve ser encontrado no Código do Processo Civil[12].
Ora, se isto é assim, como se nos afigura que é (apesar do Exmo. Sr. Conservador do Registo Comercial não ter expressamente invocado este preceito legal), surge como uma evidência que o regime processual aplicável é o que se encontra previsto no processo comum (cfr. art. 549º do CPC) para as situações de suspensão de instância (art. 269º e ss. do CPC).
Aqui chegados, podemos finalmente entrar na questão que aqui é colocada.
Ou seja, saber se a decisão recorrida, na medida que confirma a decisão do Exmo. Sr. Conservador de suspender o procedimento administrativo de dissolução da Recorrida, se pode manter.
Para tanto, importa, então entrar no identificado regime processual da suspensão de instância previsto no CPC.
Vejamos, de uma forma sintética, em que é que consistem as causas gerais de suspensão de instância.
Como é sabido, nos termos do art. 269º, nº 1, al. c) do CPC a instância suspende-se quando o tribunal ordenar a suspensão e isso sucederá quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado (art. 272º, nº 1 do CPC).
Segundo o Prof. Alberto dos Reis[13], “...uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta...”.
Por força deste preceito legal, poder-se-á, assim, dizer que “… não é qualquer tipo de afectação ou influência de uma acção sobre a outra que justifica o nexo de prejudicialidade. É necessário que essa influência seja decisiva, e só o é se o acto ou facto jurídico que se discute na primeira (causa prejudicial) constituir o pressuposto do que se discute na segunda (causa dependente) …” [14].
Por outro lado, importa ter em atenção que uma das razões de ser da suspensão por pendência da causa prejudicial é a economia e coerência de julgamentos.
Finalmente, não se pode deixar de atender a que “não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens” (nº 2 do art. 272º do CPC).
Importa reverter para o caso concreto.
Na aplicação destas regras processuais ao caso concreto, importa, obviamente, substituir a palavra “Tribunal” pela do “Conservador do Registo Comercial”.
A questão que se coloca é, pois, a de saber se os elementos factuais que o Exmo. Conservador do Registo Comercial detinha na sua posse, no momento em que proferiu a decisão de suspensão – e que expressamente mencionou como fundamento da decisão - constituíam ou não motivo para determinar a suspensão da instância (leia-se, do procedimento administrativo de dissolução) com fundamento na existência de uma causa prejudicial.
Ora, compulsadas as acções mencionadas na decisão do Exmo. Conservador do Registo Comercial não se pode concluir, tendo em conta o seu objecto, que as mesmas, pelo menos directamente, possam ser configuradas como constituindo “causas prejudiciais” em relação ao procedimento administrativo de dissolução no sentido atrás explanado.
Nesta conformidade, a decisão recorrida não pode encontrar o seu fundamento legal na invocação da existência de causas prejudiciais.
Vejamos agora, no entanto, se aquela suspensão podia ter sido determinada com apelo a “outro motivo justificado” – que é, como vimos, a outra hipótese referida no citado nº 1 do art. 272º do CPC.
Estabelece, efectivamente, o art. 272º, nº 1, 2ª parte, do CPC que a suspensão da instância pode ainda ser determinada “… quando ocorrer outro motivo justificado…”.
Entende-se existir “outro motivo justificado” em situações em que ocorram “… motivos diferentes da pendência da causa prejudicial e que em seu juízo (do Tribunal) justifique a suspensão…”[15].
“A suspensão da instância em geral pode encontrar outros motivos cuja justificação é sujeita ao escrutínio do Juiz, o qual, neste campo, goza de uma larga margem de discricionariedade, devendo aquilatar se efectivamente se justifica a medida”[16].
Daí que, como se refere no ac. da RP de 8.11.2007 já citado em nota, “…nesta parte, dá-se ao juiz grande liberdade de acção. O juiz pode ordenar a suspensão quando entenda que há utilidade ou conveniência processual em que a instância se suspenda… “.
Assim, “do teor do n° 1 artigo 279° (actual, art. 272º) do CPC – “o juiz pode ordenar” — decorre que o julgador não se encontra obrigado a suspender o processo, mesmo na pendência de causa prejudicial. Trata-se de uma faculdade que exercerá, ou não, consoante a avaliação que faça. E essa avaliação surgirá do balanceamento entre, por um lado, as necessidades de segurança e certeza jurídicas (a aconselharem a suspensão) e, por outro, a exigência de decisão “em prazo razoável” (evitando — ou tentando evitar — o que possa provocar demoras excessivas) …”[17].
Logo, no preenchimento deste conceito - motivo justificado – o Juiz deverá “…orientar-se, claro está, por critérios de utilidade e conveniência processual”[18].
Dir-se-á, porém, que nesta “integração do conceito “motivo justificado para a suspensão da instância”, deve entender-se que a lei não toma em consideração, propriamente, os prejuízos ou vantagens (de um ponto de vista subjectivo) das partes, mas apenas do ponto de vista processual, devendo o juiz ponderar as vantagens e os inconvenientes da suspensão para obter a justa composição do litígio”[19].
Nesse sentido, um dos critérios que poderá ser utilizado, neste âmbito, é o de ponderar se os inconvenientes processuais que a suspensão de instância poderá produzir serão superiores aos que resultarão da continuação dos autos.
Ora, aplicando estas considerações ao caso concreto, afigura-se ao presente Tribunal que o motivo invocado pelo Exmo. Conservador do Registo Comercial (e pelo Tribunal Recorrido) encontra pleno apoio neste outro fundamento legal.
Com efeito, julga-se que, tendo em conta os elementos factuais que o Exmo. Conservador do Registo Comercial dispunha (designadamente, a pendência das acções identificadas na decisão e os elementos documentais relativos à vida societária da Recorrida- actas de onde decorre que o Recorrente se opôs à aprovação das contas apresentadas nessas Assembleias Gerais) e os interesses subjacentes ao procedimento de dissolução das Sociedades - que a seguir mencionaremos –, a decisão proferida (e confirmada pelo Tribunal Recorrido) merece, com este fundamento legal, integral acolhimento.
Conforme resulta das acções mencionadas na decisão proferida e das referidas actas das Assembleias Gerais juntas aos autos, é inequívoco que delas resulta a existência de uma litigiosidade intensa entre os sócios integrantes da Sociedade Recorrida, litigiosidade essa que teve reflexo directo (no caso dos actos societários constantes das actas) ou indirecto (no caso das acções judiciais) nos factos que constituíram fundamento da instauração oficiosa do procedimento administrativo de dissolução com base na al. a) do art. 5º do RJPADLEC, ou seja, na não aprovação das contas da Sociedade nos anos de 2015-2017 (cumpre recordar aqui que esse fundamento coincide com a seguinte situação: “ (…) quando: a) Durante dois anos consecutivos, a sociedade não tenha procedido ao depósito dos documentos de prestação de contas…”).
Como se acaba de salientar, isso decorre claramente, como, aliás, bem refere o Tribunal recorrido, das actas das assembleias gerais constantes dos autos, pois que delas se pode retirar justamente que os litígios pendentes (ao nível da vida societária, mas também ao nível judicial) entre o Recorrente e a Sociedade Recorrida (e sócio gerente) tiveram necessariamente reflexos na (im)possibilidade de aprovação das contas da Sociedade Recorrida em termos gerais (designadamente, nos anos aqui em discussão).
Esta factualidade, aliás, mostra-se mencionada nos seguintes pontos da matéria de facto provada:
“3) A C…, Lda., entregou a informação empresarial simplificada dos anos de 2015 e 2016, tudo conforme termos de fls. 29 a 83 e 84 a 143, cujo teor aqui se dão por reproduzidos.
4) Do balancete geral da requerida relativo a 2017 mostra-se registada um valor de depósitos à ordem de 14.571,6€ e de imobilizado/equipamentos no valor de 13.346,23€, tudo conforme termos do documento de fls. 26 a 28, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
5) Na assembleia geral da requerida realizada a 31 de Março de 2017 não foram aprovadas as contas do exercício de 2015 e 2016, tudo conforme termos da acta de fls. 144/1445, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
6) Na assembleia geral da requerida realizada a 8 de Junho de 2017 não foram aprovadas as contas do exercício de 2015 e 2016, tudo conforme termos da acta de fls. 146/150, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
7) Na assembleia geral da requerida realizada a 8 de Maio de 2018 não foram aprovadas as contas do exercício de 2015, 2016 e 2017, tudo conforme termos da acta de fls. 151/154, cujo teor aqui se dá por reproduzido”.
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Mas importa atender, além disso, que a própria existência dos processos judiciais determinava uma situação de imprevisibilidade que impedia que o Exmo. Conservador do Registo Comercial pudesse prosseguir, com segurança, com os trâmites ulteriores do procedimento de dissolução da Sociedade Recorrida no sentido de proferir uma decisão definitiva sobre a dissolução daquela.
Havia, de facto, uma situação de incerteza seja quanto ao motivo do não depósito dos documentos de prestação de contas, seja quanto à necessidade de prosseguir o próprio procedimento, tendo em conta os interesses que subjazem à instauração do mesmo contra a Recorrida.
Com efeito, como decorre do próprio preâmbulo do RJPADLEC (D.L. nº 76-A/2006, de 29 de Março) este procedimento tem a sua justificação no seguinte: “(…) adopta-se uma modalidade de dissolução e liquidação administrativa e oficiosa de entidades comerciais, por iniciativa do Estado, quando existam indicadores objectivos de que a entidade em causa já não tem actividade embora permaneça juridicamente existente”.
Daí que nas palavras de Paula Costa e Silva[20], o sentido do regime adoptado seja o de “depurar o tecido económico de falsas sociedades ou de sociedades que não têm qualquer actividade”.
Ora, salvo o devido respeito pela opinião contrária, face aos elementos probatórios que o Exmo. Conservador do Registo Comercial tinha ao seu dispor no momento em que proferiu a decisão aqui questionada, não temos dúvidas em concluir que, pelo que se acaba de expor, a decisão proferida por aquele não só ponderou devidamente os aludidos interesses, como a mesma inclusivamente se impunha ser proferida no sentido em que foi.
Com efeito, as considerações que acabamos de explanar consubstanciam inequivocamente uma situação que impunha que fosse determinada a suspensão do procedimento administrativo de dissolução com fundamento na existência de “outro motivo justificado” – cfr. art. 272º, nº 1, 2ª parte, do CPC, aqui aplicável por força das remissões atrás explicitadas.
Na verdade, na altura em que foi proferida a decisão, existia toda a utilidade e conveniência processual que o procedimento aqui em causa fosse suspenso, tendo em conta a aludida pendência das acções judiciais, reveladoras da existência de um contexto de litigiosidade entre os sócios da Sociedade, sendo que subjacente a essa ponderação estará a ideia de que a resolução das mesmas poderia ter efeitos reflexos na demonstração do motivo – alegadamente não imputável à Sociedade (mas sim ao conflito societário existente) – do não depósito dos documentos de prestação de contas e, além disso, na ultrapassagem dos conflitos pré-existentes na vida societária da Sociedade Recorrida, sendo que, sem que tais conflitos se resolvessem pela via própria, sempre o procedimento administrativo de dissolução aqui em causa surgiria como meio processual (abusivo) para obter aquilo que teria que ser discutido (e decidido) na via processual própria.
Como se pode ver, estando o Exmo. Conservador do Registo Comercial confrontado com esta situação fáctica complexa, no momento em que a decisão foi proferida, não seria curial avançar com o procedimento administrativo de dissolução – que tem, recorde-se, a sua razão subjacente na existência de indicadores objectivos de que a entidade requerida já não tem actividade embora permaneça juridicamente existente – sem que tais contingências societárias fossem decididas – daí se justificar plenamente a sua suspensão (ainda que por “outro motivo justificado” não directamente relacionado com a existência de causas prejudiciais).
Pelo exposto, tendo em conta todas estas considerações que aqui explanamos, julgamos que bem andou o Exmo. Conservador do Registo Comercial em determinar a suspensão do procedimento administrativo de dissolução da Recorrida e, nessa medida, tendo a decisão recorrida confirmado essa decisão, também a mesma merece a nossa integral concordância, pois que consideramos que existia um “outro motivo justificado” que permitia que aquele determinasse a aqui questionada suspensão do processo.
Nesta conformidade, julga-se o presente Recurso totalmente improcedente.
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Sumário:
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta totalmente improcedente.
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Custas pelo Recorrente (artigo 527º, nº 1 do CPC).
Notifique.
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Porto, 9 de Novembro de 2020
(assinado digitalmente)
Pedro Damião e Cunha
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
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[1] Preceito legal que tem a seguinte redacção: “O procedimento administrativo de dissolução é instaurado oficiosamente pelo conservador, mediante auto que especifique as circunstâncias que determinaram a instauração do procedimento e que identifique a entidade e a causa de dissolução, quando resulte da lei e ainda quando: a) Durante dois anos consecutivos, a sociedade não tenha procedido ao depósito dos documentos de prestação de contas e a administração tributária tenha comunicado ao serviço de registo competente a omissão de entrega da declaração fiscal de rendimentos pelo mesmo período; (…)”
[2] Com as alterações introduzidas pela Declaração de Rectificação n.º 28-A/2006, de 26-05 e pelos Decreto-Lei n.º 318/2007, de 26-09, Decreto-Lei n.º 209/2012, de 19-09 e Decreto-Lei n.º 250/2012, de 23-11.
[3] Ricardo Costa, in “Código das Sociedades Comerciais em Comentário(Coord. Coutinho de Abreu), Vol. II, p. 563-564.
[4] Ricardo Costa, in “Código das Sociedades Comerciais em Comentário(Coord. Coutinho de Abreu), Vol. II, p. 567.
[5] Até à alteração operada pelo Decreto-Lei nº 250/2012 de 23-11 à alínea a) do artigo 5.º do RJPADLEC, o citado artigo reproduzia as alíneas a) a c) do artigo 143.º do CSC. No entanto, aquele Decreto-Lei consagrou a omissão do registo da prestação de contas durante dois anos consecutivos como causa de dissolução autónoma, para efeitos de instauração oficiosa de procedimento administrativo de dissolução, não tendo alterado a alínea correspondente no artigo 143.º do CSC.
[6] Cfr. Ricardo Costa, obra citada, p. 602. V. ainda Paula Costa e Silva e Rui Pinto, in “Código das Sociedades Comerciais Anotado e Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais” (Coord. Menezes Cordeiro), pág. 1406. Para estes autores, contudo, a alínea d) do artigo 5.º contém um fundamento de dissolução, “de função claramente sancionatória, que apenas compete ao conservador, dada a sua exclusão do artigo 4.º e a sua inclusão no artigo 5.º.” Concluem que “todas as alíneas do artigo em anotação apresentam a função de causas autónomas de dissolução, e não de meros pressupostos de uma legitimidade, secundária ou indirecta, para o conservador.”
[7] Paula Costa e Silva expõe que a lei consagrou causas de dissolução oficiosa da sociedade, devendo os procedimentos ser desencadeados pelo serviço de registo competente com base em elementos probatórios que lhe sejam remetidos por entidades que tomam conhecimento da existência ou da inexistência da actividade social”, in “a Dissolução e a Liquidação das Sociedades Comerciais: Nótula”, A Reforma do Código das Sociedades Comerciais, Jornadas de homenagem ao Professor Doutor Raúl Ventura (Coord. Menezes Cordeiro, Paulo Câmara, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, Coimbra: Almedina, 2007, p. 293.
[8] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07-01.
[9] Cfr. “A Dissolução e a Liquidação das Sociedades Comerciais: Nótula”, cit., p. 289.
[10] Apenas serão actos administrativos aqueles que são praticados no âmbito da orgânica interna dos serviços de registo – v. para maiores desenvolvimentos, por ex. os Processos R.P. 116/2006 DSJ-CT, R.P. 151/2006 DSJ-CT e R.P. 24/2011 SJC-CT, todos disponíveis em http://www.irn.mj.pt/IRN/sections/irn/doutrina/. Pode ler-se no Processo R.P. 151/2006 DSJ-CT, o seguinte: “Podemos, então, afirmar que a relação de conhecimento registal é disciplinada por normas de direito público e que a decisão proferida no procedimento registal visa produzir efeitos jurídico-administrativos externos? Salvo o devido respeito, não podemos. No nosso modesto modo de ver, a decisão do conservador que ordena a feitura de um registo mais não é do que uma decisão (da Administração) que reconhece a constituição, o reconhecimento (quando, naturalmente, o facto a inscrever for recognitivo), a modificação ou a extinção de uma relação jurídica de direito privado para efeitos exclusivamente privados. A relação de conhecimento registal, considerada nos dois primeiros termos subjectivos (entre a pessoa que dá inicialmente a conhecer o facto e a pessoa – o conservador – que transmite, após uma certa elaboração, o conhecimento assim obtido […] é essencialmente privada e o efeito jurídico externo que visa – a oponibilidade, como regra, e a validade ou a eficácia, como excepção – é exclusivamente privado. […] Pelas razões expostas, somos de opinião de que o Código do Procedimento Administrativo não se aplica ao procedimento registal.”
[11] Paula Costa e Silva e Rui Pinto, in “Código das Sociedades Comerciais Anotado e Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais”, pág. 1385-1388 defendem que, nos procedimentos iniciados voluntariamente (artigo 4.º e 15.º do RJPADLEC) há interesses opostos, pelo que devem os mesmos ser qualificados logo como jurisdicionais. Já quando o procedimento tenha um início oficioso (artigo 5.º e 15.º, n.º 5, do RJPADLEC), mormente quando não exista nenhuma contestação, “estaremos em plena função administrativa” e que, portanto, quer nos procedimentos de dissolução administrativa voluntária e facultativa, quer nos procedimentos de dissolução administrativa oficiosa e necessária, o procedimento começa por ser administrativo, podendo assumir contornos jurisdicionais desde que emirja uma contestação.
[12] V. em situações paralelas, nesta mesma conclusão a Deliberação do IRN no processo nº R.P. 10/2010 e o Parecer do IRN nº R. CO 25/2010 RJC-CT disponíveis na internet – de onde decorre o recurso ao regime da suspensão de instância previsto no CPC.
[13] In “Comentário ao CPC”, vol. III, pág.206
[14] Ac. da RP de 8.11.2007, in dgsi.pt
[15] Prof. Alberto dos Reis, in “Comentário ao CPC”, vol. III, pág.279.
[16] Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Sousa, in “CPC anotado”, Vol. I, pág. 315.
[17] Ac. da RP de 6.7.2010, in Dgsi.pt.
[18] Ac. da RG, de 07.02.2012 (relator: Ana Cristina Duarte), in dgsi.pt.
[19] Ac. da RL, de 24.01.2013 (relator: Maria Amélia Ameixoeira), in dgsi.pt.
[20] In “A dissolução e a liquidação das sociedades comerciais: nótula”, in Reforma Do Código Das Sociedades Comerciais (Jornadas em Homenagem ao Professor Doutor Raúl Ventura), pág. 292.