Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2178/17.5T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI ATAÍDE ARAÚJO
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
EMPRESA FORNECEDORA DE REFEIÇÕES
VALIDADE DO TERMO
ACRÉSCIMO DE ACTIVIDADE
Nº do Documento: RP20182178/17.5T8VLG.P1
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 284, FLS 256-272)
Área Temática: .
Sumário: I - Para a reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação não basta a transcrição de depoimentos, muito menos em passagens seguidas e em conjunto; tal trascrição não se confunde nem supre a exigência processual de “indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso” e que “impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (art. 640º, nº 1, al. b), e nº 2, al. a), do CPC).
II - Quanto aos factos que julga deverem ser dados como provados, a recorrente tem ainda de os reportar a matéria concretamente alegada neste ou naquele ponto deste ou daquele articulado, pois que tal não deixa de constituir igualmente um ónus seu, dado o principio do art. 5º do CPC, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, do CPT, e dado que a consideração de outros factos sempre dependeria das circunstâncias, especiais e a demonstrar, que o art. 72º, nº 1, do CPT refere.
III – Um contrato de trabalho a termo fundado num contrato de fornecimento de refeições a escolas de certo Município não é de dar por válido apenas pela referência ao acréscimo de atividade que esse contrato representa para a empresa fornecedora, mesmo tendo aquele uma duração consentânea com a vigência deste (correspondente ao período lectivo).
IV – Tendo a empresa como atividade a prestação de serviços que, por natureza ou regra, são temporários, o acréscimo excepcional de atividade que pode fundamentar a contratação a termo é o que se relacione com a própria atividade a empresa (por exemplo, face ao número de adjudicações que, em média, a empresa tem) e não com o que se relacione com o período pelo qual a adjudicação foi efeutada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 2178/17.5T8VLG-P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho de Valongo – Juiz 2

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

1 – Relatório

B... intentou a presente acção declarativa, emergente de contrato de trabalho e sob a forma de processo comum, contra C..., pedindo, em suma, que:
“a) Seja declarado nulo o motivo justificativo de aposição de termo invocado pela ré, por terem sido omitidas e serem insuficientes as referências ao termo e ao motivo justificativo.
b) Sem prescindir, ser declarado nulo o motivo justificativo de aposição de termo invocado pela ré, uma vez que a estipulação tinha por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo, mas também porque se visou satisfazer necessidades permanentes da mesma e existiu violação da norma respeitante à sucessão dos contratos a termo.
c) Em qualquer circunstância, seja considerado o contrato de trabalho celebrado entre a ré e a autora, como celebrado sem termo, com a antiguidade reportada a 15/09/2016.
d) Seja declarada a ilicitude do despedimento, perpetrado pela ré, quer por inobservância das formalidades legais exigíveis quer por ausência de justo fundamento no motivo do contrato quer por existir fraude à lei relativamente à sucessão de contratos a termo e por isso condenar-se a ré a reintegrar a ora autora, com contrato sem termo, nos seus quadros de pessoal, com a antiguidade reportada a 15/09/2016, caso a autora opte pela reintegração.
e) Seja declarada a ilicitude do despedimento perpetrado pela ré, quer por inobservância das formalidades legais exigíveis, quer por ausência de justo fundamento do termo e violação da sucessão do contrato a termo e em consequência, condenar-se a ré a pagar à autora uma indemnização pela antiguidade no montante de 2.506,50 Euros.
f) Condenar a ré ao pagamento de diferenças salariais de vencimento base no montante de 1.137,53 Euros.
g) Condenar a ré ao pagamento de diferenças salariais de subsídio de férias e subsídio de natal no montante de 220,84 Euros.
h) Condenar a ré ao pagamento de créditos de formação no montante de 88,94 Euros.
i) Condenar a ré ao pagamento de 1.671,00 Euros pela violação do direito de preferência.
j) Condenar a ré ao pagamento de 112,47 euros de créditos de formação.
k) Condenar a ré ao pagamento de subsídio de alimentação nas férias e no subsídio de férias no montante de 27,00 Euros.
l) Condenar a ré no pagamento à autora dos respectivos juros de mora vencidos, computados desde a data do despedimento, o que perfaz, à data da presente, a quantia de 91,48 €, e ainda os que se vierem a vencer até efectivo e integral pagamento;
m) Condenar a ré no pagamento à autora das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento.
n) Comunicar-se à Autoridade para as Condições do Trabalho as contra-ordenações praticadas pela ré, para efeitos de cominação administrativa;
o) Condenar a ré no pagamento de custas, procuradoria e demais de Lei;
p) Por último requer ainda, na eventualidade de erro de cálculo ou não invocação de qualquer quantia a que o A. legitimamente tenha direito, a aplicação do artigo 74º do C.P.T. – condenação extra vel ultra petitum”.
Para tanto, e em suma, alegou a autora que foi admitida pela ré – que actua no ramo da restauração e cantinas - em 15.09.2016, através de um contrato de trabalho a termo certo (do qual junta cópia), para exercer funções de empregada de refeitório, no refeitório da escola que identifica, e onde já antes trabalhava, a exercer funções semelhantes, primeiro por conta de uma outra empresa que se dedica à mesma actividade que a ré e posteriormente através de uma ETT (empresa de trabalho temporário), sendo, ultimamente (no ano lectivo anterior a ser contratada pela ré) a ré a empresa utilizadora. No dia 23 de Junho de 2017, a ré comunicou à autora a caducidade do contrato de trabalho. Sucede que o termo aposto no dito contrato escrito que assinou não se encontra justificado nos termos legais, quer porque não estão concretizados os factos e circunstâncias que integram o motivo invocado, quer porque a fundamentação apresentada integra-se na actividade normal da ré, tendo a autora sido admitida para satisfazer necessidades de trabalho permanentes, sendo que posteriormente à sua admissão ao serviço da ré o volume de serviço aumentou e a ré admitiu novos trabalhadores para o refeitório onde a autora exerceu funções, o que estava legalmente impedida de fazer. Por outro lado alega ainda a autora que praticou um horário, que especifica, que implicou ter trabalhado 40 horas por semana e que a ré não lhe proporcionou qualquer formação profissional.
A ré, na defesa apresentada e também em resumo, alega que se encontra perfeitamente identificado no contrato de trabalho outorgado entre autora e ré o motivo justificativo da aposição do respectivo termo, que na realidade se verificou, conforme a factualidade que alega, impugnando que a autora tenha trabalhado nos anos anteriores e no mesmo refeitório nos termos que alega. Entende que não ocorreu qualquer violação da proibição de sucessão de contratos de trabalho a termo como não houve violação da preferência na admissão. Nega que tenha comunicado à autora a caducidade do contrato de trabalho, alegando que o que sucedeu foi que o contrato não estava sujeito a qualquer renovação. Impugna que a autora tenha praticado o horário de trabalho que alegou e que tenha direito ao subsídio de alimentação que reclama e, por outro lado, alega que a autora foi convocada para usufruir de formação profissional a que injustificadamente faltou.
Proferiu-se despacho saneador, tendo sido dispensada a organização da base instrutória.
Realizou-se a audiência de julgamento e foi proferida sentença na qual se decidiu:
“Julgando parcialmente procedente, por parcialmente provada, a acção, condenar a ré a pagar à autora a quantia € 86,67 (oitenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos) a título de indemnização por falta de formação profissional, quantia essa acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados desde a data da cessação do contrato de trabalho até efectivo e integral pagamento.
Quanto ao demais peticionado, julgo improcedente a acção e absolvo a ré do pedido.
Custas pela ré na proporção do respectivo decaimento, estando isenta a autora (art. 4.º/1 h) do RCP)”.
Não se conformando com o assim decidido, a Autora interpôs recurso, alegando e formulando as seguintes conclusões:
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2 – Factos considerados

Foram os seguintes os factos considerados como provados na primeira instância:
1 – Pelo menos desde 09/11/2017 a autora é associada do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Norte. (dos art.s 1.º e 1.ª parte dos 10.º e 22.º da petição inicial)
2 - A ré é uma empresa que, entre outros, presta serviços na área da restauração e cantinas conforme consta do site https://www.C1....pt/o-que-fazemos/#areas. (art. 2.º da petição inicial).
3 - A autora foi contratada para prestar funções como empregada de refeitório na Escola Básica ..., sito na Rua ..., ..., Gondomar, pelas seguintes empresas:
- Ano lectivo Set2013/Junho2014 com a empresa D...;
- Ano lectivo Set2014/Junho2015 com a E.T.T. E...;
- Ano lectivo Set2015/Junho2016 com a E.T.T. E..., entre meados de Janeiro e meados de Março e entre meados de Abril e meados de Junho de 2016, sendo a ré C... que lhe dava ordens através da Chefe F...;
- Ano lectivo Set2016/Junho2017 com a empresa ré C.... (do art. 3.º da petição inicial e do art. 67.º da contestação)
4 - A ré celebrou com a autora o designado contrato trabalho a termo certo, com início em 15/09/2016 e termo previsto para 23/06/2017, conforme cópia junta de fls 13 a fls 18 (doc. 3 da PI) que aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente que ficou estipulado (2.ª parte do n.º 1 da cláusula 2.ª) que “O presente contrato caduca na data do seu termo, nos termos do nº 1 do artigo 149º do Código do Trabalho”, que a autora foi admitida para exercer funções de empregada de refeitório, nos termos previstos na cláusula 4.ª, n.º 1, que ficou estipulado, na cláusula 8.ª n.º 1, que a autora se obrigava a cumprir o regime médio de 6.80 horas de trabalho diário, com uma carga horária semanal média de 34.00 horas, num período de referência máximo de quatro meses, e que aí consta que “À relação entre as partes é aplicável o Contrato Colectivo de Trabalho publicado no BTE 25, de 06/06/2009 e BTE n.º 24 de 29/06/2010 e Portaria de Extensão publicada no BTE n.º 49, de 20/01/2010 e Portaria de Extensão n.º 1146 de 03/11/2010”. (do art. 4.º da petição inicial)
5 - A autora auferia a 23/06/2017 o vencimento base ilíquido de 473,45 Euros acrescido de subsídio de alimentação em géneros. O estabelecimento em análise nos presentes autos – refeitório de uma escola da Câmara Municipal de ...– é um refeitório no qual são confeccionadas e servidas refeições pelo que a alimentação era fornecida em espécie a todos os trabalhadores da R. que nele desempenharam as suas funções (dos art.s 6.º da petição inicial e dos art.s 160.º e 161.º da contestação)
6 - A autora estava contratada como empregada de refeitório, sendo que no âmbito das suas funções a autora efectuava – para além de outras - tarefas de limpeza como lavar louça, desinfectar balcões, limpar chão e casas de banho do refeitório, e pontualmente, v.g. nas faltas da única cozinheira (G...), exerceu funções de cozinheira. (do art. 7.º da petição inicial)
7 - A autora esteve a exercer funções, nos termos referidos em 3 – supra, com a ré C... no ano lectivo 2015/2016 sendo a sua Chefe a Sra. F..., embora pela ETT e com contrato de trabalho escrito com a ré no ano lectivo 2016/2017 sendo a sua Chefe a Sra. H.... (do art. 8.º da petição inicial)
8 - O local de trabalho estava composto da seguinte forma:
- Ano lectivo 2015/2016, existiam 4 trabalhadoras: cozinheira (Dª. G...) e empregadas de refeitório, sendo uma delas a autora.
- Ano lectivo 2016/2017, existiam 4 trabalhadoras: cozinheira (Dª. G...) e empregadas de refeitório, sendo uma delas a autora.
- Actualmente, no ano lectivo 2017/2018, pelo menos 4 trabalhadoras: a cozinheira (Dª. G...) e empregadas de refeitório.
A C... ganhou novamente o concurso para o ano 2017/2018. (dos art.s 9.º e 12.º da petição inicial)
9 - A ré é sócia nº ....... da AHRESP desde 17/02/1989. (da 2.ª parte do art. 10.º da petição inicial)
10 - A justificação do termo aposta pela ré, na cláusula terceira, para a celebração do contrato a termo foi:
“1. A celebração do presente contrato de trabalho é feita ao abrigo e nos termos conjugados do disposto no nº1 e na alínea f) do nº2 do artigo 140º do Código do Trabalho.
2. As partes declaram darem-se por verificadas as circunstâncias previstas nas normas referidas no número anterior, uma vez que se verifica um acréscimo excepcional da actividade da Empresa, temporalmente definido, no âmbito do contrato celebrado entre a C..., Lda e a Câmara Municipal ..., para fornecimento de refeições nos refeitórios escolares nas escolas especificadas no contrato indicado para o ano letivo de 2016/2017. O fornecimento de refeições é influenciado de acordo com o calendário letivo de aulas, frequências e períodos de pausa, sendo necessário ajustar o quadro de pessoal de acordo com o indicado.” (do art. 11.º da petição inicial)
11 - Durante o desempenho das funções que lhe foram atribuídas, a autora sempre revelou boas qualidades de trabalho, não tendo sido punida ou objecto de qualquer processo disciplinar durante todo período da relação laboral com a ré. (dos art.s 14.º a 16.º da petição inicial)
12 - Nunca foi efectuada em termos formais a avaliação de desempenho da autora pela ré. (do art. 18.º da petição inicial)
13 - Montantes pagos a título de retribuição base desde 15 de Setembro de 2016 a 23 de Junho de 2017: Set/16, Out/16, Nov/16, Dez/16, Jan/17, Fev/17, Mar/17, Abr/17, Mai/17 e Jun/17, respectivamente, € 240,27, € 450,50, € 450,50, € 450,50, € 473,45, € 473,45, € 473,45, € 473,45, € 473,45 e € 473,45. (do art. 68.º da petição inicial)
14 – A título de subsídio de férias pagou (no total) € 366,92 e de subsídio de Natal o montante (total) de € 361,42. (do art. 69.º da petição inicial)
15 - Ao longo da relação contratual da autora com a ré não foi dada qualquer tipo de formação profissional à autora. (do art. 70.º da petição inicial)
16 - A R. ganhou o Concurso Público n.º 04/14, que se destina ao fornecimento de refeições escolares às escolas do 1.º ciclo do ensino básico e aos jardins de infância, da rede pública, do município ..., conforme Programa do Concurso que está junto a fls 48 e ss (doc. 1 da contestação), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (do art. 8.º da contestação)
17 - Nos termos do respectivo Cadernos de Encargos, as refeições escolares deveriam ser servidas, “durante o ano letivo 2014/2015, em todos os refeitórios, das escolas do 1.º Ciclo do Ensino Básico e nos Jardins de Infância, da rede pública, do Município ... (…)”, conforme cláusula 1.ª, n.º 3, do doc. de fls 57 e ss (doc. 2 da contestação) que aqui se dá por integralmente reproduzido. (do art. 9.º da contestação)
18 - Sendo certo que, “o contrato mantém-se em vigor durante um período de cerca de 10 meses, reportando-se ao ano letivo 2014/2015, para uma quantidade máxima de contratação de 1.113.120 refeições, renovável automaticamente por períodos de um ano letivo e num máximo de duas vezes, por iniciativa do Município ... (…)” (cfr. cláusula 3.ª do referido doc. 2). (do art. 10.º da contestação)
19 - E ainda, “[s]e o contrato não for denunciado, com a antecedência de sessenta dias relativamente ao seu termo, considerar-se-á renovado por mais um período de um ano letivo” (cfr. mesma cláusula do doc. 2). (do art. 11.º da contestação)
20 - Consta do Anexo H do Caderno de Encargos, a lista dos Estabelecimentos de Educação e Ensino da Rede Pública do Município ... abrangidos pelo concurso, dentro dos quais se incluiu o refeitório da Escola Básica ..., onde prestou serviço a A. em determinados períodos, conforme doc. junto de fls 72 v. e ss (doc. 3 da contestação) que ora se dá por integralmente reproduzido. (do art. 14.º da contestação)
21 - Por Despacho de 3 de Setembro de 2014, foi adjudicado à R. o serviço subjacente ao referido concurso público, conforme doc. de fls 74 (doc. 4 da contestação) que se dá aqui por integralmente reproduzido. (do art. 15.º da contestação)
22 - Em 1 de Outubro de 2014, foi celebrado o respectivo Contrato de Fornecimento entre o Município ... e a R, conforme doc. junto de fls 75 e ss (doc. 5 da contestação) que se dá por integralmente reproduzido. (do art. 16.º da contestação)
23 - O prazo estabelecido no contrato, de acordo com o respectivo Caderno de Encargos, foi de cerca de 10 meses, reportando-se ao ano lectivo 2014/2015 (cfr. cláusula 2.ª do doc. 5) (do art. 17.º da contestação)
24 - Tendo ficado também estabelecida a possibilidade de renovação automática, por períodos de um ano lectivo e num máximo de duas vezes, caso não fosse denunciado, com a antecedência de sessenta dias relativamente ao seu termo (cfr. mesma cláusula do doc. 5). (do art. 18.º da contestação)
25 - Em 28 de Novembro de 2014 foi emitido o visto do Tribunal de Contas relativamente ao Contrato de Fornecimento, conforme doc. de fls 78 (doc. 6 da contestação) que se dá por integralmente reproduzido. (do art. 19.º da contestação)
26 - O contrato de fornecimento foi executado durante o ano lectivo 2014/2015. (do art. 20.º da contestação)
27 - Não tendo o Município ... vindo a denunciar o referido contrato com a antecedência de 60 dias relativamente ao seu termo, o mesmo acabou por se renovar para o ano lectivo seguinte, tendo sido executado igualmente no ano lectivo 2015/2016. (do art. 21.º da contestação)
28 - A mesma situação tendo-se vindo a verificar no final da primeira renovação, isto é, não tendo o Município ... vindo denunciar o contrato de fornecimento com a antecedência de 60 dias relativamente ao termo da primeira renovação, o mesmo acabou por se renovar, uma última vez, para o ano lectivo seguinte, tendo sido executado no ano lectivo 2016/2017. (do art. 22.º da contestação)
29 - A R. viu-se na contingência de ter de utilizar dezenas de trabalhadores estritamente ao serviço da prestação de serviços nas escolas da Câmara Municipal .... (do art. 36.º da contestação)
30 - Trabalhadores que não seriam necessários serem contratados, se acaso a R. não tivesse ganho o concurso e celebrado o correspectivo Contrato de Fornecimento. (do art. 37.º da contestação)
31 - Não tem a R. nos respectivos quadros trabalhadores disponíveis para integrar os refeitórios das escolas da Câmara Municipal ..., tendo em conta não só o elevado número de trabalhadores envolvido, como as categorias específicas exigidas. (do art. 38.º da contestação)
32 - Para além de não saber onde colocar tais dezenas de trabalhadores nos quase 3 (três) meses de férias escolares, findo tal período (ano lectivo 2016/2017) a R. não teria possibilidade de recolocar as dezenas de trabalhadores entretanto contratados, no caso de não renovação do contrato, não abertura do concurso, ou de diminuição de número de refeitórios e/ ou número de refeições. (dos art.s 40.º, 45.º e 47.º da contestação).
33 – A A. foi contratada pela R., através de uma empresa de trabalho temporário – a empresa “J...” -, para prestar funções no N... da Maia, entre 7 de Setembro de 2017 e 2 de Outubro de 2017. (dos art.s 96.º da contestação e 52.º da petição inicial)

3 – Objeto do recurso

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso - arts. 635, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho -, integrado também e naturalmente pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, afigura-se-nos serem de destacar como questões a decidir as seguintes:
- se há que alterar a matéria de facto fixada na 1ª instância;
- se é de considerar inválida a contratação da A. pela R. a termo e, em caso afirmativo, se deve considerar-se que foi ilicitamente despedida e, neste caso, que créditos lhe assistem, designadamente a nível indemnizatório.

3.1 – Da alteração da matéria de facto:

De acordo com o disposto no art. 662º, nº 1, do CPC, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Lê-se no Acórdão do STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt, “(…) o legislador pretendeu que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise (…)”.
Os poderes da Relação ao nível do julgamento da matéria de facto foram efectivamente reforçados na actual redação do CPC, podendo a segunda instância reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas, declarações de parte e documentos.
No entanto, a reapreciação da matéria de facto está subordinada ao(s) ónus imposto(s) ao recorrente no art. 640º do CPC, designadamente: o de indicar os concretos pontos de facto que considera indevidamente julgados; o de indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo da gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre aqueles pontos (com as especificações, em caso de gravação, exigidas no nº 2 do preceito); e, ainda, o de indicar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Vejamos então que pontos da matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo estão em crise no caso dos autos e se e em que medida devem ser alterados.
Sustenta a Autora/recorrente, em suma, que, face ao que já foi dado como provados sob os ARTIGOS 3º, 6º, 7º, 8º 16º E SS. da matéria de facto atrás transcrita e tendo em conta a prova testemunhal, nomeadamente da Sra. G... (cozinheira) e Sra. I... (empregada de refeitório) - que mencionaram de forma clara que após a cessação do contrato da autora existiram 5 trabalhadores na C... quando antes eram 4 e que o número de refeições aumentou em média para 450 quando antes eram cerca de 400 – deveriam também ser dados como provados os seguintes factos:
Relativamente ao Ponto 3 que:
“A autora é que tinha mais experiência e antiguidade como empregada de refeitório face às outras colegas de trabalho pois já trabalhava desde setembro de 2013 e até mesmo para a ré C... antes do contrato escrito de setembro de 2016 e foi contratada para prestar funções como empregada de refeitório na escola básica ..., sito na Rua ..., ..., Gondomar, pelas seguintes empresas:
- Ano lectivo Set2013/Junho2014 com a empresa D...
- Ano lectivo Set 2014/Junho 2015 com a ETT E...
- Ano lectivo Set 2015/Junho 2016 com a ETT E..., entre meados de Janeiro e meados de Março e entre meados de abril e meados de junho, de 2016, sendo a C... que lhe dava ordens através da chefe F...”.
Relativamente aos Pontos 26, 27, 28 e 33 que:
“- A ré teve contrato de concessão na unidade por 3 anos (2014/2015 (1º ano de contrato); 2015/2016 (1ª renovação) e 2016/2017 (2ª renovação), sendo certo que a autora prestou funções para a ré C... durante 2 anos lectivos consecutivos (2015/2016 e 2016/2017), ou seja, a ré já conhecia perfeitamente o bom trabalho da autora e até já tinha trabalhado antes para a mesma; contudo a justificação do contrato de trabalho de 15/09/2016 até 23/06/2017 (ano lectivo 2016/2017) era para um acréscimo de trabalho temporariamente definido embora, por um lado, a autora já desempenhasse funções no ano lectivo 2015/2016 e por outro lado a ré voltou a ganhar o concurso no ano lectivo de 2017/2018 e tendo a autora trabalhado outra vez para a ré através de uma ETT (J...) no N... da Maia a 40 horas por semana; ou seja, é claro e óbvio que não era naturalmente um acréscimo temporário de trabalho conforme alegado no contrato da ré mas sim necessidades permanentes, efetivas e duradouras.
- Existiu um aumento do número de crianças nas escolas e aumentou substancialmente o volume de trabalho, pois por essa razão é que foram contratadas mais pessoas no presente ano 2017/2018, nomeadamente 5 trabalhadoras até à entrada da acção, a cozinheira (Dª. G...) e empregadas de refeitório, K... (que já vinha de outra unidade O... e até foi aumentada uma hora de trabalho), I... (que também foi aumentada uma hora de trabalho) e pela empresa de trabalho temporário (ETT) a trabalhadora L... (filha da cozinheira G...) e ainda outra colaboradora contratada a cinco horas; quando apenas existiam 4 trabalhadoras no ano em que a autora prestou funções para a ré (2016/2017), ou seja o volume de trabalho aumentou.
- Acresce o facto de que no ano lectivo 2017/2018 a média de refeições é de 450 quando no ano lectivo de 2016/2017 era de 400 refeições, ou seja, o volume de trabalho aumentou significativamente e portanto não é acréscimo excepcional da actividade da empresa e sendo certo que 400 refeições por dia já é um grande volume de trabalho notório ou mesmo 1.113.120 refeições / 10 meses = 111.312 refeições por dia conforme acordado no contrato e ponto 18 assente.
- Contudo, apesar desta realidade que era do perfeito conhecimento da ré, a autora desempenhar diversas funções conforme assente no ponto 6 e ter ganho de novo o concurso para o ano lectivo 2017/2018, no dia 23/06/2017 comunica à autora a caducidade do contrato de trabalho e não voltou mais a contratar a autora apesar de lhe ter referido verbalmente o contrário”.
Para além destes aditamentos à matéria de facto, reclama a recorrente que deverão deixar de constar como assentes “os pontos 29, 30º, 31º e 32º” porque “não foi feita prova bastante e aliás porque o objecto social da ré conforme assente no ponto 2º é a área da restauração e cantinas e por isso, por um lado, deveria ter contratos de trabalho pelo menos pelo período dos contratos de concessão (3 anos) pois eles renovaram-se, facto do perfeito conhecimento da ré e ponto assente no 24 e por outro lado, pela lógica da ré e objecto social então nunca teria trabalhadores nos quadros”.
Ora, apreciando estas pretensões da recorrente quanto à matéria de facto, cumpre-nos desde logo ressaltar que não se nos afigura que tenham sido por ela cumpridos os ónus impostos no referido art. 640º do CPC, designadamente o de indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo da gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre aqueles pontos, com as especificações, dada a gravação efetuada, exigidas no nº 2, al. a), do preceito.
Nos termos daquele artigo 640º do CPC “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo do poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (…) [sublinhado da nossa autoria].
A omissão ou não satisfação cabal destas exigências foi, e bem, notada pela Ré nas contra-alegações que apresentou e onde refere, ainda, com pertinência, que:
“5. A Recorrente afirma que deveriam ter sido dados como provados alegados factos, que, na realidade, são meras conclusões de facto e mesmo de Direito, que jamais poderiam constar da decisão sobre a matéria de facto.
6. A Recorrente não faz corresponder os depoimentos transcritos com os “factos” concretos que pretenderia dar como provados. (…)
10. Além de matéria conclusiva, a Recorrente invocou matéria que jamais havia sido referida e que não consta da respectiva petição inicial, no que se refere ao número diário de refeições distribuídas” (…)
14. Tão pouco poderá proceder a pretensão da Recorrente de serem dados como não provados os factos 29, 30, 31 e 32.
15. Não invoca a Recorrente qualquer motivo para tal alteração, limitando-se a referir que não foi feita prova bastante”.
No mesmo sentido se pronunciou o Ministério Público no parecer supra referido e em parte transcrito.
É certo que, nas suas alegações (vd. art. 3º), a recorrente procede à transcrição de partes dos depoimentos prestados, designadamente pelas testemunhas G... (cozinheira), I... (empregada de refeitório) e M... (gestor de operações)
Mas a transcrição é uma mera faculdade, que não se confunde nem supre a exigência processual de “indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso” e que “impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (art. 640º, nº 1, al. b), e nº 2, al. a), do CPC). É que o que o Tribunal de recurso pode e deve apreciar, não são transcrições (que podem ou não corresponde às gravações, com maior ou menor rigor), mas as próprias gravações (com tudo o que delas consta, incluindo pausas, hesitações, formas de perguntar e, enfim, tudo o que melhor traduz o que se passou no julgamento); e, para este efeito, tem de saber quais os excertos que carece de ouvir, segundo indicação de quem recorre.
António Abrantes Geraldes refere – em comentário ao citado artigo 640º – que (…) “O recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos” (…) e acrescentado ainda que (…) “as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo” (…) – Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, páginas 126/127/129.
No fundo, de acordo com a exigências legais e sendo, apesar de tudo e em comparação o recurso ao nível do direito, o recurso da matéria de facto um recurso mais exigente ou excepcional, o recorrente está adstrito a evidenciar perante o Tribunal de Recurso que, ao ter dito o que disse neste ou naquele momento em particular, a testemunha A. ou B impunha que tivesse sido considerado como provado ou não provado este ou aquele facto em concreto.
Não é isso que vemos no recurso apresentado, em que os depoimentos são transcritos com passagens seguidas e em conjunto, só depois das transcrições e de outros considerandos/opiniões vindo a recorrente indicar, também em conjunto e sem relação definida com uma ou outra daquelas passagens, uma série de factos que julga deverem ou não ser considerados provados.
Acresce que, quanto aos factos que julga deverem ser dados como provados, a recorrente não os faz reportar a matéria concretamente alegada neste ou naquele ponto deste ou daquele articulado, o que não deixa de ser igualmente um ónus, dado o principio do art. 5º do CPC, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, do CPT, e dado que a consideração de outros factos sempre dependeria das circunstâncias, especiais e a demonstrar, que o art. 72º, nº 1, do CPT refere.
Nestes termos, não se conhece do objecto do recurso na parte em que versa sobre a impugnação da matéria de facto.

3.2 – Da validade (ou não) da contratação a termo

Rejeitado o recurso na parte da matéria de facto e mantendo-se pois esta nos estritos termos em que foi fixada pelo Tribunal recorrido, vejamos as questões de direito supra enunciadas e que se prendem com saber se a A. estava ou não validamente contratada a termo e se, em conformidade, podia ou não ser dispensada como foi.
Nos termos do artigo 140º, nº1 do C. do Trabalho de 2009 – aplicável ao caso tendo em conta a data da celebração do contrato a termo com a Ré – “O contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para a satisfação de necessidade temporária da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidades, sendo que “ Considera-se, nomeadamente, necessidade temporária da empresa: acréscimo excepcional da atividada da empresa” (nº2, al. f) do citado artigo).
Bernardo da Gama Lobo Xavier, com a colaboração de P. Furtado Martins e A. Nunes de Carvalho, refere que “As situações previstas no artigo 129º” (do CT de 2003, actual art. 140º do CT de 2009)” do Código do Trabalho podem ser reconduzidas a dois grandes grupos de casos. Um de carácter objectivo que tem a ver com a precariedade dos próprios postos de trabalho, excepcional ou temporariamente abertos, ou não firmes por falta de consolidação de um conjunto de actividades do empregador, e outro de carácter mais subjectivo e que, de certo modo, resulta de situações específicas dos trabalhadores” (…) – Iniciação ao Direito do Trabalho, 3ªedição, páginas 409/410.
A situação indicada na al. f) do nº2 do artigo 129º do CT/2003 – a que é invocada para o contrato sub judice – reveste pois e segundo este critério carácter objectivo.
Por sua vez, o artigo 131º, nº1, al. e) do C. do Trabalho exige que do contrato conste, entre outras formalidades, a indicação do termo estipulado e do respectivo motivo justificativo, devendo, nos termos do nº3 da mesma disposição legal, a mesma ser feita “pela menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado”.
Decorre do acabado de referir que não basta indicar no contrato de trabalho as menções referidas no artigo 140º, nº2 do C. do Trabalho, mas concretizar em factos essas menções, de modo a permitir “a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia do art.129º; e a realidade e a adequação da própria justificação invocada face à duração estipulada para o contrato” – M. Fernandes, Direito do Trabalho, 13ªedição, página 319.
Neste sentido é o acórdão do STJ de 18.6.2008 [publicado na CJ, acórdãos do STJ, ano 2008, tomo II, páginas 281/283] onde se defende que (…) “a falta de concretização, no próprio documento, dos factos e circunstâncias que motivaram a contratação da recorrente, importa a nulidade da estipulação” (…).
Susana Sousa Machado tem idêntico entendimento ao referir que (…) “a fundamentação do contrato a termo deve constar do texto do contrato, com referência circunstanciada aos motivos que lhe servem de base. Assim, a exigência do nexo de causalidade entre a justificação invocada e o termo estipulado deve reflectir-se no elevado grau de precisão exigido na redacção da respectiva cláusula contratual (…) – Contrato de Trabalho a Termo, página 200.
Posto isto, cumpre averiguar se a Ré concretizou as razões da contratação da Autora.
O nº 1 da cl. 3ª do contrato a termo (“1. A celebração do presente contrato de trabalho é feita ao abrigo e nos termos conjugados do disposto no nº1 e na alínea f) do nº2 do artigo 140º do Código do Trabalho”) limita-se a remeter para o texto da própria lei, nada concretizando. E o mesmo se diga da parte inicial do nº 2, onde se refere que “se verifica um acréscimo excepcional da actividade da Empresa, temporalmente definido”
Já a parte restante do nº 2 da mesma cláusula concretiza que aquele acréscimo de atividade se verifica “no âmbito do contrato celebrado entre a C..., Lda e a Câmara Municipal ..., para fornecimento de refeições nos refeitórios escolares nas escolas especificadas no contrato indicado para o ano letivo de 2016/2017. O fornecimento de refeições é influenciado de acordo com o calendário letivo de aulas, frequências e períodos de pausa, sendo necessário ajustar o quadro de pessoal de acordo com o indicado”.
Será esta justificação bastante para respeitar as exigências legais?
Lendo-a e colocando-nos na posição da trabalhadora/Autora, como sua destinatária, apenas retiramos a conclusão de que, por detrás da celebração do contrato de trabalho a termo certo, está a celebração de um contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e o Município ... pelo mesmo período, correspondente ao ano lectivo 2016/17.
Ora, tal indicação/referência ao contrato de prestação de serviços que a aqui Ré/apelada celebrou com a CM de ... é, a nosso ver, insuficiente para se poder concluir que o motivo aposto no contrato está devidamente justificado.
Na verdade, se está provado que a Ré se dedica à prestação de serviços na área da restauração e cantinas, entre as quais a da Escola Básica ..., em ..., que ganhara um concurso publico para o efeito desde 2014 e que o contrato celebrado com o Município para o ano lectivo de 2014/15 apenas tinha a duração de 10 meses e um máximo de 2 renovações, não é menos certo que essa actividade exercida pela Ré não se pode considerar, pelo menos por si só, um acréscimo excepcional da atividade.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, a celebração de contratos de prestação de serviços de natureza temporária pela empresa não constitui razão, nem pode fundamentar, por si só, a contratação a termo certo de um trabalhador, ainda que pelo mesmo período daquele contrato de prestação de serviço ou com termo aquando do termo desse contrato. Se assim fosse entendido, então, a Ré, que presta serviços a terceiros, bem poderia celebrar apenas contratos de trabalho a termo certo, ficando dispensada de celebrar contratos de trabalho por tempo indeterminado, o que, e salvo o devido respeito, constituiria fraude à lei [concretamente às disposições que regem a contratação por tempo indeterminado] e violaria o direito à segurança no emprego consagrado no artigo 53º da Constituição da República Portuguesa.
Na verdade, e em face da matéria provada, resulta que a Ré recorreu à contratação a termo para satisfazer os seus serviços «concretamente definidos nos contratos de prestação de serviços», que executa, com o fundamento de que eles não são duradouros. Só que esses mesmos serviços, que ela diz não serem duradouros, constituem o seu escopo social, a sua actividade, que de nada tem de precário, a não ser que ela, Ré, seja extinta.
E não adianta à R. demonstrar agora, como demonstrou e ficou assente sob o facto nº 31, que, quando celebrou o contrato com a CM de ..., não tinha nos seus quadros trabalhadores disponíveis ou suficientes para integrar os refeitórios das escolas desse município. Essa justificação, ainda que verdadeira, não foi explicitada no texto do contrato (cl. 3ª) e não é, como tal, atendível para reconhecermos a validade deste.
A menção de factos concretos e justificativos do prazo estabelecido trata-se, segundo a lei (art. 141º, nºs 1, al. e) e nº 3), de uma formalidade “ad substantiam”, isto é, exigida para a própria validade do contrato e insusceptível por isso de ser suprida por outros meios de prova – cfr. o art. 364º do Cód. Civil. Esta é, com efeito, a interpretação praticamente uniforme da jurisprudência, podendo citar-se, entre outros, os Acórdãos do S.T.J. de 23/01/02 e de 25/09/02, in AD, 491º, p. 1540, e 495º, p. 504; do S.T.J. de 19/02/03, proc. 03S2558, in www,dgsi.pt; do S.T.J. de 14/01/04, in C.J./04, 1º, p. 249; da Rel. Lisboa de 18/05/05, proc. 1601/2005-4, in www.dgsi.pt; da Rel. Porto de 8/01/07, proc. 0644792, in www.dgsi.pt; do S.T.J. de 17/01707, proc. 06S3750, in www.dgsi.pt.
A fundamentação que a ré consignou na dita cláusula 3.ª para justificar a aposição do termo resolutivo não esclarece pois, a nosso ver, de forma concreta e suficientemente explícita, porque a R. se estava a ver confrontada com um acréscimo excepcional da actividade da empresa da ré e apenas poderia garantir a ocupação da A. pelo período que a ocupou na escola em que a colocou.
No sentido, aqui defendido, foi o acórdão desta Secção Social de 11.01.2010 proferido no processo 52/08.5TTVNG. P1, publicado em www.dgsi.pt.; e, mais recentemente, os acórdãos de 11.06.2012, de 24.09.2012 e de 18.02.2013, proferidos nos processos 143/11.5TTVNF.P1, 852/11.9TTGMR.P1 e 1403/11.0TTPNF.P1, respectivamente, publicados no mesmo sítioo; se bem que se conheça a existência de decisão em sentido diverso com o acórdão de 24/01/2011, proferido no âmbito do processo nº 76/09.5TTGDM.P1 (então já com um voto de vencido).
Ao nível do STJ, podemos citar, no sentido ora pugnado, o Acórdão do STJ de 2013-02-06, proferido no Proc. nº 154/11.0TTVNF.P1.S1, também disponível in www.dgsi.pt.

Dito isto, não sendo o termo de dar por validamente justificado no texto contratual, irrelevante se torna considerar se a R. visou ou não “iludir as disposições que regulam o contrato sem termo”, tal como previsto e sancionado no art. 147º, nº 1, al. a), do CT, que a A. também invoca em pretenso abono da sua tese.
De idêntico modo, irrelevante se torna apreciar se a R., ao contratar a A. em 15/09/2016, violou o disposto no n.º 1 do art. 143.º do CT (sobre sucessão de contratos para o mesmo o posto de trabalho), o que, a verificar-se, também acarretaria considerar-se o contrato a termo celebrado naquela data como contrato sem termo - cf. art. 147.º/1 d) do CT. Sempre se dirá, porém, que a situação configurada nos autos bem se poderia enquadrar na excepção a que alude a al. b) do n.º 2 do art. 143º (acréscimo excepcional da actividade da empresa após a cessação dos contratos anteriores); e, como se considerou já no acórdão desta Relação do Porto de 2/12/2013, proferido no âmbito do processo nº 3/12.2TTGDM.P1, relativo à mesma Ré, a “proibição” do art. 143º, nº 1, do CT/2009 “não é, todavia, aplicável aos contratos de trabalho a termo celebrados por virtude de acréscimo excepcional da atividade da empresa, após a cessação do contrato”. Acresce que, como notou a ré (art. 61.º da contestação) relativamente ao contrato que vigorava antes (para o período entre meados de Abril e meados de Junho de 2016) e apesar das ordens já serem suas (da chefe F...), não se tratou de um contrato de trabalho a termo mas de trabalho temporário, celebrado com outra empresa (a ETT E..., sendo a R. e ao que tudo indica mera utilizadora). E ainda de referir é que a A. nada logrou demonstrar ou sequer alegar no sentido de haver entre a R. e a(s) anterior(es) empregadora(s) qualquer “relação de domínio ou de grupo” ou “estruturas organizativas comuns”, como seria pressuposto para que a R., ainda que o(s) contrato(s) anteriore(s) fosse(m) a termo, estar vinculada a deixar decorrer “um período de tempo equivalente a um terço da duração do contrato (anterior), incluindo renovações” – cfr. 2ª parte do nº 1 do art. 143º do CT. Não vemos pois que se pudesse concluir por qualquer violação do período de um terço estabelecido no n.º 1 do artigo 143.º do Código do Trabalho.
Por último e se bem que a questão já não apareça explicitada no âmbito do recurso, não deixaremos de mencionar, por se tratar de questão suscitada na 1ª instância como contendendo com a validade do termo, o seguinte:
A matéria de facto apurada não permite, também, concluir que tenha havido qualquer violação da proibição de contratos sucessivos prescrita no art. 179.º do CT. Não só os contratos anteriores foram celebrados com distintas empresas, como se desconhece se todos foram contratos de trabalho temporários e/ou porque prazo, em termos de se poder afirmar que já se havia “completado a duração máxima do contrato de utilização do trabalho temporário”. Aliás, ainda que houvesse violação desta proibição, a mesma constituiria a contra-ordenação prevista no nº 3 do art. 179º e não, ou pelo menos não por si só, desencadearia qualquer cominação no sentido de o contrato que veio a ser celebrado com a R. se ter de haver como contrato sem termo.

Mas, em conclusão e face ao que nos é licito conhecer nesta instância, entendemos que, desde logo por motivos formais, não é de julgar válido o termo aposto no contrato de trabalho celebrado entre autora e ré e a que se reportam os autos, não podendo por isso o mesmo ter cessado, como a R. pretende, por caducidade, na data prevista para o seu termo (23/06/2017) – cfr. arts. 149º, nº 1, e 343º, al. a), do CT.
Ao invés, tal cessação tem de ser reputada como um despedimento e, mais, ilícito, posto que não fundado em qualquer justa causa, nem precedido de qualquer procedimento disciplinar ou outro legalmente previsto – cfr. o art. 381º do CT.
Em conformidade e atento o pedido da A./recorrente, cumpre reconhecer o direito da mesma a receber uma indemnização por antiguidade – pela qual optou em vez da reintegração – nos termos do art. 391º do CT, cujo nº 3 estipula num mínimo de 3 meses de retribuição base.
Sendo a retribuição mensal da A. de (vd. facto nº 5) de 473,45 euros à data da cessação do contrato e tendo esta tido apenas a duração de cerca de 10 meses, a indemnização devida será o correspondente àquele montante x 3 = 1 420,35 euros.
A tal indemnização acresce, nos termos do art. 390º do CT, as retribuições que a A. tenha deixado de auferir desde os 30 dias anteriores à propositura da ação (22/10/2017) – posto que esta não foi proposta nos 30 dias seguintes ao despedimento – até ao trânsito em julgado da presente decisão. Como se desconhece se nesse período a A. auferiu outras retribuições, subsídio de desemprego ou, enfim, alguma das quantias a deduzir segundo o nº 2 do art. 390º do CT, temos de relegar o cômputo final da quantia a pagar pela R. para uma liquidação em execução de sentença – cfr. art. 609º, nº 2, do CPC.

4 – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a presente apelação:
- declarando-se inválido o termo aposto no contrato de trabalho entre a Ré C..., Lda, e a Autora B...;
- declarando-se ilícito o despedimento desta por aquela; e
- condenando-se a Ré a pagar à Autora:
a) uma indemnização por antiguidade no valor de 1.420,35 euros; e
b) as retribuições que a Autora tenha deixado de auferir desde os 30 dias anteriores à propositura da ação (22/10/2017) até ao trânsito em julgado da presente decisão, a liquidar em execução de sentença;
- mantendo-se no demais a decisão recorrida.

Custas pela R./recorrida.

Porto, 8/11/2018
Rui Ataíde Araújo
Fernanda Soares
Domingos Morais