Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
29987/15.7T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
PROVA
CAPACIDADE DE GOZO
AVAL
RELAÇÃO DE DOMÍNIO
BENEFÍCIO DA EXCUSSÃO PRÉVIA
Nº do Documento: RP2018012429987/15.7T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 01/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 667, FLS 68-84)
Área Temática: .
Sumário: I - O n.º 1 do art.º 6.º do CSC estabelece os limites da capacidade de gozo da sociedade comercial, definidos em função do fim visado pela sua constituição, sendo pacífica a afirmação de que o fim da sociedade comercial é o lucro, como decorre do artigo 980.º do Código Civil.
II - Em regra, ao prestar garantias reais ou pessoais a dívidas de outras sociedades, a sociedade garante pratica atos contrários ao fim para que foi constituída, daí decorrendo a nulidade de tais atos, salvo ocorrendo duas exceções previstas no n.º 3 do art.º 6.º do CSC: a existência de “justificado interesse próprio da sociedade garante”, ou a existência de “relação de domínio ou de grupo”.
III - Provando-se que os sócios da sociedade dadora do aval, deliberaram por unanimidade prestar tal garantia a uma outra sociedade, com fundamento na existência de «um justificado interesse próprio desta sociedade na concessão deste aval, dadas as profundas relações comerciais existentes”, e que a sociedade garante era titular de 96% do capital social da sociedade beneficiária da garantia, deverá concluir-se que se verificam as duas exceções previstas no n.º 3 do art.º 6.º do CSC.
IV - A obrigação do avalista é independente e autónoma da obrigação do avalizado e mantém-se mesmo que a deste seja nula, por qualquer fundamento que não um vício de forma, sendo uma obrigação solidária com a do avalizado, não gozando por isso do benefício da excussão prévia.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 29987/15.7T8PRT-A.P1

Sumário do acórdão:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Em 4.12.2015, no Juízo de Execução do Porto (Juiz 5) do Tribunal da Comarca do Porto, B..., SA, instaurou ação executiva contra C..., SA, para cobrança coerciva da quantia de € 329.457,35, com base na livrança vencida em 13.12.2012, com os seguintes dizeres: Livrança nº ..................; Importância - € 269.395,33; Local e data de emissão – Porto – 2012/12/03; Vencimento – 2012/12/13; Titulação de garantia autónoma 2008.00290; Subscritora – D..., Lda, com aposição no local respetivo da assinatura de dois gerentes sobre o carimbo da referida sociedade; Avalistas – E..., F..., G..., H... e I..., SA, com aposição das suas assinaturas (no último caso, com a assinatura do representante F... sobre o carimbo da sociedade) na face posterior precedidas da frase “bom para aval ao subscritor”.
Em 15.02.2016, a executada C..., SA, deduziu oposição por embargos de executado, alegando em síntese[1]: (i) a prescrição do direito de ação nos termos dos artigos 70º, 1, 77º e 32º, 1, da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, por ter decorrido prazo superior a três anos desde a data do vencimento até à citação da executada; (ii) a nulidade do aval prestado pela executada C..., SA (anteriormente designada I..., SA) a favor da sociedade D..., Lda, nos termos do artigo 6º, nºs 1 e 3, do Código das Sociedades Comerciais, pelo facto de a executada não ter qualquer interesse nem ter recebido qualquer benefício como contrapartida da garantia prestada, a qual foi totalmente gratuita; (iii) a inexistência parcial do crédito exequendo por não ter sido considerado o pagamento no âmbito da insolvência da sociedade D..., Lda (Processo nº 2166/10.2TBPFR), decorrente da execução da hipoteca do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o nº 727/19940413 (freguesia ...) registada sob a AP. 27, em 07/04/2008, bem como do penhor constituído sobre 6000 ações nominativas representativas do capital social da própria exequente, pertencentes à sociedade insolvente; (iv) a inexigibilidade dos juros moratórios em virtude de a livrança dada à execução não ter sido apresentada a pagamento à embargante e por não ser do seu conhecimento aquando da prestação do aval o local de pagamento inscrito na mesma “Av. ..., .... – 3º Esc. .../... – ....-... Porto”, e, finalmente, (v) a inexigibilidade dos juros moratórios à taxa prevista para as operações comerciais.
Os embargos foram liminarmente admitidos por despacho de 25.02.2016.
Notificada, a embargada apresentou contestação, pugnando pela improcedência das exceções invocadas e a consequente manutenção do título dado à execução, terminando pelo pedido de condenação da sociedade executada como litigante de má-fé.
Em 5.03.2017 foi proferido despacho, no qual: i) se dispensou a realização da audiência prévia; ii) se saneou o processo, considerando-se presentes todos os pressupostos processuais que permitem o conhecimento do mérito; iii) se julgou improcedente a alegada exceção de prescrição do direito de ação; iv) se identificou o objeto do litígio; v) se enunciaram os temas da prova, programando-se os atos da audiência.
Não se conformou a embargante, com a decisão proferida sobre a prescrição invocada, e interpôs recurso de apelação.
O recurso foi admitido por despacho de 29.05.2017, a subir de imediato, em separado e com efeito meramente devolutivo.
O recurso subiu em separado, tendo sido confirmada a decisão neste Tribunal, por acórdão de 12.07.2017.
Em 30.05.2017 realizou-se a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença em 29.06.2017, com o seguinte dispositivo:
«Assim, em face de todo o exposto, decide-se julgar parcialmente procedentes, por parcialmente provados, os embargos de executado deduzidos pela executada C..., SA, determinando-se, em consequência, o prosseguimento da respetiva ação executiva intentada pela exequente B..., SA, mas apenas para pagamento da quantia de € 269.395,33, acrescida dos juros vencidos e vincendos à taxa legal de 4%, contados a partir de 13/12/2012 até integral pagamento.
Custas por embargante e embargada na proporção do respetivo decaimento (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil)».
Não se conformou novamente a embargante e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações, findas as quais formula as seguintes conclusões:
1 – A decisão proferida sobre a matéria de facto deve ser alterada nos exactos termos alegados no antecedente item i, 1 e 2, aqui dados por reproduzidos por manifesta questão de economia processual.
2 - a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades não faz parte do objecto social da apelante (cf. n.º 9 dos factos provados), o qual determina a sua capacidade jurídica nos termos dos artigos 160º do código civil e 11º do csc, nem contribui, objectivamente, para a realização da finalidade lucrativa que a caracteriza.
3 - por regra, a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades é nula por se considerar contrária ao fim da sociedade, na medida em que excede a sua capacidade de gozo, faltando-lhe em absoluto o direito de se obrigar nas referidas condições.
4 - o ónus de alegar e provar a verificação de alguma das excepções a essa regra, previstas na 2ª parte do nº 3 do artigo 6º, do CSC - o justificado interesse próprio ou a relação de domínio entre as sociedades garante e garantida -, recaía sobre a apelada. porém,
5 - a apelada não alegou quaisquer factos ou circunstâncias concretas que traduzissem o justificado interesse próprio da apelante na prestação do aval ou sequer a relação de domínio entre ambas as sociedades, como era ónus seu para se prevalecer, validamente, da garantia invocada. por conseguinte,
6 - o aval pelo qual a apelante está a ser executada é nulo por força do disposto no artigo 6.º, n.ºs 1 e 3, do csc.
7 – nenhuma das circunstâncias consideradas pelo tribunal “a quo” para afirmar a validade do aval tem fundamento, ou sequer virtualidade, para afastar a nulidade de que o mesmo enferma. de facto,
8 – não se pode considerar provado que a sociedade I..., S.A. seja titular de uma quota correspondente a cerca de 96% do capital social da sociedade D..., Lda. por outro lado,
9 - a deliberação social inserta na acta nº 1/2008 (fls.58/58vº) não serve para justificar o interesse próprio da apelante no aval em causa visto que, na sua motivação, é completamente omissa quanto às circunstâncias concretas que, objectivamente te apreciadas, traduzam a obtenção de qualquer vantagem ou ganho para a apelante. de facto,
10 – O que dela resulta é que essa garantia da apelante era fundamental, isso sim, para a concretização de um financiamento essencial à viabilidade da sociedade D..., Lda. ora,
11 - O justificado interesse próprio há-de ser da sociedade garante “e não o de proporcionar uma vantagem ao credor ou ao devedor (em e por si)”. de resto,
12 - Validar-se a dita deliberação para justificar o interesse próprio da apelante na prestação do aval em causa significaria que “cairíamos no absurdo de ser, afinal, o incapaz a decidir da sua capacidade de gozo”. Por outro lado,
13 - O interesse próprio da pessoa singular que é, simultaneamente, administrador da sociedade avalista e gerente da sociedade avalizada não se confunde, de modo algum, com os interesses de cada uma delas, nem poderá motivar a prática de quaisquer atos no exercício das suas funções. de facto,
14 – Cada sociedade tem a sua própria personalidade e capacidade jurídicas, que compreendem “os direitos e obrigações necessárias ou convenientes à prossecução do seu fim” – artigo 6º, nº 1, CSC. Acresce que
15 – A invocação pela apelante da nulidade do aval não consubstancia qualquer abuso de direito. na verdade, 16 - o nº 3 do artigo 6º do csc visa acautelar os interesses de terceiros, “maxime” dos credores sociais da sociedade garante, das consequências nefastas que para si provocariam, se consideradas válidas, garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, não tendo a sociedade capacidade para assumi-las, por estranhas ao seu objecto e finalidade. por isso,
17 – Considerar abusiva a invocação da nulidade do aval por parte da apelante significa esvaziar de qualquer utilidade o nº 3 do artigo 6º do CSC, contrariando o pensamento legislativo que esteve na base do preceito. outrossim,
18 - Do contrato de fls 8vº/11vº consta expressamente que o crédito da apelada beneficia de duas garantias reais, hipoteca e penhor, contemporâneas da prestação do aval, não sendo verosímil que a apelante se obrigaria à mesma caso não existissem essas garantias reais.
19 – A 2ª parte do n.º 1 do artigo 639º do Código Civil reconhece ao fiador “o direito de exigir a execução prévia das coisas sobre que recai a garantia real” e consagra a presunção implícita de que, existindo garantia real contemporânea, o garante “não quis responsabilizar-se pela dívida senão depois de excutidos os bens onerados”.
20 - Estando a dívida garantida por bens de terceiro, da análise conjugada dos nº 2 e 3 do artigo 54º CPC resulta que “(…) o credor está obrigado a intentar a execução contra o possuidor dos bens dados em garantia” e só depois de reconhecida a insuficiência desses bens é que poderá executar também o devedor”,
21 - Regra que se deverá aplicar também quando a execução tiver sido requerida contra o terceiro garante, desde que o património deste não responda apenas subsidiariamente. Assim,
22 - Estando a dívida exequenda provida de garantias reais, cabia à apelada alegar e provar a insuficiência dessas garantia para conseguir o fim da execução, como pressuposto para poder executar a apelante, o mesmo é dizer, fazer recair a penhora noutros bens, como se exige no nº 1 do artigo 752º, CPC, o que ela não fez.
23 – Assim não tendo sido decidido, salvo o devido respeito, a sentença recorrida violou, entre outros e além do mais, os artigos 160º, 342º, nºs 1 e 3, 349º, 351º, 371º e 639º do Código Civil, 1º, nº 1, 3º, nº 1, a), 15º, nº 1, e 75º, nºs 1 e 2, do Código do Registo Comercial, 607º, nº 5, 608º, nº 2, e 752º nº 1, do Código de Processo Civil, e 6º, nº 3, e 11º do Código das Sociedades Comerciais.
Termos em que, e nos melhores de direito supridos, deve ser revogada a sentença recorrida e:
a) ser declarada a nulidade do aval por via do qual a apelante está a ser executada; quando assim se não entenda, o que apenas se concebe para efeito de raciocínio,
b) ser rejeitada a execução por falta de pressuposto do direito à execução por parte da apelada, qual seja a demonstração da insuficiência das garantias reais (hipoteca e penhor) para conseguir o fim da execução.
Assim será feita JUSTIÇA!
Não foi apresentada resposta às alegações de recurso.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 3.º, n.º 3, do diploma legal citado), consubstancia-se nas seguintes questões: i) apreciação do recurso da embargante sobre a decisão da matéria de facto; ii) apreciação do mérito jurídico da sentença, em função da factualidade definitivamente provada.

2. Impugnação da decisão da matéria de facto
2.1. Impugnação baseada na certidão da CRP junta aos autos a fls. 12 a 18
Alega a recorrente:
«No artigo 26º da oposição à execução foi alegado que a hipoteca constituída sobre o imóvel sito na Rua ..., n.º ..., ..., ....-... ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o nº 727 da freguesia ... e inscrito na matriz urbana sob o art.º 1998, foi registada pela Ap.27 de 2008/04/07 para garantir o montante máximo de € 563.564,00, sendo quanto a € 132.764,00 a favor do J..., S.A. e quanto a € 430.800,00 a favor da Apelada, facto que está aceite expressamente no art.1º da contestação e documentado a fls.12 a 18vº. Porém,
Este facto não foi dado como provado, apesar das certidões juntas a fls. 12 a 18vº e 60 a 64vº fazerem prova plena do que delas consta, nos termos do artigo 371º do Código Civil, limitando-se a sentença recorrida a mencionar que foi constituída hipoteca, mas omitindo que foi devidamente registada em garantia do pagamento do montante máximo de € 563.564,00, sendo quanto à Exequente de € 430.800,00. Assim,
Deverá ser aditado aos factos provados o seguinte:
Foi registada, pelo Ap. 27 de 2008/04/07, uma hipoteca a favor do J..., S.A. e da B..., S.A. sobre o prédio urbano sito na Rua ..., n.º ..., freguesia ..., concelho de Paredes, inscrito sob o artigo matricial 1998, para garantir o montante máximo de € 563.564,00, dos quais € 430.800,00 garantem a dívida exequenda.
Acresce que resulta ainda da referida certidão de fls. 12 a 18vº que a aquisição desse imóvel foi registada a favor do J... pela Ap. 2630 de 2014/04/28, por compra no processo de insolvência da sociedade subscritora da livrança, D..., Lda. – cf. fls. 12 a 18vº. Assim,
Deverá ser aditado aos factos provados o seguinte:
Desde 28 de Abril de 2014 que a aquisição do imóvel objeto da referida hipoteca está registada a favor do J..., S.A., por compra no processo de insolvência da sociedade subscritora da livrança».
Analisada a certidão em apreço, verificamos que constam da mesma as inscrições referidas.
Pese embora o facto de não vislumbrarmos utilidade quanto ao conhecimento do mérito dos embargos, não restam dúvidas sobre a prova dos factos enunciados, pelo que se determina, face à certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de Paredes, junta aos autos a fls. 12 a 18, julga-se procedente o recurso neste segmento, determinando-se o aditamento ao elenco factual, do seguinte:
18. Conforme consta da certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de Paredes, junta aos autos a fls. 12 a 18, foi registada, pelo Ap. 27 de 2008/04/07, uma hipoteca a favor do J..., S.A. e da B..., S.A. sobre o prédio urbano sito na Rua ..., n.º ..., freguesia ..., concelho de Paredes, inscrito sob o artigo matricial 1998, para garantir o montante máximo de € 563.564,00, dos quais € 430.800,00 garantem a dívida exequenda.
19. De acordo com o teor da mesma certidão, desde 28 de Abril de 2014 que a aquisição do imóvel objeto da hipoteca referida no ponto anterior se encontra registada a favor do J..., S.A., por compra no processo de insolvência da sociedade subscritora da livrança.
2.2. Impugnação do facto provado n.º 10
Alega a recorrente:
«Não se mostra produzida prova que permita considerar como provado o facto n.º 10: A sociedade D..., Lda, foi constituída através de registo do respetivo contrato de sociedade em 04/12/2001, fixando a sua sede em ..., freguesia ..., concelho de Paredes, tendo por objeto a indústria do mobiliário, com o capital social de € 55.000,00 divido em cinco quotas, sendo quatro no valor unitário de € 500,00 pertencendo cada uma delas aos sócios F..., E..., G... e H... e, a quinta, no valor de € 53.000,00, pertencente à sociedade I..., SA, cabendo as funções de gerente a F... e E... (…). Com efeito,
Nos termos dos artigos 1º, nº 1, 3º, nº 1, a), 15º, nº 1, e 75º, nºs 1 e 2, do Código do Registo Comercial, esse facto só podia ser provado por meio de certidão válida, certidão que o processo não contém. Por conseguinte,
Subtraído à livre apreciação do julgador por se tratar de facto para cuja prova a lei exige formalidade especial - artigo 607º, nº 5, 2ª parte, CPC –, o mesmo não pode ser considerado provado por não ter sido produzida prova legalmente exigida. É que,
A validade da “certidão” de fls. 82 a 83 expirou em 18 de Abril de 2008.
De resto,
Essa factualidade não foi alegada por qualquer das partes pelo que, salvo o devido respeito, não podia o Tribunal “a quo” tê-la considerado e, muito menos, dela extrair uma relação de domínio entre as sociedades avalista e avalizada, como veio a fazê-lo, em violação do nº 2 do artigo 608º, CPC. Por conseguinte,
Deverá ser eliminado o Facto Provado nº 10».
Vejamos.
A recorrente invoca o artigo 75.º do Código de Registo Comercial, que preceitua no n.º 1 do artigo 75.º, que a prova do registo se faz por meio de certidão, estabelecendo o n.º 2 o prazo de seis meses de validade de tais documentos.
A necessidade sentida pelo legislador, de regulamentar a atividade probatória decorrente dos meios informáticos, levou à aprovação pelo legislador de medidas de simplificação, desmaterialização e desformalização de atos e processos na área do registo predial, bem como de atos notariais conexos, com vista a criar condições para a promoção de atos de registo predial pela internet, nascendo desta iniciativa a certidão permanente de registo predial disponível em sítio na “internet”, através do Decreto-Lei n.º 116/2008 de 4 de julho,
Com a alteração introduzida pelo citado diploma legal, o art.110.º, n.º1 do Código do Registo Predial passou a ter a seguinte formulação:
«1 - O registo prova-se por meio de certidões.
2 - As certidões são válidas por um período de seis meses, podendo ser revalidadas por períodos de igual duração se a sua informação se mantiver atual.
3 - As certidões podem ser disponibilizadas em suporte eletrónico, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
4 - As certidões disponibilizadas nos termos do número anterior fazem prova para todos os efeitos legais e perante qualquer autoridade pública ou entidade privada, nos mesmos termos da correspondente versão em suporte de papel.
5 - Faz igualmente prova para todos os efeitos legais e perante qualquer autoridade pública ou entidade privada a disponibilização da informação constante da certidão em sítio da Internet, em termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
6 - Por cada processo de registo é disponibilizado gratuitamente, pelo período de três meses, o serviço referido no número anterior, salvo se o requerente optar pela disponibilização gratuita de uma cópia não certificada dos registos efetuados».
Em suma, a certidão permanente online tornou-se um meio probatório do registo, e o registo de qualquer ato só se pode provar através da apresentação de uma certidão, que poderá ser online, e que para esse efeito – para prova do registo – não poderá deixar de estar atualizada.
Esta óbvia exigência legal compreende-se perfeitamente: a situação atual de um prédio (aquisição, ónus e encargos), ou de uma sociedade (gerência, sede, capital social, etc.) só poderá ser comprovada através de uma certidão atualizada, válida com referência ao momento do facto que se pretende demonstrar.
Mas não é isso que está em causa relativamente a este facto: à forma como a sociedade foi constituída, aos sócios que a constituíram, ao capital social acordado, etc., etc., com referência ao momento da constituição, in casu, reportado à data de 4.02.2001.
Em suma, a forma como a sociedade foi constituída no ano de 2001, permanecerá, por muitas vicissitudes que a sociedade tenha sofrido ou venha a sofrer (nomeadamente a posterior insolvência), e pode ser demonstrada por uma certidão ainda que desatualizada, não impugnada por falsidade.
A recorrente não alega a falsidade da certidão permanente, nem sequer impugna o facto (que é do seu perfeito conhecimento) de a sociedade D..., Lda., ter sido constituída através de registo do respetivo contrato de sociedade em 04/12/2001, fixando a sua sede em ..., freguesia ..., concelho de Paredes, tendo por objeto a indústria do mobiliário, com o capital social de € 55.000,00 divido em cinco quotas, sendo quatro no valor unitário de € 500,00 pertencendo cada uma delas aos sócios F..., E..., G... e H... e, a quinta, no valor de € 53.000,00, pertencente à sociedade I..., SA, cabendo as funções de gerente a F... e E....
Veja-se que a escritura de hipoteca (fls. 60 a 64) é outorgada por F... [administrador da ora recorrente], esposa E..., G... e H... «que outorgam na qualidade de únicos sócios (além da restante sócia da sociedade, que é a sociedade anónima I..., SA.) e F... e E..., únicos gerentes em representação da sociedade comercial por quotas com a firma “D..., Lda.”».
Veja-se, por outro lado, que o contrato no qual a recorrente presta a garantia foi celebrado em 8 de maio de 2008 (fls. 43 a 45), e só em 27.01.2009 (AP.3/20091027) é registada a alteração ao contrato de sociedade da beneficiária do aval “D..., Lda.”, dividindo-se a quota de € 53.000,00 em duas quotas de € 26.500,00 uma para F... [administrador da ora recorrente], e outra para a sua esposa E....
Em suma, quando o contrato é assinado, tal como decorre do seu teor, a ora recorrente detinha a participação social da beneficiária do aval “D..., Lda.”.
Salvo todo o respeito devido, sabendo a recorrente que este facto é verdadeiro[2] e que a certidão permanente não enferma de qualquer falsidade (porque não a invocou), em nome do princípio da cooperação, previsto no art.º 7.º do Código de Processo Civil, deveria ter-se abstido de invocar um argumento meramente formal, com vista a afastar um facto que poderá ser relevante para se alcançar “a justa composição do litígio”.
Improcede o recurso neste segmento.
2.3. Impugnação do facto não provados a) e c)
Alega a recorrente que o Tribunal deveria ter considerado provado:
- Que a sociedade I..., SA (atualmente designada por C..., SA) não tivesse qualquer interesse na prestação do aval a favor da sociedade D..., Lda. – cf. al. a) dos factos não provados;
- Que a exequente, até à data em que foi instaurada a presente execução, tenha recebido qualquer quantia decorrente da constituição de hipoteca sobre o prédio urbano sito na Rua ..., n.º ..., ..., ....-... ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o nº 727 da freguesia ... e inscrito na matriz urbana sob o art.º 1998, bem como do penhor das 6000 ações – cf. al. c) dos factos não provados.
Funda a sua divergência nos depoimentos das testemunhas K... e L....
Cumpre apreciar e decidir.
Com o devido respeito, temos alguma dificuldade na compreensão da argumentação da recorrente, no que se reporta ao “interesse próprio”.
Com efeito, não foi o Tribunal que afirmou tal “interesse”.
Independentemente das “vantagens concretas” em que se traduza o “interesse” agora impugnado pela recorrente, foi a própria recorrente, através dos seus órgãos representativos, quem o afirmou de forma eloquente, nos termos que constam da ata de fls. 58.
Se não, vejamos:
Resulta da referida ata o facto 8: Por deliberação da sociedade I..., SA. [que posteriormente alterou a sua denominação para C..., SA. (recorrente)] inserta na ata nº 1/2008, constante do documento de fls. 58, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, estando presentes todos os seus acionistas, incluindo o administrador único Sr. F..., tendo como ponto único da ordem de trabalhos “Deliberação sobre a prestação de Aval à sociedade com a Firma “D..., Lda”, foi decidido o seguinte: “Aberta a sessão, e após uma ampla troca de impressões foi aprovado por unanimidade, que esta sociedade preste Aval à sociedade com a Firma “D..., Lda” (…), no âmbito da operação de financiamento com garantia autónoma que esta vai realizar”, consignando-se ainda na referida ata que “Existe um justificado interesse próprio desta sociedade na concessão deste aval, dadas as profundas relações comerciais existentes entre esta sociedade e a sociedade com a firma “D..., Lda” (…) e na medida em que é fundamental a prestação desta garantia para a concretização da operação de financiamento da “D..., Lda”, operação essa essencial à sua viabilidade”.
Reiterando sempre o devido respeito, não vemos como terceiros (testemunhas) possam validamente afastar uma confissão expressa pelos legítimos e, à data, únicos órgãos competentes para decidir sobre essa matéria (os legais representantes da sociedade).
De qualquer forma, ouvimos os depoimentos.
A testemunha K... foi cauteloso, como não podia deixar de ser, perante a afirmação feita pelos próprios representantes legais e exarada em ata: “… acho que nada… até porque as atividades são diferentes… não estou a ver que vantagens a sociedade poderia retirar disso… desde a sua constituição não sei se houve alguma vantagem… acho pouco provável” (08:44); “no período em que exerço as funções, não tenho a evidência de nenhuma vantagem económica…” (09:17).
O depoimento da testemunha L...[3] também pouco adianta.
Referiu que é diretora financeira da sociedade M... e detentora das ações da embargante, e que não encontrou “nenhuma evidência de algum benefício … não há nada na contabilidade que prove isso…” (08:25); “no meu entender não beneficiou nada… ” (08:46), admitindo, no entanto, que F... era, em simultâneo administrador da executada e sócio gerente da D..., Lda. (09:02).
Em suma, face ao teor da ata da deliberação social da embargante/recorrente, que acima se transcreveu, consideramos que os depoimentos invocados não permitem uma resposta positiva ao facto alegado pela recorrente, segundo o qual a sociedade I..., SA (atualmente designada por C..., SA) não teve qualquer interesse na prestação do aval a favor da sociedade D..., Lda.
Permitimo-nos, mesmo, afirmar que mal andaria o Tribunal de 1.ª instância se tivesse concluído pela existência de fundamentos para dar como provada a referida ausência de interesse, contra a expressa manifestação nesse sentido, por parte dos representantes legais da sociedade.
Improcede o recurso neste segmento.
Alega a recorrente que o Tribunal de 1.ª instância não deveria ter considerado não provado que a exequente, até à data em que foi instaurada a execução, tenha recebido qualquer quantia decorrente da constituição de hipoteca sobre o prédio urbano sito na Rua ..., n.º ..., ..., ....-... ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o nº 727 da freguesia ... e inscrito na matriz urbana sob o art.º 1998, bem como do penhor das 6000 ações – cf. al. c) dos factos não provados.
Fundamenta assim a sua divergência:
«… cumpre salientar que dos documentos de fls.12 a 18vº e 19/19vº resulta o seguinte: a) A hipoteca registada pela Ap.27 de 2008/04/07 tem como sujeitos activos a Apelada e o J..., S.A., em paridade e em proporção dos montantes respectivamente garantidos, sendo quanto à Apelada até ao limite de € 300.000,00 de capital, juros estipulados de 11,2%, acrescido de 2%, e despesas de € 12.000,00;
b) O prédio onerado com a dita hipoteca foi apreendido em 19-04-2011 no processo de insolvência de D..., Lda., cuja declaração de insolvência foi registada pela Ap.66 de 2011/06/06;
c) Esse prédio foi comprado pelo J..., S.A. na liquidação da massa insolvente da referida D..., Lda., encontrando-se a aquisição registada pela Ap.2630 de 2014/04/28.
Por conseguinte, de acordo com a lógica jurídica, suportada nas máximas da experiência, é então legítimo inferir que o J..., S.A., como credor garantido e adquirente de bem integrado na massa insolvente da referida D..., Lda., não pôde ser dispensado de depositar a parte do preço necessária para pagar à Apelada, como credora igualmente garantida e em paridade com ele – artigos 165º, CIRE, 815º, 1, CPC, e 349º e 351º, do Código Civil. Por outro lado,
Considerando o registo da hipoteca - em paridade e em proporção dos montantes respectivamente garantidos – e o montante de cada um dos créditos garantidos, 75% do produto da venda do prédio onerado são da Apelada (300.000,00:400.000,00 = 0,75)».
Salvo todo o respeito devido, também neste segmento do recurso nenhuma razão assiste à recorrente.
A afirmação da prova de um certo facto representa sempre o resultado da formulação de um juízo humano, o qual, não podendo basear-se numa absoluta certeza, não pode prescindir da convicção profunda assente em padrões de probabilidade, capaz de afastar a situação de dúvida razoável[4].
Ora, no caso sub judice, é mais do que razoável a dúvida, não estando minimamente provado o facto em apreço.
O funcionamento deste raciocínio lógico-dedutivo proposto pela recorrente, em que a presunção judicial se traduz, tem normalmente como ponto de partida os chamados factos indiciários ou instrumentais, que ao juiz é permitido, mesmo oficiosamente, tomar em consideração. No essencial, as presunções judiciais permitem inferências seguras, suscetíveis de suportar a convicção do julgador, inspiradas “nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana”.[5]
O que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo, analisada de acordo com a sua experiência da vida e conhecimento dos homens, em obediência aos princípios da livre apreciação das provas e da verdade material[6].
Em síntese conclusiva, dir-se-á que a presunção é a inferência ou processo lógico mediante o qual, por via das regras de experiência, se conclui, verificado certo facto, a existência de outro facto, que, em regra, é a consequência necessária daquele.[7]
Há, no entanto, que ter cuidado na extração da inferência lógica referida, na medida em que nessa operação o Tribunal tem de dispor de todos os factos instrumentais que alicerçam a conclusão que se pretende.
Ora, in casu, falta quase tudo.
Havia créditos laborais reclamados na insolvência? Havia direitos de retenção? Quais os privilégios imobiliários invocados e reconhecidos? Podemos afirmar para além de qualquer dúvida razoável que foi paga aquela quantia à exequente?
Afirma a recorrente que não estava em condições de fazer prova do alegado.
Reiterando sempre o respeito devido, entendemos que não tem razão. Bastava ter junto a sentença de graduação de créditos e o mapa de rateio, ou ter solicitado ao Tribunal a requisição de tais documentos.
O que temos por seguro é que os elementos disponíveis não nos permitem afirmar, com um mínimo de segurança, que a recorrida tenha recebido qualquer valor, muito menos quantificá-lo.
Improcede o recurso, também neste segmento.
Decorre de todo o exposto parcial procedência do recurso, da qual resultará o aditamento dos factos 18. e 19., nos termos que se enunciaram no ponto 2.1., improcedendo em toda a parte restante.

3. Fundamentos de facto
Face à decisão que antecede, está definitivamente provada a seguinte factualidade relevante:
1 – A exequente B..., SA, intentou contra as executadas C..., SA, e G..., a ação executiva de que estes autos são apenso, dando à execução a livrança apresentada com o requerimento executivo, encontrando-se o respetivo original integrado no processo executivo, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, contendo, para além do mais, os seguintes dizeres:
- Livrança nº ..................
- Importância - € 269.395,33
- Local e data de emissão – Porto – 2012/12/03
- Vencimento – 2012/12/13
- Titulação de garantia autónoma ..........
- Subscritora – D..., Lda, com aposição no local respetivo da assinatura de dois gerentes sobre o carimbo da referida sociedade.
- Avalistas – E..., F..., G..., H... e I..., SA, com aposição das suas assinaturas (no último caso, com a assinatura do representante F... sobre o carimbo da sociedade) na face posterior precedidas da frase “bom para aval ao subscritor”;
2 – A referida livrança foi subscrita e avalizada, em branco, para garantia de cumprimento das obrigações decorrentes da celebração do contrato de emissão de garantia autónoma nº ........, constante dos documentos de fls. 43 a 68, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;
3 – Através do referido contrato, datado de 08/05/2008, na parte que agora releva, a pedido da sociedade D..., Lda, a exequente declarou prestar a favor do J..., SA, garantia autónoma à primeira solicitação até ao montante máximo de € 300.000,00, correspondente a 75% do capital mutuado e, caso o montante garantido não fosse pago pela referida sociedade total ou parcialmente na data do respetivo vencimento, obrigou-se a pagar ao mencionado Banco os montantes do débito que este declarasse estarem vencidos e não lhe haverem sido pagos pela sociedade mutuária;
4 – Resulta ainda do mencionado contrato que o débito da sociedade D..., Lda, para com a exequente emerge somente do pagamento feito por esta ao Banco beneficiário da garantia, não podendo aquela sociedade opor-lhe quaisquer meios de defesa que pudesse opor ao Banco, incluindo o não vencimento ou o efetivo cumprimento das obrigações por si assumidas perante o mesmo beneficiário, que tornassem inexistente, inexequível ou extinta a dívida satisfeita pela exequente em cumprimento da garantia;
5 – Decorre igualmente do aludido contrato que para garantia de todas as responsabilidades emergentes do mesmo foi entregue uma livrança subscrita e avalizada em branco pelas pessoas ali identificadas, ficando a exequente “desde já, expressamente autorizada, por todos os intervenientes, a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre o segundo contraente [D..., Lda]”;
6 – Ainda no capítulo das garantias, estipulou-se no mencionado contrato que “para garantia das responsabilidades que para o segundo contraente [D..., Lda] emergem da celebração do presente contrato, este constitui, na presente data hipoteca a favor do J..., S.A. e da primeira contraente [B..., SA], em paridade e na proporção dos respectivos créditos, sobre o prédio urbano destinado a Armazém e Actividade Industrial, sito Rua ..., nº ..., freguesia ..., concelho de Paredes, inscritona respectiva matriz sob o art.º 1998 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o nº 00727 (…) Sem prejuízo do estabelecido nas cláusulas anteriores, o segundo contraente constitui por este contrato a favor da primeira, em garantia das responsabilidades decorrentes do mesmo, penhor sobre 6000 acções nominativas representativas do capital da primeira contraente”;
7 - As executadas C..., SA (esta ainda com a denominação I..., SA) e G..., subscreveram o referido contrato de emissão de garantia autónoma nº ........ na qualidade de avalistas;
8 – Por deliberação da sociedade I..., SA, inserta na ata nº 1/2008, constante do documento de fls. 58, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, estando presentes todos os seus acionistas, incluindo o administrador único Sr. F..., tendo como ponto único da ordem de trabalhos “Deliberação sobre a prestação de Aval à sociedade com a Firma “D..., Lda”, foi decidido o seguinte: “Aberta a sessão, e após uma ampla troca de impressões foi aprovado por unanimidade, que esta sociedade preste Aval à sociedade com a Firma “D..., Lda” (…), no âmbito da operação de financiamento com garantia autónoma que esta vai realizar”, consignando-se ainda na referida ata que “Existe um justificado interesse próprio desta sociedade na concessão deste aval, dadas as profundas relações comerciais existentes entre esta sociedade e a sociedade com a firma “D..., Lda” (…) e na medida em que é fundamental a prestação desta garantia para a concretização da operação de financiamento da “D..., Lda”, operação essa essencial à sua viabilidade”;
9 – A sociedade de I..., SA, foi constituída através do registo do respetivo contrato de sociedade em 19/02/2004, fixando a sua sede em ..., freguesia ..., concelho de Paredes, tendo por objeto a compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. Construção de imóveis para venda e urbanização. Aluguer de propriedades. Prestação de serviços no âmbito de promoção e construção imobiliária. Elaboração de estudos, projetos e gestão dos referidos bens imobiliários. Administração e exploração de imóveis e prestação de todos os serviços conexos com tais atividades. Prestações financeiras noutras sociedades. Assessoria nas áreas de gestão e economia, com o capital social de € 200.000,00 dividido em 40000 ações nominativas ou ao portador e reciprocamente convertíveis, obrigando-se pela assinatura do administrador único ou de um mandatário; a referida sociedade teve como administrador único F... no período compreendido entre 19/02/2004 e 30/12/2010; entre esta última data e 17/06/2013 as referidas funções foram desempenhadas por G... e, posteriormente, por N...; por ato registado em 20/06/2013, a sociedade alterou a sua denominação para C..., SA, fixando a sua sede social na Rua ..., nº ..., Zona Industrial ..., freguesia ..., concelho de Vila do Conde;
10 - A sociedade D..., Lda., foi constituída através do registo do respetivo contrato de sociedade em 04/12/2001, fixando a sua sede em ..., freguesia ..., concelho de Paredes, tendo por objeto a indústria de mobiliário, com o capital social de € 55.000,00 dividido em cinco quotas, sendo quatro no valor unitário de € 500,00 pertencendo cada uma delas aos sócios F..., E..., G... e H... e, a quinta, no valor de € 53.000,00, pertencente à sociedade I..., SA, cabendo as funções de gerente a F... e G..., obrigando-se a sociedade com a assinatura de um gerente; em 23/09/2009 a sociedade alterou a sua sede social para a Rua ..., nº ..., freguesia ..., concelho de Paredes; em 27/10/2009 o capital social foi dividido entre os sócios F..., G... e O..., ficando a pertencer ao primeiro três quotas de € 26.500,00, € 500,00 e € 500,00, à segunda, duas quotas de € 26.500,00 e € 500,00 e, ao último, uma quota de € 500,00;
11 – F... e G... foram declarados insolventes por sentença proferida em 03/12/2010, no processo nº 3428/10.4TBPRD, que correu os seus termos pelo extinto 1º Juízo Cível de Paredes;
12 - Em 10/01/2011, o J..., SA, solicitou à exequente B..., SA, o pagamento da quantia de € 227.500,07, ao abrigo da garantia autónoma nº .........., a qual foi satisfeita através de cheque emitido em 24/01/2011, tendo o J..., SA, dado a respetiva quitação, tudo nos termos constantes dos documentos de fls. 68v, 70, 70v e 71, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;
13 – Em 10/01/2011, o J..., SA, remeteu à sociedade D..., Lda, a carta de fls. 69, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, comunicando-lhe que, estando por liquidar as prestações vencidas desde 08/11/2010, considera integralmente vencidas todas as responsabilidades emergentes do contrato de empréstimo CLS ........., operando, assim, a resolução do mesmo;
14 – Em 24/01/2011, a exequente remeteu à sociedade D..., Lda, a carta de fls. 71v, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, comunicando-lhe que o J..., SA, lhe havia solicitado o pagamento da quantia de € 227.500,07, correspondente a 75% do valor do capital em dívida, tendo em conta o vencimento antecipado do mesmo e que, em cumprimento da garantia autónoma havia procedido ao pagamento daquele montante no dia 24/01/2011, pelo que deveria proceder ao seu pagamento até ao dia 01/02/2011, sob pena de execução judicial;
15 - A sociedade D..., Lda, foi declarada insolvente por sentença proferida em 28/01/2011, no processo nº 2166/10.2TBPFR que correu os seus termos pelo extinto 2º Juízo do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira, no âmbito do qual foi apreendido o prédio urbano sito Rua ..., nº ..., ..., ....-... ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o nº 727 da freguesia ... e inscrito na matriz urbana sob o art.º 1998;
16 – Em 03/12/2012, a exequente remeteu à sociedade I..., SA, a carta registada com aviso de receção de fls. 72 a 73v, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo o respetivo aviso de receção sido assinado em 04/12/2012, comunicando-lhe o preenchimento da livrança e interpelando-a para proceder ao pagamento da quantia de € 269.395,33 até ao dia 13/12/2012, data do vencimento da livrança;
17 – As ações representativas do capital social da sociedade I..., SA, foram adquiridas pela sociedade M..., SA, em 28/12/2012, em dação em pagamento de dívida decorrente da aquisição de máquinas industriais.
18 - Conforme consta da certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de Paredes, junta aos autos a fls. 12 a 18, foi registada, pelo Ap. 27 de 2008/04/07, uma hipoteca a favor do J..., S.A. e da B..., S.A. sobre o prédio urbano sito na Rua ..., n.º ..., freguesia ..., concelho de Paredes, inscrito sob o artigo matricial 1998, para garantir o montante máximo de € 563.564,00, dos quais € 430.800,00 garantem a dívida exequenda.
19 - De acordo com o teor da mesma certidão, desde 28 de Abril de 2014 que a aquisição do imóvel objeto da hipoteca referida no ponto anterior se encontra registada a favor do J..., S.A., por compra no processo de insolvência da sociedade subscritora da livrança.
Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, designadamente:
a) Que a sociedade I..., SA (atualmente designada C..., SA) não tivesse qualquer interesse na prestação de aval a favor da sociedade D..., Lda.;
b) Que na data da celebração do contrato de garantia bancária nº ........, no âmbito do qual foi prestado o aval na livrança dada à execução, as referidas sociedades (D..., Lda. e I..., SA) não tivessem qualquer participação no capital social uma da outra;
c) Que a exequente, até à data em que foi instaurada a presente execução, tenha recebido qualquer quantia decorrente da constituição de hipoteca sobre o prédio urbano sito Rua ..., nº ..., ..., ....-... ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o nº 727 da freguesia ... e inscrito na matriz urbana sob o art.º 1998, bem como do penhor das 6000 ações;
d) Que a livrança dada à execução não tenha sido apresentada a pagamento à executada C..., SA (anteriormente designada I..., SA).

4. Fundamentos de direito
4.1. A invocada nulidade do aval com fundamento no n.º 3 do art.º 6.º do CSC
Alega a embargante/recorrente (conclusões 2.ª a 18.ª): que o aval é nulo por ser contrário “ao fim da sociedade, na medida em que excede a sua capacidade de gozo”; que o ónus de alegar e provar a verificação de alguma das exceções à regra, previstas na 2ª parte do nº 3 do artigo 6º, do CSC - o justificado interesse próprio ou a relação de domínio entre as sociedades garante e garantida -, recaía sobre a apelada; que não se verifica a relação de domínio entre as duas sociedades; que nenhuma das circunstâncias consideradas pelo tribunal “a quo” para afirmar a validade do aval tem fundamento, ou sequer virtualidade, para afastar a nulidade de que o mesmo enferma.
Considerou o Mº Juiz na fundamentação jurídica da sentença:
«[…] importa considerar o estatuído no artigo 6º, do Código das Sociedades Comerciais, no qual se estabelece:
“1 - A capacidade da sociedade compreende os direitos e as obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, excetuados aqueles que lhe sejam vedados por lei ou que sejam inseparáveis da personalidade singular.
2 – As liberalidades que possam ser consideradas usuais, segundo as circunstâncias da época e as condições da própria sociedade, não são havidas como contrárias ao fim desta.
3 – Considera-se contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo.
4 – As cláusulas contratuais e as deliberações sociais que fixem à sociedade determinado objeto ou proíbam a prática de certos atos não limitam a capacidade da sociedade, mas constituem os órgãos da sociedade no dever de não excederem esse objeto ou de não praticarem esses atos.
5 – A sociedade responde civilmente pelos atos ou omissões de quem legalmente a represente, nos termos em que os comitentes respondem pelos atos ou omissões dos comissários.”
Acresce que, com a adesão à Comunidade Económica Europeia, atual União Europeia, o Estado Português passou a estar obrigado pelo direito comunitário, pelo que o referido normativo deverá ainda ser conjugado com o disposto no artigo 9º da Diretiva do Conselho nº 68/151/CEE, de 9 de Março de 1968, com a seguinte redação:
“1. A sociedade vincula-se perante terceiros pelos atos realizados pelos seus órgãos, mesmo se tais atos forem alheios ao seu objeto social, a não ser que esses atos excedam os poderes que a lei atribui ou permite atribuir a esses órgãos. Todavia, os Estados-membros podem prever que a sociedade não fica vinculada, quando aqueles atos ultrapassem os limites do objeto social, se ela provar que o terceiro sabia, ou não o podia ignorar, tendo em conta as circunstâncias, que o ato ultrapassava esse objeto; a simples publicação dos estatutos não constitui, para este efeito, prova bastante.
2. As limitações aos poderes dos órgãos da sociedade que resultem dos estatutos ou de uma resolução dos órgãos competentes, são sempre inoponíveis a terceiros, mesmo que tenham sido publicadas.
3. Quando a legislação nacional preveja que o poder de representar a sociedade é atribuído por cláusula estatutária, derrogatória da norma legal sobre a matéria, a uma só pessoa ou a várias pessoas agindo conjuntamente, essa legislação pode prever a oponibilidade de tal cláusula a terceiros, desde que ela seja referente ao poder geral de representação; a oponibilidade a terceiros de uma tal disposição estatutária é regulada pelas disposições do artigo 3º.”
No caso dos autos, com todo o respeito por diferente opinião, afigura-se- nos que o justificado interesse próprio decorre de várias circunstâncias que, conjugadas, permitem afirmar a validade do aval prestado pela sociedade executada a favor da sociedade D..., Lda.
Desde logo, a circunstância de a sociedade I..., SA, ser titular de uma quota correspondente a cerca de 96% do capital social da sociedade D..., Lda., o que traduz uma inequívoca relação de domínio, pelo que, se outras razões não houvesse, o referido fundamento seria suficiente para que a invocada nulidade fosse julgada improcedente.
Para além disso, convém não esquecer que a sociedade executada por deliberação inserta na ata nº 1/2008, afirmou a existência de “um justificado interesse próprio desta sociedade na concessão deste aval, dadas as profundas relações comerciais existentes entre esta sociedade e a sociedade com a firma “D..., Lda” (…) e na medida em que é fundamental a prestação desta garantia para a concretização da operação de financiamento da “D..., Lda”, operação essa essencial à sua viabilidade”, comunicando essa deliberação à exequente para que fosse prestada a garantia ao J..., SA, gerando na mesma a convicção da validade do aval.
E também não poderá ignorar-se o facto de o administrador único da sociedade executada, na data em que o aval foi prestado, ser também um dos dois gerentes da sociedade avalizada, sendo certo que esta última sociedade se obrigava apenas com a assinatura de um dos seus gerentes.
E assim sendo, por todas as referidas razões, afigura-se-nos que a sociedade executada não poderá opor à exequente, em sede de embargos de executado, a nulidade prevista no artigo 6º, do Código das Sociedades Comerciais, uma vez que, se mais não fosse, sempre a invocação da referida nulidade no âmbito dos presentes autos constituiria um manifesto abuso de direito, na previsão do artigo 334º, do Código Civil, na sua vertente de venire contra factum proprium ou comportamento contraditório, em manifesta contradição com a ideia de justiça, pelo que se decide julgar a mesma improcedente».
Vejamos.
Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais[8], a capacidade da sociedade compreende os direitos e as obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, excetuados aqueles que lhe sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular.
Dispõe o n.º 3 do citado normativo que se considera contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo.
O n.º 1 do art.º 6.º do CSC estabelece assim os limites da capacidade de gozo da sociedade comercial, definidos em função do fim visado pela sua constituição, sendo pacífica a afirmação de que o fim da sociedade comercial é o lucro, como decorre do artigo 980.º do Código Civil.
Concluindo-se que um ato praticado em nome da sociedade não é necessário nem conveniente à prossecução do fim que a lei estabelece (lucro), o mesmo deverá considerar-se nulo, de acordo com o disposto no artigo 294.º do Código Civil, por violação de um preceito de caráter imperativo[9].
Em regra, ao prestar garantias reais ou pessoais a dívidas de outras sociedades, a sociedade garante pratica atos contrários ao fim para que foi constituída, nos termos da lei, daí decorrendo a nulidade de tais atos.
Haverá, no entanto, duas exceções, suscetíveis de validarem a prestação da garantia, nos termos do n.º 3 do art.º 6.º do CSC: a existência de “justificado interesse próprio da sociedade garante”, ou a existência de “relação de domínio ou de grupo”.
Pensamos, com todo o respeito, que ambas as exceções se verificam no caso sub judice.
No que concerne ao “justificado interesse”, o mesmo transparece sem margem para dúvidas da deliberação da sociedade I..., SA. [que posteriormente alterou a sua denominação para C..., SA.] constante da ata nº 1/2008, junta aos autos a fls. 58, da qual consta que, estando presentes todos os seus acionistas, incluindo o administrador único Sr. F..., tendo como ponto único da ordem de trabalhos “Deliberação sobre a prestação de Aval à sociedade com a Firma “D..., Lda”, foi decidido o seguinte: “Aberta a sessão, e após uma ampla troca de impressões foi aprovado por unanimidade, que esta sociedade preste Aval à sociedade com a Firma “D..., Lda” (…), no âmbito da operação de financiamento com garantia autónoma que esta vai realizar”, consignando-se ainda na referida ata que “Existe um justificado interesse próprio desta sociedade na concessão deste aval, dadas as profundas relações comerciais existentes entre esta sociedade e a sociedade com a firma “D..., Lda” (…) e na medida em que é fundamental a prestação desta garantia para a concretização da operação de financiamento da “D..., Lda.”, operação essa essencial à sua viabilidade”.
Curiosamente, o “justificado interesse” decorre também da “exceção” que a seguir se analisará: as profundas relações entre os sócios de ambas as sociedades (garante e garantida), sendo que na constituição da sociedade beneficiária do aval (D..., Lda.), o capital social estipulado foi de € 55.000,00, ficando a sociedade garante (ora recorrente) com uma quota de € 53.000,00 [correspondente a 96%]; acresce se estipulou que F... (administrador da sociedade garante) assumia as funções de gerente da sociedade garantida.
Detendo a sociedade garante 96% do capital social da sociedade garantida, o “justificado interesse” que constitui a 1.ª exceção prevista no n.º 3 do artigo 6.º do CSC fica claramente demonstrado e densificado com a deliberação da sociedade garante (ora recorrente, consignada na referida ata: “Existe um justificado interesse próprio desta sociedade na concessão deste aval, dadas as profundas relações comerciais existentes entre esta sociedade e a sociedade com a firma “D..., Lda” (…) e na medida em que é fundamental a prestação desta garantia para a concretização da operação de financiamento da “D..., Lda.”, operação essa essencial à sua viabilidade”.
Reiterando todo o respeito devido pela divergência, parece-nos óbvio e justificado o interesse que a sociedade garante (recorrente) tinha numa operação de financiamento da sociedade garantida, na medida em que (de acordo com a deliberação) tal financiamento iria viabilizar a referida sociedade, da qual a garante detinha uma participação social.
Veja-se que a escritura de hipoteca (fls. 60 a 64) é outorgada por F... [administrador da ora recorrente], esposa E..., G... e H... «que outorgam na qualidade de únicos sócios (além da restante sócia da sociedade, que é a sociedade anónima I..., SA.) e F... e E..., únicos gerentes em representação da sociedade comercial por quotas com a firma “D..., Lda.”».
No entanto, para além da exceção referida, provou-se ainda uma outra: a de relação de domínio.
Vejamos porquê.
Sob a epígrafe “Sociedades em relação de simples participação”, dispõe o artigo 483.º do CSC:
1 - Considera-se que uma sociedade está em relação de simples participação com outra quando uma delas é titular de quotas ou ações da outra em montante igual ou superior a 10% do capital desta, mas entre ambas não existe nenhuma das outras relações previstas no artigo 482.º
2 - À titularidade de quotas ou ações por uma sociedade equipara-se, para efeito do montante referido no número anterior, a titularidade de quotas ou ações por uma outra sociedade que dela seja dependente, direta ou indiretamente, ou com ela esteja em relação de grupo, e de ações de que uma pessoa seja titular por conta de qualquer dessas sociedades.
O artigo 486.º do citado diploma define as sociedades em relação de domínio nestes termos:
1 - Considera-se que duas sociedades estão em relação de domínio quando uma delas, dita dominante, pode exercer, diretamente ou por sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo 483.º, n.º 2, sobre a outra, dita dependente, uma influência dominante.
2 - Presume-se que uma sociedade é dependente de uma outra se esta, direta ou indiretamente:
a) Detém uma participação maioritária no capital;
b) Dispõe de mais de metade dos votos;
c) Tem a possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização.
3 - Sempre que a lei imponha a publicação ou declaração de participações, deve ser mencionado, tanto pela sociedade presumivelmente dominante, como pela sociedade presumivelmente dependente, se se verifica alguma das situações referidas nas alíneas do n.º 2 deste artigo.
Decorre do contrato anteriormente referido, datado de 08/05/2008 que, para garantia de todas as responsabilidades emergentes do mesmo foi entregue uma livrança subscrita e avalizada em branco pelas pessoas ali identificadas, ficando a exequente “desde já, expressamente autorizada, por todos os intervenientes, a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre o segundo contraente [D..., Lda.]”.
No momento da assinatura dos contratos a sociedade de I..., SA. [que alterou a sua denominação para C..., SA. – ora embargante e recorrente] tinha como administrador F..., que era também gerente da beneficiária do aval (D..., Lda.), detendo a recorrente uma participação social da “D..., Lda.”, correspondente a 96% (quota de € 53.000,00 num capital social de € 55.000,00).
Salvo todo o respeito devido, a relação de domínio é mais do que evidente.
Concluímos, face ao exposto, que não merece qualquer censura a argumentação jurídica da sentença neste segmento, na qual se conclui que se verificam as duas exceções previstas no n.º 3 do art.º 6.º do CSC.
Improcede o recurso neste segmento.
4.2. O invocado benefício de excussão prévia
Nas conclusões 19.ª a 22.ª, a recorrente invoca o benefício de excussão prévia e alega que estando a dívida exequenda provida de garantias reais, cabia à apelada alegar e provar a insuficiência dessas garantia para conseguir o fim da execução, como pressuposto para poder executar a apelante.
Salvo o devido respeito, afigura-se-nos juridicamente insustentável a tese expendida pela recorrente, face à natureza do aval.
O aval é um negócio jurídico unilateral cambiário, através do qual o avalista (ou dador do aval) assume a obrigação de garantir o pagamento de uma letra ou de uma livrança (artigos 30.º e 77.º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças - LULL), traduzindo-se numa obrigação de garantia, que se distingue da obrigação principal (do aceite) e que se liga à obrigação do avalizado (artigo 31.º da LULL).
O aval representa assim uma obrigação cambiária que tem por finalidade garantir ou caucionar obrigação cambiária idêntica e preexistente do signatário da letra de câmbio ou da livrança.
Apesar de economicamente visar um fim semelhante à fiança, o aval representa uma obrigação pessoal de garantia dotada de um regime jurídico próprio.
Vejamos duas diferenças essenciais: i) contrariamente ao que se passa com a fiança, que é uma garantia de natureza acessória (art.º 627.º, n.º 2, do CC), a obrigação do avalista é autónoma, subsistindo mesmo no caso de a obrigação do avalizado ser nula por qualquer razão que não um vício de forma (art.º 32.º, n.º 2, da LULL); ii) enquanto a fiança tem natureza subsidiária (benefício da prévia excussão do fiador: art.º 638.º do CC), a obrigação do avalista é solidária, respondendo a par dos demais subscritores pelo pagamento integral do título (art.º 47.º, n.º 1, da LULL).
Tal como se sintetiza refere no acórdão da Relação de Lisboa, de 17.06.2008 (processo n.º 4046/2008-1), a obrigação do avalista constitui-se formalmente pelo ato de assinatura do respetivo dador, é independente e autónoma da obrigação do avalizado e mantém-se mesmo que a deste seja nula, por qualquer fundamento que não um vício de forma, sendo a obrigação do avalista solidária com a do avalizado, não gozando por isso do benefício da excussão prévia, ao invés do que sucede com a fiança que tem natureza subsidiária em relação à obrigação do afiançado.
Face ao exposto, improcede o recurso, também neste segmento.
Em conclusão, deverá manter-se a sentença recorrida, naufragando o recurso, face à sua total improcedência, salvo no que concerne ao aditamento factual determinado no ponto 2.1., sem relevância na decisão final.

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso, ao qual negam provimento e, em consequência, em manter na íntegra a decisão recorrida.
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Custas dos recursos a cargo da recorrente.
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A presente decisão compõe-se de trinta e três páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator.
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Porto, 24 de janeiro de 2018
Carlos Querido
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
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[1] Sintetiza-se o processado, seguindo com proximidade, o relatório da sentença recorrida.
[2] Não pode deixar de o saber, considerando que os intervenientes na constituição da sociedade I..., SA, que posteriormente alterou a sua denominação para C..., SA. (recorrente), são os mesmos da sociedade D..., Lda: F... e G....
[3] O trecho no qual se refere a questão suscitada está incorretamente assinalado. A recorrente refere como início 10:14:27h e fim 10:33:57h, mas a testemunha refere o facto a partir do minuto 08:25.
[4] Vide, a propósito, o acórdão da RP de 20.3.2001-processo 0120037 (publicado no “site” da dgsi): A prova, por força das exigências da vida jurisdicional e da natureza da maior parte dos factos que interessam à administração da justiça, visa apenas a certeza subjectiva, a convicção positiva do julgador. Se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação da justiça.
[5] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil anotado”, volume I, 4ª edição, página 312.
[6] Cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 384 e, entre outros, os acórdãos do STJ de 27.11.2003-processo 03B3337 e 17.12.2002-processo 02A3960, publicados no “site” do dgsi.
[7] As razões que levaram o legislador a eleger este meio probatório encontram-se bem sintetizadas no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.10.2006 (Processo n.º 06A2596, disponível em http://www.dgsi.pt), nestes termos: «as presunções judiciais ou naturais têm por base as lições da experiência ou as regras da vida (quod plerunque accidit), deduzindo o juiz, no seu prudente arbítrio, de certo facto conhecido um facto desconhecido, porque a sua experiência da vida lhe ensina que aquele é normalmente indício deste».
[8] Doravante designado por CSC.
[9] Jorge M. Coutinho de Abreu e outros, Código das Sociedades Comerciais Em Comentário, Almedina, 2013, Vol. I, pág. 110 e 111.