Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1571/19.3T8FNC.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO
FACTOS SOBRE QUE TENHA HAVIDO ACORDO
Nº do Documento: RP202206081571/19.3T8FNC.P1
Data do Acordão: 06/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Conforme estabelece o art.º 112.º 1, do CPT, não se obtendo o acordo, no auto da tentativa “(..) são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída”, exigência legal que visa circunscrever o litígio na fase contenciosa às questões em relação às quais não tenha havido acordo.
II - Em coerência com o fim visado pelo art.º 112.º , nos termos do art.º 131.º n.º1, al. c), ambos do CPT, o juiz deve “[C]onsiderar assentes os factos sobre que tenha havido acordo na tentativa de conciliação e nos articulados”.
III - Tendo a legal representante da seguradora declarado na tentativa de conciliação que “Também não concorda com os períodos de incapacidade atribuídos pelo INML, uma vez que considera que ao sinistrado já foram pagas as indemnizações devidas pelos períodos de incapacidades temporárias até à data da alta”, não pode retirar-se desta declaração que aquela “apenas não concordou com os períodos de incapacidade arbitrados pelo INML porque não foi descontada a franquia contratual de 60 dias prevista na apólice de seguro”, dado dela não se retirar minimamente que a razão da discordância foi essa e, mais do que isso, excluindo qualquer outra.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.º 1571/19.3T8FNC.P1

SECÇÃO SOCIAL


ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


I. RELATÓRIO
I.1 O presente processo especial para efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo do Trabalho de Aveiro - Juiz 2, foi iniciado na sequência de participação do acidente ocorrido em 11.03.2018, sofrido pelo autor/sinistrado AA, quando este exercia a sua actividade profissional como jogador profissional de futebol, por conta, sob a autoridade, direcção e fiscalização da entidade empregadora X ... - Futebol SAD, a qual havia transferido a sua responsabilidade infortunística laboral para Y ... - Companhia de Seguros, S.A..
Na fase conciliatória foi realizado exame médico singular, levado a cabo pelo Gabinete Médico Legal e Forense do Baixo Vouga, conforme melhor consta do relatório de fls. 168-170.
Realizada a tentativa de conciliação sob a direcção do Digno Magistrado do Ministério Público, a que se refere o artigo 108.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, houve acordo das partes quanto à existência e caracterização do acidente em discussão como acidente de trabalho, ao nexo de causalidade entre este e as lesões sofridas, ao montante do salário auferido pelo Sinistrado e à responsabilidade da Seguradora pela sua reparação. O mesmo não sucedeu quanto ao grau e natureza da incapacidade permanente parcial (IPP) de que ficou a padecer o Sinistrado, por discordância deste e da Seguradora, nem com os períodos de incapacidade temporária estabelecidos pelo IML, neste caso por não os aceitar aquela última.
Em consequência da não conciliação quanto a estes últimos aspectos, a Seguradora requereu a realização de exame por Junta Médica, tendo este sido determinado e efectivado.
I.2 Subsequentemente, o Tribunal a quo proferiu sentença, concluída com o dispositivo seguinte:
Face ao exposto, decide-se:
A - Fixar ao autor/sinistrado, AA, a incapacidade permanente parcial (IPP) já comutada de 31,735% desde 14.01.2020( dia seguinte ao da alta), com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH).
B - Condenar a Ré Seguradora Y ... - Companhia de Seguros, S.A a pagar ao autor/sinistrado AA as seguintes prestações:
B.1. uma pensão anual até perfazer 35 anos (21.08.2026) no valor de €47.276,11 (quarenta e sete mil duzentos e setenta e seis euros e onze cêntimos), da forma acima descrita e com efeitos desde 14.01.2020, mas uma vez que o Sinistrado vem recebendo pensão provisória, haverá que deduzir a pensão provisória até à data recebida aos pagamentos a efectuar pela Seguradora;
B.2 a quantia de €15.164,63( quinze mil cento e sessenta e quatro euros e sessenta e três cêntimos), relativo ao diferencial de indemnização pelas incapacidades temporárias sofridas, ainda não liquidado.
B.3 a quantia de €4.054,60 (quatro mil e cinquenta e quatro euros e sessenta cêntimos), de subsídio por elevada incapacidade permanente;
B.4. juros de mora sobre as prestações atribuídas, vencidos e vincendos, à taxa anual de 4% (ou outra que entre em vigor), contados desde o dia seguinte ao da alta, até efectivo e integral pagamento.
*
Custas a cargo da ré seguradora (artigo 527.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho).
Valor da acção: fixo à acção o valor de €818.469,15 (artigo 120.º do Código de Processo do Trabalho).
(..)».
I.2.1 Por decisão do Tribunal a quo, proferida na sequência de requerimento apresentado pelo Autor, aquele dispositivo da sentença foi objecto de rectificação, tendo sido determinado que passaria a ter o teor seguinte:
“ VI - Dispositivo
Face ao exposto, decide-se:
A - Fixar ao autor/sinistrado, AA, a incapacidade permanente parcial (IPP) já comutada de 31,735% desde 14.01.2020( dia seguinte ao da alta), com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH).
B - Condenar a Ré Seguradora Y ... - Companhia de Seguros, S.A a pagar ao autor/sinistrado AA as seguintes prestações:
B.1. uma pensão anual até perfazer 35 anos (21.08.2026) no valor de €47.276,11 (quarenta e sete mil duzentos e setenta e seis euros e onze cêntimos), da forma acima descrita e com efeitos desde 14.01.2020, mas uma vez que o Sinistrado vem recebendo pensão provisória, haverá que deduzir a pensão provisória até à data recebida aos pagamentos a efectuar pela Seguradora;
B.2. uma pensão anual e vitalícia no valor de €18.638,35 (dezoito mil seiscentos e trinta e oito euros e trinta e cinco cêntimos) com efeitos desde a data mencionada em B.1. (o dia em que o autor/sinistrado perfaça 35 anos - 21.08.2026), com a limitação prevista no artigo 4º, n.º 1, al. b) da Lei n.º 27/2011, de 16 de Junho;
B.3 a quantia de €15.164,63 (quinze mil cento e sessenta e quatro euros e sessenta e três cêntimos), relativo ao diferencial de indemnização pelas incapacidades temporárias sofridas, ainda não liquidado.
B.4 a quantia de €4.054,60 (quatro mil e cinquenta e quatro euros e sessenta cêntimos), de subsídio por elevada incapacidade permanente;
B.5. juros de mora sobre as prestações atribuídas em B.1, B.3 e B.4, vencidos e vincendos, à taxa anual de 4% (ou outra que entre em vigor), contados desde o dia seguinte ao da alta, até efectivo e integral pagamento.
*
Custas a cargo da ré seguradora (artigo 527.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho).
Valor da acção: fixo à acção o valor de €1.133.569,1 ( artigo 120.º do Código de Processo do Trabalho).
[..]».
I.3 Inconformada com a sentença, a Ré Seguradora apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
I. Decorre do Auto de Não-Conciliação de 09-11-2020 que o sinistrado concordou com os períodos de incapacidade temporária atribuídos pelo INML;
II. A legal representante da entidade responsável, apenas não concordou com os períodos de incapacidade arbitrados pelo INML porque não foi descontada a franquia contratual de 60 dias prevista na apólice de seguro, mostrando-se assim integralmente pagas ao sinistrado as indemnizações devidas pelos períodos de incapacidades temporárias até à data da alta;
III. Existindo acordo sobre esta matéria, em sede de conciliação, estava vedado à Junta Médica fixar períodos de incapacidades temporárias, absoluta e parcial, diferentes dos que foram aceites pelos intervenientes.
Por outro lado,
IV. Nenhum dos quesitos formulados pela ora recorrente solicitava aos peritos que se pronunciassem sobre as incapacidades temporárias.
Pelo exposto,
V. É de concluir que a Junta Médica excedeu o seu mandato, pelo que deve a resposta ao quesito 2.º ser julgada não escrita, na parte em que excede os limites do quesito formulado;
VI. A apreciação da prova pericial insere-se na livre apreciação do julgador, independente da sua ordem lógica e cronológica e do seu carácter singular ou plural, podendo o relatório pericial ser complementado por outros meios de prova;
VII. A divergência relativamente às conclusões da perícia deve ser fundamentada em outros elementos probatórios que, por si ou conjugadamente com as regras da experiência comum, levem a diferente conclusão;
VIII. Os elementos clínicos constantes dos autos fornecem elementos suficientes para que o Tribunal divirja das incapacidades temporárias fixadas pela perícia colegial e, em vez disso, adira às que foram determinadas com fundamento na assistência clínica prestada ao sinistrado e, também, no Relatório de Perícia (singular) de Avaliação do Dano.
Pelo exposto,
IX. Deve o facto provado n.º 4 ser revogado e substituído por outro, com a seguinte redação:
“4. Em consequência do acidente supra descrito, o autor esteve afetado de incapacidade temporária absoluta (ITA) entre 12.03.2018 e 25.11.2019 e de incapacidade temporária parcial (ITP) de 75%, entre 26.1.2019 e 13.01.2020.”
Em consequência,
X. A condenação no pagamento do diferencial de indemnização pelas incapacidades temporárias sofridas não pode proceder, pois os valores pagos ao sinistrado a título de incapacidades temporárias foram corretamente calculados e correspondem ao que lhe era devido a esse título.
Subsidiariamente, caso assim se não entenda,
XI. Tem a ora recorrente, pelo menos, o direito a abater à ITA os 60 dias correspondentes à franquia contratualmente prevista na apólice de seguro, podendo ser condenada, no limite, a pagar €1.971.25 (mil novecentos e setenta e um euros e vinte e cinco cêntimos), valor correspondente à diferença entre o montante correspondente a 613 dias de ITA e o montante já pago a título de incapacidades temporárias, nos termos da liquidação que antecede.
Termos em que, e nos mais de Direito aplicáveis, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, a douta sentença recorrida ser parcialmente revogada e substituída por acórdão, nos termos das conclusões acima alinhadas.
I.4 O recorrido autor apresentou contra alegações, mas sem que as tenha sintetizado em conclusões. No essencial, refere o seguinte:
Ao invés do que alega a recorrente, em sede de tentativa de conciliação, não existiu acordo quanto à determinação dos períodos de incapacidade temporária. A própria recorrente não os aceitou.
Foi a própria recorrente que formulou um quesito no qual questionou os peritos médicos sobre se a situação do sinistrado já se encontrava consolidada. E, notificada do teor do auto de junta médica, não apresentou qualquer reclamação contra o relatório pericial.
Assim, bem andou o Tribunal 1.ª Instância ao considerar provado que «Em consequência do acidente supra descrito, o autor esteve afectado de incapacidade temporária absoluta (ITA) entre 12.03.2018 até 13.01.2020 ( 673 dias)».
O sinistrado não é parte contratante do contrato de seguro e não negociou qualquer franquia com a apelante. Não obstante, ao abrigo do princípio da cooperação, confirma que enquanto esteve ao serviço da identificada Sociedade Desportiva, o que ocorreu até 13/08/2018, recebeu daquela sociedade as indemnizações pelos períodos de incapacidade temporária, incluindo a indemnização pelos primeiros 60 dias de ITA.
A apelação não poderá deixar de ser julgada improcedente, no segmento em que pugna pela alteração da redacção do facto provado n.º 4. Em consequência, deverá a Recorrente ser condenada a pagar ao sinistrado, para além das quantias fixadas em B1, B2, B4 e B5 do Capitulo V – Dispositivo da sentença, a quantia de €5.509,65, relativo ao diferencial de indemnização pelas incapacidades temporárias sofridas, ainda não liquidado, acrescida dos respectivos juros, vencidos e vincendos.
I.5 O Digno Procurador- Geral Adjunto junto deste tribunal de recurso emitiu o parecer a que alude o art.º 87.º n.º 3 do CT, pronunciando-se no sentido da recorrente ser convidada a aperfeiçoar as conclusões de recurso, nos termos do n.º3, do art.º 639.º do CPC, para indicar as normas jurídicas que foram violadas. I.6 Cumpriram-se os vistos legais e determinou-se que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência.
I.7 QUESTÃO PRÉVIA: Conclusões de recurso
No parecer emitido ao abrigo do art.º 87.º3, do CPT, o Digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido da recorrente ser convidada a aperfeiçoar as conclusões para indicar as normas jurídicas violadas, por as mesmas serem omissas quanto a esse aspecto.
Vejamos.
O artigo 639º n.º1, do CPC, impõe ao recorrente que conclua a alegação, de forma sintética, indicando os fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão, depois decorrendo do n.º2 e al. a), que versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar “[A]s normas jurídicas violadas”.
Como se elucida no Ac. do STJ de 09/07/2015 [Proc.º n.º 818/07.3TBAMD.L1.S1, Conselheiro Abrantes Geraldes, disponível em www.dgsi.pt], “as conclusões devem corresponder aos fundamentos que justificam a alteração ou a anulação da decisão recorrida, traduzidos na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto), sem que jamais se possam confundir com os argumentos de ordem jurisprudencial ou doutrinário apresentados no sector da motivação”, exercendo “a importante função de delimitação do objecto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 635º, nº 3” e “devem respeitar na sua essência cada uma das als. do nº 2, integrando-se as respostas a tais premissas essenciais no encadeamento lógico da decisão pretendida”.
No caso, é indiscutível que assiste razão ao Digno Magistrado do Ministério do Ministério Público quando afirma que não consta das conclusões a indicação de normas jurídicas violadas.
Contudo, o recurso assenta essencialmente no pressuposto da alteração da matéria de facto – invocando-se o acordo na tentativa de conciliação quanto à matéria em causa-, acrescendo que percorrendo as alegações também delas não constam indicadas normas jurídicas.
Não obstante, veja-se que o recorrido não teve dificuldade em identificar e responder às questões suscitadas pela recorrente.
Na consideração conjugada desses aspectos, entendeu-se que não se justificava o convite ao aperfeiçoamento, pois, como elucida Abrantes Geraldes, “[A] prolação do despacho de aperfeiçoamento fica dependente do juízo que for feito acerca da maior ou menor gravidade das irregularidades ou incorrecções, em conjugação com a efectiva necessidade de uma nova peça processual que respeite os requisitos legais” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 119].
Por conseguinte, nada obsta ao conhecimento do recurso.

I.8 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões suscitadas para apreciação são as seguintes:
i) Se o Tribunal a quo errou na fixação do facto provado 4 [conclusões I a IX];
ii) Subsidiariamente, caso assim se não entenda, se a recorrente, pelo menos, tem o direito a abater à ITA os 60 dias correspondentes à franquia contratualmente prevista na apólice de seguro [Conclusão XI]

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou o elenco factual que se passa a transcrever, ao qual se acrescenta, no final dos factos provados, no âmbito dos poderes oficiosos deste Tribunal ad quem e por resultarem da documentação dos autos, dois novos factos:
1.1. Factos provados
1. O autor foi vitima de um acidente de trabalho (ao sofrer traumatismo directo com colega de profissão numa partida de futebol profissional), no dia 11.03.2018 quando trabalhava como jogador profissional, sob as ordens e direcção do X ... - Futebol SAD, NIPC ..., com sede na Rua ...,... ....
2. Teve alta médica a 13.01.2020.
3. Encontra-se afectado, em virtude do dito acidente, de incapacidade permanente parcial (IPP) para o trabalho (já comutada nos termos da Lei n.º 27/2011de 16 de Junho) de 31,735%, com Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual( IPATH), desde 14.01.2020.
4. Em consequência do acidente supra descrito, o autor esteve afectado de incapacidade temporária absoluta(ITA) entre 12.03.2018 até 13.01.2020 ( 673 dias).
5. Auferia, à data do acidente, a retribuição anual de €83.901,74.
6. Nasceu em .../.../1991.
7. Não se encontra totalmente indemnizado pelos períodos de ITA referidos em 4., tendo recebido, a este título, a quantia global de €96.666,05.
8. À data do acidente, o autor/sinistrado tinha transferido para a ré seguradora a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho.
9. Por decisão proferida a 3 de Dezembro de 2020, foi fixada ao Sinistrado a pensão anual provisória de €48.098,35, a pagar pela Seguradora responsável, desde 14.01.2020.
10. No auto de tentativa de conciliação da fase conciliatória, quanto à posição assumida pelo sinistrado e pela seguradora consta consignado o seguinte:
-«[..]
Pelo sinistrado foi dito que NÃO CONCORDA com o resultado do exame médico de folhas 168 a 170 dos autos em que lhe foi dada a I.P.P. de 36,635%, apenas concorda que se encontra afectado por I.P.A.T. H, aceitando a data da alta em 13-01-2020, pelo que RECLAMA a pensão anual com início em 14-01-2020, dia seguinte ao da alta, bem como a prestação por subsídio de elevada incapacidade de acordo com a I.P.P com I.P.A.T.H que vier a ser fixada por exame de JUNTA MÉDICA, que vai requerer. Concorda com os períodos de incapacidade temporária atribuídos pelo INML.
Pela legal representante da entidade responsável foi dito que aceita o acidente dos autos como de trabalho, o nexo de causalidade entre as sequelas e o acidente, o salário anual de €83.901,74 mas, não aceita o resultado do exame médico constante dos autos a folhas 168 a 170, uma vez que os serviços clínicos da sua representada entendem que o sinistrado ficou com uma I.P.P de 27,161% em 13-01-2020, data em que teve alta médica. Também não concorda com os períodos de incapacidade atribuídos pelo INML, uma vez que considera que ao sinistrado já foram pagas as indemnizações devidas pelos períodos de incapacidades temporárias até à data da alta.
Assim, vai a seguradora requerer que o sinistrado seja submetido a um exame por junta médica».
11. Nas Condições Particulares da Apólice n.º ..., que titula o contrato de seguro por acidentes de trabalho referido no facto 8, consta o seguinte:
-«[..]
Cláusula Quinta (Indemnização por incapacidade temporária)
O pagamento da indemnização por incapacidade temporária é efectuado mensalmente, depois de decorrido o período de franquia contratual [..].
Cláusula Oitava (Franquia em incapacidades temporárias)
A franquia prevista nas Condições Particulares é de 60 (sessenta) dias».
1.2. Factos não provados
Não há factos não provados.

II.2 IMPUGAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
A recorrente insurge-se contra a decisão da matéria de facto, em razão do Tribunal a quo ter considerado provado, no ponto 4, o seguinte:
-«Em consequência do acidente supra descrito, o autor esteve afectado de incapacidade temporária absoluta(ITA) entre 12.03.2018 até 13.01.2020 ( 673 dias)».
Pretende que se altere o aludido facto, para passar a constar provado o seguinte:
- “Em consequência do acidente supra descrito, o autor esteve afetado de incapacidade temporária absoluta (ITA) entre 12.03.2018 e 25.11.2019 e de incapacidade temporária parcial (ITP) de 75%, entre 26.1.2019 e 13.01.2020.
Importa começar por dizer que a recorrente cumpriu os ónus de impugnação referidos no art.º 640.º do CPC, dado que indicou o facto impugnado e a resposta alternativa, bem assim especificou os meios de prova e invocou as razões, suportadas nos mesmos, que na sua perspectiva justificam essa alteração.
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, quanto ao ponto em crise, o Tribunal a quo consignou o seguinte:
No que respeita aos períodos de ITA ( e não ITP, por o sinistrado não mais ter retomado a sua actividade profissional desde a data da verificação do acidente) e ao grau de IPP, com IPATH de que autor se encontra afectado, em virtude do acidente em discussão teve-se em consideração o resultado do exame por junta médica efectuado, vertido no auto de folhas 198-199, mormente as considerações, conclusões e respostas aos quesitos aí unanimemente expressas pelos três Exm.ºs Sr. Peritos Médicos que nele intervieram, que se afiguram correctas no seu enquadramento, face à T.N.I. e à Lei n.º 27/2011, de 16 de Junho e ajustadas aos elementos constantes do processo, nomeadamente à natureza e gravidade das sequelas, bem assim à idade e profissão do sinistrado».
Alega a recorrente resultar do Auto de Não-Conciliação de 09-11-2020 que o sinistrado concordou com os períodos de incapacidade temporária atribuídos pelo INML, bem assim que a sua legal representante “apenas não concordou com os períodos de incapacidade arbitrados pelo INML porque não foi descontada a franquia contratual de 60 dias prevista na apólice de seguro, mostrando-se assim integralmente pagas ao sinistrado as indemnizações devidas pelos períodos de incapacidades temporárias até à data da alta”. Existindo acordo sobre esta matéria, estava vedado à Junta Médica fixar períodos de incapacidades temporárias, absoluta e parcial, diferentes dos que foram aceites pelos intervenientes e, por outro lado, nenhum dos quesitos formulados por si solicitava que se pronunciassem sobre as incapacidades temporárias.
Nessa consideração, defende que Junta Médica excedeu o seu mandato, devendo a resposta ao quesito 2.º ser julgada não escrita na parte em que excede os limites do quesito formulado, dado que a apreciação da prova pericial insere-se na livre apreciação do julgador e os elementos clínicos constantes dos autos fornecem elementos suficientes para que o Tribunal divirja das incapacidades temporárias fixadas pela perícia colegial e, em vez disso, adira às que foram determinadas com fundamento na assistência clínica prestada ao sinistrado e, também, no Relatório de Perícia (singular) de Avaliação do Dano.
Contrapõe o recorrido que na tentativa de conciliação não existiu acordo quanto à determinação dos períodos de incapacidade temporária, não os tendo aceite a própria recorrente, bem assim que esta formulou um quesito no qual questionou os peritos médicos sobre se a situação do sinistrado já se encontrava consolidada. E, notificada do teor do auto de junta médica, não apresentou qualquer reclamação contra o relatório pericial.
II.2.1 Em jeito de enquadramento, começamos por deixar umas breves notas que nos parecem essenciais para melhor compreensão do percurso a seguir na apreciação da questão.
O processo para efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, regulado nos artigos 99.º a 150.º do CPT, compreende duas fases distintas: uma primeira, chamada fase conciliatória, de realização obrigatória e sob a direcção do Ministério Público; e, uma segunda, a fase contenciosa, de realização eventual e sob a direcção do Juiz.
Através da primeira, como a sua própria denominação o indica, procura-se alcançar a satisfação dos direitos emergentes do acidente de trabalho para o sinistrado através da composição amigável, embora necessariamente sujeita a regras legais imperativas (direitos indisponíveis), atendendo aos interesses de ordem pública envolvidos. Para possibilitar aquele objectivo, a tramitação desta fase compreende, por sua vez, três fases, uma primeira, de instrução, que tem em vista a recolha e fixação de todos os elementos essenciais à definição do litígio, de modo a indagar sobre a“(..) veracidade dos elementos constantes do processo e das declarações das partes”, habilitando o Ministério Público a promover um acordo susceptível de ser homologado (art.ºs 104.º 1, 109.º e 114.º); uma segunda, que consiste na realização do exame médico singular, devendo este no relatório “deve indicar o resultado da sua observação clínica, incluindo o relato do evento fornecido pelo sinistrado e a apreciação circunstanciada dos elementos constantes do processo, a natureza das lesões sofridas, a data de cura ou consolidação, as sequelas e as incapacidades correspondentes, ainda que sob reserva de confirmação ou alteração do seu parecer após obtenção de outros elementos clínicos ou auxiliares de diagnóstico” (art.ºs 105.º e 106.º); e, finalmente, a tentativa de conciliação presidida pelo Ministério Público, com a finalidade primordial de obtenção de acordo susceptível de ser homologado pelo Juiz (art.º 109.º) [Cfr. João Monteiro, Fase conciliatória do processo para a efectivação do direito resultante de acidente de trabalho – enquadramento e tramitação, Prontuário do Direito do Trabalho, n.º 87, CEJ, Coimbra Editora, pp. 135 e sgts.].
Conforme estabelece o art.º 112.º 1, do CPT, não se obtendo o acordo, no auto da tentativa “(..) são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída”.
Como observa Albino Mendes Baptista, “Esta exigência legal visa circunscrever o litígio na fase contenciosa às questões em relação às quais não tenha havido acordo” [Código de Processo do Trabalho Anotado, Quid Juris, Lisboa, 2000, p. 204]. Não devendo olvidar-se, que face ao disposto no n.º2, daquele mesmo artigo, o interessado que se recuse a tomar posição sobre cada um daqueles factos e esteja habilitado para esse efeito, é, a final, condenado como litigante de má fé. Ou seja, desde que esteja habilitada a tomar posição, a parte está vinculada a esse dever.
Como decorre do art.º 117.º, do CPT, não tendo sido alcançado o acordo, o início da fase contenciosa depende da apresentação de petição inicial ou o requerimento a que se refere o n.º2, do art.º 138.º do CPT. A apresentação de requerimento é o meio processual próprio quando o interessado “se não conformar com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação da incapacidade para o trabalho” [art.º 138.º2 do CPT]; e, como se retira a contrario sensu do mesmo normativo, a apresentação de petição inicial é necessária quando a discordância entre as partes na tentativa de conciliação vá para além da questão da incapacidade.
Importa ter bem presente que em coerência com o fim visado pelo art.º 112.º, nos termos do art.º 131.º n.º1, al. c), ambos do CPT, o juiz deve “[C]onsiderar assentes os factos sobre que tenha havido acordo na tentativa de conciliação e nos articulados”.
No caso concreto, cumpridas as fases prévias e realizado o exame médico singular, procedeu-se à realização da tentativa de conciliação sob a direcção do Ministério Público, mas sem que se tenha logrado alcançar o acordo, tendo ficado consignado em acta as posições do sinistrado e da responsável seguradora, conforme segue:
-«[..]
Pelo sinistrado foi dito que NÃO CONCORDA com o resultado do exame médico de folhas 168 a 170 dos autos em que lhe foi dada a I.P.P. de 36,635%, apenas concorda que se encontra afectado por I.P.A.T. H, aceitando a data da alta em 13-01-2020, pelo que RECLAMA a pensão anual com início em 14-01-2020, dia seguinte ao da alta, bem como a prestação por subsídio de elevada incapacidade de acordo com a I.P.P com I.P.A.T.H que vier a ser fixada por exame de JUNTA MÉDICA, que vai requerer. Concorda com os períodos de incapacidade temporária atribuídos pelo INML.
Pela legal representante da entidade responsável foi dito que aceita o acidente dos autos como de trabalho, o nexo de causalidade entre as sequelas e o acidente, o salário anual de €83.901,74 mas, não aceita o resultado do exame médico constante dos autos a folhas 168 a 170, uma vez que os serviços clínicos da sua representada entendem que o sinistrado ficou com uma I.P.P de 27,161% em 13-01-2020, data em que teve alta médica. Também não concorda com os períodos de incapacidade atribuídos pelo INML, uma vez que considera que ao sinistrado já foram pagas as indemnizações devidas pelos períodos de incapacidades temporárias até à data da alta.
Assim, vai a seguradora requerer que o sinistrado seja submetido a um exame por junta médica».
Retira-se dessas declarações, no que aqui releva, que o sinistrado concordou com os períodos de incapacidade temporária atribuídos pelo INML, mas já não assim a responsável seguradora, dado constar expresso que “Também não concorda com os períodos de incapacidade atribuídos pelo INML, uma vez que considera que ao sinistrado já foram pagas as indemnizações devidas pelos períodos de incapacidades temporárias até à data da alta”.
Alega a recorrente seguradora que a sua legal representante “apenas não concordou com os períodos de incapacidade arbitrados pelo INML porque não foi descontada a franquia contratual de 60 dias prevista na apólice de seguro”, mas esta posição não pode ser acolhida, dado não se retirar minimamente daquela declaração que a razão da discordância foi essa e, mais do que isso, excluindo qualquer outra.
Com o devido respeito, se assim fosse, não haveria razões para a legal representante da recorrente ter começado por afirmar que “Também não concorda com os períodos de incapacidade atribuídos pelo INML”, antes devendo ter tomado posição concreta da qual resultasse a afirmação clara de concordância com os períodos de incapacidade fixados pelo INML, bastando depois acrescentar que considerava “[..] que ao sinistrado já foram pagas as indemnizações devidas pelos períodos de incapacidades temporárias até à data da alta”.
De resto, como se pode constatar pela transcrição que segue abaixo, os quesitos apresentados pela recorrente seguradora para serem submetidos ao laudo dos senhores peritos médicos não se limitaram à questão de determinar as lesões sofridas e ao grau de IPP, antes abrangendo também, em termos lógicos, as incapacidades temporárias até à data da alta, como é forçoso constatar face à primeira parte do 2.º [destaque nosso a negrito]:
1.º Quais as lesões sofridas pelo sinistrado, em consequência do acidente de 11-03-2018?
2.º Essas lesões mostram-se estabilizadas clinicamente e passíveis de fixação de alta definitiva? Na afirmativa, quais as sequelas resultantes do acidente de 11-03-2018?
3.º Existindo sequelas, são as mesmas pontuáveis em IPP, por referência à Tabela Nacional de Incapacidades?
4.º Em caso afirmativo, em que grau e natureza de IPP?
5.º Está o sinistrado incapaz para o exercício da sua profissão habitual?
Quesitos a que os senhores peritos médicos responderam, por unanimidade, nos termos seguintes:
“[..]
Após observação do examinando, os peritos respondem por unanimidade aos quesitos da folha 185:
1° Fratura dos ossos da perna direita com lesão do nervo ciático poplíteo externo.
Sim, mantendo a situação clínica de ITA no período compreendido entre o dia seguinte ao acidente e a data de alta da companhia seguradora, tendo em conta não mais ter retomado a profissão habitual. Apresenta amiotrofia de um centímetro na coxa direita, défice nos últimos graus de flexão do joelho direito e tornozelo direito, e sequelas neurológicas de lesão do nervo ciático poplíteo externo, causando diminuição de força muscular do MIO que o impede de retomar a sua profissão habitual.
Sim, valorizada conjuntamente na alínea da incapacidade neurológica.
Ver tabela infra.
Sim, desde a data de alta da companhia de seguros.
Tratando-se de uma jogador profissional aplica-se a comutação específica da IPP constante na Lei n°27/2011, de 16 de junho, pelo que a IPP proposta final deverá ser de 31,73% tendo em conta a idade do examinando de 28 anos à data da alta da companhia.
Por conseguinte, não reconhecemos razão à recorrente nos argumentos que aduziu.
Em face desta resposta, bem decidiu o Tribunal a quo ao considerar provado que “Em consequência do acidente supra descrito, o autor esteve afectado de incapacidade temporária absoluta(ITA) entre 12.03.2018 até 13.01.2020 ( 673 dias)”, não assistindo qualquer fundamento válido para a pôr em causa.
Improcede, pois, esta pretensão da recorrente.
II.2.2 Para o caso de improceder aquela linha de argumentação, como aconteceu, vem a recorrente, defender que, pelo menos, tem o direito a abater à ITA os 60 dias correspondentes à franquia contratualmente prevista na apólice de seguro [Conclusão XI].
Devemos começar por sublinhar, que não obstante a apólice de seguro ter sido junta aos autos conjuntamente com a participação do sinistro, no rigor das coisas, na tentativa de conciliação a legal representante da seguradora deveria ter feito expressa menção à existência dessa cláusula.
E, se assim tivesse procedido, não só o sinistrado teria logo confirmado, como agora veio fazer, que enquanto esteve ao serviço da identificada Sociedade Desportiva, o que ocorreu até 13/08/2018, recebeu daquela sociedade as indemnizações pelos períodos de incapacidade temporária, incluindo a indemnização pelos primeiros 60 dias de ITA, como para além disso, a jusante, seguramente o Tribunal a quo teria considerado esse facto assente e, logo, retirado as devidas consequências na prolação da decisão.
Não obstante, por um lado, está demonstrado que [11] Nas condições particulares da Apólice n.º ..., que titula co contrato de seguro por acidentes de trabalho referido no facto 8, consta o seguinte:
-«[..]
Cláusula Quinta (Indemnização por incapacidade temporária)
O pagamento da indemnização por incapacidade temporária é efectuado mensalmente, depois de decorrido o período de franquia contratual [..].
Cláusula Oitava (Franquia em incapacidades temporárias)
A franquia prevista nas Condições Particulares é de 60 (sessenta) dias».
E, por outro, a declaração do autor no recurso consubstancia confissão judicial quanto ao recebimento das indemnizações devidas pela entidade empregadora em razão da franquia acordada nos termos do contrato de seguro. Com efeito, como elucida José Lebre de Freitas, “Diz-se confissão o reconhecimento da realidade dum facto (passado, ou presente duradoiro) desfavorável ao declarante (art.º 352.º CC), isto é, dum facto constitutivo dum seu dever ou sujeição, extintivo ou impeditivo dum seu direito ou modificativo duma situação jurídica em sentido contrário ao seu interesse, ou, ao invés, a negação da realidade dum facto favorável ao declarante, isto é, dum facto constitutivo dum seu direito, extintivo ou impeditivo dum seu dever de sujeição ou modificativo” [A Acção Declarativa Comum, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2013, p.255].
Nada obsta, pois, a que este Tribunal de recurso atenda a esse facto e proceda à alteração da decisão, na parte em que concluiu assistir ao sinistrado o direito “ao diferencial no montante de €15.164,63, a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta sofrida (já que a titulo de ITA o montante da indemnização ascende ao valor global de €111.830,68”.
Para chegar a essa conclusão, o Tribunal a quo teve em consideração os facto provados 4, 5 e 7, onde consta o seguinte:
[4] Em consequência do acidente supra descrito, o autor esteve afectado de incapacidade temporária absoluta (ITA) entre 12.03.2018 até 13.01.2020 ( 673 dias).
[5] Auferia, à data do acidente, a retribuição anual de €83.901,74.
[7] Não se encontra totalmente indemnizado pelos períodos de ITA referidos em 4., tendo recebido, a este título, a quantia global de €96.666,05.
Defende a recorrente que tem o direito a abater à ITA, de 673 dias, os 60 dias correspondentes à franquia prevista nas Cláusulas Quinta e Oitava do Protocolo de Colaboração na Gestão de Sinistro constante das Condições Particulares da Apólice n.º ..., apenas podendo ser condenada a pagar €1.971.25, correspondente à diferença entre €98.637,83 (613 dias x €160,91) e €96.666,58, montante já pago a título de incapacidades temporárias.
O recorrido aceita que se deduza o valor corresponde aos 60 dias da franquia – que recebeu da entidade empregadora – mas discorda dos cálculos realizados pela seguradora, referindo que esta considerou sempre o valor diário de € 160,91 [(€83.901,74/365)/70%], não tendo em conta o disposto na parte final da alínea d) do n.º 3 do artigo 48.º da Lei 98/2009, de 04 de Setembro – “Por incapacidade temporária absoluta - indemnização diária igual a 70 % da retribuição nos primeiros 12 meses e de 75 % no período subsequente-.
Defende que no período entre 12/03/2019 e 25/11/2019 a indemnização diária corresponde a 75% da retribuição, logo, resultando um valor diário de €172,40 [(€83.901,74/365)/70%]. Conclui que a diferença de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária que lhe é devida, tendo em conta o montante já pago de € 96.666.58 e admitindo-se a franquia de 60 dias, é de € 5.509,65 [€ 111 830,68 – 96 666,58 - 9654,45].
O recorrido tem razão. A Recorrente calculou a indemnização por incapacidade temporária para o total dos dias a considerar, tendo sempre em conta o valor diário de €160,91 para todo o período, ou seja, o correspondente a 70% da retribuição diária. Porém, como assinala o recorrido, a partir dos 12 meses o valor diário a considerar, nos termos do art.º 48.º/3/d da Lei 98/2009, é de 75%, a que corresponde o valor diário de 172,40€.
Na fundamentação da sentença não se encontra a demonstração do cálculo, tendo o Tribunal a quo dito apenas que “a título de ITA o montante da indemnização ascende ao valor global de €111.830,68”. Feitos os cálculos em conformidade com a regra apontada, conclui-se, como defende o recorrido, que de facto este é o valor da indemnização correspondente ao total dos 673 dias de incapacidade temporária absoluta. Ou seja, o Tribunal a quo procedeu ao cálculo aplicando correctamente a regra do art.º 48.º/3/d da Lei 98/2009.
De acordo com a cláusula 5.ª, das Condições Particulares da apólice de seguro, a franquia de 60 dias tem aplicação no início da situação de incapacidade temporária absoluta e, logo, para se apurar o valor correspondente à indemnização para esse período temporal, o valor diário a considerar é de €160,91 (70% da retribuição diária), como referem em consonância a recorrente e o recorrido, perfazendo o total de €9.654,60.
Assim, deduzindo ao total de €111.830,68, os valores pagos pela seguradora - €96.666,58 – e recebidos pelo sinistrado do clube no período coberto pela franquia - €9654,45 -, conclui-se que o valor ainda em divida, tal como aponta o sinistrado, é de €5.509,50, e não os €15.164,63 fixados pelo Tribunal a quo no ponto B.2 do dispositivo da sentença, nem tão pouco os €1.971.25 calculados pela recorrente.
Concluindo, nesta parte o recurso procede parcialmente, cabendo alterar o ponto B.2 do dispositivo da sentença, para condenar a Ré a pagar ao sinistrado a quantia de €5.509,50 (cinclo mil quinhentos e nove euros e cinquenta cêntimos), relativo ao diferencial de indemnização pelas incapacidades temporárias sofridas, ainda não liquidado.

III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação nos termos seguintes:
i) Julgar improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
ii) Julgar o recurso parcialmente procedente – quanto ao pedido subsidiário – revogando e alterando o ponto B.2 do dispositivo da sentença, para condenar a recorrente Ré a pagar ao sinistrado “a quantia de €5.509,50 (cinco mil quinhentos e nove euros e cinquenta cêntimos), relativo ao diferencial de indemnização pelas incapacidades temporárias sofridas, ainda não liquidado”.

Custas do recurso a cargo da recorrente, na proporção do decaimento (art.º 527.º do CPC).

Porto, 8 de Junho de 2022
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira