Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2547/18.3T8AGD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ IGREJA MATOS
Descritores: REGISTO PREDIAL
REGISTO PROVISÓRIO POR NATUREZA
PROPRIEDADE HORIZONTAL
Nº do Documento: RP201906252547/18.3T8AGD.P1
Data do Acordão: 06/25/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º899, FLS.110-113)
Área Temática: .
Sumário: Estando em causa, à luz da descrição registral, um único edifício ainda em construção, não poderá converter-se em definitivo o registo da inscrição da constituição da propriedade horizontal quanto às fracções autónomas, tido como provisório por natureza, nos termos do artigo 92º, nº1, alínea b) do Código do Registo Predial, enquanto o prédio urbano não exista como coisa efectiva, completa, ou seja, até que a construção do edifício esteja concluída.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 2547/18.3T8AGD
I – Relatório
Recorrente(s): B…
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo Local Cível de Águeda
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B… interpôs a presente impugnação judicial da decisão de qualificação do acto de registo, proferida pela Conservatória do Registo Predial de Águeda, e confirmada em sede de recurso hierárquico pelo Instituto dos Registos e do Notariado, nos termos do art.º 145º do Código do Registo Predial.
O ora recorrente requereu o registo de conversão em definitiva da inscrição da constituição da propriedade horizontal quanto às fracções autónomas designadas pelas letras “A” e “E” do prédio descrito sob o nº 515 da freguesia de …, concelho de Penafiel, bem como o registo da aquisição das referidas fracções a favor da “C…, C1…, S.A.”, por compra por negociação particular em processo de insolvência.
O pedido de conversão parcial da inscrição da propriedade horizontal foi recusado por despacho da Sra. Conservadora, de 29/5/2018, com a fundamentação que se transcreve: “O registo requisitado (conversão parcial quanto às fracções “A” e “E”) é recusado em virtude de, tendo o regime da propriedade horizontal sido instituído de forma unitária sobre o prédio, a conversão parcial desse regime, registralmente publicitado como provisório por natureza por não se encontrar concluída a construção do prédio, parecer não poder ser efectuada com base apenas na declaração de que as fracções autónomas, cujo pedido de conversão parcial se requisita, estão concluídas. Implicando a propriedade horizontal também a existência de partes comuns (sendo cada fracção autónoma, em princípio, inseparável das partes comuns do edifício que lhe correspondem), não se considera documentalmente demonstrado, nomeadamente pela entidade camarária competente, que a não conclusão das obras relativas ao prédio/edificação no seu todo não afecte a utilização autónoma/autonomia funcional das fracções em causa O acto, pela sua natureza de averbamento, não pode ser efectuado provisoriamente por dúvidas.
Foi efectuado o suprimento de deficiências nos termos legais. Cfr. os arts.º 1414º, 1418º 1420º, 1421º do C. Civil; arts.º 59º e 62º RJUE e arts.º 68º, 69º, nº 2 do CRP.
Notifique-se.”
Em face da recusa de conversão parcial da propriedade horizontal, foi inscrita como provisória por natureza a aquisição das ditas fracções, nos termos do art.º 92º, nºs 1, c) e 2, d) do CRP.
O recorrente insurge-se contra a decisão supra referida, porquanto:
- Tratando-se de venda em processo de insolvência, não era exigível a apresentação documental prevista no art.º 4º, nº 1 do RJUE, atento o disposto no art.º 164º, nº 6 do CIRE;
- As fracções autónomas não integram um prédio em altura, tratando-se, ao invés, de moradias em banda, com propriedade exclusiva de cada uma das moradias, e propriedade comum do terreno, e uso comum do logradouro nas traseiras de todo o imóvel;
- São inaplicáveis os arts.º 62º a 66º do RJUE, não sendo exigível a apresentação de qualquer documento camarário para o registo predial da propriedade horizontal, seja total, seja parcial;
- É possível construir a propriedade horizontal de um prédio e proceder, sem mais, à conversão parcial de uma ou mais fracções autónomas, mesmo sem ser obtida a licença de utilização;
- A caducidade dos direitos reais de garantia inerente à venda executiva não está assegurada enquanto não for promovida a conversão parcial da propriedade horizontal das fracções autónomas “A” e “E” do prédio.
Conclui pela nulidade do despacho da Sra. Conservadora, por enfermar de uma conclusão e de uma fundamentação errada, dada a natureza do conjunto imobiliário em construção – moradias em banda – ou, caso assim se não entenda, pede a revogação do referido despacho, e que se determine a conversão parcial do registo de propriedade horizontal relativamente às fracções “A” e “E”.
O tribunal recorrido proferiu decisão a qual se transcreve na parte dispositiva:
Pelo exposto, decide-se julgar a presente impugnação judicial improcedente, mantendo-se, na íntegra, a decisão impugnada.
Custas a cargo do impugnante – arts.º 527º do CPC e 12º, nº 1, d) do RCP.
Notifique os sujeitos processuais identificados no art.º 147º, nºs 1 e 4 do Código do Registo Predial.
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Inconformado o autor veio recorrer desta decisão, formulando as seguintes conclusões:
I) O prédio construído segundo um alinhamento horizontal (moradias em banda) subsume-se no disposto no art.º 1438.º-A do CC.
II) Inexiste base legal para fundamentar a exigibilidade de documento camarário, para a solicitada conversão do registo.
III) Para lavrar notarialmente o regime de propriedade horizontal de um prédio e submeter a registo predial subsequente um prédio dado por concluído (e amiúde das vezes ainda em fase de construção ou a construção por se iniciar) nos Serviços de Finanças, não há preceito legal que imponha apresentação das licenças de utilização das frações autónomas que compõem o prédio;
IV) É inatendível a imperatividade e exigência no(s) pedido(s) de conversão parcial da propriedade horizontal de frações autónomas, entretanto concluídas e de que se prescinda da exibição das mesmas desde que todo (?) o edifício esteja (supostamente) concluído.
V) Inaplicabilidade dos art.s 62.º e 66.º do RJUE, como de forma inequívoca foi sufragado na douta Sentença, ao disciplinar aqueles preceitos o regime de licenciamento e emissão da licença de autorização ou de utilização dos prédios pelo municípios competentes, não determinando que nas situações de conversão do regime de propriedade horizontal (parcial) haja necessidade de apresentação à entidade tabular das respetivas licenças de utilização.
VI) A declaração produzida pelo proprietário da conclusão das frações autónomas do prédio – a participação, tal como ocorreu de tal facto ao Serviço de Finanças competente, é suficiente à míngua de inexistente fundamentação legal que imponha ou determine a exigibilidade de qualquer documento camarário para a conversão parcial, in casu, do regime de propriedade horizontal às frações “A” e “E” concluídas e transmitidas.
VII) Sem prescindir de que no âmbito do negócio jurídico praticado, é inexigível à massa insolvente de apresentar ou comprovar para a liquidação do ativo de suporte documental aplicável (cfr. art. 4.º, n.º 1 do RJUE e art. 164.º, n.º 6 do CIRE).
VIII) Sem embargo de que na fluidez e segurança do comércio jurídico a propriedade horizontal no tocante às frações “B”, “C”, “D” e “F” do prédio está lavrada de forma definitiva, cumprindo a finalidade e os efeitos decorrentes da publicidade do direito inscrito (cfr. art. 1.º do CRP).
IX) A Sentença recorrida viola o disposto no art. 1438.º-A do CC e artºs. 62.º e 66.º do RJUE.
Termina o recorrente peticionando que no provimento do presente recurso seja proferido acórdão que revogando o despacho de recusa sob-censura a coberto do ato de qualificação da Ap. 1668/20180509 da Conservatória do Registo Predial de Águeda e em consequência se determine nos termos requeridos a conversão parcial do registo de propriedade horizontal no que tange às frações “A” e “E”, revogando-se a douta Sentença recorrida.
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II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;
O objecto do recurso é delimitado pelas alegações e decorrentes conclusões, não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam. No caso concreto haverá que apurar, à luz do enquadramento legal aplicável, se poderá, ou não, ordenar-se junto da Conservatória do Registo Predial a conversão em definitiva da inscrição da constituição da propriedade horizontal quanto às fracções autónomas em causa nos autos.
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III – Factos Provados
Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos apurados pela primeira instância:
I - Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel, sob o nº 515 da freguesia de …, o prédio urbano sito no Lugar de …, Rua .., composto por parcela de terreno para construção, “em construção um edifício de cave, rés do chão e andar”.
Concluída quanto às fracções “B” e “C”.
Concluída quanto à fracção “D”.
Concluída quanto à fracção “F”.
Fracções Autónomas: A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O, P.
Sobre essa referida descrição predial, incidem várias inscrições, entre as quais, no que para aqui interessa, a Ap. 977 de 30/10/2014: Constituição da Propriedade Horizontal – art.º 92º, nº 1, b) Fracções A a P
Direitos dos Condóminos:
Zonas de Uso Exclusivo:
(…)
Partes comuns:
A área restante do logradouro, com 1.042,78 m2, na extrema traseira de todo o imóvel e ainda no espaço exterior entre a fracção “O” e a fracção “N”.
Definitiva quanto às fracções “B” e “C”.
Pela Ap. 2223 de 11/6/2015, foi feito o averbamento da conversão em definitiva da constituição da propriedade horizontal quanto à fracção “D”.
Pela Ap. 467 de 24/11/2015, foi feito o averbamento da conversão parcial em definitiva da constituição da propriedade horizontal quanto à fracção “F”.
IV - Direito Aplicável
A questão colocada junto deste Tribunal foi já apreciada e decidida por três instâncias distintas, todas no mesmo sentido – o da recusa.
A primeira foi, desde logo, através da decisão da própria Conservadora do Registo Predial; depois, após reclamação hierárquica, pelo Instituto dos Registos e do Notariado e finalmente, após impugnação judicial, pelo Tribunal de Primeira Instância.
Os argumentos aduzidos pelos diferentes decisores foram diversos e não valerá a pena repeti-los; anote-se nomeadamente o douto parecer jurídico exarado pelo Instituto dos Registos e do Notariado presente a fls. 38/42 dos autos (Parecer 82/2018) onde se aborda de um modo detalhado a pretensão aduzida.
Importa delimitar a causa principal da recusa da conversão do registo em definitivo. A mesma assenta, primacialmente, como sublinha o parecer do IRN, na ausência de preenchimento de uma condição essencial: a conclusão da construção do prédio ainda que efectuada por mera declaração. Conclusão de todo o prédio e não apenas de algumas fracções autónomas ou das partes comuns; doutro modo, estaria a perverter-se o próprio regime de propriedade horizontal enquanto regulador da situação jurídica do edifício.
Este pressuposto é anterior (antecede) aquele em que se concentram as doutas alegações de recurso e que remetem, no essencial, para a desnecessidade de apresentação das licenças de utilização das frações autónomas que compõem o prédio.
É que, como se explica no parecer no qual nos ancoramos, pese a alegação em contrário, e tendo em conta o que realmente interessa – a descrição predial – estamos perante um só edifício (sem prejuízo das dúvidas suscitadas que remetem estarmos perante moradias em banda).
Na verdade, lê-se nessa descrição e conforme consta do facto provado 1 que está em causa “em construção um edifício de cave, rés do chão e andar”.
Esta a descrição predial dos autos; é com tal enunciado que a actividade registral se deve defrontar, pelo menos, até que seja outra a descrição existente após alteração a que se possa vir a proceder. Assim, no caso presente, não está descrita a construção de vários edifícios, as tais moradias autónomas entre si, mas de um único e singelo edifício.
E sendo assim - não se vislumbrando como, à luz do que são as realidades registrais, possa ser de outra maneira – estando em causa um edifício em construção, tudo nos remete para o regime dito “clássico” da propriedade horizontal devendo manter-se o registo como provisório por natureza (artigo 92º, nº1, alínea b) do Código do Registo Predial) até que o prédio urbano exista como coisa presente, efectiva, completa. Terá, portanto, que se demonstrar para a conversão do presente registo em definitivo a verificação da “conditio iuris” a que se acha vinculado o efeito real do acto constitutivo da propriedade horizontal, qual seja, a conclusão da construção do prédio.
Deste modo, fica prejudicada a alegação do recorrente quanto a ser inexigível à massa insolvente de apresentar ou comprovar para a liquidação do ativo de suporte documental aplicável (cfr. art. 4.º, n.º 1 do RJUE e art. 164.º, n.º 6 do CIRE) no âmbito da referida desnecessidade de junção de licença camarária. Já vimos como a conclusão do edifício em construção pode ser tornada efectiva através de uma mera declaração; ponto é que a mesma, a dita conclusão, esteja registada e, como tal, demonstrada para o contexto que ora nos interessa.
Ou seja, coincidimos com a sentença apelada: “não estando demonstrada a conclusão da construção do prédio –no seu todo, e não por referência apenas a algumas das suas fracções – não pode haver lugar à conversão parcial da propriedade horizontal apenas quanto a algumas fracções, nem, por conseguinte, à inscrição definitiva da aquisição dessas mesmas fracções autónomas – cfr. art.º 92º, nº 1, b) e c) do CRP. E o que vem de se dizer não é invalidado pelo disposto no art.º 164º, nº 6 do CIRE, invocado pelo recorrente.
À luz do exposto, irá confirmar-se a sentença recorrida com fundamentos que dela não dissentem.
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Resta proceder à sumariação prevista pelo art.663º, nº7 do Código do Processo Civil:
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V – Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente o recurso em apreço confirmando-se integralmente a decisão proferida em primeira instância.
Custas pelo apelante.
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Porto, 25 de Junho de 2019
José Igreja Matos
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues