Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
15947/18.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: ACORDO
PRÉ-REFORMA
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
INTERPRETAÇÃO
Nº do Documento: RP2020030915947/18.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 03/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE, CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O art. 236º do Cód. Civ. acolheu a doutrina da impressão do destinatário, de harmonia com a qual a determinação do sentido juridicamente relevante da declaração negocial será aquela que um declaratário razoável – medianamente instruído, diligente e sagaz – colocado na posição do real declaratário, deduziria, considerando todas as circunstâncias atendíveis do caso concreto.
II - Do referido em I, exceptuam-se as situações em que: i) não puder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (nº 1); ii) o declaratário conheça a vontade real do declarante (nº 2).
III - No caso, provou-se que: o trabalhador e a empregadora acordaram a suspensão do contrato de trabalho e, em simultâneo, a pré-reforma daquele, e, bem assim, que as prestações devidas nos termos de tal acordo seriam actualizadas anualmente e “simultaneamente com a actualização salarial dos trabalhadores do activo e com base na aplicação do valor percentual idêntico ao que vier a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos mesmos.”; o A. estava convencido de que teria a sua prestação de pré-reforma anualmente actualizada, em termos médios do valor percentual de todos os trabalhadores da R. (nº 12 dos factos provados); a R. pretendeu aplicar aos trabalhadores em pré-reforma um regime de actualização salarial idêntico ao aplicado aos trabalhadores no activo (nº 16 dos factos provados).
IV - No circunstancialismo referido em II e tendo em conta o referido em I, a vontade real da Ré apenas poderia ser atendida: i) se o A. soubesse que essa era a vontade real da Ré, o que não é o caso tendo em conta o referido no nº 12 dos factos provados; ii) se a Ré não pudesse, razoavelmente, contar com o sentido da declaração retirado pelo A., o que também não é o caso dado que a redacção da clª aponta no sentido do por ele extraído ou, pelo menos, actuando com a diligência devida, deveria a Ré ter ponderado que a interpretação do A. seria, ou poderia ser, uma interpretação possível e viável por parte de um homem médio, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do A.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 15947/18.0T8PRT.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1158)
Adjuntos: Des. Jerónimo Freitas
Des. Nelson Fernandes
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório
B… intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra C…, S.A., pedindo que seja:
“a) - condenada a R. pagar ao A. a quantia de € 72.106,57 (…), respeitante a diferenças salariais ou remuneratórias vencidas desde Janeiro de 2006 e até 30.06.2018, inclusive, resultantes da falta das atualizações prometidas e decorrentes da celebração do Acordo de Suspensão do Contrato de Trabalho/Pré-Reforma, acrescida de juros de mora à taxa legal;
b) - condenada a R. a pagar ao A. a quantia de €15.435,34 (…), a título de juros de mora vencidos até à presente data;
c) - condenada a R. a proceder às atualizações das remunerações respeitantes aos meses subsequentes a Junho de 2018, com base nos mesmos critérios;
d) - condenada a R. a efetuar, junto da Segurança Social, o pagamento dos valores em falta da Taxa Social Única (TSU) decorrentes da falta de atualização da prestação a que estava contratualmente obrigada os quais têm reflexo no cálculo do valor da sua pensão de reforma; e
d) - condenada a R. a pagar juros de mora vincendos, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento;”
Alegou, para tanto e em síntese, que firmou com a R. um acordo de pré-reforma, o qual produziu efeitos em 01.09.2005. Por via desse acordo as prestações de pré-reforma a que tem direito deveriam ter sido actualizadas em percentagem idêntica àquela que, em termos médios, era aplicada a todos os trabalhadores da R. em sede retributiva, o que não sucedeu.

A R. contestou a acção, defendendo, em síntese, que as actualizações reclamadas devem apenas considerar eventuais actualizações remuneratórias dos trabalhadores da R. com a mesma categoria profissional e o mesmo nível salarial do aqui A.

O A. respondeu à contestação. Em tal resposta, nos arts. 15º e segs, o A. procedeu ainda à redução do pedido para €71.664,40, acrescido de juros de mora, à taxa de 4%, contados desde a data de vencimento de cada uma das diferenças vencidas e não pagas que se computam em €15.444,01.

Realizou - se audiência prévia, no âmbito da qual: foi admitida a redução do pedido; se teve como não escritos os arts. 9 a 14 da resposta à contestação; se fixou à acção o valor de €87.108,41; se proferiu despacho saneador, no qual: se julgou improcedente a invocada ineptidão do pedido de condenação em juros de mora, bem como a invocada inadmissibilidade do pedido de condenação em prestações vincendas; fixou-se o objecto do litígio e indicaram-se os temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:

“Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente procedente, por provada, e, em consequência:
a) Condeno a R., C…, S.A., a pagar ao A., B…, a quantia que se viver a liquidar em sede de execução de sentença, relativa à diferença entre os montantes pelo segundo mensalmente recebidos a título de prestação de pré-reforma desde janeiro de 2006, e os resultantes da aplicação àqueles das atualizações retributivas em percentagem idêntica à de que, em termos médios, beneficiaram todos os trabalhadores da R. no ativo;
b) Mais condeno a R. a pagar ao A. juros de mora, à taxa legal, contados desde o vencimento de cada uma das prestações em apreço, até efetivo e integral pagamento;
c) Ainda condeno a R. a efetuar junto da Segurança Social os pagamentos dos valores em falta da Taxa Social Única decorrentes da falta das apontadas atualizações;
d) Condeno a R. nas custas do processo.”

Inconformada, veio a Ré recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões:
…………………………………………………………
…………………………………………………………
…………………………………………………………
O Recorrido contra alegou, pugnando pelo não provimento do recurso [não formulou conclusões].

A Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, ao qual as partes não responderam.

Colheram-se os vistos legais.
***
II. Decisão da matéria de facto:
A. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância:
É a seguinte a decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância:
“1. O A. é trabalhador da R., onde se encontra registado com o número de empregado …….. (ex-n.º …….), desempenhando as funções inerentes à categoria de técnico superior licenciado;
2. Auferindo mensalmente uma remuneração base, acrescida de diuturnidades, que, para efeitos de situação de pré-reforma, foi fixada em €6.966,80;
3. A R. – que resulta da fusão com a D…, S.A. – promoveu, no ano de 2005, um movimento de saídas antecipadas dos seus trabalhadores ou suspensão dos respetivos contratos de trabalho, usando, para o efeito, divulgação de brochuras internas e email’s que fez circular entre os seus colaboradores;
4. Para além disso, aos trabalhadores que – como o A. – reuniam condições necessárias à integração daquele movimento, remeteu cartas divulgando a medida e convidando à adesão;
5. Face às medidas incentivadoras de condições especiais oferecidas, e após reuniões várias e negociações, o ora A. celebrou com a R. – então denominada D…, S.A. – Acordo de Suspensão do Contrato de Trabalho/Pré-Reforma, que produziu efeitos a partir de 01.09.2005;
6. Nos termos da Cláusula 2ª do referido Acordo, a R. obrigou-se a pagar ao A., durante o período de suspensão anterior à pré-reforma, uma prestação mensal de €6.966,80, correspondente a 100% da retribuição mensal ilíquida (remuneração base e diuturnidades) efetivamente auferida à data da celebração do mesmo;
7. Nos termos da Cláusula 4ª do dito Acordo, “o montante da prestação de pré-reforma será atualizado anualmente, simultaneamente com a actualização dos salários dos trabalhadores do ativo e com base na aplicação de valor percentual idêntico ao que vier a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos mesmos.”;
8. A mesma prestação seria ainda aumentada a partir da data em que, se se mantivesse ao serviço, o A. venceria a 6ª diuturnidade, de uma importância correspondente ao valor unitário da diuturnidade que nessa data vigore para os trabalhadores no ativo – nº 2 da referida Cláusula 4ª;
9. Também nos termos da Cláusula 13ª, o Acordo celebrado é irrevogável e qualquer alteração ao mesmo só produz efeitos caso revista forma escrita e seja subscrita por ambas as partes;
10. Até à presente data todo o clausulado manteve-se inalterado e em vigor;
11. A R. passou a utilizar, a partir de 2006, uma nova redação da Cláusula 4ª nos Acordos de Pré-Reforma: “o montante da prestação referida na Cláusula 3ª será actualizado simultaneamente com a actualização salarial dos trabalhadores no activo, com base em percentagem igual à do aumento de retribuição que vier a ser fixado para a tabela salarial dos mesmos, de que o 2º outorgante beneficiaria se estivesse no pleno exercício das suas funções.”;
12. O A. estava convencido de que teria a sua prestação de pré-reforma anualmente atualizada, em termos médios do valor percentual de todos os trabalhadores da R.;
13. A percentagem de atualização da remuneração (dos trabalhadores no ativo) e da compensação ou da prestação de pré-reforma (dos trabalhadores em regime de suspensão do contrato de trabalho ou de pré-reforma) foi sempre igual e a mesma para todos eles;
14. Até ao final de 2005 a percentagem de aumento salarial foi única e igual para todos os trabalhadores da R.:
15. A R. aumentou a prestação de pré-reforma na data em que o A., caso estivesse ao serviço, venceria a 6ª (e última) diuturnidade, o que neste caso se verificou em março de 2009;
16. A R. pretendeu aplicar aos trabalhadores em pré-reforma um regime de atualização salarial idêntico ao aplicado aos trabalhadores no ativo.
Os factos não provados:
Nada mais foi dado como provado, com relevo para a decisão da causa, designadamente que:
a) O A. tenha recebido da R., em termos da prestação mensal a que se aludiu em 6., os seguintes montantes: €6.966,80 em 2006, €6.968,60 em 2007, €6.970,46 em 2008, €6.970,46 em janeiro e fevereiro de 2009, €6.998,87 entre março e junho de 2009, €6.183,95 entre julho e dezembro de 2009, €6.183,95 entre janeiro e junho de 2010, €6.185,23 entre julho e dezembro de 2010, €6.185,23 em 2011, €6.185,23 em 2012, €6.185,23 entre janeiro e junho de 2013, €6.187,03 entre julho e dezembro de 2013, e €6.187,03 em cada um dos anos de 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018;
b) Todos os trabalhadores, incluindo o A., que acordassem na celebração de Acordo de Suspensão do Contrato de Trabalho ou de Pré-reforma, até ao final do ano de 2005, soubessem ser uma única, e aplicável a todos eles, a percentagem de aumento da tabela salarial.”
*
B. Adita-se à matéria de facto provada o nº 17 com o seguinte teor:
17. Do acordo de suspensão do Contrato de Trabalho/Pré-Reforma referido no nº 5 dos factos provados consta, para além do mais, o seguinte:
“1º
Por efeito do presente Acordo, celebrado por iniciativa do trabalhador, o contrato de trabalho do 2º outorgante considera-se suspenso, ficando o trabalhador dispensado da prestação de trabalho, com a inerente suspensão dos direitos e das obrigações decorrentes daquela.
Durante o período de suspensão anterior à pré-reforma, o 1º outorgante pagará ao 2º outorgante uma prestação mensal de €6.966,80 (…) correspondente a 100% da retribuição mensal ilíquida (remuneração base e diuturnidades) auferida à data da celebração do presente acordo.
(…)
1. O montante da prestação referida na cláusula 2ª será actualizado anualmente, simultaneamente com a actualização salarial dos trabalhadores do activo e com base na aplicação do valor percentual idêntico ao que vier a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos mesmos.
(…)
10ª
1. Logo que o 2º outorgante preencha as condições de pré-reforma estabelecidas no artigo 356º do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 99/2003 de 27 de Agosto, ou noutro diploma que venha a alterar, modificar ou substituir o referido diploma, o trabalhador passará à situação de reforma, regida pelo disposto em tal diploma e pelo presente acordo.
2. A partir da data referida no número anterior, o trabalhador auferirá uma prestação de pré-reforma calculada de acordo com as regras constantes do anexo ao presente acordo e que deste faz parte integrante.
3. A prestação de pré-reforma será igualmente actualizada de acordo com o previsto na cláusula 4ª.
4. (…).”
***
III. Fundamentação
1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10 e alterado, designadamente, pela Lei 107/2019, de 09.09).
Assim, são as seguintes as questões a apreciar:
- Impugnação da decisão da matéria de facto;
- Da (não) actualização da compensação/prestação de pré-reforma do A/Recorrido, concretamente, da interpretação da clª 4ª, nº 1, e 10ª nº 3 [que remete para a clª 4ª, nº 2] do Acordo de suspensão do contrato de trabalho/Pré-reforma.
- Se a sentença recorrida não devia ter proferido condenação em montante a liquidar mas sim se devia ter absolvido a Ré dos pedidos.
2. Da impugnação da decisão da matéria de facto
Impugna a Recorrente a decisão da matéria de facto pretendendo que o nº 12 dos factos provados seja dado como não provado e que os arts. 20, 21, e 29 a 41 da contestação sejam dados como provados.
A recorrente deu cumprimento aos requisitos previstos no art. 640º, nºs 1, als. a), b) e c), e nº 2, al. a) [quanto a este na medida em que a impugnação tem por suporte depoimentos pessoais] do CPC/2013.
Procedeu-se à audição integral dos depoimentos prestados pelas testemunhas invocadas pela Recorrente para sustentar a impugnação aduzida, E…, trabalhador da Ré e, desde 1994/1995, membro da Comissão de Trabalhadores, e F…, admitido na Ré em fevereiro de 2005, gestor na área de recursos humanos e responsável pela assessoria jurídico-laboral na área da contratação colectiva e relações colectivas de trabalho e, ainda, do depoimento de G…, então colega do A., tendo celebrado com a Ré, aos 01.10.2005, contrato de suspensão/pré-reforma similar ao do A., tendo intentado contra a Ré em 2009 acção judicial idêntica, já julgada e tendo pendente um processo de execução de sentença, contra a Ré, em 2009, bem como ao depoimento prestado pelo A., em declarações de parte.

2.1. Quanto ao nº 12 dos factos provados, a fundamentar a impugnação alega a Recorrente, apenas, que o mesmo tem natureza conclusiva, consubstanciando matéria de direito.
É o seguinte o teor de tal ponto: “12. O A. estava convencido de que teria a sua prestação de pré-reforma anualmente atualizada, em termos médios do valor percentual de todos os trabalhadores da R.;”
A decisão da matéria de facto apenas deve contemplar factos, estes os acontecimentos da vida real, e não já matéria de direito, conclusiva ou contendo juízos de valor.
Deve também conter os factos essenciais à decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, bem como, quanto aos factos acessórios ou instrumentais, aqueles que constituem “a base de uma presunção legal ou o facto contrário a um presumido”, sem prejuízo de poderem também ser contemplados aqueles que “assumam especial relevância concreta para a prova dos factos principais, em que seja duvidosa a ilação que, a partir deles, possa ser tirada para esta prova ou em que constituam garantia de que o direito à prova não é severamente restringido por limitações legais como a do art. 633 para a prova testemunhal” – José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 2001, Coimbra Editora, pág. 381.
De acordo com o Professor José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4ª Edição, págs. 206 a 215:
“(…)
a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior;
b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei;
(…)
Entendemos por factos materiais as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos dos homens.
(…)
Em conclusão: O juiz, ao organizar o questionário, deve evitar cuidadosamente que nele entrem noções, fórmulas, categorias, figuras ou conceitos jurídicos; deve inserir nos quesitos unicamente factos materiais e concretos.
(…).”
Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, Coimbra Editora, pág.187, refere que: “O questionário deve conter só matéria de facto. Deve estar rigorosamente expurgado de tudo quanto seja questão de direito; de tudo quanto envolva noções jurídicas (…)” e, a pág. 194, que podem ser objeto de prova, tanto os factos principais, como os acessórios, os factos externos, como os internos, os factos reais, como os hipotéticos e “tanto os factos nus e crus (se verdadeiramente os há) como os juízos de facto (…)”.
Por sua vez Antunes Varela, J. Miguel Beleza e Sampaio e Nora, Direito Processual Civil, 1984, Coimbra Editora, pág. 391 a 393, admite como constituindo matéria de facto, suscetível de prova, tanto os acontecimentos do mundo exterior, como os do foro interno, da vida psíquica, “as ocorrências virtuais (os factos hipotéticos), que são, em bom rigor, não meros factos, mas verdadeiros juízos de facto.”,
Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, 1982, Almedina, diz que “(…). A aplicação da norma pressupõe, assim primeiro, a averiguação dos factos concretos, dos acontecimentos realmente ocorridos, (…), Esses factos e a averiguação da sua existência ou não existência constituem, respectivamente, os factos e o juízo de facto – juízo histórico dirigido apenas ao ser ou não ser do facto.
(…).
Igualmente indiferente é a via de acesso ao conhecimento do facto, isto é, que ele possa ou não chegar-se directamente, ou, somente através de regras gerais e abstractas, ou seja, por meio de juízos empíricos (as chamadas regas da experiência). (…).”.

No caso, o ponto 12 da factualidade provada não consubstancia matéria conclusiva, nem juízo de valor, assim como não contém matéria de direito. Ele consubstancia, sim e apenas, um facto, ainda que do foro interno, isto é, da vida psíquica do A., qual seja o de que estava este convencido de determinada realidade. E, isto, é um facto, ao qual aliás o Mmº Juiz chegou com base na prova pessoal que foi produzida em audiência de julgamento conforme decorre da fundamentação da decisão da matéria de facto, que se transcreve:
“No que se refere ao convencimento do A. no sentido de que a sua prestação de pré-reforma seria anualmente atualizada em termos médios do valor percentual de todos os trabalhadores da R., considerou-se o seguinte: para além de tal expectativa ter sido trazida aos autos pelo A. em sede de declarações de parte, à mesma também aludiram, do ponto de vista pessoal, as testemunhas H… e I…; conforme o A. evidenciou na audiência final e foi corroborado pelos depoimentos coincidentes das testemunhas G…, E… e I…, a fixação do valor da aludida prestação de pré-reforma e o grau de atualização da mesma não era indiferente para o aqui trabalhador, uma vez que este, ao passar à situação de pré-reforma, estava a prescindir de outras prestações monetárias como seja o pacote de telecomunicações, a viatura para uso profissional e pessoal, as despesas com combustível, os prémios de desempenho, a isenção de horário de trabalho; ainda que, como mencionou a testemunha F…, até à assinatura por parte do A. do acordo de pré-reforma em apreço a R. tenha sempre praticado aumentos salariais em percentagens fixas e iguais para todos os seus colaboradores, o certo é que a testemunha G… afirmou categoricamente que, aquando daquela assinatura, já se falava na empresa no plafonamento das atualizações salariais de acordo com as retribuições de cada um, acrescentando a propósito a testemunha E… que a R. tem por hábito, como já tinha àquela data, só comunicar as suas decisões – incluindo quanto à forma como vai proceder a atualizações dos salários – aquando da respetiva implementação; o A., nas suas declarações de parte, aludiu ao facto de, no decurso das negociações que estabeleceu com a R. e que culminaram com a assinatura do referenciado acordo de pré-reforma, nunca aquela ter esclarecido a forma concreta como pretendia atualizar a prestação de pré-reforma, atitude esta que foi confirmada pela testemunha H…, igualmente pré-reformado pela R.”.
A Recorrente não impugna o mencionado ponto com base em qualquer meio de prova que haja sido produzido, apenas o fazendo com fundamento na natureza conclusiva do mesmo, o que, todavia e como já referido, não procede.
Assim sendo, improcede, nesta parte, a impugnação aduzida.

2.2. A Recorrente impugna ainda a decisão da matéria de facto pretendendo que os arts. 20, 21 e 29 a 41 da sua contestação sejam dados como provados, o que sustenta nos depoimentos das testemunhas E… e F…, cujos excertos, que teve por pertinentes, transcreveu, com cumprimento do art. 640º, nº 2, al. a), do CPC/2013. Mais diz que a sentença recorrida, na sua fundamentação, aludiu à matéria dos arts. 29 a 41, mas que não a consignou nos factos dados como provados.

2.2.1. Quanto aos arts. 20º e 21º da contestação, é o seguinte o teor dos mesmos: “20º. Contrariamente ao alegado pelo Autor, a atualização salarial dos trabalhadores no ativo (ou não) nunca foi fixada em valores médios.” e “21º Antes ou depois do ano de 2006”
Dos nºs 11, 13 e 14 dos factos provados consta que: “11. A R. passou a utilizar, a partir de 2006, uma nova redação da Cláusula 4ª nos Acordos de Pré-Reforma: “o montante da prestação referida na Cláusula 3ª será actualizado simultaneamente com a actualização salarial dos trabalhadores no activo, com base em percentagem igual à do aumento de retribuição que vier a ser fixado para a tabela salarial dos mesmos, de que o 2º outorgante beneficiaria se estivesse no pleno exercício das suas funções.”; “13. A percentagem de atualização da remuneração dos trabalhadores no ativo e da compensação ou da prestação da pré-reforma (dos trabalhadores em regime de suspensão do contrato de trabalho ou de pré-reforma) foi sempre igual e a mesma para todos eles” e que “14. Até ao final de 2005 a percentagem de aumento salarial foi única e igual para todos os trabalhadores da Ré”.
Dos referidos pontos da matéria já decorre que a actualização salarial dos trabalhadores no activo (ou não) não ocorreu de acordo uma percentagem em termos médios, seja antes ou após 2006.
E quanto ao “não ter sido fixada” em valores médios, ou, melhor dizendo, nunca o ter sido, há que dizer o seguinte:
A Ré, nos arts. 20 e 21 da contestação reporta-se genericamente à “fixação” das actualizações, não concretizando se se reporta à fixação prevista no âmbito das actualizações salariais constante do CCT aplicável ou se no âmbito de eventuais negociações que hajam ou possam ter tido lugar no âmbito das concretas relações/contratos individuais de trabalho e/ou acordos de pré-reforma.
Se a Ré se reporta à fixação por via dos CCT tal consubstancia matéria que resultará da consulta dos CCT que se encontram publicados nos BTE [cfr., designadamente, BTE`s nºs 26/2006, 14/2007, 22/2008, 25/2009, 37/2010, 32/2013, 41/2016 e 29/2018], para além de que, e por isso, é desnecessária a sua consignação em sede de matéria de facto.
Se se reporta a Ré à sua fixação no âmbito de eventuais negociações que hajam ou possam ter tido lugar no âmbito das concretas relações/contratos individuais de trabalho e/ou acordos de pré-reforma, do nº 11 dos factos provados já consta a cláusula que passou a ser utilizada nos acordos de pré-reforma a partir de 2006.
Para além do que consta desse nº 11 e dos nºs 13 e 14 dos factos provados, afigura-se-nos que a prova indicada pela Recorrente e passagens transcritas não permitem, com a necessária segurança, concluir no sentido de que, mormente quanto aos acordos de pré-reforma em período anterior a 2006, a “fixação em valores médios” nunca ocorreu.
Com efeito, e desde logo, tal é contrariado pelo caso em apreço, em que, nos termos do concreto acordo de pré-reforma, a actualização foi “fixada”, isto é, foi redigida, de acordo com o que nela se escreveu, fazendo-se referência a valores médios. E isso também ocorreu, designadamente, na situação vertida no Processo nº13/14.5TTVNG.P1 em que foi proferido, por esta Relação, o Acórdão de 15.12.2016 junto aos autos pelo A., bem como na situação vertida no Acórdão da RL de 07.11.2018, proferido no Proc. 4426/17.2T8LSB.L1, no qual e até, pese embora o mesmo não tenha a autoridade de caso julgado nos autos, se fez, todavia, constar, no nº 20 dos factos aí dados como provados, que ««Desde que, na década de 90, a Ré começou a celebrar acordos de pré-reforma e, até 2005, as minutas que utilizava, pelo menos desde 1995, continham sempre uma cláusula sobre aumentos das prestações de pré-reforma, com o seguinte teor: “o montante da prestação referida na cláusula 2ª será actualizado anualmente, simultaneamente com a actualização dos salários dos trabalhadores do activo e com base na aplicação de valor percentual idêntico ao que vier a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos mesmos”»». Diga-se também que a testemunha G… referiu que a redacção constante da Clª 4ª, nº 1, do acordo ora em causa já vinha desde, pelo menos, 1997.
Acresce que dos depoimentos das testemunhas invocadas pela Recorrente o que decorre é que as mesmas se reportam, no essencial, às negociações havidas no que toca às alterações salariais negociadas no âmbito da contratação colectiva e não já no âmbito do que concretamente foi negociado e acordado nos acordos de suspensão do contrato de trabalho e de pré reforma que tiveram lugar, mormente anteriores a 2006.
Assim e nesta parte, improcede a impugnação.

2.2.2. Quanto ao art. 29º da contestação, é o seguinte o seu teor: “29º. Pese embora anteriormente a 2006, a Empresa nunca tenha sequer pensado e muito menos proposto aplicar percentagens diferenciadas de aumento salarial, mais elevadas relativamente às remunerações mais baixas.”
O excerto transcrito do depoimento da testemunha J…, não corrobora o constante de tal ponto, sendo que a testemunha, segundo referiu, não sabia explicar a razão de no acordo de pré reforma constar a referência a “valores médios”, mais referindo que foi a empresa quem redigiu o acordo e o propôs ao A. e, bem assim, que se o valor da actualização fosse um único para todos, a “média está feita” e que “possivelmente a Ré estava a pensar na situação em que os aumentos fossem feitos de uma forma faseada”, muito embora, como também referiu, “Não digo que que a clª tenha tal redacção a pensar em tal alteração, a empresa é que saberá”. No entanto, desse depoimento resulta que, pelo menos formalmente, tal alteração quanto ao modo de actualização salarial, em data anterior a 2006, não foi proposto ou discutido pela empresa em sede de negociação colectiva.
Já quanto ao depoimento da testemunha F…, referiu ele que em 2005 não se pensou num aumento salarial diferenciado, escalonado de acordo com as remunerações, que este aconteceu porque aconteceu, fruto das negociações do ano de 2006 e porque a empresa entendeu aumentar os salários mais baixos e não os mais altos.
Não obstante, tal como é dito na fundamentação da decisão da matéria de facto e se corrobora após a audição da gravação dos depoimentos das testemunhas G… e E…, aquele, G…, referiu que, aquando da assinatura do acordo de pré-reforma já se falava na empresa no plafonamento das actualizações salariais de acordo com as retribuições de cada um, dizendo a testemunha E… que a R. tem por hábito, como já tinha àquela data, só comunicar as suas decisões – incluindo quanto à forma como vai proceder a actualizações dos salários – aquando da respectiva implementação.
Não se nos afigura, pese embora o depoimento de F… (no sentido de que as actualizações salariais diferenciadas apenas foram equacionadas em 2006 e não antes), que se possa ter, com a segurança necessária, como assente que a questão do aumento diferenciado e escalonado nunca tivesse estado, anteriormente a 2006, no horizonte da Ré e/ou, ainda que não haja sido formalmente proposto no âmbito da negociação colectiva, não pudesse ter sido pensado ou equacionado e até falado (ainda que informalmente). Com efeito, a referida testemunha apenas entrou para a Ré em fevereiro de 2005, sendo que a redacção da clª em questão já vinha desde data muito anterior. Por outro lado, as actualizações salariais consubstanciam um aspecto importante da política salarial das empresas, sendo natural, pelo menos de acordo com as regras da experiência comum, que a possibilidade de actualizações salariais diferenciadas fosse ou pudesse ter sido equacionada ou pensada anteriormente, em algum momento, ainda que apenas implementadas em 2006. Acresce que, como também ensinam as regras da experiência comum, tratando-se como se tratava de uma alteração significativa em matéria de actualização salarial, sempre sensível, causa-nos alguma estranheza que tivesse a decisão, em 2006, surgido “do nada”, de forma tão repentina e sem que nunca antes tivesse sido pensada, cabendo referir que, quanto à razão dessa alteração, o depoimento da testemunha F… não deixa de ser, neste aspecto, algo vago, limitando-se o mesmo, no essencial, a dizer que a forma habitual das actualizações salariais foi alterada porque se entendeu ser de a alterar.
No entanto, afigura-se-nos, por ter resultado da conjugação dos depoimentos prestados, designadamente pelas testemunhas indicadas pela Recorrente, ser de aditar à matéria de facto provada o nº 18 com o seguinte teor:
18. Anteriormente a 2006 a Ré, pelo menos formalmente, no âmbito das negociações colectivas, não propôs aplicar percentagens diferenciadas de aumento salarial, mais elevadas relativamente às remunerações mais baixas.

2.2.3. Quanto aos arts. 30º a 41º, é o seguinte o teor dos mesmos: “30º. O que apenas se verificou com a publicação do AE de 2006, ano em que a Ré não atualizou a remuneração dos trabalhadores cujo vencimento fosse igual ou superior a 2.873€. 31º. E estabeleceu três diferentes percentagens de atualização, uma para os trabalhadores com salários até 756,40€, outra para os com salários entre esse valor e 1.892,30€ e uma última para os trabalhadores com salário compreendido entre este e o valor indicado no artigo anterior. 32º. O mesmo se verificou em 2007, ano em que a Ré não atualizou a remuneração dos trabalhadores cujo vencimento fosse igual ou superior a 2.887,30€. 33º Tendo também estabelecido duas diferentes percentagens de atualização, uma para os trabalhadores com salários até 804,30€ e outra para os com salários entre esse valor e o valor indicado no artigo anterior. 34º Idêntico acordo se verificou em 2008, ano em que a Ré não atualizou a remuneração dos trabalhadores cujo vencimento fosse igual ou superior a 2.930,71€. 35º. E em que atualizou os salários dos restantes trabalhadores em quatro e diferentes percentagens, uma para os trabalhadores com salários até 1.080,00€, outra para os com salários entre esse valor e 1.280€, uma outra para os trabalhadores com salários entre esse valor e 2.000€ e uma última para os trabalhadores com salário compreendido entre este e o valor indicado no artigo anterior. 36º Em 2009 e 2010, a Ré não atualizou a remuneração dos trabalhadores cujo vencimento fosse igual ou superior a 2.966,10€. 37º E em 2009 apenas atualizou o salário dos trabalhadores com salários até 1.350,00€. 38º Enquanto que em 2010, estabeleceu duas diferentes percentagens de atualização, uma para os trabalhadores com salários até 1.425€ e outra para os com salários entre esse valor e o valor indicado no artigo 36. 39º Nos anos de 2011 e 2012, a Ré não atualizou a remuneração de nenhum seu trabalhador. 40º E em 1 de julho de 2013, apenas atualizou o salário dos trabalhadores com salários até 2.527,49€. 41º Entre 2014 e 2017, a Ré não atualizou a remuneração de nenhum seu trabalhador.”.
Invoca a Recorrente os depoimentos das mencionadas testemunhas. E, diz ainda, que a sentença recorrida, na sua fundamentação, referiu tal factualidade, pelo que não se compreende que não tenha sido dada como provada.
A começar, não podemos deixar de dizer que não descortinamos qual a relevância, para a questão em discussão no recurso, na impugnação aduzida pela Recorrente. É que a sentença recorrida não põe em causa que o A., se estivesse no activo, não teria direito às actualizações salariais previstas, a partir de 2006, para os trabalhadores no activo uma vez que a sua retribuição [assim como a compensação/prestação de pré-reforma] seria superior às retribuições, estas inferiores, que foram objecto da actualização escalonada para os trabalhadores no activo operadas em 2006 e anos seguintes em que se verificaram. O que a sentença considerou foi que, não obstante isso, a compensação/prestação de pré-reforma é devida face aos termos da clª 4ª do acordo de suspensão do contrato de trabalho/pré-reforma e ao sentido que dela retirou na interpretação que fez dessa clª.
Não obstante, conheceremos, ainda assim, da impugnação aduzida pela Recorrente.

Em sede de fundamentação jurídica da sentença referiu-se o seguinte:
“A acrescer, não é despiciendo referir que se até ao final do ano de 2005 a percentagem de aumento salarial foi única e igual para todos os trabalhadores da R., o certo é que já a partir de 2006 ocorreu, por força dos sucessivos instrumentos de regulamentação coletiva aplicáveis, a introdução de plafonamentos nas atualizações retributivas dos colaboradores da R. Realmente, nesse ano esta não atualizou a remuneração dos trabalhadores cujo vencimento fosse igual ou superior a €2.873, tendo estabelecido ainda três diferentes percentagens de atualização: uma para os trabalhadores com salários até €756,40, outra para os com salários entre esse valor e €1.892,30 e uma última para os trabalhadores com salário compreendido entre este e o de €2.873. Tal plafonamento repetiu-se no ano de 2007 e 2008 (conforme tudo se evidencia da análise dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho a que se alude a fls. 136 dos presentes autos).”.
Pese embora não constante da decisão da matéria de facto provada, o referido na sentença recorrida, acima transcrito, decorre, como nela se disse, da consulta dos CCT que previram as actualizações salariais (e/ou da inexistência de instrumento que as preveja), os quais estão publicados no BTE, pelo que não se vê razão para a “estranheza” da Recorrente na circunstância de o aí referido não constar da decisão da matéria de facto.
Não obstante, quer desses instrumentos de regulamentação colectiva, quer do depoimento das testemunhas E… e F…, decorre que, até 2005, as actualizações das tabelas salariais eram fixadas numa percentagem fixa igual para todos os trabalhadores, independentemente do valor da retribuição; e que, de 2006 em diante: os aumentos passaram a ser diferenciados e/ou escalonados em função da retribuição e previstos para rendimentos apenas até determinado montante, sendo que anos existiram [2011 e 2012, e 2014 a 2018] em que não se verificou qualquer aumento [F… referiu que “Em 2009 já foi um aumento mais modesto, de 1% até aos salários de 1.350,00 e depois daí em diante não houve mais aumentos na tabela salarial, depois em 2010 houve um aumento até aos salários de 1.425,00€, em 2011 e 2021 não houve aumentos da tabela salarial, em 2013 houve aumentos de 1% até ao ultimo salário da tabela, 2014, 2015, 2016 e 2017 não houve aumentos.”]. Mais referiu a testemunha F… que, considerando o valor da retribuição do A. se este estivesse no activo e os valores das retribuições que, os termos dos CCT, foram objecto de actualização, inferiores à retribuição do A., esta não seria actualizada.
De referir também que dos arts. 13º a 26º da p.i. [em que o A. indica a percentagem média de aumento e calcula o que se lhe encontraria em dívida] decorre que em relação a determinados anos [2011, 2012 e 2014 a 2018] não se verificaram aumentos salariais, assim existindo, quanto a estes anos acordo das partes nos articulados.
Assim sendo, não obstante, como referido, a previsão das actualizações salariais decorrer dos CCT publicados em BTE, não se vê, ainda assim, razão que obste a que se consigne em sede de decisão da matéria de facto a síntese fáctica da referida matéria, pelo que se adita à matéria de facto provada o nº 19 com o seguinte teor:
19. A partir de 2006, a Ré passou a proceder a actualizações salariais diferenciadas e/ou escalonadas dos trabalhadores no activo, em função da retribuição auferida pelos mesmos, sendo que: nos anos de 2006 até 2010 e 2013 as actualizações salariais incidiram apenas sobre retribuições inferiores a determinados montantes, todos estes inferiores à retribuição que o A. auferiria se estivesse no activo e à compensação (no período de suspensão do contrato de trabalho) e prestação de pré-reforma (após a mesma) auferidas pelo A.; nos anos de 2011, 2012 e 2014 a 2018, não se verificou qualquer actualização salarial.
2.2.4. Assim, e em conclusão, são as seguintes as pontos que se aditam à decisão da matéria de facto provada:
17. Do acordo de suspensão do Contrato de Trabalho/Pré-Reforma referido no nº 5 consta, para além do mais, o seguinte:
“1º
Por efeito do presente Acordo, celebrado por iniciativa do trabalhador, o contrato de trabalho do 2º outorgante considera-se suspenso, ficando o trabalhador dispensado da prestação de trabalho, com a inerente suspensão dos direitos e das obrigações decorrentes daquela.
Durante o período de suspensão anterior à pré-reforma, o 1º outorgante pagará ao 2º outorgante uma prestação mensal de €6.966,80 (…) correspondente a 100% da retribuição mensal ilíquida (remuneração base e diuturnidades) auferida à data da celebração do presente acordo.
(…)
1. O montante da prestação referida na cláusula 2ª será actualizado anualmente, simultaneamente com a actualização salarial dos trabalhadores do activo e com base na aplicação do valor percentual idêntico ao que vier a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos mesmos.
(…)
10ª
1. Logo que o 2º outorgante preencha as condições de pré-reforma estabelecidas no artigo 356º do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 99/2003 de 27 de Agosto, ou noutro diploma que venha a alterar, modificar ou substituir o referido diploma, o trabalhador passará à situação de reforma, regida pelo disposto em tal diploma e pelo presente acordo.
2. A partir da data referida no número anterior, o trabalhador auferirá uma prestação de pré-reforma calculada de acordo com as regras constantes do anexo ao presente acordo e que deste faz parte integrante.
3. A prestação de pré-reforma será igualmente actualizada de acordo com o previsto na cláusula 4ª.
4. (…).
18. Anteriormente a 2006 a Ré, pelo menos formalmente, no âmbito das negociações colectivas, não propôs aplicar percentagens diferenciadas de aumento salarial, mais elevadas relativamente às remunerações mais baixas.
19. A partir de 2006, a Ré passou a proceder a actualizações salariais diferenciadas e/ou escalonadas dos trabalhadores no activo, em função da retribuição auferida pelos mesmos, sendo que: nos anos de 2006 até 2010 e 2013 as actualizações salariais incidiram apenas sobre retribuições inferiores a determinados montantes, todos estes inferiores à retribuição que o A. auferiria se estivesse no activo e à compensação (no período de suspensão do contrato de trabalho) e prestação de pré-reforma (após a mesma) auferidas pelo A.; nos anos de 2011, 2012 e 2014 a 2018, não se verificou qualquer actualização salarial.

3. Da (não) actualização da compensação (no período de suspensão do contrato de trabalho) e da prestação de pré-reforma
Tem esta questão por objecto saber se a compensação (no período de suspensão do contrato de trabalho) e prestação de pré-reforma convencionadas pelas partes no Acordo referido no nº 5 dos factos provados não deverá ser, como pretende a Recorrente, actualizada em função das actualizações que se verificaram relativamente aos trabalhadores no activo, o que passa pela interpretação da clª 4ª, nº 2, e 10ª nº 3 [que remete para a clª 4ª, nº 2] do Acordo de suspensão do contrato de trabalho/Pré-reforma.

3.1. Na sentença recorrida, que concluiu no sentido da actualização, referiu-se o seguinte:
“A questão que cumpre apreciar por via da presente lide entronca na interpretação da cláusula 4.ª do acordo de pré-reforma firmado entre o A. e a R. e que produziu efeitos a partir do dia 1 de setembro de 2005.
Por via da interpretação de um determinado ato jurídico pretende-se apurar qual o sentido que o texto tem e, no caso de este poder conter vários sentidos, cumprirá determinar qual deles foi pretendido pelo autor ou autores daquele ato.
A propósito da pré-reforma, preceituava o art.º 359.º do C. do Trabalho de 2003 – aplicável à situação em apreço atenta a data em que o atinente acordo de pré-reforma foi outorgado – que: 1 - A prestação de pré-reforma inicialmente fixada não pode ser inferior a 25% da última retribuição auferida pelo trabalhador, nem superior ao montante desta retribuição. 2 - Salvo estipulação em contrário constante do acordo de pré-reforma, a prestação referida no número anterior é atualizada anualmente em percentagem igual à do aumento de retribuição de que o trabalhador beneficiaria se estivesse no pleno exercício das suas funções ou, não havendo tal aumento, à taxa de inflação. 3 - A prestação de pré-reforma goza de todas as garantias e privilégios reconhecidos à retribuição.
Do preceito legal agora transcrito retira-se que, por via de regra, a prestação de pré-reforma é atualizada por referência ao aumento da retribuição que o trabalhador teria se estivesse ao serviço, ou, não havendo lugar a tal aumento, a dita atualização é feita de acordo com a taxa da inflação.
No entanto, relembremos o que ficou vertido na cláusula cuja interpretação aqui se discute: “o montante da prestação de pré-reforma será atualizado anualmente, simultaneamente com a actualização dos salários dos trabalhadores do ativo e com base na aplicação de valor percentual idêntico ao que vier a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos mesmos.”. A dúvida reside em saber se a atualização da prestação de pré-reforma do A. deve ser efetuada simultaneamente com a atualização das remunerações de todos os trabalhadores no ativo e com base na aplicação de valor percentual idêntico ao que viesse a ser fixado em termos médios para a tabela salarial dos mesmos, ou antes levada a cabo com base na aplicação de percentual idêntico ao que viesse a ser fixado para a categoria ou nível salarial daquele trabalhador em concreto.
A propósito da interpretação da declaração negocial, rege o art.º 236.º do C. Civil: 1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. 2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.
Em termos de negócio formal – como é o caso dos autos –, preceitua o art.º 238.º do C. Civil: 1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso. 2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.
Olhando, de novo, para a cláusula 4.ª do acordo de pré-reforma a que chegaram o A. e a R., verificamos que na redação da mesma foi introduzida a expressão “em termos médios”, expressão essa que, por não ter qualquer correspondência com o texto do art.º 359.º do C. do Trabalho de 2003, tem de ter algum significado expresso. Dito de outra forma, se as partes contratantes tivessem apenas querido prever que o trabalhador pré-reformado veria atualizada a sua prestação de pré-reforma como se estivesse no ativo, perderia qualquer utilizada a expressão utilizada “em termos médios”. Sintomático desta conclusão é o facto de a R., a partir de 2006, ter passado a utilizar uma nova redação da cláusula 4.ª dos acordos de pré-reforma, da qual expurgou a expressão “em termos médios”, qual seja: “o montante da prestação referida na Cláusula 3ª será actualizado simultaneamente com a actualização salarial dos trabalhadores no activo, com base em percentagem igual à do aumento de retribuição que vier a ser fixado para a tabela salarial dos mesmos, de que o 2º outorgante beneficiaria se estivesse no pleno exercício as suas funções.”.
Àquele propósito, se é certo que, conforme resultou provado, a R. pretendeu aplicar e aplicou aos trabalhadores em pré-reforma um regime de atualização salarial idêntico ao aplicado aos trabalhadores no ativo, não menos verdade é que não resultou assente que o A. disso tenha tido conhecimento. Muito pelo contrário, provou-se sim que este sujeito processual ativo estava convencido de que teria a sua prestação de pré-reforma anualmente atualizada em termos médios do valor percentual de todos os trabalhadores da R. (cfr. também a alínea b) da facticidade não provada).
A acrescer, não é despiciendo referir que se até ao final do ano de 2005 a percentagem de aumento salarial foi única e igual para todos os trabalhadores da R., o certo é que já a partir de 2006 ocorreu, por força dos sucessivos instrumentos de regulamentação coletiva aplicáveis, a introdução de plafonamentos nas atualizações retributivas dos colaboradores da R. Realmente, nesse ano esta não atualizou a remuneração dos trabalhadores cujo vencimento fosse igual ou superior a €2.873, tendo estabelecido ainda três diferentes percentagens de atualização: uma para os trabalhadores com salários até €756,40, outra para os com salários entre esse valor e €1.892,30 e uma última para os trabalhadores com salário compreendido entre este e o de €2.873. Tal plafonamento repetiu-se no ano de 2007 e 2008 (conforme tudo se evidencia da análise dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho a que se alude a fls. 136 dos presentes autos).
Tudo para dizer que escassos quatro meses após o início de vigência do acordo de pré-reforma a que chegaram o A. e a R. começou a existir nesta diferentes graus percentuais de atualização das remunerações dos seus trabalhadores, o que justifica a utilização da dita expressão “em termos médios” com o significado de que a atualização acordada pretendeu abranger todos os trabalhadores da empresa, e não apenas os que tivessem a mesma categoria profissional ou nível salarial do trabalhador pré-reformado e aqui A.
Do exposto se retira que assiste ao A. o direito a receber da R. as atualizações da sua prestação de pré-reforma calculadas, em termos médios, com base nas atualizações retributivas de todos os trabalhadores da segunda e que se encontrem no ativo. (…)”

3.2. O entendimento sufragado na decisão recorrida está e consonância com o que foi sufragado no Acórdão desta Relação de 15.12.2016, proferido no Processo nº13/14.5TTVNG.P1[1], que se passa a transcrever:
««O Acordo de Pré-Reforma foi celebrado em 06.10.2005, pelo que é aplicável, ao caso, as disposições relativas à pré-reforma constantes dos artigos 356º a 362º do CT/2003 e não o DL nº261/91 de 25.07 – lei da pré-reforma – o qual foi revogado pela al. o) do nº1 do artigo 21º da Lei nº99/2003 de 27.08 [o DL nº87/2004 de 17.04 repristinou os artigos 8º «direitos em matéria de segurança social», 9º «regime contributivo», 12º «situações especiais de pré-reforma antecipada» e 15º «regiões autónomas» do DL nº261/91 os quais não interessam para aqui].
Nos termos do artigo 359º do CT/2003 “1 – A prestação de pré-reforma inicialmente fixada não pode ser inferior a 25% da última retribuição auferida pelo trabalhador, nem superior ao montante desta retribuição. 2 – Salvo estipulação em contrário constante do acordo de pré-reforma, a prestação referida no número anterior é actualizada anualmente em percentagem igual à do aumento de retribuição de que o trabalhador beneficiaria se estivesse no pleno exercício das suas funções ou, não havendo tal aumento, à taxa de inflação. 3 – A prestação de pré-reforma goza de todas as garantias e privilégios reconhecidos à retribuição”.
Do teor da referida norma legal decorre que a actualização da prestação da pré-reforma faz-se, por regra, por referência ao aumento da retribuição que o trabalhador teria se estivesse a trabalhar.
A clª4ª do Acordo de Pré-Reforma, celebrado entre as partes, tem a seguinte redacção: “O montante da prestação de pré-reforma será actualizado anualmente, simultaneamente com a actualização dos salários dos trabalhadores do activo e com base na aplicação de valor percentual idêntico ao que vier a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos mesmos”.
Segundo o disposto no artigo 236º do C. Civil “1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. 2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”. E nos termos do artigo 238º do mesmo Código “1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.2.Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade”.
É a teoria da impressão do destinatário acolhida no C. Civil mas com a limitação indicada no artigo 238º no que respeita aos negócios formais, como é o caso dos autos.
Passemos então à análise da referida cláusula, a 4ª.
Se compararmos o teor dessa cláusula com o que determina o nº2 do artigo 359º do CT/2003 – vigente na data do Acordo de Pré-Reforma – verificamos que não há coincidência entre o estipulado na clª4ª e o determinado no CT.
Na verdade, o nº2 do artigo 359º do CT/2003 determina que a actualização da prestação de pré-reforma deve ser feita conforme a actualização que ocorreria se o trabalhador, agora em situação de pré-reforma, estivesse a trabalhar, ou seja, no activo. Se não ocorrer essa actualização então o aumento será em função da taxa de inflação.
Já o teor da clª4ª permite-nos concluir que o critério de actualização da prestação de pré-reforma não teve em conta o circunstancialismo previsto no artigo 359º, nº2 do CT/2003 mas outro, a saber: aplicação de valor percentual idêntico ao que vier a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos trabalhadores do activo, ou seja, de todos os trabalhadores da empresa.
Com efeito, não se alcança a utilidade da expressão em termos médios, empregue na referida cláusula se apenas se tivesse em conta, para efeitos de actualização, os aumentos do trabalhador, aqui Autor, como se estivesse no activo.
E este diferente critério é perfeitamente admissível tendo em conta a primeira parte do nº2 do artigo 359º do CT/2003, concretamente, quando aí se diz “Salvo estipulação em contrário constante do acordo de pré-reforma”, já que não se está perante norma de carácter imperativo.
Neste sentido se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24.09.2015, publicado em www.dgsi.pt e que passamos a transcrever na parte que aqui releva: (…) “Do espírito da estipulação contratual, tendo em conta o surgimento da cláusula que afasta a norma legal subsidiária, afigura-se-nos que, no âmbito da conjugação dos interesses que subjazem a qualquer acordo, se visou assegurar que a prestação de pré-reforma do A. seria sempre actualizável na mesma percentagem e no mesmo momento dos aumentos de retribuição da generalidade dos trabalhadores da R./recorrente. Caso contrário, não haveria necessidade de estipular sobre a actualização da prestação de pré-reforma do A., pois funcionaria a norma legal subsidiária e a aludida prestação seria actualizada em percentagem igual à do aumento de retribuição de que o trabalhador beneficiaria se estivesse no pleno exercício das suas funções (ou, não havendo tal aumento, à taxa de inflação), pelo que o A. apenas beneficiaria da actualização realizada pela empresa ao universo dos trabalhadores em situação comparável à sua, isto é, ao (sub-)universo de trabalhadores em que o mesmo se integraria, caso permanecesse no activo. Por todo o exposto, é nosso entendimento que qualquer declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, intuía que na cláusula 3ª/3 do “Acordo de Pré-Reforma e de Reforma”, a R. se comprometeu a actualizar a prestação de pré-reforma do A., ora recorrido, na mesma percentagem e no mesmo momento em que procedesse ao aumento das retribuições para a generalidade dos seus trabalhadores” (…). Em sentido idêntico é o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.06.2016 e cujo sumário é o seguinte: “Tendo os trabalhadores e a empregadora acordado a suspensão do contrato de trabalho e, em simultâneo, a pré-reforma daqueles, regulando o modo de actualização futura das prestações de pré-reforma (que seria em função da percentagem do aumento da retribuição dos trabalhadores no activo), fica excluída a aplicação do regime supletivo previsto no art.º 359.º, n.º 2 do CT/2003 (segundo o qual a actualização é feita com base na percentagem igual à do aumento de retribuição de que o trabalhador beneficiaria se estivesse no pleno exercício das suas funções ou, não havendo tal aumento, à taxa de inflação)”.»» [fim de transcrição]

Pese embora a Relação Lisboa haja, em Acórdão de 07.11.2018, Proc. 4426/17.2T8LSB.L1-4 (junto pela Ré), decidido em sentido divergente, não vemos razão, com o devido respeito por diferente opinião, para, no caso em apreço, divergir do entendimento preconizado no Acórdão desta Relação do Porto acima transcrito, tanto mais tendo em conta a matéria de facto provada no âmbito dos presentes autos, que não é inteiramente idêntica à situação vertida no aresto proferido pela Relação de Lisboa, aliás, como não é também, inteiramente idêntica à que estava subjacente ao acórdão desta Relação, acima transcrito.
Com efeito, pese embora o teor da clª 4ª do acordo de suspensão do contrato de trabalho/Pré-reforma seja semelhante, assim como a generalidade da matéria de facto, a verdade é que dos presentes autos constam da matéria de facto provada dois pontos que não constavam da materialidade fática subjacente aos mencionados acórdãos, quais sejam os nºs 12 e 16, dos quais consta o seguinte: “12. O A. estava convencido de que teria a sua prestação de pré-reforma anualmente atualizada, em termos médios do valor percentual de todos os trabalhadores da R.” e “16. A R. pretendeu aplicar aos trabalhadores em pré-reforma um regime de atualização salarial idêntico ao aplicado aos trabalhadores no ativo.”.
E tal diferença não é de somenos importância, tendo em conta o disposto no art. 236º do CC, nos termos do qual: “1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. 2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.”.
Tal preceito acolheu a doutrina da impressão do destinatário, de harmonia com a qual a determinação do sentido juridicamente relevante da declaração negocial será aquela que um declaratário razoável – medianamente instruído, diligente e sagaz – colocado na posição do real declaratário, deduziria, considerando todas as circunstâncias atendíveis do caso concreto, a menos que o declarante não possa, razoavelmente, contar com tal sentido ou que o declaratário conheça a vontade real do declarante.
A propósito deste preceito referem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol I, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 222 que: “A regra estabelecida no nº 1, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade, é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja medianamente instruído e diligente, colocado na posição do real declaratário, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (nº 1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (nº 2). (…) O objetivo da solução aceite na lei é o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir.
No caso, é certo que do nº 16 do factos provados decorre que a vontade real da Ré era aplicar aos trabalhadores na pré-reforma um regime de actualização salarial idêntico ao aplicado aos trabalhadores no activo e, daí, que fosse sua intenção não actualizar a compensação/prestação de pré-reforma em função do valor médio das actualizações salariais se o trabalhador, no activo, a elas não tivesse direito, como seria o caso do A. uma vez que as actualizações salariais verificadas após 2006 o foram apenas para os trabalhadores (no activo) com retribuição inferior quer ao valor da retribuição que o A. auferiria se estivesse no activo, quer ao valor da compensação/prestação recebida pelo A. no âmbito do acordo de suspensão/pré-reforma.
Não obstante, essa vontade real da Ré apenas poderia ser atendida em uma das duas situações:
i) se o A. soubesse que essa era a vontade real da Ré (art. 236º, nº 2), o que não é todavia o caso uma vez que o A., conforme resulta do nº 12 dos factos provados, estava convencido de que a sua prestação de pré-reforma seria anualmente actualizada, em termos médios do valor percentual de todos os trabalhadores da Ré. Desconhecia, pois, que a vontade real da desta seria outra (a referida no nº 16);
ii) Se a Ré não pudesse, razoavelmente, contar com o sentido, referido no nº 12 dos factos provados, que o A. atribuiu à declaração negocial constante da clª 4ª ou, como dizem os autores acima citados, se esse sentido não puder, razoavelmente, ser imputado ao declarante.
O que também não se nos afigura ser o caso.
É indiscutível, na medida em que provado no nº 12 dos factos provados, que o A. retirou de tal declaração o sentido referido em tal ponto, ou seja, o de que a prestação de pré-reforma seria anualmente actualizada, em termos médios do valor percentual de todos os trabalhadores da Ré; e é também indiscutível que, na clª 4ª, se referiu que a actualização se faria com base na aplicação de valor percentual idêntico ao que viesse a ser fixado, em termos médios, para a tabela salaria dos trabalhadores no activo.
Ora, esta redacção que, na melhor das hipóteses para a Ré, seria dúbia, é imputável à Ré que a subscreveu [e que a redigiu e que já vinha de vários anos atrás, como decorre dos depoimentos, designadamente de G…, E… e do A.].
E, por outro lado, a Ré, perante tal redacção, não poderia, razoavelmente, contar que a interpretação do A. tivesse sido outra que não a que este retirou [esta a referida no nº 12 dos factos provados] ou, pelo menos, deveria, actuando com a diligência devida, ter ponderado que essa seria, ou poderia ser, uma interpretação possível e viável por parte de um homem médio, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do real declaratário, ou seja, do A.
Com efeito, à data da celebração do acordo em questão, já estava em vigor o CT/2003 [aliás, tendo entrado em vigor aos 01.11.2013, já o estava há quase dois anos], mormente o seu art. 359º, nº 2, nos termos do qual “2. Salvo disposição em contrário constante do acordo de pré-reforma, a prestação referida no número anterior é actualizada anualmente em percentagem igual à do aumento de retribuição de que o trabalhador beneficiaria se estivesse no pleno exercício das suas funções (…)”, pelo que, pelos padrões de um homem médio, é perfeitamente razoável que o A. haja interpretado, como interpretou, a declaração contida na clª em questão com o sentido que lhe atribuiu, pois que, para além da sua letra apoiar ou induzir essa interpretação, é também legítima e fundada a interpretação de que, se a vontade da Ré fosse a de actualizar a prestação apenas nos mesmos termos em que o seria se tivesse no activo, esta tivesse adoptado redacção similar à do citado preceito e não a que adoptou.
O que não nos parece, salvo melhor opinião, razoável é que a Ré, se tivesse atuado com a diligência devida e atentado no teor do art. 359º, nº 2, não pudesse ou não devesse ter contado com o sentido com que o A. interpretou tal clª [sentido esse, o referido no nº 12 dos factos provados].
Acrescenta-se e realça-se que a letra da clª em apreço faz referência apenas ao universo dos trabalhadores no activo, não fazendo qualquer restrição em termos similares ao art. 359º, nº 2, mormente à concreta situação do A. se estivesse no activo. Tal restrição não consta da letra da clª e, por outro lado, se se nela se faz referência à actualização dos trabalhadores [aliás, no plural e não no singular] no activo e aos valores “em termos médios” da actualização desses trabalhadores, ou seja, ao universo desses trabalhadores e não à situação particular do A. se estivesse no activo, não se impõe ao A. que devesse ter interpretado a clª com o sentido de que se reportaria à sua situação se estivesse no activo e/ou que a sua interpretação fosse injustificada ou desrazoável perante a interpretação que faria um declaratário normal. O que seria, salvo melhor opinião, desrazoável seria entender que o A. deveria ter interpretado a declaração com o sentido referido no nº 16 dos factos provados, para além de que a deficiente redacção da clª face ao que era a intenção da Ré, é imputável a esta e não ao A.
Diga-se, por fim, e com todo o respeito por diferente opinião, que a isso não obsta o facto [aparentemente tido em conta no Acórdão da Relação de Lisboa de 07.11.2018 invocado pela Recorrente] de na primeira parte da clª em questão se fazer coincidir a actualização da prestação da pré-reforma com a actualização salarial dos trabalhadores no activo. Com efeito, e sendo embora certo que na 1ª parte de tal clª se refere que “o montante da prestação de pré-reforma será actualizado anualmente, simultaneamente com a actualização dos salários dos trabalhadores no ativo (…)” daí resulta, tão-só, a fixação do momento em que a actualização terá lugar, mas não já, em caso de actualização, o critério para a determinação do seu montante, sendo que, quanto a este, a resposta é dada pela 2ª parte da clª, em que se refere que “(…) e com base na aplicação do valor percentual idêntico ao que vier a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos mesmos”.
Assim, e em conclusão, entende-se não assistir razão à recorrente, assim improcedendo as conclusões do recurso nesta parte.

4. Se a sentença recorrida não devia ter proferido condenação em montante a liquidar mas sim se devia ter absolvido a Ré dos pedidos
Na al. a) da parte dispositiva da sentença recorrida foi a Ré condenada “a pagar ao A., B…, a quantia que se vier a liquidar em sede de execução de sentença, relativa à diferença entre os montantes pelo segundo mensalmente recebidos a título de prestação de pré-reforma desde janeiro de 2006, e os resultantes da aplicação àqueles das atualizações retributivas em percentagem idêntica à de que, em termos médios, beneficiaram todos os trabalhadores da R. no ativo” [sublinhado nosso].
E para tanto, referiu-se o seguinte:
“Do exposto se retira que assiste ao A. o direito a receber da R. as atualizações da sua prestação de pré-reforma calculadas, em termos médios, com base nas atualizações retributivas de todos os trabalhadores da segunda e que se encontrem no ativo. Não obstante, o certo é que não se provou quais os valores mensais que o A. percebeu da R. a título de prestação de pré-reforma, razão pela qual se torna impossível apurar os concretos créditos daquele, operação que terá de ser concretizada em sede de liquidação de sentença, o que se determina (art.º 609.º n.º 2 do C. P. Civil).”
Do assim decidido discorda a Recorrente alegando, em síntese, que o art. 609º proíbe a renovação da prova, pelo que, não tendo o A. feito prova do valor da prestação da pré-reforma nos anos de 2006 a 2018, nem do coeficiente de actualização, deveria ela, Ré, ter sido absolvida do pedido.
Não assiste razão à Recorrente.
Dispõe o citado art. 609º, nº 2, do CPC/2013 que “Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, , sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.”.
A condenação em montante a liquidar posteriormente tem como pressuposto a prova da existência do direito, mas a impossibilidade, na audiência de discussão e julgamento, de se apurar o objecto ou a quantidade do concretamente devido.
Não se desconhece a divergência jurisprudencial na interpretação do alcance do citado art. 661º, nº 2, adoptando: uns, uma interpretação mais restritiva do preceito, segundo a qual ele reportar-se-á aos casos de formulação de pedido genérico (art. 471º do CPC) ou a pedido específico em que a impossibilidade da concretização do seu objecto ou quantidade não tenha sido possível por as consequências do facto ilícito ainda não se terem produzido ou estarem ainda em evolução (Acórdão do STJ de 17.01.1995, BMJ 443, p. 404); outros, e que nos parece corresponder à interpretação maioritária e mais recente, sufragam uma interpretação mais ampla, em que a condenação a liquidar posteriormente pode ocorrer mesmo quando o A. não tenha logrado provar o montante líquido pedido, caso em que, não obstante a segunda oportunidade de prova, esta, contudo, não incidirá sobre a existência da situação de violação do direito que constitui o fundamento do pedido, mas apenas sobre a quantidade da condenação a proferir, interpretação esta que tem vindo a ser a adoptada pela Secção Social do nosso mais Alto Tribunal (cfr. Acórdãos do STJ de 12.09.07 e de 16.01.08, www.dgsi.pt, Processos 06S4107 e 07S2713) e que sufragamos.
No caso, o A. fez prova do direito, qual seja, de que, nos termos do acordo de suspensão do contrato de trabalho/Pré-reforma tinha direito à atualização da compensação/prestação de pré-reforma nos termos referidos no ponto anterior, atualização essa a que a Ré não procedeu, como aliás esta não põe em causa [o que a Ré defendeu é que não procedeu a tal atualização nem tinha que a ela proceder].
O valor da prestação de pré-reforma e do coeficiente de atualização são factos relevantes à determinação da quantidade da condenação, mas não já à existência do direito, e da sua de violação, estes os fundamentos/pressupostos do pedido.
Assim, e sem necessidade de considerações adicionais improcedem nesta parte, as conclusões do recurso.
***
IV. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 09.03.2020
Paula Leal de Carvalho
Jerónimo Freitas
Nélson Fernandes
_______________
[1] Relatado por Fernanda Soares e em que a ora relatora interveio como 2ª Adjunta.