Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1960/11.1TBSTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
MANDATO FORENSE
PERDA DE CHANCE
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
Nº do Documento: RP201506011960/11.1TBSTS.P1
Data do Acordão: 06/01/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O dano “perda de chance ou oportunidade” consiste na possibilidade real de alcançar um determinado resultado positivo, ainda que de verificação incerta e que por intervenção de um terceiro foi impossível obter. A indemnização não visa a perda do resultado querido, mas a oportunidade que se perdeu.
II - Apenas a omissão ou ação do terceiro que contendeu com um sério, real e muito provável desfecho favorável ao lesado pode configurar o dano. O dano está associado à possibilidade real do êxito que se frustrou.
III - Demonstrando-se que os factos transmitidos ao advogado para sustentar a defesa se mostravam infundados não se pode admitir como provável que no respetivo património do lesado se tenha constituído um direito a obter uma pretensão favorável a qual só não foi alcançada por ação ilícita e culposa do advogado que não apresentou a contestação em tempo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Resp-Advg1960/11.1TBSTS.P1
Trib Jud Stº Tirso-1º JCv
Proc. 1960/11.1TBSTS.P1
Proc. 192/15-TRP
Recorrente: Herança Indivisa aberta por óbito de B…; e
C…
Recorrido: D… e Outro
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Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim
Juízes Desembargadores Adjuntos: Rita Romeira
Manuel Fernandes
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto[1] (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
Na presente ação que segue a forma de processo ordinário em que figuram como:
-AUTORES: D… e E…, ambos residentes no …, …- …, …, Felgueiras; e
- RÉ: Herança Indivisa aberta por óbito de B…, representada pelos seus dois únicos sucessores: F…, e G…, ambos residentes na Rua …, nº.., Lote …, .º Dto, …. – … Freamunde (Paços de Ferreira), representados pela sua mãe H…, residente na mesma morada destes,
pedem os Autores a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização no montante de € 150.000,00 e ainda no que se vier a liquidar em posterior incidente de liquidação, a título de prejuízos que os aqui Autores venham a sofrer com a eventual condenação na ação declarativa nº1292/10TBFLG, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento.
Alegaram, em síntese, que o falecido Dr.B…, dedicava-se ao exercício da advocacia e que o mandataram para contestar uma ação contra eles intentada por I…, em que era peticionada a execução específica de um contrato promessa entre os mesmos celebrado.
Como fundamento dessa contestação pretendiam os AA. invocar, em primeiro lugar, que as partes nesse contrato não pretendiam de facto, respetivamente, nem prometer vender nem prometer comprar o prédio objeto do contrato, tendo celebrado o aludido acordo apenas como garantia do pagamento de um empréstimo contraído por um familiar dos autores perante I…; e depois, queriam também alegar a nulidade do contrato por inexistência parcial do seu objeto, já que o contrato promessa tem por objeto a totalidade do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º 281, incluindo a sua parte rústica e a sua parte urbana, quando parte dele já foi expropriado (nomeadamente duas parcelas da parcela rústica, contendo uma delas a parte urbana), portanto, não poderia ser vendida pelos AA. a totalidade do prédio identificado na promessa, restando apenas cerca de 12000m2 de terreno, facto que era do conhecimento do autor naquela ação.
Alegaram, ainda, que o falecido advogado não contestou atempadamente a referida ação, tendo, em consequência, sido proferida sentença que julgou procedente a ação e condenou os aqui AA. no pedido formulado por I….
Acrescentam que se encontra pendente uma ação (nº1292/10TBFLG) em que I… peticiona a entrega do prédio urbano descrito na matriz predial sob o n.º 138 urbano, que a dita sentença lhe concedeu ou, em alternativa, a habitação dos Autores. ou o valor expropriativo daquele artº 138, acrescido de juros, rendas, sanção compulsória. E se os Autores vierem a perder esta ação a sua perda será superior à já sofrida na primeira dita ação, pelo que remetem o apuramento deste prejuízo para posterior incidente de liquidação.
Referem ainda que o falecido Dr. B…, conforme participação que, a 2/4/2009, enviou à J…, no âmbito do seguro de responsabilidade civil profissional celebrado com a K…, sempre reconheceu que o “lapso” da versada contestação ter sido apresentada fora de prazo e de não ter sido paga a sanção devida de acordo com o art. 145º, n.º 6 do CPC lhe é imputável e aceitou que desta sua falta resultaram prejuízos para os AA., no valor de cerca de € 150.000,00.
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Citada a ré herança indivisa aberta por óbito de B…, representada pelos herdeiros do falecido, contestou. Aceita o exercício da advocacia pelo falecido e contesta a generalidade dos factos invocados como fundamento da responsabilidade civil deste. Conclui pela improcedência da ação.
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Diligenciou-se, por solicitação da ré, por obter informação junto da J…, sobre a existência de seguro válido e eficaz, face ao alegado na contestação.
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J… veio prestar a informação que consta de fls. 206, indicando a existência de duas apólices com a cobertura total de € 150 000,00 para a anuidade de 2009.
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Atenta a informação prestada, a ré herança indivisa aberta por óbito de B… representada pelos seus herdeiros requereu a intervenção principal provocada de C… (com os demais sinais dos autos) e da Companhia de Seguros L…, S.A., com fundamento na existência de um contrato seguro de responsabilidade civil que abrangia os factos objeto da presente ação.
A ré alega, ainda, para a hipótese de se entender que as intervenientes não figuram como parte principal, que devem ser chamadas a intervir como auxiliares na defesa, de acordo com o art. 330ºCPC.
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Proferiu-se despacho que considerou que as chamadas não dispunham de legitimidade para intervir como parte principal e deferiu-se a intervenção acessória provocada, nos termos do art. 330º CPC.
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Citada a Companhia de Seguros L…, S.A., contestou.
Em primeiro lugar invocou a ineptidão da petição inicial, com fundamento na falta de alegação de factos concretos que fundamentem a responsabilidade do falecido advogado, dizendo que a mesma é ininteligível.
Em segundo lugar invoca a sua ilegitimidade passiva, porquanto no ano de 2009 a responsabilidade civil profissional dos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados estava transferida para a Companhia de Seguros “C…, Ltd” (e não para a L…) e os atos/omissões imputados ao falecido advogado reportam-se ao ano de 2009, sendo que a comunicação emergente de tais factos ocorreu em 2009.
Em terceiro lugar alega que com o falecimento do Dr.º B…, em 21.10.2010, foi extinta a sua inscrição na Ordem dos Advogados e, em consequência, ficou excluído da abrangência da apólice ……… referente ao contrato de seguro celebrado entre a Ordem dos Advogados e Companhia de Seguros L… que abrange a responsabilidade civil dos advogados por factos praticados no exercício da sua profissão.
Depois impugna, por desconhecimento, os factos alegados como fundamento da responsabilidade do falecido advogado. Alega que o contrato celebrado pelos Autores com I… plasma a vontade real das partes, ainda que o motivo da sua celebração seja o de prestar ajuda a um familiar. Diz ainda que os Autores originaram a produção/agravamento dos danos invocados ao acordarem num objeto do contrato sabendo da sua impossibilidade física. Por último alega que não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil do falecido advogado. Diz que a contestação foi apresentada dentro do prazo e desconhece se o falecido advogado informou os autores da necessidade de pagamento da guia referente à taxa de justiça e acréscimos. Acrescenta que inexiste nexo de causalidade entre os danos invocados e os atos e omissões imputados ao referido advogado, já que mesmo demonstrando-se a existência de uma perda de oportunidade em consequência da atuação do falecido é necessário demonstrar que esta se traduziria numa real e efetiva possibilidade de ganho, o que não se verifica no caso em apreço.
Conclui pela procedência das exceções invocadas e pela sua absolvição da instância ou, se assim não se entender, pela sua absolvição do pedido.
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A interveniente C…, Lda foi citada, constando dessa citação a sua representação através de J…, Lda. Nessa sequência a interveniente C…, Lda e J…, contestaram.
Em primeiro lugar alegam a ilegitimidade da J…, S.A., porquanto o contrato de seguro de responsabilidade civil profissional em causa nestes autos foi celebrado entre a C…, Ltd., e a Ordem dos Advogados – Portugal, tendo a J…, S.A. intervindo apenas na qualidade de Mediadora/Corretora de Seguros.
Acrescentam que o falecido, sendo um advogado com inscrição em vigor à data da participação do sinistro encontrava-se abrangido pelas apólices DP/…../../. e DP/…../../..
Os limites indemnizatórios máximos contratados para o seu período de vigência/ “período seguro” (de 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2009) foram fixados em € 50.000,00 e € 100.000,00, respetivamente, sendo assim o capital indemnizatório máximo garantido por sinistro para o “período seguro” em causa, € 150.000,00.
Mais refere que a interveniente C… foi também demandada no processo 5111/09.4TBSTS, ao abrigo do mesmo contrato de seguro e das mesmas apólices, sendo peticionada a quantia de € 170.000,00 no âmbito da responsabilidade profissional do mesmo advogado, pelo que só após prolação de sentença no processo 5111/09.4TBSTS, poderá ser determinado o montante remanescente da cobertura no “período seguro” em causa nos presentes autos, já que esta ré apenas responde até ao limite global e independentemente do numero de sinistros de € 150.000,00. Sendo a esta quantia deduzida a correspondente franquia contratual, igualmente prevista nas condições particulares da apólice de seguro, a qual, para o período seguro em questão, ascende ao € 1.500,00.
Depois alega que a C…, nos termos do contrato de seguro celebrado, apenas responde se inexistir outro contrato de seguro de responsabilidade civil do advogado e os AA. alegam que existe outro contrato celebrado com a Companhia de Seguros K….
Ademais impugnam a generalidade dos factos alegados pelos AA. como fundamento da responsabilidade do falecido advogado.
Dizem que à data de celebração do contrato promessa, o imóvel registado na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras com o n.º 00281/200195 e com os artigos n.º 138.º e 177.º encontrava-se registado em nome dos promitentes vendedores, aqui AA; e a expropriação das duas parcelas de terreno dos ora AA. apenas foram registadas, respetivamente, em 05 de julho de 2006 e 24 de julho de 2006.
Por outro lado, refere que ainda que se demonstre verificar-se uma conduta ilícita do falecido advogado, a verdade é que, face aos factos alegados pelos AA., conclui-se que, ainda que tivesse sido apresentada contestação é manifesto que a ação procederia.
Concluem pela inexistência de responsabilidade civil do Dr.º B… e, consequentemente, pela inexistência da obrigação de indemnizar por parte da ré C….
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Na Réplica os Autores mantiveram a posição inicial.
Pugnam pela aptidão da petição inicial.
Invocam que a procedência da ação n.º 5111/09.4TBSTS apenas pode determinar o rateio do valor máximo segurado.
Concluem pela improcedência das exceções alegadas e, no demais, como na petição inicial.
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Por despacho proferido em sede de audiência preliminar foi declarada extinta a instância relativamente à interveniente Companhia de Seguros L…, S.A.
Sanada a irregularidade da citação da chamada C…, esta prescindiu da alegação da ilegitimidade da J… na presente ação.
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Proferiu-se despacho que indeferiu a suspensão da ação, com fundamento em pendência de causa prejudicial.
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Findos os articulados elaborou-se despacho de saneador e proferiu-se despacho que contém os temas de prova.
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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observâncias das formalidades legais.
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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“Pelo exposto, o Tribunal julga a ação parcialmente procedente, e, em consequência:
a) condena a interveniente C…, Lda a pagar aos autores D… e E…, o montante de € 28.500,00 (vinte e oito mil e quinhentos euros), acrescido de juros de mora contados à taxa legal em cada momento vigente para os juros civis desde a citação até integral pagamento;
b) condena os réus F… e G… a pagar aos autores D… e E…, o montante de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), acrescido de juros de mora contados à taxa legal em cada momento vigente para os juros civis desde a citação até integral pagamento;
c) absolve os réus F… e G… e C…, Lda do demais pedido.
Custas a cargo dos autores D… e E…, da interveniente C…, Lda e dos réus F…, G… na proporção do respetivo decaimento (527º do CPC, na reda. da Lei 41/2013, de 26/6)[…]”.
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A Ré Herança Indivisa aberta por óbito de B…, representada pelos seus dois únicos sucessores: F…, e G… e a Interveniente C… vieram interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentou a Ré Herança Indivisa aberta por óbito de B…, representada pelos seus dois únicos sucessores: F… e G… formulou as seguintes conclusões:
1· O Tribunal a quo condenou os réus F… e G… a pagar aos autores D… e E…, o montante de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), acrescido de juros de mora contados à taxa legal em cada momento vigente para os juros civis desde a citação até integral pagamento.
2- O Tribunal a quo condenou os Réus F… e G… nas custas do processo na proporção do respetivo decaimento (527°do CPC, na reda. da Lei 41/2013, de 26/6), com base na seguinte súrnula de argumentos, que se transcrevem:
3- "Antes de iniciarmos a abordagem das questões que nos propusemos tratar, convém que clarifiquemos quem está do lado passivo da presente ação. Com efeito, os Autores demandaram a "herança indivisa" de B…, representada pelos herdeiros F… e G… (ambos menores, representados pela sua mãe). A herança indivisa foi citada para a presente ação na pessoa da mãe dos menores e a herança indivisa e seus "representantes" contestaram a ação, assumindo-se os herdeiros do falecido como réus. Há assim uma patente confusão em quem é a parte e quem a representa que convém dissipar para que se saiba quem vão ser os destinatários da presente decisão judicial. Prevê o arte 11 do (Novo) Código de Processo Civil (art° 5° do Código Processo Civil anterior) que a personalidade judiciária consiste na suscetibilidade de ser parte num processo de natureza civil. Como nota Castro Mendes II Direito Processual Civil II, Lisboa AAFDL, 1987, p.18) a personalidade judiciária constitui o «pressupostos dos restantes pressupostos processuais subjetivos», Na verdade, só se compreende a apreciação da capacidade judiciária, da legitimidade, do interesse em agir ou do patrocínio judiciário de alguém ou de alguma identidade que, independentemente de personalidade jurídica, goze a prorrogativa de ser sujeito processual. Escrevem Antunes Varela et a!. (Manual de Processo Civil 2a Ed, Coimbra: Coimbra Editora, 1985, p.107 nota 1) que «é entre as partes identificadas na petição inicial sejam elas ou não titulares da relação litigada, que se estabelece a relação processual. É em função delas que se determina a personalidade e a capacidade judiciária dos sujeitos da ação, bem a competência do tribunal, sempre que a sua determinação esteja ligada ás partes ...). A personalidade judiciária tende a acompanhar a personalidade jurídica que consiste na suscetibilidade de ser titular de direitos e obrigações (art° 11/2 do novo Código Processo Civil- anterior art°5°/2). Deste modo é correta a afirmação de que aquele que tem personalidade jurídica tem necessariamente personalidade judiciária. Mas a inversa não é verdadeira uma vez que a lei confere personalidade judiciária a determinadas entidades carecidas de personalidade jurídica como é o caso da herança jacente (arfl12°,a) do (novo) Código Processo Civil- art° 6°, a) - do CPC 1961.
Vejamos em que consiste este fenómeno.
Como é sabido, o falecimento de uma pessoa singular acarreta, como efeito automático. a cessação da personalidade jurídica (art° 68° do Código Civil) e origina a abertura da sucessão (art? 2031° do Código Civil) que terá por objeto todo o conjunto de direitos e obrigações de conteúdo patrimonial ou pessoal que não sejam excetuadas por lei (art° 2024° do Código Civil).
Enquanto permanece sem aceitação ou declaração de vacatura a favor do Estado (art° 1132°), a herança assume provisoriamente o lugar do de cujus e considera-se titular dos direitos e obrigações que a compõem. Tal conjunto de direitos e obrigações constitui um património autónomo (cf. José Martins da Fonseca, ROA, ano 46°, p. 574, e Armando Rodrigues, ROA, ano 11°, p. 279). A personificação judiciária deste património não acompanha até à partilha antes cessa nos termos da lei, com a aceitação da herança por parte dos sucessores, efetuada nos termos previstos nos art° 2050° e ss. Do Código Civil (cfr. AC. Da RI de 1.03.78, CJ, 111,1.2 pago 397 e AC. Do STJ de 17.01.75, BMJ 246, p.190). É que a situação de jacência cessa, ela também no preciso momento da aceitação da herança pelos sucessores ou da declaração de vacatura a favor do Estado (arts. 2046° do Código Civil e 1132° do Código de Processo Civil). Daqui resulta uma consequência que, seguindo António Abrantes Geraldes (Personalidade Judíciária, CEJ, 1998, p.8), podemos sintetizar do seguinte modo a personalidade judiciária: a personalidade judiciária só foi atribuída por lei à herança jacente que não se confunde pois com a herança impartilhada. Determinamos os sucessores e aceite por eles a herança, cessa a personalidade judiciária atribuídas à herança jacente e quem poderá intervir como parte em processos judiciais são os cotitulares ou, nos casos previstos na lei, o cabeça de casal como seu representante. De notar que, após a reforma do nosso principal diploma civil adjetivo levada a cabo pelo DL n° 329-N95 de 12.12. deixou de ter qualquer apoio literal a tese defendida por Antunes Varela et aI. (Ob. Cit.. p.111, nota 1), que defendia a persistência da personalidade judiciária da herança indivisa no decurso do processo de inventário, até ser efetuada a partilha (cfr. Art° 9° do Código Civil). Ora os Autores não aludiram na respetiva petição inicial a uma herança jacente mas a uma herança "indivisa". Não identificaram um curador enquanto representante da herança mas todos os herdeiros, nesta qualidade. Citada a herança, na pessoa da representante legal dos herdeiros (cfr. Fls. 88) contestou a "herança indivisa aberta por óbito de B…, representada pelos seus únicos filhos menores e sucessores, F… e G… (...) representados pela sua mãe e representante legal" sem suscitar, em algum momento. questões relacionadas com a sua ilegitimidade para a ação. Na tese dos Autores não contrariada nas contestações, a herança aberta por óbito de B… já não está na situação de jacência e, consequentemente, entendemos que do lado passivo da presente ação não está a herança, mas os herdeiros- eles próprios. por si, e não enquanto representantes da herança. A referência a herança e a qualificação dos herdeiros como representantes foi apenas uma forma tecnicamente pouco precisa de os Autores procederam à habilitação, requisito da respetiva legitimidade dos referidos F… e G… como sucessores do falecido B… na titularidade da relação material controvertida. Chegamos a este resultado por via da interpretação da petição inicial sendo ele coincidente com o que foi atingido por aqueles que são afinal, os Réus na ação, pelo que, mesmo a entender-se que o sentido que demos à declaração dos autores não tem expressão no texto daquele articulado, sempre vale a regra consagrada no art° 238/2 do Código Civil- a de que falsa demonstratio non nocet."
4 - É desta parte da sentença que a ré não se conforma.
5 - Os herdeiros do falecido B…, F… e G…, não suscitaram, em algum momento, questões relacionadas com a sua ilegitimidade para a presente ação.
6 - Nem o vão fazer agora, pois entendem que de facto são quem tinha legitimidade para ser demandado na presente ação, uma vez que esta se destinava a exigir o pagamento de uma divida sobre a herança indivisa.
7 - No presente caso estamos perante uma Herança indivisa, uma herança ainda não partilhada.
8 - Enquanto não for efetuada a partilha, estando em causa uma herança indivisa, a ação destinada a exigir um crédito sobre a herança tem que ser instaurada contra todos os herdeiros, o que foi o caso.
9 - Mas tal não significa que os Réus passem a ser os herdeiros, eles próprios, por si e não enquanto representantes da herança, tal como determinado na douta sentença ora objeto de recurso.
10 - No presente caso, a herança já não está na Situação de jacência, mas continua a ser herança uma vez que continua indivisa, ou seja, ainda é herança indivisa, pois não foi partilhada até à presente data. 11 - Por esse facto, por estarmos perante uma herança indivisa, uma herança que ainda não foi partilhada, estamos ainda também perante herdeiros dessa herança que não são devedores, eles próprios, por si e não enquanto representantes da herança, relativamente a uma divida da herança enquanto esta não for partilhada, os herdeiros ainda não são responsáveis pelo pagamento das dividas do de cujus,
12 - e não perante herdeiros aos quais já foi adjudicada a sua quota parte da herança e por esse facto passam aqui sim a responder individual e diretamente como titulares da respetiva universalidade jurídica constituída pelo conjunto de bens que integram a quota hereditária que lhes coube na partilha.
13 - Apesar de terem legitimidade para serem demandados na presente ação judicial, os herdeiros não têm qualquer legitimidade direta pelo respetivo pagamento, nem mesmo até ao limite do que recebessem em herança, pelo que não podem eles próprios, por si e não enquanto representantes da herança ser condenados a pagar a divida da herança, como foram, uma vez que esta ainda está indivisa, não se encontra partilhada, pelo que é ela própria a ré e não os seus representantes, os herdeiros.
14 - Dispõe o art° 2068° do Código Civil que "... a herança responde ... pelo pagamento das dividas do falecido ...". sendo que em conformidade com o disposto no art° 2097° " os bens da herança indivisa respondem coletivamente pela satisfação dos respetivos encargos".
15 - O art° 2098° dispõe que "efetuada a partilha, cada herdeiro só responde pelos encargos em proporção da quota que lhe tenha cabido na herança"
16 - Há assim que distinguir a situação de herança indivisa deferida a vários herdeiros de herança já partilhada, sendo que no caso dos presentes autos estamos perante uma herança indivisa deferida a vários herdeiros que ainda não foi partilhada.
17 - No caso da herança indivisa e, por conseguinte, antes da partilha, estamos perante uma universalidade composta por património autónomo, em que os herdeiros não detêm direitos próprios sobre cada um dos bens hereditários e nem sequer são comproprietários desses bens, mas apenas titulares em comunhão de tal património.
18 - Nessa situação, os bens da herança indivisa respondem coletivamente pela satisfação dos respetivos encargos e, em conformidade com o disposto no art° 2091°, o credor da herança que pretenda exigir judicialmente o seu crédito apenas poderá fazê-lo contra todos os herdeiros. que foi o caso dos autos.
19 - Após a partilha da herança, não existe qualquer solidariedade entre os herdeiros para com os credores, passando cada um deles a responder, individual e diretamente, como titular da respetiva universalidade jurídica constituída pelo conjunto de bens que integram a quota hereditária que lhe coube na partilha, pela pagamento da divida, mas apenas na proporção da quota que lhe coube na herança, tendo por limite o valor do quinhão recebido (art° 2071°) e tendo em atenção que o património pessoal dos herdeiros nunca será afetado e não poderá ser penhorado para satisfação desse crédito (art. 7440 do atual CPCivil).
20 - No caso dos presentes autos, apesar de os herdeiros terem legitimidade para ser demandados na presente ação, a divida não é dos herdeiros, eles próprios e não enquanto representantes da herança, mas sim da herança, pois a ré na presente ação é a herança indivisa e não os seus representantes legais, os herdeiros.
21 - Consequentemente, não podem os herdeiros, eles próprios, por si, e não enquanto representantes da herança, tal como consta da douta sentença, ser condenados enquanto réus, a pagar uma divida que não é deles, mas sim da herança que se encontra ainda indivisa, não partilhada, esta sim a ré da presente ação, pois enquanto a herança não for partilhada os herdeiros nunca são responsáveis, eles próprios, por si, e não enquanto representantes da herança pelo pagamento das dividas do de cujus, embora tenham legitimidade para ser demandados na ação judicial.
22 - A ser condenados os herdeiros F… e G…, nos termos em que foram na sentença objeto do presente recurso, esta constituiria título executivo contra eles e os seus bens seriam penhorados indiscriminadamente, contra o disposto no art? 20680 do Código Civil, que nos diz que a herança responde pelo pagamento das dividas do falecido e contra o disposto no art? 7440 do Código Processo Civil, onde se determina que na execução movida contra o herdeiro só podem penhorar-se os bens que ele tenha recebido do autor da herança.
23 - Com efeito, e de acordo com o Juiz Conselheiro José Martins da Fonseca - ROA, Ano 46, setembro/1986, pago 586, ... "estando em causa uma herança indivisa, os herdeiros não têm qualquer responsabilidade direta pelo pagamento das dívidas da herança (nem mesmo até ao limite do que recebessem em herança); a responsabilidade é da herança (da qual os herdeiros são representantes) e não dos herdeiros, pelo que estes. enquanto a herança não for partilhada, não poderão, em caso algum, ser condenados a pagar as dívidas, na totalidade, na proporção do que lhes viesse a caber ou até ao limite das forças da herança. Só após a partilha cada um dos herdeiros passa a responder - individual e diretamente como titular da respetiva universalidade jurídica constituída pelo conjunto de bens que integram a quota hereditária que lhe coube na partilha ­pelo pagamento da divida, mas ainda assim, apenas na proporção da quota que lhe coube na herança, tendo por limite o valor do quinhão recebido".
24 - Não tendo sido ainda efetuada a partilha da herança, nem alegada tal partilha nos presentes autos, não é possível existir um responsabilidade direta dos próprios herdeiros pelo pagamento da divida da herança peticionada nos autos, nem é possível os herdeiros passarem a ser eles próprios os réus da presente ação.
25 - A responsabilidade pelo pagamento da divida não é dos herdeiros F… e G… eles próprios, por si e não enquanto representantes da herança tal como determinado na sentença ora objeto de recurso, mas sim da herança indivisa da qual eles são representantes enquanto herdeiros.
26 - Neste caso. e no seguimento do já anteriormente decidido no Acórdão da Relação do Porto, de 28/01/2010, proc. N° 81109.1TBCHV.P1, os herdeiros, enquanto tal, apenas podem ser condenados a reconhecer a existência do crédito sobre a herança indivisa e a ver satisfeito esse crédito pelos bens da herança, não podendo, por isso, ser condenados, como foram, os próprios herdeiros, por si e não enquanto representantes da herança na satisfação desse crédito.
Terminam por pedir a revogação da sentença recorrida no que concerne ao objeto do recurso.
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Nas alegações que apresentou a Interveniente C… formulou as seguintes conclusões:
1. Sem prejuízo de concordar com o teor da sentença recorrida, na apreciação que é feita a propos dos pressupostos “facto ilícito” e “culpa”, capitais ao surgimento de uma obrigação de indemnizar fundada em responsabilidade civil contratual (profissional), na perspetiva da Recorrente falhou a apreciação do dano e do nexo causal, denotando a sentença em apreço uma incorreta interpretação e/ou aplicação dos artigos 342.º, 483.º/1, 562.º, 563.º, 564.º, 566.º/3 e 798.º do CC;
2. Se o Dr. B… aceitou o patrocínio com a finalidade de contestar a ação de execução específica, ato que tinha necessariamente de praticar dentro de um prazo preclusivo, sob pena de inviabilizar em definitivo o exercício de um direito dos clientes, tinha de o fazer – e a mera omissão comporta, só por si, um facto ilícito, nos termos dos artigo 1161.º, alínea a) do CC e 83.º/1, 92.º/2, 93.º/2 e 95.º/1, alínea b) do EOA;
3. Era sobre os RR., na qualidade de “devedores”, por sucessão, e por aplicação dos artigos 350.º e 799.º/1 do CC, que impedia o afastamento da culpa (presumida), designadamente, alegando e provando que o atraso na apresentação de contestação se ficou a dever a facto imputável aos AA. (porque não entregaram os documentos necessários à sua instrução; não outorgaram procuração; não constituíram provisão…) – o que não lograram fazer;
4. Porém, é entendimento jurisprudencial pacífico que “não basta o mero facto da não realização [culposa] da prestação para que o devedor se torne responsável. É também necessário estabelecer a relação de causalidade (material) entre a conduta omissiva do advogado e os danos relevantes alegadamente sofridos pelo cliente, ou seja, os que se encontram numa relação de causalidade adequada com o evento” (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29-03-2012; Relator: Jerónimo Freitas);
5. Entendimento este que não se coaduna com a elevação da “perda de chance” à condição de dano autónomo, contra o que estabelecem os artigos 562.º, 563.º e 564.º do CC (assim, cfr., do Supremo Tribunal de Justiça, os acórdãos de 29-04-2010; Relator: Sebastião Póvoas; de 26-10-2010; Relator: Azevedo Ramos; e de 29-05-2012; Relator: João Camilo; e, do Tribunal da Relação de Lisboa, o acórdão de 13-12-2012; Relator: Ezagüy Martins);
6. A “perda de chance” é a expressão das consequenciais habituais do erro da profissão, da frustração de uma expectativa, de uma oportunidade ou da mera hipótese de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo e tem sido admitida com grande relutância e cautela, por contundir com os princípios gerais da certeza do dano e da causalidade adequada;
7. Não é de invocação fácil, pois, nas mais das vezes, os erros dos advogados, pela sua natureza ou pelo momento em que são cometidos, não se compadecem com um juízo de prognose póstuma;
8. Mas a sua invocação (e demonstração) sempre caberia aos AA., por se tratar de um facto constitutivo do direito (à indemnização), à luz dos artigos 5.º/1 do CPC e 342.º/1 e /3 do CC (neste sentido ver, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29-03-2012; Relator: Jerónimo Freitas; e do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-10-2012; Relator: Serra Batista);
9. O dano de “perda de chance” só é atendível se demonstrado o nexo de causalidade naturalístico, sobre o qual se possa aferir da normalidade, probabilidade e adequação da verificação do dano como resultado da conduta do devedor, alcançando-se o nexo de causalidade jurídico (assim, ver o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09-02-2013; Relator: Hélder Roque);
10. E o que esta doutrina propugna é a concessão de uma indemnização sempre que ficar demonstrado, não o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final, mas, simplesmente, que as probabilidades de obtenção de tal vantagem ou a evitação de tal prejuízo eram, no caso concreto, reais, sérias e consideráveis;
11. Daí que a “perda de chance” opere dentro dos dois limiares referidos pelo Tribunal a quo: abaixo do limiar da certeza da causalidade “superespecífica”, “superqualificada” ou “perfeita”, e acima do limiar da causalidade “nula” ou “irrelevante”,em cenários de dúvida fundada;
12. Ora, Tribunal a quo considera estar em condições de afirmar, “com rigor”, que os AA., com a apresentação tempestiva de contestação, nos moldes pretendidos, não teriam mais de 20% de probabilidades de obter ganho de causa – o que tem sustento nos argumentos da ausência de simulação, de extinção da obrigação de pagamento e de possibilidade física, ainda que parcial, do contrato promessa de compra e venda (ou do seu objeto);
13. Ora, para a Recorrente, e salvo melhor entendimento, probabilidades de ganho de 20% não são probabilidades reais, sérias e consideráveis: o mesmo é dizer, que se o Dr. B… tivesse contestado em tempo e/ou pago a multa devida, nos termos do artigo 139.º/5 do CPC, ainda assim era quase certa a condenação dos AA. no pedido, com a execução específica do contrato promessa de compra e venda do prédio misto e a consequente transferência do direito de propriedade – o que torna o erro inócuo;
14. E, se pode não parecer justo deixar o advogado que erra sem castigo e o cliente sem compensação, conforme raciocínio corrente nas decisões que tutelam a “perda de chance” como um dano autónomo, admitir essa tutela é, pura e simplesmente, perigoso e subversivo de princípios e/ou diretrizes gerais que existem e foram estabelecidas para evitar males maiores;
15. Ora, sem um dano passível de ser indemnizado, por chumbar no teste das probabilidades, não havia lugar ao cálculo da indemnização, sendo, por isso, de afastar a aplicação ao caso do disposto nos artigos 564.º e 566.º/3 do CC – no que houve nova falha do Tribunal a quo;
16. Não sendo, a finalizar, irrelevante o tema da culpa dos lesados, que sabiam no que se estavam a meter, não se devendo, agora, “chutar” para os RR. e para a Seguradora o risco do negócio – que sempre foi o de o seu familiar não satisfazer a dívida e de aqueles perderem, em consequência, o imóvel objeto da promessa de compra e venda.
Concluem por pedir a revogação da sentença e a consequente absolvição da interveniente.
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Não foram apresentadas respostas aos recursos.
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Os recursos foram admitidos como recurso de apelação, após baixa dos autos à 1ª instância para apreciação do requerimento de recurso da Interveniente C….
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
a) Ampliação da matéria de facto
- prova por documento de factos essenciais.
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b) Apelação da “Ré Herança Indivisa aberta por óbito de B…”, representada pelos seus dois únicos sucessores: F…, e G…
- da personalidade judiciária da herança indivisa.
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c) Apelação da Interveniente
- se em consequência do facto ilícito e culposo, imputado ao falecido B…, os Autores perderam a oportunidade de apreciação judicial da sua defesa e de obter a absolvição do pedido.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
1. O Dr. B… faleceu em 21/10/2010, no estado de divorciado de H….
2. Deixou como únicos herdeiros e seus sucessores, os seus filhos menores, F…, nascido em 15/05/2002 e G…, nascida a 16/12/2006.
3. O falecido Sr. Dr. F… dedicava-se, habitualmente, ao exercício da advocacia, de que fazia profissão, como titular da Cédula Profissional nº….., com escritório no M…, .º, Sala .., em Santo Tirso.
4. No âmbito de tal atividade, o Dr. B…, no ano de 2008, foi mandatado pelos aqui AA. para contestar a ação ordinária nº765/08.1 TBFLG, que correu termos pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras, em que os aqui AA. eram RR. e em que era autor I….
5. Na referida ação ordinária nº765/08.1 TBFLG, I… peticionou que fosse proferida decisão que produzisse os efeitos da declaração negocial dos ali réus (aqui AA.), declarando transmitido a favor do aí A. O direito de propriedade sobre o prédio misto denominado “N…”, da Freguesia …, Concelho de Felgueiras, descrito na Conservatória sob o nº 00281/200195 e inscrito nas respetivas matrizes sob os artºs 138 urbano e 177 rústico, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidade.
6. Para fundamentar a sua pretensão, nessa ação I… invocou a celebração, em 8/5/2006, de um contrato promessa de compra e venda, em que figuram como promitentes vendedores os aqui autores e promitente comprador I…, o qual tinha por objeto o prédio misto denominado “N…”, da Freguesia …, Concelho de Felgueiras, descrito na Conservatória sob o nº 00281/200195 e inscrito nas respetivas matrizes sob os artigos 138 urbano e 177 rústico.
7. Mais alegou que a escritura definitiva seria celebrada até 8-1-2007 e que foi convencionado que os promitentes-vendedores podiam desistir do contrato até essa data, reembolsando I… dos € 150.000,00 por este pagos a título de sinal.
8. Disse ainda que foi acordado que o contrato promessa estava sujeito a execução específica.
9. Alegou, por fim, que tendo o Autor, posteriormente a 8-1-2007, marcado a escritura definitiva, no Cartório Notarial de Fafe e convocado os promitentes vendedores para a outorgar, estes não compareceram.
10. O Dr.º B… apresentou contestação na referida ação dentro dos 3 dias úteis seguintes ao termo do prazo de que os aqui AA., aí RR., dispunham para contestar.
11. Por acordo escrito datado de 8/5/2006, denominado “contrato promessa de compra e venda”, no qual figuram como primeiros outorgantes os aqui autores e segundo outorgante I…, os autores declararam ser “proprietários do prédio misto, denominado N…, da freguesia …, concelho de Felgueiras, registado com o n.º 00281/200195 na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras e com os artigos 138 urbano e 177 rústico (claus. 1ª).
12. Os autores declararam ainda que “prometem vender ao segundo outorgante e este promete comprar aos primeiros contraentes o prédio misto identificado na cláusula primeira” (claus. 2ª -1).
13. Mais convencionaram que: “o prédio misto identificado na cláusula primeira é vendido livre de quaisquer hipotecas ou outros encargos ou responsabilidades, no caso de este ter sido ou vier a ser expropriado por utilidade pública, o segundo outorgante terá direito a receber diretamente da expropriante a quantia entregue a título de sinal e como totalidade de pagamento, acrescida de juros à taxa legal que se vencerem, a contar da data limite da celebração da escritura de compra e venda (claus. 2ª -2).
14. Acordaram também que: “o preço da referida compra e venda é de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros)” – claus. 3ª; e que “será pago pelo segundo contraente da seguinte forma: 1 – a quantia de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) nesta data e de que os primeiros contraentes dão desde já plena quitação” (claus. 4ª).
15. Mais acordaram que:
- “A escritura pública de compra e venda será marcada impreterivelmente até ao dia 8 de janeiro de 2007, podendo os primeiros contraentes desistir do presente contrato bastando para o efeito a devolução do sinal e totalidade de pagamento” – claus. 5ª.
- “Qualquer um dos contraentes poderá efetuar a marcação da escritura, devendo notificar o outro(s) contraente(s), por qualquer meio idóneo, da data, hora e local da realização da mesma” – claus. 6ª.
- “O presente contrato fica sujeito a execução específica – claus. 8ª.
16. O referido montante de € 150.000,00 foi entregue por I… diretamente a O… – sobrinho do 1º autor e primo do 2º autor, com o acordo dos AA., que, por esse motivo se declararam pagos do mesmo.
17. O… garantiu aos AA. que devolveria o aludido montante a I… até à data limite fixada no referido acordo para realização da escritura em ordem a permitir aos AA. desistir da venda prometida.
18. Os AA. confiaram que O… realizasse o aludido pagamento, permitindo-lhes desistir da venda prometida.
19. O… não pagou o referido montante a I… até à data limite fixada no referido acordo para realização da escritura nem posteriormente.
20. Por despacho n.º 10.329-H/2004, publicado no DR II Seria, n.º 122, de 25.05.2004 foi declarada a utilidade pública da expropriação da parcela com 14798 m2 a destacar do prédio sito no…, da Freguesia …, Concelho de Felgueiras, inscrito na matriz predial sob o artigo 177 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o nº 00281/200195, sendo no mesmo despacho a expropriante autorizada a tomar posse administrativa do referido prédio.
21. Por despacho n.º 10.329-H/2004, publicado no DR II Serie, n.º 122, de 25.05.2004 foi declarada a utilidade pública da expropriação da parcela com 12017 m2 a destacar do prédio sito no …, da Freguesia …, Concelho de Felgueiras, inscrito na matriz predial sob o artigo 177 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o nº 00281/200195, sendo no mesmo despacho a expropriante autorizada a tomar posse administrativa do referido prédio.
22. Em 2006.07.05 foi registada na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras a expropriação de uma parcela de terreno com a área de 14.798 m2, para utilidade pública, conforme comunicação do Tribunal Judicial de Felgueiras, 1º Juízo, proc. n.º1848/06, publicada no DR n.º 122, II Serie de 25 de maio de 2004 (An01).
23. Em 2006.07.24 foi registada na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras a expropriação de uma parcela de terreno com a área de 12.017 m2, para utilidade pública, conforme comunicação do Tribunal Judicial de Felgueiras, 2º Juízo, proc. n.º1849/06, publicada no DR n.º 122, II Serie de 25 de maio de 2004 (An02).
24. O autor recebeu os valores fixados pelo Tribunal para expropriação das duas referidas parcelas no âmbito dos processos n.º 1848/06.8 TBFLG - 1º Juízo, e n.º 1849/06.6 TBFLG - 2º Juízo, ambos do Tribunal Judicial de Felgueiras.
25. Pela parcela de terreno com 12.017 m2 foi fixada aos AA., por sentença transitada em julgado, proferida no proc. n.º1849/06.6 TBFLG, a quantia de € 214.598,00.
26. Pela parcela de terreno com 14.798 m2 foi fixada aos AA., por sentença transitada em julgado, proferida no proc. n.º1848/06.8 TBFLG, a quantia de € 197.239,50.
27. O referido I… já havia emprestado, várias vezes, dinheiro a O….
28. I… só aceitou entregar o referido valor mediante a celebração do aludido acordo denominando “contrato promessa de compra e venda”, valendo tal valor como pagamento aos AA. do sinal e preço do imóvel objeto desse acordo.
29. Os AA. ficaram cientes que se não fosse devolvido a I… o montante de € 150.000,00 este tinha direito a exigir a realização da venda prometida.
30. A C…, Ltd. celebrou com a Ordem dos Advogados – Portugal um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, que abrange todos os advogados com inscrição em vigor (cédula profissional passada pela Ordem, válida e não suspensa), que tem por objeto garantir ao segurado a responsabilidade civil “por prejuízos patrimoniais primários causados a terceiros, em consequência do erro ou falta profissional cometido pelo segurado ou por pessoal por quem ele legalmente deva responder, no desempenho da atividade profissional” (art. 2º das condições especiais do seguro).
31. À data da participação do sinistro encontram-se em vigor as apólices DP/…../../. e DP/…../../A, cujos limites indemnizatórios máximos contratados para o seu período de vigência de 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2009 foram fixados em € 50.000,00 e € 100.000,00, respetivamente.
32. O capital indemnizatório máximo garantido por sinistro para o “período seguro” em causa é de € 150.000,00 (art.º 7 das condições especiais das apólices).
33. Nas condições particulares da apólice de seguro foi fixada uma franquia contratual no valor de € 1.500,00.
34. O Dr.º B…, por carta datada de 02 de abril de 2009, dirigida a “J…”, que chegou ao conhecimento da C…, Ltd. comunicou que “(…) no exercício da sua atividade profissional foi contactado pelos constituintes em epígrafe referenciados [D… e outros] para contestar uma ação declarativa de condenação sob a forma ordinária que corre termos no Tribunal Judicial de Felgueiras. Foi apresentada contestação (…) Foi emitida guia nos termos do art. 145º, n.º 6 do CPC e remetida a este escritório. Recebida a notificação a mesma não foi notificada aos constituintes nem o escritório assumiu a sua liquidação. O lapso ocorreu em resultado do participante intervir em instrução que se realizava em Lisboa, constituindo o processo com cerca de 70000 páginas, 80 arguidos. Acresce que a funcionária do escritório apenas tinha sido contratada em fevereiro de 2008 e não tinha ainda conhecimento suficiente para diligências ou atos que se impunham na situação. (…) Dessa maneira é m/obrigação participar o sinistro, ou a ameaça dele (…)”.
35. A J… encontra-se autorizada a prestar serviços à C…, Ltd., no âmbito da gestão de sinistros que a esta sejam participados.
36. I… intentou contra os aqui AA. ação declarativa de condenação, que corre termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras sob o n.º1292/10.2TBFLG, na qual alega que na sequência da decisão proferida no proc. n.º 765/08.1TBFLG é dono prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º 281/200195, inscrito nos serviços de Finanças sob os n.ºs 138 (urbano) e 177 (rústico).
37. Mais alega que registou a seu favor a propriedade sobre o referido prédio urbano com o artigo matricial 138.
38. Acrescenta que a parte urbana do referido prédio misto foi objeto de uma desanexação oficiosa pela Conservatória do Registo Predial, dando origem a uma descrição autónoma com o número 314/19951206.
39. Refere que apesar do trânsito em julgado da sentença proferida no processo nº765/08.1 TBFLG os aqui AA. não procederam à entrega do referido prédio urbano, tal como foram condenados, ocupando-o, indevidamente, e estando enriquecidos no montante de € 4.250,00.
40. Em consequência peticiona a condenação dos aqui AA., aí RR., a: a) procederem à entrega do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o n.º 138, da freguesia …, concelho de Felgueiras e atualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º 314/19951206, livre e devoluto de pessoas e coisas; b) e d) a indemnizarem o A. na quantia vencida de € 4.250,00; c) e d) a indemnizarem o A. na quantia de € 250,00 por cada mês que decorra desde a data da propositura dessa ação até ao trânsito em julgado da decisão que determine a entrega do prédio; e) a pagarem-lhe a quantia de € 50,00 por dia a título de sanção pecuniária compulsória, desde a data da decisão que determine a entrega do prédio até à efetiva entrega do mesmo e juros de mora sobre as quantias indicadas em b), c) ou d).
41. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras, freguesia …, sob o n.º 314/19951206, o prédio urbano inscrito na matriz sob o n.º 138, situado em …, composto por casa sobrada, s. c. 128 m2, dependência 45 m2, quinteiro 97 m2, desanexado do n.º 281/19950120.
42. A propriedade sobre esse prédio descrito sob o n.º 314/19951206 encontra-se registada a favor de I…, por força da transferência do direito de propriedade operada por decisão judicial.
43. A parcela com 12017m2 expropriada do artigo rústico 177 não abrangia a casa correspondente ao artigo urbano 138º.
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Com interesse para a decisão a proferir, nenhum outro facto se provou, para além ou em contrários dos descritos supra, designadamente não se provou que:
- à data da celebração do acordo no designado contrato promessa do prédio descrito sob o n.º 281 não faziam parte os dois artigos matriciais que constam da respetiva descrição predial: o 177º (rústico) e 138 (urbano);
- a parte urbana do prédio (art. 138º) foi objeto de expropriação e que inexistia a parte urbana dessa quinta na data da realização do acordo denominado contrato promessa;
- existe outro contrato celebrado com a Companhia de Seguros K… que abrange a responsabilidade civil profissional do falecido advogado.
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3. O direito
- Ampliação da matéria de facto -
Nos termos do art. 666º/2 c) CPC mostrando-se indispensável ampliar a matéria de facto, deve o tribunal da Relação alterar a decisão da matéria de facto, se a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Não sendo possível fazer uso de tal faculdade, deve o tribunal anular a decisão.
A ampliação da matéria de facto mostra-se indispensável, quando se tenham omitido dos temas da prova factos alegados pelas partes que se revelam essenciais para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo juiz do tribunal “a quo”[2].
Os factos essenciais são aqueles que permitem individualizar a situação jurídica alegada na ação ou na exceção.
Os factos complementares são aqueles que são indispensáveis à procedência dessa ação ou exceção, mas não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte.
Ambos integram a categoria de factos principais porque são necessários à procedência da ação ou exceção, por contraposição aos factos instrumentais, probatórios ou acessórios que são aqueles que indiciam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos[3].
Em conformidade com o critério legal, a ampliação da matéria de facto tem de ser indispensável, o que significa que cumpre atender ás várias soluções plausíveis de direito, o enquadramento jurídico em face do objeto do recurso e ainda, com a possível intervenção e interpretação do Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do art. 682º/3 CPC.
Na situação concreta, constata-se que na enunciação dos factos provados, não se incluíram factos principais alegados pelos autores nos art. 54º da petição - sentença proferida no âmbito do Proc. 765/08.1 TBFLG - e art. 68º da petição – contestação apresentada pelos autores no Proc. 1292/10TBFLG.
Tal matéria mostra-se provada por documentos, certidões dos processos em que se praticaram os atos, pelo que, nos termos do art. 666º/1 CPC justifica-se a alteração da decisão de facto. Acresce referir que em relação à sentença proferida no Proc. 765/08.1TBFLG, tal facto é ponderado na fundamentação da decisão.
Aditam-se, aos factos provados os seguintes factos:
10-A – No Proc. 765/08.1TBFLG proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“Pelo exposto, decide-se julgar a presente ação totalmente procedente, por provada e, em conformidade, proferir decisão que produz os efeitos da declaração negocial dos ora Réus na sequência do contrato promessa celebrado, reconhecendo e declarando a transferência para o Autor, mediante o preço pago de € 150 000,00, da propriedade plena, livre de quaisquer ónus e encargos, do prédio misto, denominado de N…, da freguesia …, concelho de Felgueiras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras com o nº 00281/200195,inscrito a favor dos Réus através da inscrição G-4 e inscrito no Serviço de Finanças desta comarca com os nº 138 (urbano) e 177 (rústico).
Custas pelos réus, ficando a taxa de justiça reduzida da metade.”
40-A - Os Autores contestaram esta ação.
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Por efeito da ampliação da matéria de facto, na apreciação das apelações cumpre ter presente os seguintes factos provados e não provados:
1. O Dr. B… faleceu em 21/10/2010, no estado de divorciado de H….
2. Deixou como únicos herdeiros e seus sucessores, os seus filhos menores, F…, nascido em 15/05/2002 e G…, nascida a 16/12/2006.
3. O falecido Sr. Dr. B… dedicava-se, habitualmente, ao exercício da advocacia, de que fazia profissão, como titular da Cédula Profissional nº….., com escritório no M…, .º, Sala .., em Santo Tirso.
4. No âmbito de tal atividade, o Dr. B…, no ano de 2008, foi mandatado pelos aqui AA. para contestar a ação ordinária nº765/08.1 TBFLG, que correu termos pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras, em que os aqui AA. eram RR. e em que era autor I….
5. Na referida ação ordinária nº765/08.1 TBFLG, I… peticionou que fosse proferida decisão que produzisse os efeitos da declaração negocial dos ali réus (aqui AA.), declarando transmitido a favor do aí A. O direito de propriedade sobre o prédio misto denominado “N…”, da Freguesia …, Concelho de Felgueiras, descrito na Conservatória sob o nº 00281/200195 e inscrito nas respetivas matrizes sob os artºs 138 urbano e 177 rústico, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidade.
6. Para fundamentar a sua pretensão, nessa ação I… invocou a celebração, em 8/5/2006, de um contrato promessa de compra e venda, em que figuram como promitentes vendedores os aqui autores e promitente comprador I…, o qual tinha por objeto o prédio misto denominado “N…”, da Freguesia …, Concelho de Felgueiras, descrito na Conservatória sob o nº 00281/200195 e inscrito nas respetivas matrizes sob os artigos 138 urbano e 177 rústico.
7. Mais alegou que a escritura definitiva seria celebrada até 8-1-2007 e que foi convencionado que os promitentes-vendedores podiam desistir do contrato até essa data, reembolsando I… dos € 150.000,00 por este pagos a título de sinal.
8. Disse ainda que foi acordado que o contrato promessa estava sujeito a execução específica.
9. Alegou, por fim, que tendo o Autor, posteriormente a 8-1-2007, marcado a escritura definitiva, no Cartório Notarial de Fafe e convocado os promitentes vendedores para a outorgar, estes não compareceram.
10. O Dr.º B… apresentou contestação na referida ação dentro dos 3 dias úteis seguintes ao termo do prazo de que os aqui AA., aí RR., dispunham para contestar.
10-A – No Proc. 765/08.1TBFLG proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“ Pelo exposto, decide-se julgar a presente ação totalmente procedente, por provada e, em conformidade, proferir decisão que produz os efeitos da declaração negocial dos ora Réus na sequência do contrato promessa celebrado, reconhecendo e declarando a transferência para o Autor, mediante o preço pago de € 150 000,00, da propriedade plena, livre de quaisquer ónus e encargos, do prédio misto, denominado de N…, da freguesia …, concelho de Felgueiras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras com o nº 00281/200195,inscrito a favor dos Réus através da inscrição G-4 e inscrito no Serviço de Finanças desta comarca com os nº 138 (urbano) e 177 (rústico).
Custas pelos réus, ficando a taxa de justiça reduzida da metade.”
11. Por acordo escrito datado de 8/5/2006, denominado “contrato promessa de compra e venda”, no qual figuram como primeiros outorgantes os aqui autores e segundo outorgante I…, os autores declararam ser “proprietários do prédio misto, denominado N…, da freguesia …, concelho de Felgueiras, registado com o n.º 00281/200195 na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras e com os artigos 138 urbano e 177 rústico (claus. 1ª).
12. Os autores declararam ainda que “prometem vender ao segundo outorgante e este promete comprar aos primeiros contraentes o prédio misto identificado na cláusula primeira” (claus. 2ª -1).
13. Mais convencionaram que: “o prédio misto identificado na cláusula primeira é vendido livre de quaisquer hipotecas ou outros encargos ou responsabilidades, no caso de este ter sido ou vier a ser expropriado por utilidade pública, o segundo outorgante terá direito a receber diretamente da expropriante a quantia entregue a título de sinal e como totalidade de pagamento, acrescida de juros à taxa legal que se vencerem, a contar da data limite da celebração da escritura de compra e venda (claus. 2ª -2).
14. Acordaram também que: “o preço da referida compra e venda é de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros)” – claus. 3ª; e que “será pago pelo segundo contraente da seguinte forma: 1 – a quantia de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) nesta data e de que os primeiros contraentes dão desde já plena quitação” (claus. 4ª).
15. Mais acordaram que:
- “A escritura pública de compra e venda será marcada impreterivelmente até ao dia 8 de janeiro de 2007, podendo os primeiros contraentes desistir do presente contrato bastando para o efeito a devolução do sinal e totalidade de pagamento” – claus. 5ª.
- “Qualquer um dos contraentes poderá efetuar a marcação da escritura, devendo notificar o outro(s) contraente(s), por qualquer meio idóneo, da data, hora e local da realização da mesma” – claus. 6ª.
- “O presente contrato fica sujeito a execução específica – claus. 8ª.
16. O referido montante de € 150.000,00 foi entregue por I… diretamente a O… – sobrinho do 1º autor e primo do 2º autor, com o acordodos AA., que, por esse motivo se declararam pagos do mesmo.
17. O… garantiu aos AA. que devolveria o aludido montante a I… até à data limite fixada no referido acordo para realização da escritura em ordem a permitir aos AA. desistir da venda prometida.
18. Os AA. confiaram que O… realizasse o aludido pagamento, permitindo-lhes desistir da venda prometida.
19. O… não pagou o referido montante a I… até à data limite fixada no referido acordo para realização da escritura nem posteriormente.
20. Por despacho n.º 10.329-H/2004, publicado no DR II Seria, n.º 122, de 25.05.2004 foi declarada a utilidade pública da expropriação da parcela com 14798 m2 a destacar do prédio sito no …, da Freguesia …, Concelho de Felgueiras, inscrito na matriz predial sob o artigo 177 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o nº 00281/200195, sendo no mesmo despacho a expropriante autorizada a tomar posse administrativa do referido prédio.
21. Por despacho n.º 10.329-H/2004, publicado no DR II Serie, n.º 122, de 25.05.2004 foi declarada a utilidade pública da expropriação da parcela com 12017 m2 a destacar do prédio sito no …, da Freguesia …, Concelho de Felgueiras, inscrito na matriz predial sob o artigo 177 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o nº 00281/200195, sendo no mesmo despacho a expropriante autorizada a tomar posse administrativa do referido prédio.
22. Em 2006.07.05 foi registada na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras a expropriação de uma parcela de terreno com a área de 14.798 m2, para utilidade pública, conforme comunicação do Tribunal Judicial de Felgueiras, 1º Juízo, proc. n.º1848/06, publicada no DR n.º 122, II Serie de 25 de maio de 2004 (An01).
23. Em 2006.07.24 foi registada na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras a expropriação de uma parcela de terreno com a área de 12.017 m2, para utilidade pública, conforme comunicação do Tribunal Judicial de Felgueiras, 2º Juízo, proc. n.º1849/06, publicada no DR n.º 122, II Serie de 25 de maio de 2004 (An02).
24. O autor recebeu os valores fixados pelo Tribunal para expropriação das duas referidas parcelas no âmbito dos processos n.º 1848/06.8 TBFLG - 1º Juízo, e n.º 1849/06.6 TBFLG - 2º Juízo, ambos do Tribunal Judicial de Felgueiras.
25. Pela parcela de terreno com 12.017 m2 foi fixada aos AA., por sentença transitada em julgado, proferida no proc. n.º1849/06.6 TBFLG, a quantia de € 214.598,00.
26. Pela parcela de terreno com 14.798 m2 foi fixada aos AA., por sentença transitada em julgado, proferida no proc. n.º1848/06.8 TBFLG, a quantia de € 197.239,50.
27. O referido I… já havia emprestado, várias vezes, dinheiro a O….
28. I… só aceitou entregar o referido valor mediante a celebração do aludido acordo denominando “contrato promessa de compra e venda”, valendo tal valor como pagamento aos AA. do sinal e preço do imóvel objeto desse acordo.
29. Os AA. ficaram cientes que se não fosse devolvido a I… o montante de € 150.000,00 este tinha direito a exigir a realização da venda prometida.
30. A C…, Ltd. celebrou com a Ordem dos Advogados – Portugal um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, que abrange todos os advogados com inscrição em vigor (cédula profissional passada pela Ordem, válida e não suspensa), que tem por objeto garantir ao segurado a responsabilidade civil “por prejuízos patrimoniais primários causados a terceiros, em consequência do erro ou falta profissional cometido pelo segurado ou por pessoal por quem ele legalmente deva responder, no desempenho da atividade profissional” (art. 2º das condições especiais do seguro).
31. À data da participação do sinistro encontram-se em vigor as apólices DP/….../../. e DP/…../../., cujos limites indemnizatórios máximos contratados para o seu período de vigência de 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2009 foram fixados em € 50.000,00 e € 100.000,00, respetivamente.
32. O capital indemnizatório máximo garantido por sinistro para o “período seguro” em causa é de € 150.000,00 (art.º 7 das condições especiais das apólices).
33. Nas condições particulares da apólice de seguro foi fixada uma franquia contratual no valor de € 1.500,00.
34. O Dr.º B…, por carta datada de 02 de abril de 2009, dirigida a “J…”, que chegou ao conhecimento da C…, Ltd. comunicou que “(…) no exercício da sua atividade profissional foi contactado pelos constituintes em epígrafe referenciados [D… e outros] para contestar uma ação declarativa de condenação sob a forma ordinária que corre termos no Tribunal Judicial de Felgueiras. Foi apresentada contestação (…) Foi emitida guia nos termos do art. 145º, n.º 6 do CPC e remetida a este escritório. Recebida a notificação a mesma não foi notificada aos constituintes nem o escritório assumiu a sua liquidação. O lapso ocorreu em resultado do participante intervir em instrução que se realizava em Lisboa, constituindo o processo com cerca de 70000 páginas, 80 arguidos. Acresce que a funcionária do escritório apenas tinha sido contratada em fevereiro de 2008 e não tinha ainda conhecimento suficiente para diligências ou atos que se impunham na situação. (…) Dessa maneira é m/obrigação participar o sinistro, ou a ameaça dele (…)”.
35. A J… encontra-se autorizada a prestar serviços à C…, Ltd., no âmbito da gestão de sinistros que a esta sejam participados.
36. I… intentou contra os aqui AA. ação declarativa de condenação, que corre termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras sob o n.º1292/10.2TBFLG, na qual alega que na sequência da decisão proferida no proc. n.º 765/08.1TBFLG é dono prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º 281/200195, inscrito nos serviços de Finanças sob os n.ºs 138 (urbano) e 177 (rústico).
37. Mais alega que registou a seu favor a propriedade sobre o referido prédio urbano com o artigo matricial 138.
38. Acrescenta que a parte urbana do referido prédio misto foi objeto de uma desanexação oficiosa pela Conservatória do Registo Predial, dando origem a uma descrição autónoma com o número 314/19951206.
39. Refere que apesar do trânsito em julgado da sentença proferida no processo nº765/08.1 TBFLG os aqui AA. não procederam à entrega do referido prédio urbano, tal como foram condenados, ocupando-o, indevidamente, e estando enriquecidos no montante de € 4.250,00.
40. Em consequência peticiona a condenação dos aqui AA., aí RR., a: a) procederem à entrega do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o n.º 138, da freguesia …, concelho de Felgueiras e atualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º 314/19951206, livre e devoluto de pessoas e coisas; b) e d) a indemnizarem o A. na quantia vencida de € 4.250,00; c) e d) a indemnizarem o A. na quantia de € 250,00 por cada mês que decorra desde a data da propositura dessa ação até ao trânsito em julgado da decisão que determine a entrega do prédio; e) a pagarem-lhe a quantia de € 50,00 por dia a título de sanção pecuniária compulsória, desde a data da decisão que determine a entrega do prédio até à efetiva entrega do mesmo e juros de mora sobre as quantias indicadas em b), c) ou d).
40-A - Os Autores contestaram esta ação.
41. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras, freguesia …, sob o n.º 314/19951206, o prédio urbano inscrito na matriz sob o n.º 138, situado em .., composto por casa sobrada, s. c. 128 m2, dependência 45 m2, quinteiro 97 m2, desanexado do n.º 281/19950120.
42. A propriedade sobre esse prédio descrito sob o n.º 314/19951206 encontra-se registada a favor de I…, por força da transferência do direito de propriedade operada por decisão judicial.
43. A parcela com 12017m2 expropriada do artigo rústico 177 não abrangia a casa correspondente ao artigo urbano 138º.
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Com interesse para a decisão a proferir, nenhum outro facto se provou, para além ou em contrários dos descritos supra, designadamente não se provou que:
- à data da celebração do acordo no designado contrato promessa do prédio descrito sob o n.º 281 não faziam parte os dois artigos matriciais que constam da respetiva descrição predial: o 177º (rústico) e 138 (urbano);
- a parte urbana do prédio (art. 138º) foi objeto de expropriação e que inexistia a parte urbana dessa quinta na data da realização do acordo denominado contrato promessa;
- existe outro contrato celebrado com a Companhia de Seguros K… que abrange a responsabilidade civil profissional do falecido advogado.
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- Apelação da Ré Herança Indivisa aberta por óbito de B…, representada pelos seus dois únicos sucessores: F…, e G… -

- Da personalidade judiciária da herança indivisa -

A apelante Herança Indivisa aberta por óbito de B… e representada pelos seus dois únicos sucessores F… e G… insurge-se contra o segmento da sentença que se pronunciou sobre os sujeitos passivos na presente ação e a personalidade passiva da herança indivisa.
Considera, por um lado, que estamos perante uma herança indivisa, porque ainda não foi partilhada e porque está em causa um crédito sobre a herança devem ser demandados todos os herdeiros e por isso, o sujeito passivo da ação é a própria herança. Por outro lado, os réus apenas podem ser responsabilizados enquanto representantes da herança e não eles próprios por si, como ficou determinado na sentença.
Na sentença, a título oficioso, o juiz do tribunal ”a quo” pronunciou-se sobre a personalidade judiciária da parte demandada como réu, nos termos que se passam a transcrever:
“Antes de iniciarmos a abordagem das questões que nos propusemos tratar, convém que clarifiquemos quem está do lado passivo da presente ação.
Com efeito, os Autores demandaram a “herança indivisa” de B…, representada pelos herdeiros F… e G… (ambos menores, representados pela sua mãe).
A herança indivisa foi citada para a presente ação na pessoa da mãe dos menores e a herança indivisa e seus “representantes” contestaram a ação, assumindo-se os herdeiros do falecido como Réus.
Há, assim, uma patente confusão entre quem é a parte e quem a representa que convém dissipar para que se saiba quem vão ser os destinatários da presente decisão judicial.
Prevê o art. 11.º do (novo) Código de Processo Civil (art. 5º do CPC anterior) que a personalidade judiciária consiste na suscetibilidade se ser parte num processo de natureza civil.
Como nota Castro Mendes (Direito Processual Civil, II, Lisboa: AAFDL, 1987, p. 18), a personalidade judiciária constitui o «pressupostos dos restantes pressupostos processuais subjetivos». Na verdade, só se compreende a apreciação da capacidade judiciária, da legitimidade, do interesse em agir ou do patrocínio judiciário de alguém ou de alguma identidade que, independentemente de personalidade jurídica, goze da prerrogativa de ser sujeito processual.
Escrevem Antunes Varela et al. (Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1985, p. 107, nota 1) que «é entre as partes identificadas na petição inicial, sejam elas ou não titulares da relação litigada, que se estabelece a relação processual. É em função delas que se determina a personalidade e a capacidade judiciária dos sujeitos da ação, bem como a competência do tribunal, sempre que a sua determinação esteja ligada às partes...»
A personalidade judiciária tende a acompanhar a personalidade jurídica, que consiste na suscetibilidade de ser titular de direitos e obrigações (art. 11.º/2, do novo Código de Processo Civil – anterior art. 5º/2).
Deste modo, é correta a afirmação de que aquele que tem personalidade jurídica tem necessariamente personalidade judiciária. Mas a inversa não é verdadeira uma vez que a lei confere personalidade judiciária a determinadas entidades carecidas de personalidade jurídica, como é o caso da herança jacente (art. 12.º, a), do (novo) Código de Processo Civil – art. 6º, a) do CPC de 1961).
Vejamos em que consiste este fenómeno.
Como é sabido, o falecimento de uma pessoa singular acarreta, como efeito automático, a cessação da personalidade jurídica (art. 68 do Código Civil) e origina a abertura da sucessão (art. 2031 do Código Civil) que terá por objeto todo o conjunto de direitos e obrigações de conteúdo patrimonial ou pessoal que não sejam excetuadas por lei (art. 2024 do Código Civil).
Enquanto permanece sem aceitação ou declaração de vacatura a favor do estado (art. 1132.º), a herança assume provisoriamente o lugar do de cujus e considera-se titular dos direitos e obrigações que a compõem.
Tal conjunto de direito e obrigações constitui um património autónomo (cf. José Martins da Fonseca, ROA, ano 46.º, p. 574, e Armando Rodrigues, ROA, ano 11.º, p. 279).
A personificação judiciária deste património não o acompanha até à partilha; antes cessa, nos termos da lei, com a aceitação da herança por parte dos sucessores, efetuada nos termos previstos nos art. 2050 e ss. do Código Civil (cfr. Ac. da RL de 1.03.78, CJ, III, t. 2, p. 397, e Ac. do STJ de 17.01.75, BMJ 246, p. 190). É que a situação de jacência cessa, ela também, no preciso momento da aceitação da herança pelos sucessores ou da declaração de vacatura a favor do Estado (arts. 2046 do Código Civil e 1132 do Código de Processo Civil).
Daqui resulta uma consequência que, seguindo António Abrantes Geraldes (Personalidade Judiciária, CEJ, 1998, p. 8), podemos sintetizar do seguinte modo: a personalidade judiciária só foi atribuída por lei à herança jacente, que não se confunde, pois, com herança impartilhada. Determinados os sucessores e aceite por eles a herança, cessa a personalidade judiciária atribuída à herança jacente e quem poderá intervir como parte em processos judiciais são os contitulares ou, nos casos previstos na lei, o cabeça de casal, como seu representante.
De notar que, após a reforma do nosso principal diploma civil adjetivo levada a cabo pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12, deixou de ter qualquer apoio literal a tese defendida por Antunes Varela et al. (ob. cit., p. 111, nota 1), que defendiam a persistência da personalidade judiciária da herança indivisa no decurso do processo de inventário, até ser efetuada a partilha (cfr. art. 9.º do Código Civil).
Ora, os Autores não aludiram, na respetiva petição inicial, a uma herança jacente mas a uma herança “indivisa.” Não identificaram um curador enquanto representante da herança, mas todos os herdeiros, nesta qualidade.
Citada a herança, na pessoa da representante legal dos herdeiros (cfr. fls. 88), contestou a “herança indivisa aberta por óbito de B…, representada pelos seus únicos filhos menores e sucessores, F… e G… (…) representados pela sua mãe e representante legal” sem suscitar, em algum momento, questões relacionadas com a sua ilegitimidade para a ação.
Na tese dos Autores, não contrariada nas contestações, a herança aberta por óbito de B… já não está em situação de jacência e, consequentemente, entendemos que do lado passivo da presente ação não está a herança, mas os herdeiros – eles próprios, por si, e não enquanto representantes da herança. A referência a herança e a qualificação dos herdeiros como representantes foi apenas uma forma tecnicamente pouco precisa de os Autores procederem à habilitação, requisito da respetiva legitimidade, dos referidos F… e G… como sucessores do falecido B… na titularidade da relação material controvertida.
Chegamos a este resultado por via da interpretação da petição inicial, sendo ele coincidente com o que foi atingido por aqueles que são, afinal, os Réus na ação, pelo que, mesmo a entender-se que o sentido que demos à declaração dos Autores não tem expressão no texto daquele articulado, sempre vale a regra consagrada no art. 238/2 do Código Civil – a de que falsa demonstratio non nocet “.
No dispositivo da sentença condenou-se os “réus F… e G… a pagar aos autores D… e E…, o montante de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), acrescido de juros de mora contados à taxa legal em cada momento vigente para os juros civis desde a citação até integral pagamento”.
Entendemos que quer a oportunidade da apreciação da exceção, quer os fundamentos da decisão, não merecem censura. Contudo, o dispositivo da sentença não reflete os termos do analisado, na medida em que os réus só podem ser condenados na qualidade de herdeiros ou sucessores de B… e não a título individual, pelos motivos que se passam a expor.
A personalidade judiciária consiste na suscetibilidade de ser parte (art. 11º/1 CPC) e em regra tem personalidade judiciária quem tiver personalidade jurídica.
Excecionalmente a lei atribui personalidade judiciária a entidades que não gozam de personalidade jurídica, como ocorre com a herança jacente, atento o disposto no art. 12º/a) CPC (anterior art.º 6º, al. a), do C. P. Civil, na redação do DL 329-A/95 de 12 de dezembro).
Inicialmente, o art. 6º a) do CPC reportava-se a “herança cujo titular ainda não esteja determinado”, a qual foi substituída pela expressão “herança jacente”.
Com a alteração introduzida rejeitou-se a tese defendida nos trabalhos preparatórios pela Comissão Varela “que abarcava igualmente a herança já aceite mas ainda não partilhada (art. 2050º CC)”[4], por se considerar que não se justificava atribuir personalidade judiciária, quando já eram conhecidos os sucessores.
Com efeito, ANTUNES VARELA defendia face à redação original do preceito que ”estando o processo de inventário em curso, mas não estando ainda efetuada a partilha, é em nome da herança (ou contra a herança) embora carecida de personalidade jurídica, que hão de ser instauradas as ações destinadas a defender (ou a sacrificar) interesses do acervo hereditário”[5].
Contudo, como observa LEBRE DE FREITAS: ”[…] mesmo depois da herança partilhada, os bens herdados continuam a constituir um património autónomo ( art. 2068º CC e art. 2071º CC ), sem que alguma vez se tenha equacionado a questão de lhe ser atribuída personalidade judiciária”[6].
O legislador acabou por atribuir personalidade judiciária apenas à herança jacente.
Considera-se herança jacente aquela que já se encontra aberta, mas ainda não foi aceite nem declarada vaga para o Estado – art.º 2031º e 2046º do C. Civil. A herança jacente constitui o património da pessoa falecida entre o chamamento dos sucessíveis e a sua aceitação – art.º 2046º do C. Civil. Nesta situação são indeterminados os herdeiros.
Assim, enquanto os sucessores não aceitarem tácita ou expressamente a herança, ou esta não houver sido declarada vaga para o Estado, estamos perante uma herança jacente, à qual a lei confere personalidade judiciária.
No caso de estarmos perante uma herança indivisa – ainda não partilhada – mas cujos herdeiros já estão determinados, não detém a mesma personalidade judiciária, não podendo subsumir-se ao conceito legal de património autónomo semelhante cujo titular não esteja determinado, porque como se referiu o legislador refutou tal enquadramento legal.
Podemos afirmar que este tem sido de forma unânime o sentido interpretativo acolhido pela jurisprudência dos tribunais superiores, podendo citar-se entre outros, os Ac. Rel. Porto 19 de maio de 2010, Proc. 16/1999.P1; Ac. Rel. Porto 30 outubro de 2007, Proc. 0721996; Ac. Rel. Porto 09 de junho de 2009, Proc. 52/03.1TBMDR-A.P1; Ac. Rel. Porto, 13 de dezembro de 2011, Proc. 54/10.1TBBGC-H.P1, Ac. STJ 15 de janeiro de 2004, Proc. 03B4310, Ac. STJ 12 de setembro de 2013, Proc. 1300/05.9TBTMR.C1.S1, todos acessíveis em www.dgsi.pt
Os argumentos defendidos pelos apelantes nas conclusões de recurso no sentido de considerar que na ação figura como parte a herança indivisa, porque ainda não foi objeto de partilha, apesar de conhecidos os herdeiros, não podem proceder. Os apelantes acolhem a tese do Professor ANTUNES VARELA. Contudo, a lei atribui personalidade judiciária apenas à herança jacente. Como os próprios apelantes referem, no caso concreto, são conhecidos os herdeiros do falecido, que demandados nessa qualidade não a refutaram e por isso, considera-se que aceitaram a herança. Não estamos na presença de uma herança jacente.
Desta forma, ao património hereditário de B… sucederam F… e G…, seus filhos e como tal, na qualidade de herdeiros, são a parte demandada como sujeito passivo na ação e com personalidade judiciária.
Aliás, só se admite o recurso por se entender que são os herdeiros de B…, que ficando vencidos reagiram contra a decisão, porquanto na sentença a “herança indivisa” não figura como parte vencida.
Neste caso, a legitimidade para deduzir oposição em defesa de interesses da herança não pertence a esta mas sim, conjuntamente, a todos os seus herdeiros, sendo estes as partes na ação, ou ao cabeça de casal – art.º 2091º, do C. Civil.
Quer intervenham os herdeiros, quer qualquer das outra entidades referidas, nas situações excecionais a tanto admissíveis, essa intervenção apenas se verifica porque a massa de bens em causa, dado já se mostrar ultrapassado o período de jacência, se acha despojada de personalidade judiciária.
Daí a indispensável intervenção dessas pessoas – herdeiros ou outras entidades –, como se, de certo modo, de “representantes” da herança se tratassem, mas assim não sucedendo por que atuando em seu próprio nome, e não – como na representação se faz mister –, em nome do património representado, porquanto este, não dispondo da possibilidade de ser parte em processo judicial não pode, obviamente, propor ou ver contra si proposta qualquer demanda judicial.
Trata-se, pois, de legitimidade imposta por lei, decorrente da falta de personalidade judiciária por parte da herança ilíquida e indivisa[7].
Tal como se mostra estruturada a ação e tendo presente os fundamentos invocados para demandar os réus F… e G…, na qualidade de sucessores de B… (cfr. art. 83 e 84º da petição), conclui-se que no dispositivo da sentença a condenação deve expressar essa mesma qualidade, ou seja, a condenação de F… e G…, na qualidade de sucessores ou herdeiros de B…, pois como decorre do art. 2068º CC é a herança que responde pelo pagamento das dividas do falecido.
Conclui-se, assim, por julgar parcialmente procedentes as conclusões de recurso e desta forma, revogar em parte a sentença, reconhecendo-se como parte passiva na ação, os réus F… e G…, na qualidade de sucessores ou herdeiros de B…, consignando-se no dispositivo da sentença a condenação dos réus F… e G…, na qualidade de sucessores ou herdeiros de B….
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- Apelação da Interveniente-
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- O dano de perda de “chance” ou de oportunidade -
Nas conclusões de recurso a apelante insurge-se contra o segmento da sentença que enquadrou a responsabilidade em sede de “dano de perda de chance ou oportunidade“ e com tal fundamento atribuiu aos Autores a indemnização pelos prejuízos sofridos.
A questão que se coloca consiste, assim, em apurar se no quadro dos factos provados assiste aos Autores o direito à indemnização peticionada com fundamento na verificação do “dano de perda de chance ou oportunidade”.
Na sentença recorrida considerou-se que a pretensão dos Autores se situava em sede de responsabilidade contratual, por estar em causa o cumprimento defeituoso do contrato de mandato forense celebrado entre os Autores e o advogado Dr B…, por facto imputável ao advogado.
Considerou-se, contudo, que a conduta ilícita e culposa do advogado, na qualidade de mandatário forense, não se mostrava só por si adequada para produzir o dano decorrente da condenação no âmbito do Proc.765/08.1TBFLG.
Refere-se a este respeito na sentença:
“Revertendo ao caso em análise, importa reter que não há possibilidade de saber se os aqui autores não perderiam a referida ação se a contestação desentranhada fosse tempestivamente apresentada ou se tivesse sido paga a sanção prevista no citado art. 145º, n.º 6 do CPC tratando-se, portanto, de uma matéria insuscetível de ser provada.
Porém, como se disse, o Dr.º B… violou, culposamente, o contrato de mandato forense que celebrou com os autores, deixando de satisfazer, cabalmente, a prestação a que estava vinculado, o que importa o não cumprimento defeituoso da obrigação, e que o torna responsável pelo prejuízo causado ao credor, nos termos das disposições combinadas dos artigos 798º e 799º, nº 1, ambos do CC.
Efetivamente, só esta construção doutrinária é compatível com o conceito de causalidade adequada que decorre do citado artigo 563º, do CC, em virtude de o facto de os aqui autores terem sido condenado na ação que contra eles instaurou I…, não se tratar de um prejuízo, necessariamente, resultante do não cumprimento ou do cumprimento imperfeito do «contrato de mandato forense.
É que a teoria da causalidade adequada visa excluir da indemnização os danos que resultaram de “desvios fortuitos”, com a finalidade de libertar o lesante do risco de suportar, quase em termos de responsabilidade objetiva, todos os danos a que o seu ato deu origem (Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, 1968, 400).
Assim, apesar da omissão ilícita e culposa do Dr.º B…, importa, igualmente, verificar-se a existência de um dano e do correspondente nexo de causalidade entre aquela conduta omissiva e este dano.
É certo que face a desentranhamento da contestação os RR. viram confessados os factos alegados pelo aí A. e foram condenados no pedido. Porém, não é possível saber, com certeza, qual o grau de probabilidade do êxito ou insucesso da sua contestação, caso tivesse sido validamente apresentada. Sendo certo que, como já se disse, resultando para o advogado do mandato forense, apenas, uma obrigação de meios, este não tem, necessariamente, de obter vencimento da pretensão dos mandantes na causa”.
Contudo, considerou-se que a conduta do advogado deu causa “ao dano perda de chance ou oportunidade” e nesse sentido, ponderou-se, como se passa a transcrever:
“Quando o mandatário judicial constituído, por negligência, não contesta a ação, no prazo devido, fazendo nos 3 dias úteis seguintes e não diligenciando pelo pagamento da multa correspondente, conduzindo a que os factos alegados pela contraparte sejam considerados confessados, impossibilita, com a sua omissão, que a pretensão da respetiva parte seja sujeita a apreciação jurisdicional, comprometendo a oportunidade de sucesso do processo judicial em causa.
Sendo a vitória judicial, sempre de natureza incerta, e tendo toda a causa um resultado aleatório, os autores não podem afirmar que a ação judicial, onde ocorreu semelhante omissão do seu mandatário, teria sido, sem ela, julgada, total ou parcialmente, improcedente, muito embora com a mesma haja ficado, irremediavelmente, comprometida e, através dela, a obtenção do benefício subordinado que se mostrava inerente ao inêxito (ainda que parcial) do procedimento judicial.
Trata-se de uma situação em que não se pode afirmar, com absoluta segurança, que o conteúdo da decisão judicial teria sido distinto, caso não tivesse interferido o aludido facto ilícito, nomeadamente, porque tal dependia ainda do modo como o juiz aprecia determinados factos, interpreta as normas jurídicas pertinentes e procede à subsunção daquela factualidade ao Direito aplicável, mas em que já se sabe, por outro lado, com certeza suficiente, que as vítimas perderam uma oportunidade de obter essa decisão favorável para eles.
Porém, este «juízo dentro do juízo» é, de facto, essencial, quer na determinação da existência de uma “chance” séria de vitória da sua versão dos factos no processo, quer, posteriormente, na fixação do “quantum” indemnizatório correspondente Assim, o curso dos acontecimentos que é preciso conjeturar para averiguar se houve ou não nexo causal é o desenrolar do processo judicial que não foi contestado, enquanto que o grau de probabilidade de o lesante ter sido o causador do dano é o grau de probabilidade da referida contestação (citado ac. do STJ de 05-02-2013, proc. n.º 488/09.4TBESP.P1.S1).
Consideramos que a oportunidade perdida deve ser avaliada, o mais possível, com referência ao caso concreto, devendo o Juiz realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo, caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, avaliando o grau de probabilidade de vitória da pretensão dos aqui AA. nesse processo, segundo o prisma de avaliação do juiz da ação em que foi proferida a condenação, por ser aquele que mais se coaduna com a noção de «perda de chance»”.
Neste pressuposto concluiu-se:
“Pois bem, logrou demonstrar-se que, ainda que a contestação dos aqui AA. não fosse desentranhada seria muito improvável que os mesmos não viessem a ser condenados no pedido, como foram. De facto, entende-se que pode estabelecer-se, com rigor, que o grau de probabilidade da amplitude do êxito da ação seria pelo menos de 80%, sendo diminuta a possibilidade da sua improcedência.
Assim, fixa-se em 20% do valor da referida ação – que será o valor do prédio objeto do contrato promessa, ou seja, € 150.000,00, que foi o objeto valor convencionado pelas partes, e que, aliás, é o valor pedido pelos AA. na presente ação - a indemnização a que têm direito os AA. pelo dano da perda de chance, ou seja, no montante de € 30.000,00 (trinta mil euros).
O montante a indemnizar pela ré seguradora é, portanto de € 28.500,00 (vinte e oito mil e quinhentos euros) – já deduzida a franquia convencionada de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros)-, por força do contrato de seguro celebrado, atento o disposto pelos artigos 1º e 167º, do DL nº 72/2008, de 16 de abril, e 99º, nº 1, do EOA. Cabendo aos RR. herdeiros pagar os restantes €1.500,00 (mil e quinhentos euros) correspondentes ao valor da franquia convencionada.
Ao montante global fixado, acrescerão juros, à taxa legal então vigente para os juros civis, desde a data dos RR. até integral pagamento (arts. 805º, nº 1 e 559º, nº 1 do C.C. e Portaria nº Portaria n.º 291/03, de 08-04)”.
Na presente apelação não se questiona a ilicitude e a culpa dos réus, demandados na qualidade de sucessores do advogado Dr B…, mas apenas a verificação do apontado dano “perda de chance”, antes do mais, porque a apelante defende que no nosso ordenamento jurídico não se pode elevar a “perda de chance” à condição de dano autónomo (ponto 5 das conclusões de recurso).
Entendemos que assim não será, situando-nos na linha que ultimamente tem sido desenvolvida no Supremo Tribunal de Justiça.
Na doutrina, a avaliação do ”dano perda de chance” como dano autónomo não tem merecido inteira unanimidade.
Destacam-se tradicionalmente a este respeito as posições de ARMANDO BRAGA, que considera constituir um dano presente, que consiste na perda da probabilidade de obter uma futura vantagem, sendo, contudo, a perda de chance uma realidade atual e não futura. Reportando-se o mesmo dano ao valor da oportunidade perdida (estatisticamente comprovável) e não ao benefício esperado.
O dano deve ser avaliado em termos de verosimilhança, e não segundo critérios matemáticos, sendo o quantum indemnizatório fixado atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida[8].
CARNEIRO DA FRADA analisando a responsabilidade médica (o atraso do diagnóstico que diminui em 40% as possibilidades de cura do doente) e na exclusão (indevida) de um sujeito a concurso, privando-o da hipótese de o ganhar, conclui que uma das formas de resolver este género de problemas é o de considerar a perda de oportunidade como um dano em si, como que antecipando o prejuízo relevante em relação ao dano (apenas hipotético, v.g., ausência de cura, perda de concurso), para cuja ocorrência se não pode asseverar um nexo causal suficiente.
Havendo que se consubstanciar como um bem jurídico tutelável a mera possibilidade de uma pessoa se curar, de se apresentar a um concurso. Afigurando-se indispensável na quantificação do dano, e nos problemas que daí advirão, um juízo de probabilidade[9].
RUTE PEDRO refere que a perda de chance, enquanto tal, está ausente no nosso direito, poucos sendo os autores que a ela aludem, sendo certo que, quando o fazem, dedicam-lhe uma atenção lateral e pouco desenvolvida.
Erigindo a chance à categoria de entidade autónoma, sendo o dano que resultará da sua frustração também dotado de autonomia e substancialmente diverso do dano decorrente da perda do resultado por ela propiciado.
Pressupondo a aceitação do ressarcimento do dano derivado da frustração de uma chance a prova inequívoca da sua existência[10].
JÚLIO GOMES defende por sua vez que a lei estabelece “limites normativos ao domínio do indemnizável” circunscrevendo a responsabilidade, mesmo em sede de responsabilidade contratual, aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Por outro lado, “não visando a responsabilidade civil primordialmente uma função punitiva”, o que está em jogo é colocar o lesado na situação em que provavelmente estaria se não fosse a lesão.
Situando-se na conduta do advogado que não intenta a ação ou interpõe um recurso fora de prazo, considera este AUTOR: “[…] o dano não pode ser superior à perda do direito originário[…] pelo que se este direito originário não tiver qualquer consistência, ou não existir sequer, não há qualquer dano.[…] se quem invoca um direito, não tinha esse direito ( ou não o podia provar, o que conduzirá a um resultado similar no plano prático), não é a conduta do seu representante voluntário que o faz perder esse direito, uma vez que não se pode perder o que nunca se teve”[11].
Admite, contudo, a autonomização do dano”[…]quando a chance ou oportunidade se tenha “densificado” e fosse mais provável a sua realização do que a sua não verificação, se considere existir já um lucro cessante ou suficientemente “certo” para que a fixação do seu montante possa ser feita pelo tribunal recorrendo à equidade”[12].
Também MOTA PINTO nos diz que não parece que exista, para já entre nós, base jurídico-positiva para apoiar a indemnização baseada na perda de chance.
Também aqui se concluindo não relevar a teoria em apreço, a da perda de chance, por esta, desde logo, não estar, in casu, suficientemente densificada, contrariando em absoluto, a ser agora seguida, as regras da causalidade adequada atrás enunciadas e a devida certeza dos danos.
Caindo-se, se acolhida fosse, nas presentes circunstâncias, no puro arbítrio do Tribunal, desconhecendo-se de todo em todo se a censurável conduta do réu, descurando, é certo, em abstrato os interesses do ora autor, foi condição adequada ou até bem provável do dano arrogado[13].
No sentido de delimitar o conceito do dano “perda de chance” NUNO SANTOS ROCHA aponta um conjunto de pressupostos:
- essencial a não ocorrência do resultado útil almejado;
- esse dano terá que ser definitivo, resultando na impossibilidade de a chance voltar a existir, ou seja, o comportamento desvalioso por parte do lesante terá que ter resultado na perda irreversível das «chances» que a vítima detinha de poder vir a alcançar a vantagem desejada;
- a chance deve ser séria e real o que significa será necessário averiguar se as possibilidades perdidas gozavam de um determinado grau de consistência e probabilidade suficiente de verificação do resultado pretendido para que a sua perda possa ser considerada como relevante a nível ressarcitório;
- exige-se certeza em relação à possibilidade séria e real de se obter uma vantagem ou de se evitar um prejuízo, mas deparamo-nos com a incerteza sobre se a vantagem teria efetivamente ocorrido ou se o prejuízo teria sido evitado, não fora a atuação culposa do lesante[14].
RUI CARDONA FERREIRA[15] a respeito da responsabilidade do mandatário forense autonomiza o dano perda de chance, mas sugerindo uma abordagem particular de forma a garantir que tal violação não deva passar permanentemente incólume em face da incerteza relativa ao desfecho da lide originária, incerteza essa colocada pela configuração típica deste grupo de casos. Por isso, propõe “o abaixamento da fasquia da causalidade — ou seja, a diminuição da exigência relativamente ao quantum de probabilidade de não ocorrência do dano não fora a prática do ilícito — para limiares inferiores aos que subjazem à teoria da causalidade adequada e, segundo o entendimento tradicional, ao art. 563.º do CC”.
Contudo, não ignora que “esta adaptação ou modelação da causalidade deve, todavia, ser rodeada dos necessários cuidados: ela não pode prescindir da imposição ao lesado do ónus de provar, além do ilícito, a verificação do dano final (o único a indemnizar) e uma considerável probabilidade de obtenção de ganho de causa na ação originária que se frustrou, não fora a falta cometida pelo mandatário forense”.
Entende, ainda, que “essa considerável probabilidade é algo que, necessariamente, dependerá da prudência dos julgadores”, mas que deve situar-se como orientação geral, no limiar dos 50%.
Nessa demonstração “não se há de bastar com uma presunção abstrata de ganho de causa (ou de possibilidade de ganho de causa), mas pode envolver, em maior ou menor medida, uma apreciação incidental do mérito da pretensão originária ou a produção de prova que deveria ter sido feita na ação frustrada” de forma a acautelar que o cliente lesado venha a ser ressarcido, pelo seu mandatário forense e ainda que parcialmente, pela frustração de pretensões cujo êxito, relativamente à verdadeira contraparte, não se acharia minimamente assegurado.
PATRÍCIA COSTA autonomiza o dano perda de chance, que classifica como:
- dano presente, ou atual, na medida em que a chance, em princípio, se perde no próprio momento da verificação do ato ilícito;
- dano emergente, visto que, aceite a configuração da chance como uma realidade autónoma e parte integrante do património do lesado, então a sua perda é necessariamente um dano emergente;
- dano certo, visto que tem por objeto a perda da possibilidade atual de conseguir um resultado determinado, possibilidade que existia no momento da lesão. A certeza respeita, portanto, não à verificação do resultado possível que se pretendia, mas à sua inviabilização definitiva. Ou seja, o dano indemnizado não é o dano final incerto, mas a impossibilidade de evitar este último, a qual é certa[16].
Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a respeito da concreta questão de facto que se coloca neste processo – não apresentação, em prazo, da contestação -, podemos identificar fundamentalmente três posições.
Em conformidade com o Ac. STJ de 28 de setenbro de 2010[17] autonomiza-se o dano, como tal, considerando: “[…]sabendo-se que a obrigação da 1ª Ré, como advogado da A. é uma obrigação de meios, o dano emergente do cumprimento defeituoso do mandato corresponderá à prestação devida, que o advogado não efetuou, com o que fez perder à A. A sorte ou “chance” de evitar um prejuízo, no caso, de evitar a condenação na ação laboral.
(sobre este assento cof. Igualmente Jaime Augusto de Gouveia – Da Responsabilidade Contratual – 1932-).
Ora, é evidente que, considerado o direito de defesa como um bem tutelado, não só, pela lei processual, como pelo contrato de mandato estabelecido entre a A. e a 1ª Ré, a impossibilidade do seu exercício por omissão culposa da 1ª Ré, como um prejuízo au dano em si mesmo considerado (isto é como um dano autónomo) nenhuma dúvida existirá quanto ao nexo de causalidade adequada existente entre a conduta omissiva e o dano ou prejuízo sofrido pela A. em consequência da dita omissão”.
Nesta conceção, a verificação do ilícito contém já em si o dano a indemnizar[18].
Em sentido diferente pronunciou-se o Ac. STJ 18 de outubro de 2012[19] que considerou: “[p]ara que um advogado possa ser responsabilizado pelos danos resultantes da perda de uma ação judicial, torna-se necessária a alegação e prova do nexo causal entre a sua censurável conduta (culposa) e os invocados prejuízos.
Não bastando, para tal, a simples alegação e prova de que a contestação apresentada numa determinada ação judicial foi desentranhada por culpa do advogado, ficando provados os factos pelo aí autor alegados, com a consequente condenação do aí réu.
A doutrina da perda de chance não tem apoio expresso na nossa lei civil, não tendo, em geral, virtualidade para fundamentar uma pretensão indemnizatória. Pelo que só em situações pontuais poderá ser atendida.
Não relevando no caso concreto, por contrariar, em absoluto, o princípio da certeza dos danos e as regras da causalidade adequada”.
No mesmo sentido no Ac. STJ 29 de maio de 2012[20] defendeu-se:”[o]s danos futuros só são indemnizáveis quando forem previsíveis. II- A doutrina da perda de chance ou de oportunidade, em geral, não tem apoio na nossa lei civil. III - Os danos decorrentes de uma conduta negligente de um advogado no desempenho de um mandato forense ou no exercício de apoio judiciário concedido a uma parte processual, para serem ressarcíveis exigem que se prove que sem essa conduta negligente os lesados teriam uma vantagem ou evitariam uma desvantagem que se consubstancia nos danos peticionados”.
Na jurisprudência mais recente, a “perda de chance ou de oportunidade” associado à privação do direito de defesa em ação judicial, por ato ilícito de terceiro (advogado / patrono oficioso) surge identificado como um dano autónomo e dano emergente, cuja verificação depende de certos pressupostos: a possibilidade real de se alcançar um determinado resultado positivo, mas de verificação incerta; e um comportamento de terceiro, suscetível de gerar a sua responsabilidade, que elimine de forma definitiva a possibilidade de esse resultado se vir a produzir.
No Ac. STJ 06 de março de 2014[21] desenvolvendo-se esta ideia, afirma-se:”[e]sta problemática coloca-se em situações em que "um sujeito se encontra num estado que lhe propicia a possibilidade – a chance – de alcançar um determinado resultado favorável, e em que, em virtude de um comportamento de um terceiro, essa possibilidade fica irremediavelmente perdida".
A ressarcibilidade desse dano depende de determinados pressupostos. Assim (continuando a acompanhar a referida Autora):
- "terá de existir um determinado resultado positivo – a obtenção de uma vantagem ou a não concretização de uma desvantagem – que pode vir a verificar-se, mas cuja verificação não se apresenta certa";
- "é necessário que, apesar desta incerteza, a pessoa se encontre numa situação de poder vir a alcançar esse resultado"; "a pessoa terá, portanto, de estar investida de uma chance real de consecução da finalidade esperada";
- "é indispensável que se verifique um comportamento de terceiro, suscetível de gerar a sua responsabilidade, e que elimine de forma definitiva as (ou algumas das) existentes possibilidades de o resultado se vir a produzir”.
No Ac. STJ 01 de julho de 2014[22] defende-se:”[p]ara que se considere autónoma a figura de “perda de chance” como um valor que não pode ser negado ao titular e que está contido no seu património, importa apreciar a conduta do lesante não a ligando ferreamente ao nexo de causalidade – sem que tal afirmação valha como desconsideração absoluta desse requisito da responsabilidade civil – mas, antes, introduzir, como requisito caracterizador dessa autonomia, que se possa afirmar que o lesado tinha uma chance [uma probabilidade, séria, real, de não fora a atuação que lesou essa chance], de obter uma vantagem que probabilisticamente era razoável supor que almejasse e/ou que a atuação omitida, se o não tivesse sido, poderia ter minorado a chance de ter tido um resultado não tão danoso como o que ocorreu. Há perda de chance quando se perde um proveito futuro, ou se não se evita uma desvantagem por causa imputável a terceiro”.
No Ac. STJ 30 de setembro de 2014[23] considerou-se: “[t]tanto na responsabilidade contratual como extracontratual a ressarcibilidade do dano da perda de chance ou de oportunidade é admissível naquelas situações em que exista uma possibilidade real de se alcançar um determinado resultado positivo, ainda que de verificação incerta, e um comportamento de terceiro suscetível de gerar a sua responsabilidade, que elimine de forma definitiva a possibilidade de esse resultado se vir a produzir.
A flexibilização do conceito de dano que vem sendo desenvolvida de forma a permitir uma maior aproximação da aplicação do direito às realidades atuais conduz ou deve conduzir a que a chance ou oportunidade perdida seja merecedora de tutela do direito, sendo que na responsabilidade contratual não se poderá pôr em causa a relevância jurídica da violação das chances que constituem objeto da prestação debitória, sobretudo quando tal violação elimine de forma definitiva a produção do resultado querido e fortemente expectável”.
Em recente Ac. STJ de 30 de abril de 2015[24] considera-se que a” perda de oportunidade só poderia fundamentar uma indemnização se, para além da verificação dos demais pressupostos da responsabilidade civil, pudesse reconhecer-se uma elevada probabilidade de vir a ser declarada a caducidade do direito à reparação dos defeitos (recordem-se, a este propósito, as dificuldades de estabelecer um nexo de causalidade indispensável à procedência de um pedido de indemnização por perda de chance, relacionadas com as diversas “opções jurídicas, doutrinárias e jurisprudenciais dos julgadores”, apontadas pelo acórdão deste Supremo Tribunal de 29 de abril de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 2622/07.0TBPNF.P1.S1.) e, simultaneamente, uma elevada probabilidade de procedência da ação correspondente”.
Podemos assim considerar que a autonomização do dano “perda de chance ou oportunidade” se configura como a possibilidade real de alcançar um determinado resultado positivo, ainda que de verificação incerta e que por intervenção de um terceiro foi impossível obter. A indemnização não visa a perda do resultado querido, mas a oportunidade que se perdeu.
Contudo, tem sido sistematicamente reforçada a ideia que apenas a omissão ou ação do terceiro que contendeu com um sério, real e muito provável desfecho favorável ao lesado pode configurar o dano. O dano está associado à possibilidade real do êxito que se frustrou.
Neste sentido o dano não está desligado do nexo de causalidade, como parece afirmar a apelante no ponto 4 das conclusões de recurso. A causalidade, atenta a particularidade do dano, deve ser analisada considerando que o lesado tinha uma chance, uma probabilidade, séria, real, de, não fora a atuação que frustrou essa chance, obter uma vantagem que probabilisticamente era razoável supor que almejasse e/ou que a atuação omitida se o não tivesse sido, poderia ter minorado a chance de ter tido um resultado não tão danoso como o que ocorreu. Há perda de chance quando se perde um proveito futuro, ou se não se evita uma desvantagem por atuação imputável a terceiro.
Como se observa no Ac. STJ de 01 de julho de 2014:” [e]stando em causa uma obrigação de meios e não de resultado, a omissão da diligência postulada por essa obrigação evidencia, de forma mais clara, que a perda de chance se deve colocar mais no campo da causalidade e não do dano, devendo ponderar-se se a omissão das leges artis foi determinante para a perda de chance sendo esta real, séria e não uma mera eventualidade, suposição ou desejo[6], provavelmente capaz de proporcionar a vantagem que o lesado prosseguia”.
Argumenta, ainda, a apelante, sob o ponto 8 das conclusões de recurso, que a demonstração do dano constituía um ónus dos autores, como facto constitutivo do seu direito, o que não lograram obter.
Neste âmbito cremos que assiste razão à apelante, pois em sede de responsabilidade contratual, recai sobre o lesado o ónus da prova dos danos (art. 342º/1 CC). Com efeito, a presunção de culpa prevista no art. 799º CC, não se estende aos danos e a obrigação de indemnizar neste domínio rege-se de igual forma pelo critério previsto no art. 562º a 566º CC, o que impõe a alegação e prova dos concretos factos reveladores do dano sofrido.
Aplicando o exposto à situação dos autos verifica-se que os Autores (réus no Proc. 765/08.1TBFLG) por efeito da conduta do advogado Dr B… ficaram impedidos de apresentar a sua defesa no Proc.765/08.1TBFLG que correu os seus termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras.
Com efeito, na referida ação intentada por I… contra os aqui Autores, pretendia o ali Autor obter a execução especifica do contrato-promessa que celebrou com os réus (Autores na presente ação) (ponto 5 dos factos provados). Os Autores foram demandados na qualidade de réus e constituíram o Dr B…, advogado de profissão, seu mandatário para os representar na ação. O advogado, Dr B… apresentou contestação depois de terminado o prazo concedido para o efeito, a qual não foi atendida (ponto 10 dos factos provados). Por efeito de tal omissão julgaram-se confessados os factos alegados pelo Autor e por fim, foi proferida sentença que condenou os réus – aqui autores - no pedido (ponto 10-A dos factos provados). Desta forma, os Autores viram-se impedidos de apresentar a sua defesa, por ato ilícito e culposo de terceiro, sendo esta a única via que dispunham para o fazer.
Contudo, a simples privação do exercício do direito de defesa não consubstancia o dano.
O dano apenas ocorre perante a forte probabilidade de, não fora o ato de terceiro, os autores se encontrarem em condições de poder evitar a condenação no pedido, ou seja, se tal omissão do advogado contendeu com um sério, real e muito provável desfecho da ação favorável aos autores (ali réus).
Trata-se, assim, de apurar da possibilidade real de se alcançar um determinado resultado positivo, mas de verificação incerta.
Neste domínio, a doutrina e jurisprudência convocam o que se tem considerado ”um juízo dentro do juízo”[25] ou um juízo de prognose. Desta forma, cumpre ponderar se no concreto circunstancialismo da referida ação e perante os dados objetivos, seria expectável que os autores (ali réus) configurassem a “chance” de serem absolvidos do pedido.
No caso concreto, não consta dos autos o teor da contestação apresentada na referida ação, o que desde logo dificulta a apreciação objetiva dos concretos fundamentos da oposição. Os Autores alegaram, tão só e apenas, os factos que comunicaram ao seu advogado, para com base em tal matéria apresentar a contestação. Contudo, como aliás se anotou na sentença, os Autores não lograram provar os factos em toda a extensão e dos factos provados apenas se pode concluir que não seria provável (refere-se na sentença ”…altamente improvável…”) que na referida ação viessem a ser absolvidos do pedido.
Desde logo cumpre salientar que seria sobre os autores (ali réus) que recaía o ónus da prova dos factos controvertidos na ação, por constituírem matéria de exceção.
Naquela ação, os aqui Autores, não questionaram a celebração do contrato promessa, com as cláusulas que do mesmo constam, nem a autenticidade das assinaturas apostas no mesmo.
Suscitaram a nulidade do contrato por inexistência física do prédio objeto do prometido contrato de compra e venda, o que no entender dos autores impedia a execução específica do contrato.
A produzir-se a prova apresentada nesta ação, não procederia a invocada nulidade por inexistência parcial do seu objeto. De acordo com o teor da respetiva certidão de registo predial, à data da realização do contrato promessa de compra e venda os Autores (ali réus) eram os proprietários do prédio descrito sob o n.º 281, com uma parte rústica (art. 177) e uma parte urbana (art. 138) (pontos 11, 22, 23 dos factos provados). A transferência da propriedade das parcelas expropriadas só se dá com o despacho de adjudicação previsto no art. 51º, n.º 5 do Cod. das Expropriações, e os AA. não alegaram nem demonstraram que esta ocorreu antes da data da celebração do negócio.
Não obstante o expendido, provou-se que o prédio descrito sob o n.º 231 continua a manter a sua parte urbana inscrita na matriz sob o art. 138 – já que não se demonstrou que esta parte tenha sido objeto de expropriação – e uma parte rústica (ainda que reduzida) inscrita na matriz sob o n.º 177 – pois dos 39.500 m2 que os compõem foram expropriadas apenas duas parcelas, uma com 14798 m2 e outra com 12017 m2, remanescendo 12685 m2 (pontos 24 a 26, 43 dos factos provados e factos não provados). Apesar da expropriação o prédio mantinha a sua natureza de prédio misto, embora a parte rústica tivesse área menor. Os autores não lograram demonstrar a inexistência física da parte urbana do prédio (factos não provados). A tudo acresce o facto de no contrato-promessa não se ter indicado a área do prédio objeto do contrato prometido.
Podemos, assim, concluir que o prédio misto objeto do contrato prometido de compra e venda tinha e tem existência física e não foi objeto de expropriação (ponto 11 dos factos provados).
Numa segunda ordem de argumentos, referem os Autores que com a celebração do contrato-promessa não pretenderam prometer vender, mas tão só garantir o pagamento do contrato de empréstimo celebrado entre I... e O… (parente dos Autores, ali réus).
Neste contexto e ponderando os factos apurados seria altamente improvável que o contrato fosse julgado nulo por vício de vontade, porquanto demonstrou-se que os AA. compreendiam o sentido da sua declaração e declararam o que pretendiam (pontos 28 e 29 dos factos provados). Coisa diferente é os Autores estarem convencidos de que viriam a desistir do contrato promessa que celebraram restituindo os € 150.000,00 a I…, por confiarem que O… devolveria e terem visto essa sua expectativa gorada, porquanto, como se apurou, O… não restituiu a quantia mutuada no termo do prazo convencionado (pontos 17, 18, 19, 27 dos factos provados). Acresce que o pagamento efetuado diretamente a O… por I…, com a concordância dos AA., extinguiu a obrigação de pagamento do sinal e preço do prédio objeto do contrato promessa, conforme disposto pelo art. 770º, al. a) do CC, considerando-se pago aos AA. o valor de € 150.000,00 convencionado a título sinal e pagamento do preço ( ponto 28 dos factos provados ).
Conclui-se, assim, que mesmo que a contestação dos autores (réus naquela ação) não fosse desentranhada, seria improvável que os mesmos não viessem a ser condenados no pedido, como foram.
Acresce ao exposto, que também não resulta demonstrado que a conduta do mandatário causou de forma definitiva uma desvantagem para os Autores.
Os Autores peticionam na presente ação a condenação da “Ré” no pagamento de uma indemnização no montante de € 150.000,00 e ainda no que se vier a liquidar em posterior incidente de liquidação, a título de prejuízos que os aqui AA. venham a sofrer com a eventual condenação na ação declarativa nº1292/10TBFLG, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento.
O valor liquidado corresponde ao valor da parcela rústica do prédio, a qual face ao alegado pelos Autores adquiriu entretanto aptidão construtiva e já foi entregue a I…. A aquisição de tal parcela mostra-se registada a favor de I… (ponto 42 dos factos provados).
Como se apurou está pendente ação – Proc. 1292/10TBFLG – na qual se discute o direito de I… à restituição do prédio urbano inscrito na matriz sob o art. 130º urbano. Os Autores novamente demandados, contestaram a dita ação (pontos 36 a 40-A dos factos provados).
Os Autores, ainda não procederam à entrega da parcela urbana do prédio.
Os Autores não perderam a “chance ou oportunidade” de defesa do respetivo direito com sucesso. Mantêm, ainda, a oportunidade de exercício e demonstração da respetiva pretensão em relação à parcela urbana, pelo que não se pode considerar que a conduta do advogado no âmbito do Proc.765/08.1TBFLG impediu de forma definitiva a possibilidade de ser apreciada a respetiva pretensão com sucesso.
Não estão assim reunidos os pressupostos em que assenta o dano “perda de chance”, porquanto os Autores não lograram demonstrar a possibilidade certa, real e séria de se alcançar um determinado resultado positivo ou favorável à respetiva pretensão no âmbito do Proc. 765/08.1TBFLG, ainda que de verificação incerta e que só por ação do advogado, ilícita e culposa, ficou eliminada de forma definitiva a possibilidade de esse resultado se vir a produzir. O que se constata é que os factos transmitidos ao advogado para sustentar a defesa dos Réus (aqui Autores) se mostravam infundados e por isso, não se pode admitir como provável que no respetivo património dos Autores se tenha constituído um direito a obter uma pretensão favorável, que no caso correspondia à absolvição do pedido.
Mesmo admitindo, como se defende na sentença, uma margem de 20% de chance a favor dos Autores (réus na ação ), somos levados a considerar que a mesma se situa abaixo do limiar da oportunidade estimada e perdida, a qual para ser objeto de valorização não poderá ser inferior a 50%. De outro modo, correspondia a repercutir no advogado, ainda que parcialmente, a reparação dos danos sofridos pelo cliente, pela falta de sustentação da pretensão e o insucesso da ação, o que não é de todo o âmbito do dano perda de chance.
Ponderando o exposto somos levados a concluir que na concreta situação os Autores não lograram provar o “dano perda de chance ou oportunidade“ e por isso, não lhes assiste o direito à indemnização peticionada.
Procedem, assim, as conclusões de recurso, com a consequente revogação da sentença e absolvição dos réus e interveniente do pedido.
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Nos termos do art. 527º CPC as custas da ação e das apelações, são suportadas pelos autores.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar:
- procedente a apelação dos réus F… e G…, reconhecendo que figuram como réus na ação F… e G…, na qualidade de sucessores ou herdeiros de B…;
- procedente a apelação da interveniente C… e nessa conformidade revoga-se a sentença e julga-se improcedente a ação, absolvendo os réus e interveniente do pedido.
-
Custas a cargo dos Autores, na ação e apelações.
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Porto, 1 de junho de 2015
(processei e revi – art. 131º/5 CPC)
Ana Paula Amorim
Rita Romeira
Manuel Domingos Fernandes
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[1] Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
[2] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, pag. 240
[3] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, Lisboa, Lex, 1997, pag. 77.
MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos sobre o Novo Processo Civil, ob. cit., pag. 78.
JOSÉ LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA E RUI PINTO Código de Processo Civil Anotado, vol I, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, pag. 467-468.
[4] JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE Código de Processo Civil, Vol.I, 3ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, pag. 40
[5] ANTUNES VARELA et al Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pag. 111, nota(1)
[6] JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE Código de Processo Civil, ob.cit., pag. 40
[7] Ac. Rel. Porto 30 outubro de 2007, Proc. 0721996, acessível em www.dgsi.pt
[8] ARMANDO BRAGA A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual Coimbra, Almedina, 2005, pag. 125-126
[9] CARNEIRO DA FRADA Direito Civil Responsabilidade Civil – O Método do Caso, Almedina, junho 2006, pag.63, 103 e 104
[10] RUTE PEDRO A Responsabilidade Civil do Médico, Coimbra, Coimbra Editora, pag.179
[11] JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES “Ainda sobre a figura do dano da perda de oportunidade ou perda de chance” in CADERNOS DE DIREITO PRIVADO- II Seminário dos cadernos de Direito Privado “Responsabilidade Civil” Número Especial 02/ dezembro 2012, pag. 25
[12] JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES “Ainda sobre a figura do dano da perda de oportunidade ou perda de chance” in CADERNOS DE DIREITO PRIVADO- II Seminário dos cadernos de Direito Privado “Responsabilidade Civil”ob. cit., pag. 29
[13] PAULO MOTA PINTO, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, I, 1103, nota.
[14] NUNO SANTOS ROCHA A “Perda de Chance” como uma nova espécie de dano – Dissertação de Mestrado em Direito apresentada na Faculdade de Direito da Universidade do Porto, julho de 2011, pag. 25-26, disponível na internet como: Cópia de APERDADECHANCECOMONOVAESPECIEDEDANO.pdf OU com as palavras chave “Perda de Chance”
[15] Cfr. RUI CARDONA FERREIRA A perda de Chance revisitada (a propósito da responsabilidade do mandatário forense), pag. 28 – disponível na Internet: Cópia de {c8303c60-83ae-4dbf-af6a-cf29f1c61ba4}.pdf - Perda de Chance.pdf/ OU com as palavras chave “Perda de Chance”-
[16] Cfr PATRÍCIA HELENA LEAL CORDEIRO DA COSTA Dano de Perda de Chance e a sus perspetiva no Direito Português – Dissertação de Mestrado, 30 de abril de 2010, Verbo Jurídico- Compilações Doutrinais, pag. 78 – disponível na Internet como: Cópia de patriciacosta_danoperdachance.pdf OU com as palavras chave: “Perda de Chance”
[17] Ac. 28 de setembro de 2010, Proc. 171/2002.S1 –www.dgsi.pt
[18] Cfr. RUI CARDONA FERREIRA A perda de Chance revisitada (a propósito da responsabilidade do mandatário forense , pag. 22 – disponível na Internet com a referência: Cópia de {c8303c60-83ae-4dbf-af6a-cf29f1c61ba4}.pdf - Perda de Chance.pdf/ OU com as palavras chave”Perda de Chance”-
[19] Ac. STJ 28 de outubro de 2012, Proc. 5817/09.8TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[20] Ac. 29 de maio de 2012, Proc. 8972/06.5TBBRG.G1. S1., disponível em www.dgsi.pt
[21] Ac. STJ 06 de março de 2014, Proc. 23/05.3TBGRD.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[22] Ac. STJ 01 de julho de 2014, Proc. 824/06.5TVLSB.L2.S1, disponível em www.dgsi.pt
[23] Ac. STJ 30 de setembro de 2014, Proc. 739/09.5TVLSB.L2-A.DS1, disponível em www.dgsi.pt
[24] Ac. STJ 30 de abril de 2015, Proc. 338/11.1TBCVL.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[25] Ac. STJ 30 de setembro de 2014, Proc. 739/09.5TVLSB.L2-A.DS1; Ac. STJ 05 de fevereiro de 2013, 488/09.4TBESP.P1.S1; Ac. STJ 04 de dezembro de 2012, Proc. 289/10.7TVLSB.L1.S1 todos disponíveis em www.dgsi.pt