Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5644/11.2TBMAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO LIMA COSTA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
RENDAS VINCENDAS
LIQUIDAÇÃO
Nº do Documento: RP201203225644/11.2TBMAI-A.P1
Data do Acordão: 03/22/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O título executivo a que alude o art.º 15.º, n.º 2 do NRAU abrange as rendas que se vencerem na pendência da execução instaurada para pagamento de quantia certa e em dívida até ao fim do contrato de arrendamento, bem como a indemnização prevista no art.º 1045.º, n.º 1, do Código Civil.
II - A sua liquidação será efectuada nos termos do art.º 805.º, n.º 9, do CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 5644/11.2TBMAI-A
Juiz Relator: Pedro Lima da Costa
Primeiro Adjunto: Des. Filipe Caroço
Segundo Adjunto: Des. Maria Amália Santos

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.
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B…, Limitada, instaurou no dia 29/8/2011 execução para pagamento de quantia certa contra C…, Limitada, a fim de cobrar o capital de 16.350€, juros vencidos no montante de 627€ e juros vincendos, bem como “as rendas que se vencerem, no montante de 922,50€ mensais (…), até entrega do arrendado”.
No requerimento executivo a exequente alega, sumariamente, os seguintes factos:
A exequente é senhoria de uma loja arrendada à executada, mediante contrato de 28/7/2008;
A renda mensal é de 922,50€, verba que inclui Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) à taxa de 23%;
A executada não pagou as rendas dos meses de Abril de 2010 a Agosto de 2011 [17 mensalidades] e deve 15.682,50€, à qual acrescem juros, sendo os vencidos no montante de 627€;
A executada deve ainda à exequente a quantia de 667,64€ de consumo de energia;
Por notificação avulsa efectuada em 9/3/2011, a executada foi notificada, nos termos dos art. 9 n° 7 da Lei 6/2006, de 27/2, e arts. 1083 n° 3 e 1084 n° 1 do Código Civil, da resolução do contrato de arrendamento com fundamento no não pagamento de rendas de Abril de 2010 até Fevereiro de 2011 [11 rendas], mas até à presente data não entregou a loja;
Deve ainda a executada à exequente as rendas que se vencerem, no montante mensal de 922,50€, até entrega do arrendado.
Para os efeitos do art. 15 da Lei 6/2006, a exequente apresenta como título executivo cópia do instrumento de notificação avulsa à executada, certidão de notificação correspondente com data de 9/3/2011 e cópia do contrato de arrendamento.
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Por despacho de 15/11/2011 foi liminar e parcialmente indeferido o requerimento executivo, não se admitindo a cobrança da verba de 667,64€ a título de consumo de energia, não se admitindo a cobrança de verba que exceda o valor das 11 rendas de Abril de 2010 a Fevereiro de 2011 e reduzindo ao valor dessas 11 rendas um montante de 114,53€, o qual tinha sido considerado pago na notificação avulsa, liquidando-se a quantia exequenda em 8.135,47€ [(((922,50€ x 100) : 123) x 11 meses) - 114,53€] e considerando-se que a esse capital acresceria o IVA, bem como juros vencidos e vincendos, à taxa anual de 4%.
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A exequente apelou desse despacho de indeferimento liminar parcial “na parte em que indefere o pedido executivo das rendas vincendas, desde a comunicação à arrendatária até entrega do arrendado à exequente” e formula as seguintes conclusões:
1- Apela-se a este Venerando Tribunal que altere em face do acima exposto, a decisão contida no despacho liminar, que indeferiu parcialmente o pedido executivo, por entender que o valor das rendas vencidas após a notificação judicial avulsa, carecem de título executivo por não constarem da referida comunicação, competência que lhe é atribuída por lei podendo-o fazer. Porquanto,
2- A Exequente intentou contra a Executada acção executiva, peticionando a quantia referente às rendas vincendas e não pagas desde Abril de 2010 até Agosto de 2011, altura em que deu entrada a presente acção.
3- Apresentando como título executivo o contrato de arrendamento celebrado entre as partes acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, designadamente, a notificação judicial avulsa, cumprindo-se, desta forma, o artigo 15º, nº 1, al. e) do NRAU. Sucede que,
4- No despacho que ora se recorre, entendeu o Meritíssimo Juiz que deveria ser indeferido parcialmente o pedido executivo, uma vez que “De igual modo no que respeita ao valor das rendas entretanto vencidas, por não constarem da comunicação do arrendatário, estas carecem de título executivo. Precisamente porque a justificação para a exigência da prévia comunicação ao arrendatário é a de obrigar o exequente a proceder à liquidação prévia das rendas em dívida, de forma a conferir maior grau de certeza quanto à quantia exequenda, tendo em conta a vocação tendencialmente duradoura do contrato e o carácter periódico das rendas”.
5- Entendendo assim, que as rendas que já se venceram desde a notificação judicial avulsa devem ser excluídas do pedido executivo e, como tal, a recorrente/exequente ficará privado de as executar nos presentes autos.
6- Isto porque entende o Tribunal a quo que tais rendas não constavam da comunicação que a recorrente fez à executada/arrendatária.
7- Ora, salvo o devido respeito, tal não corresponde à verdade, isto é, efectivamente a recorrente na sua comunicação à arrendatária peticionou as rendas vincendas até efectiva entrega do imóvel. Senão vejamos,
8- No ponto 10º da notificação judicial avulsa consta que “Deve ainda a requerida à requerente as rendas que se vencerem até efectiva entrega do arrendado livre de pessoas e bens”.
9- Além de que a Recorrente peticionou as rendas vencidas desde a notificação no seu requerimento executivo, designadamente no seu ponto 8.
10- Assim, a Executada/arrendatária desde que foi notificada pela Recorrente sempre esteve ciente de que seria responsável pelo pagamento das rendas que entretanto se vencessem até à entrega do imóvel.
11- Por outro lado, este entendimento é sufragado pela nossa Jurisprudência, no seu acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 18/10/2011, que acorda que: “A exequibilidade desse título é extensiva às rendas que se vencerem entre a comunicação efectuada ao arrendatário e a efectiva entrega do locado, uma vez que a sua liquidação depende de simples cálculo aritmético efectuado pelo exequente no requerimento executivo”.
12- Além de que seria de todo desajustado com o sistema de agilização proposto com as alterações à Lei do Arrendamento obrigar a que o senhorio tenha de propor uma acção executiva e uma acção declarativa para cobrar as rendas em atraso.
Termos em que se requer a procedência do presente recurso e a inerente revogação do despacho que indefere parcialmente o pedido executivo, pelo facto de as rendas vencidas após a comunicação ao arrendatário, não constarem dessa comunicação pelo que carecem de título executivo, por outro que reconhece a integração das rendas vencidas desde a comunicação até entrega do arrendado, como parte do título executivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
A questão a decidir é a de saber se o título executivo abrange ou não os montantes devidos após a renda que deveria ter sido paga em Fevereiro de 2011.
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Está definitivamente assente que não se cobrará uma verba de 667,64€ a título de alegado consumo de energia e que se considerará a crédito da executada uma verba de 114,53€, já que a exequente não impugna na apelação esses trechos do despacho de indeferimento liminar e a parte correspondente da decisão.
O contrato de arrendamento em causa rege-se pela disciplina do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei 6/2006, de 27/2.
A notificação avulsa efectuada em 9/3/2011 opera a resolução do contrato de arrendamento, nos termos do art. 1084 n° 1 do Código Civil (CC), o mesmo é dizer que opera o fim do contrato de arrendamento, tendo para tanto sido cumprida a exigência de forma imposta pelo art. 9 n° 7 do NRAU.
Embora na notificação avulsa não se indique à executada a obrigação de entregar o arrendado à exequente, essa decorrência é inerente ao fim do arrendamento, sendo essa uma obrigação da executada, prevista no art. 1038 al. i) do CC.
Concomitantemente e nos termos do art. 1045 nº 1 do CC, a executada é obrigada a pagar à exequente uma indemnização equivalente ao valor da renda que seria ordinariamente devida caso o contrato estivesse em vigor, indemnização essa devida até ao momento da restituição do arrendado.
Porque o dever de pagar renda pressupõe a subsistência do contrato de arrendamento, a indemnização prevista no art. 1045 nº 1 citado não é juridicamente uma renda, mas é comummente denominada renda e no art. 15 nº 2 do NRAU adopta-se esse conceito comum de renda.
A execução foi instaurada para cobrar:
- 11 rendas, vencidas entre Abril de 2010 e Fevereiro de 2011;
- 6 indemnizações, cada uma delas correspondente ao montante de cada renda que se venceria entre Março e Agosto de 2011 no caso de o contrato continuar em vigor;
- um número indeterminado de indemnizações adicionais, cada uma delas correspondente ao montante de cada renda que se venceria entre Setembro de 2011 e o dia da restituição do arrendado à exequente no caso de o contrato continuar em vigor.
A execução não foi instaurada para alcançar a desocupação do arrendado pela executada, antes só servindo para obter a cobrança de montantes pecuniários correspondentes às rendas e indemnizações. A exequente nunca reclama a entrega do arrendado no requerimento executivo.
A execução para alcançar a desocupação do arrendado é execução para entrega de coisa certa.
Por isso mesmo não tem aplicação ao assunto dos autos o disposto no art. 15 nº 1 do NRAU, o qual só se aplica à execução para entrega de coisa certa que se destina à específica entrega do arrendado.
Aplica-se, isso sim, o disposto no nº 2 do art. 15 do NRAU, norma com o seguinte teor: “O contrato de arrendamento é título executivo para a acção [execução] de pagamento de renda quando acompanhada do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida”.
Entende-se que a expressão “renda” é aí empregue com sentido que abrange a indemnização prevista no art. 1045 nº 1 do CC, em virtude de o desiderato legal que faculta a cobrança executiva de verdadeiras rendas ao abrigo da norma do transcrito art. 15 nº 2 ser precisamente idêntico ao desiderato legal que justifica a cobrança de indemnizações que são sucedâneo de verdadeiras rendas.
Com o NRAU quis-se alargar a eficácia executiva conferida a actos promovidos pelos senhorios, precisamente para evitar o recurso a acções declarativas, sendo contrário à evidente intenção legal de desjudicialização dos litígios e cobranças inerentes a assuntos de arrendamento apenas conferir título executivo para cobrança de verdadeiras rendas, obrigando o senhorio a instaurar acção declarativa como passo necessário – possivelmente instrumental de segunda execução – para cobrar aquelas indemnizações, as quais não passam de sucedâneo – legal e económico – de verdadeiras rendas.
Discute-se se a exequente comunicou à executada, na notificação avulsa, o montante das indemnizações que seriam devidas após o fim do contrato de arrendamento, até que o arrendado lhe fosse entregue. Mais concretamente e daquele art. 15 nº 2 do NRAU, discute-se o sentido do trecho “comunicação ao arrendatário do montante em dívida”.
No ponto 10 da notificação avulsa consta: “Deve ainda a requerida à requerente as rendas que se vencerem até efectiva entrega do arrendado livre de pessoas e bens”.
Também aí a expressão “rendas” é empregue no sentido comum que se referiu supra, uma vez que já se viu tratarem-se de indemnizações, conforme acepção prevista no dito art. 1045 nº 1.
No despacho de indeferimento liminar consta o seguinte trecho:
“”””De igual modo no que respeita ao valor das rendas entretanto vencidas, por não constarem da comunicação ao arrendatário, estas carecem de título executivo. Precisamente porque a justificação para a exigência da prévia comunicação ao arrendatário é a de obrigar o exequente a proceder à liquidação prévia das rendas em dívida, de forma a conferir maior grau de certeza quanto à quantia exequenda, tendo em conta a vocação tendencialmente duradoura do contrato e o carácter periódico das rendas. Inexiste, assim, título que suporte a execução para pagamento de qualquer quantia (para além, claro está, dos juros à taxa de 4% e do IVA) que acresça aos 8.250€ relativos às rendas de Abril de 2010 a Fevereiro de 2011”””””.
Não se concorda com a tese desse despacho ao limitar o sentido do assinalado trecho “comunicação ao arrendatário do montante em dívida” ao valor das 11 rendas de Abril de 2010 a Fevereiro de 2011.
Entende-se que basta a mera determinabilidade aritmética das indemnizações devidas entre Março de 2011 e o dia da restituição do arrendado para se entender como cumprida, através do supra transcrito ponto 10 da notificação avulsa, a comunicação do montante em dívida.
Não se desconhece nessa afirmação que subsiste um elemento de indeterminação na liquidação da quantia exequenda, o qual se prende com a indefinição do dia em que a executada entregue, ou seja obrigada a entregar, o arrendado à exequente.
Mas essa indeterminação sobre um multiplicador aritmético vem prevista no art. 805 nº 8 e nº 9 do Código de Processo Civil (CPC): sob a epígrafe “liquidação”, esse art. 805 nº 8 e nº 9 dispõe “8- Se uma parte da obrigação for ilíquida e a outra líquida, pode esta executar-se imediatamente. 9- Requerendo-se a execução imediata da parte líquida, a liquidação da outra parte pode ser feita na pendência da mesma execução, nos mesmos termos em que é possível a liquidação inicial”.
Como se conhece o valor unitário da indemnização, ou seja 750€ mais IVA em cada mês, a liquidação da quantia exequenda reconduz-se sempre a uma operação aritmética – o que afasta a disciplina do nº 4 e do nº 5 do art. 805 do CPC – e a indefinição do dia até que são devidas as indemnizações não obsta à prossecução da execução, nos termos em que foi instaurada, procedendo-se oportunamente, mas dentro da execução, à liquidação que se prende com a definição daquele dia de entrega do arrendado, conforme previsão dos transcritos nºs 8 e 9 do dito art. 805. A presente execução até poderá vir a ser reaberta para esse efeito, conforme previsão do art. 920 nº 1 do CPC.
Resta concluir que a exequente tem título executivo para cobrar todas as indemnizações – correspondentes a montantes das rendas que ordinariamente seriam devidas caso o contrato se mantivesse em vigor – que pretende e não pode ser obrigada a instaurar acção declarativa como passo instrumental para cobrar tais indemnizações, um efeito inelutável do despacho recorrido e um dos precisos efeitos a que o NRAU quis obviar.
A quantia exequenda, na parte que já pode ser liquidada, ascende a 15.567,97€ [(750€ x 1,23) x (11 rendas + 6 indemnizações) - 114,53€] e as indemnizações de Setembro de 2011 e posteriores vencem-se, com IVA a 23%, à razão mensal de 922,50€ [750€ x 1,23].
Procede a apelação, mas na decisão fica ressalvada a parte que se prende com as citadas parcelas de 667,64€ e 114,53€.
Para os efeitos do sumário do art. 713 nº 7 do CPC, deixa-se exarado o seguinte:
1- Cumprida a exigência sobre título executivo prevista no art. 15 nº 2 do Novo Regime do Arrendamento Urbano, podem cobrar-se em execução para pagamento de quantia certa, ao abrigo do art. 805 nº 8 e nº 9 do Código de Processo Civil, não só as rendas em dívida até ao fim do contrato de arrendamento, como as indemnizações que são sucedâneo directo dessas rendas;
2- Essas indemnizações vêm previstas no art. 1045 nº 1 do Código Civil para compensação do senhorio pelo atraso na restituição do arrendado após o fim do arrendamento e podem englobar-se na execução, mesmo no caso em que à data do requerimento executivo ainda não tenha sido restituído o arrendado e tais indemnizações se continuem a vencer.
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Em face do exposto, acordam os Juízes em julgar procedente a apelação e alteram o despacho de indeferimento liminar parcial, pelo que reduzem a quantia exequenda ao montante de 15.567,97€, acrescendo a esse montante os juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de 4% ao ano, contados desde a data de vencimento de cada mensalidade em que se decompõe aquele montante, e acrescendo ao mesmo montante a indemnização, a liquidar na pendência da execução, à razão mensal de 750€ mais Imposto sobre o Valor Acrescentado, correspondente ao número de meses que decorrerem entre Setembro de 2011, inclusive, e o dia em que o arrendado for restituído à exequente.
Não são devidas custas.

Porto, 22/3/2012
Pedro André Maciel Lima da Costa
Filipe Manuel Nunes Caroço
Maria Amália Pereira dos Santos Rocha