Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
459/10.8TTVLG.1.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: SENTENÇA
NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
Nº do Documento: RP20230123459/10.8TTVLG.1.P1
Data do Acordão: 01/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - As causas determinantes da nulidade da sentença enumeradas, taxativamente, no nº1, do art. 615º do CPC, correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente aquela e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, ou seja, são vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário.
II - A nulidade por omissão de pronúncia, enunciada no nº 1, na al. d), do art. 615º, representa a sanção legal para a violação do estatuído no nº 2, do art. 608º, ambos do CPC, apenas se verificando se o julgador deixar de se pronunciar sobre questões pelas partes submetidas ao seu escrutínio (causa de pedir e excepções deduzidas), ou de que deva conhecer oficiosamente.
III - Porque, questões a conhecer são coisa diversa dos argumentos invocados pelas partes.
IV - Da extinção do poder jurisdicional decorre um efeito positivo – traduzido na vinculação do tribunal à decisão que proferiu -, e um efeito negativo – representado pela insusceptibilidade de o Tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar.
V – Assim, não pode o Tribunal, que procedeu em anterior despacho à apreciação e decidiu questão colocada pelas partes, posteriormente, na sentença proceder à reapreciação do anteriormente requerido por aquelas, nomeadamente, admitindo o que antes indeferiu. Dado o mesmo lhe estar vedado pela força de caso julgado do primeiro despacho e pelo esgotamento do poder jurisdicional do próprio Tribunal sobre essa matéria.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 459/10.8TTVLG.1.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo do Trabalho de Valongo - Juiz 1
Recorrente: AA
Recorrida: X..., Companhia de Seguros, S.A.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
Nos presentes autos de acção especial emergente de acidente de trabalho, em que é A./sinistrada, AA, com mandatário judicial constituído, e responsável a Ré, X..., Companhia de Seguros, S.A., veio a primeira deduzir incidente de Revisão Incapacidade/pensão, nos termos do artigo 145º n.º 2 do Código de Processo de Trabalho, requerendo, nos termos do requerimento junto em 23.10.2019, que seja revista a sua incapacidade.
Alega, em síntese, que o seu estado de saúde se tem agravado, consequência direta de um acidente de trabalho de que foi vítima, no dia 23 de novembro de 2009, quando exercia a profissão de fisioterapeuta, concretizado no facto de ter estado num domicílio e ao sentar-se na beira da cama caiu de costas e bateu com a cabeça e costas no chão, o que resultou nas lesões descritas no relatório médico do INML do Porto de fls 37 a 40 dos autos, tendo sido considerada curada sem incapacidade pelo Srº Perito do INML do Porto.
Conclui, nos termos do art. 145º n.º 2 do CPT, com os seguintes Quesitos:
1 – A situação clínica da Requerente agravou-se nos últimos 10 anos ao nível da região parietal?
2 – Manifesta hoje a Requerente desequilíbrios decorrentes de queda verificada em 23 de novembro de 2009, com agravamento generalizado?
3 – Perante os relatórios disponíveis, sofre a Requerente de stress pós-traumático, com manifesto prejuízo do quadro neurológico?
4 – Há ou não agravamento dos estímulos visuo-vestibulares centrais, decorrentes da queda verificada anteriormente?”.
*
Foi solicitado ao Instituto Nacional de Medicina Legal exame médico na pessoa da sinistrada, realizado como consta do relatório, junto aos autos em 14.10.2021, o qual as senhoras peritas médicas, em 13 de setembro de 2021, finalizaram consignando, em síntese, o seguinte:
«(...).
DISCUSSÃO e CONCLUSÃO
Tendo em conta a informação prestada pela examinada, o exame objetivo a documentação facultada e as conclusões das perícias de Psiquiatria e Neurocirurgia solicitadas e acima transcritas, as peritas consideram não existir sequelas decorrentes do evento em análise, não existindo, portanto, lugar a agravamento. ...».
*
Notificadas deste relatório, por não se conformar com o mesmo, a A. veio requerer a realização de exame por junta médica da especialidade de ortopedia e neurologia, formulando os seguintes quesitos:
“- Quais os cuidados médicos, nomeadamente neurológicos e psiquiátricos, que a sinistrada continua a ter de receber na presente data?
- Quais os cuidados médicos, nomeadamente neurológicos e psiquiátricos, que a sinistrada continuará expectavelmente a ter de receber?
- A sinistrada encontra-se em condições físicas e psíquicas para retomar o seu trabalho habitual, sendo as suas funções na área da fisioterapia?
- A sinistrada encontra-se em condições físicas para desenvolver trabalho que inclua tarefas de índole física e lidando com clientes em matéria de fisioterapia?
- Perante os relatórios disponíveis, sofre a requerente de stress pós–traumático, com manifesto prejuízo do quadro neurológico e/ou psiquiátrico?
- Perante os relatórios disponíveis, encontra-se em condições físicas para desenvolver trabalho que inclua tarefas de índole física e lidando com clientes em matéria de fisioterapia?
- Perante os exames médicos apresentados, qual o valor de IPP atribuível, tendo por base os relatórios médicos de psiquiatria e neurologia?”
*
Nas datas para aquelas designadas pelo Mº Juiz “a quo”, procedeu-se, nos termos do artº 139, nº 4 do CPT, à nomeação dos seguintes peritos:
TERMO DE NOMEAÇÃO DE PERITOS
NEUROLOGIA
(...).
Perito do sinistrado: Dr.ª BB, médica de neurologia (indicada pela sinistrada)
Perito da responsável: Dr. CC, médico de neurologia (compareceu a fim de integrar a junta médica em representação da seguradora)
Perito do Tribunal: Dr. DD, médico de neurologia
(...)”.
De seguida, foi realizada a junta médica consignando, no respectivo auto, os senhores peritos médicos o seguinte:
«SITUAÇÃO ACTUAL (Descrição das lesões e respectivas sequelas anatómicas e disfunções)
Os peritos tendo observado a sinistrada respondem da seguinte forma por unanimidade aos quesitos da página 123 verso:
1. Do ponto de vista neurológico não necessita de cuidados que estejam relacionados com o acidente ocorrido em 2009.
2. Do ponto de vista neurológico não necessitará de cuidados que estejam relacionados com o acidente ocorrido em 2009.
3. Do ponto de vista neurológico não apresenta alterações clínicas relacionadas com o acidente.
4. Prejudicado.
5. Responder por Psiquiatria.
6. Prejudicado
7. Não apresenta IPP relacionada com o acidente descrito.
Pela perita da sinistrada foi dito que a examinada apresenta alterações neurológicas sem aparente relação com o acidente em causa.
* * *
TERMO DE NOMEAÇÃO DE PERITOS
ORTOPEDIA
(...).
Perito do sinistrado: Dr. EE, médico de ortopedia (nomeado pelo tribunal à sinistrada por esta não ter apresentado perito)
Perito da responsável: Dr. FF, médico de ortopedia (compareceu a fim de integrar a junta médica em representação da seguradora)
Perito do Tribunal: Dr. GG, médico de ortopedia
(...)”.
De seguida, foi realizada a junta médica consignando, no respectivo auto, os senhores peritos médicos o seguinte:
«SITUAÇÃO ACTUAL (Descrição das lesões e respectivas sequelas anatómicas e disfunções)
As queixas do foro ortopédico apresentadas pela Sinistrada não têm nexo com o acidente descrito nos autos nem do mesmo resultou lesão traumática cervical documentada.
Do ponto de vista ortopédico não há lugar a atribuição de qualquer IPP, não havendo desde modo lugar a necessidade de tratamentos por sequelas resultantes do acidente.
*
Notificada do resultado destas, veio a A., nos termos do requerimento junto em 05.04.2022, “expor e a final requerer o seguinte:
1º. A aqui Autora na data designada para a realização da perícia tinha em sua posse elementos documentais que atestavam a sua condição física e neurológica, designadamente relatórios médicos.
2º. Tais relatórios médicos foram subscritos pela médica que a aqui sinistrada nomeou e que compareceu (apesar não constar o nome dos elementos que compõem o colégio de peritos do relatório pericial, inexplicavelmente!!) Dra. BB. – Junta Doc. n.º 1.
3º. Tal relatório está em absoluta contradição com o relatório da perícia médico-legal, inexistindo qualquer voto de vencido do mesmo, por parte da médica nomeada, nem a informação do mesmo de que foi junta aos autos por esta, dado que a sinistrada entregou à médica nomeada o devido relatório para exibir perante os seus pares.
4º. O relatório emitido não figura como prova cabal e que, a ser exibido, teria forçosamente uma decisão diferente da que foi adotada, quanto mais não seja por um declarado direito de voto de vencido, pelo que urge que todos os peritos nomeados e designados sejam presencialmente ouvidos, para os devidos esclarecimentos do relatório emitido, e da qual se discorda.
5º. Nestes termos, requer que seja notificada a médica nomeada pela sinistrada para depor presencialmente, assim como os demais elementos, sendo que as moradas profissionais dos demais não estão na disponibilidade da aqui Sinistrada.
REQUER
que seja notificada a médica da sinistrada, Dra. BB, com domicilio profissional no HOSPITAL ..., Rua ... ... Porto, para vir prestar depoimento pericial;
Requer que os demais peritos venham prestar declarações.
JUNTA: Um documento.”, o qual tem o seguinte teor:
………………………………
………………………………
………………………………
*
Apresentado, este, o Mº Juiz “a quo” proferiu o seguinte:
«Antes de mais, notifique a parte contrária, com cópia, do requerimento da sinistrada que antecede, para, querendo, se pronunciar no prazo de 10 dias.
D.N.
**
Sem prejuízo do despacho que antecede, da resposta ao quesito 5. do auto de exame de neurologia consta a seguinte resposta “Responder por Psiquiatria”, afigurando-se assim ser ainda pertinente a realização de uma junta médica da especialidade de psiquiatria, (cfr. fls.147).».
*
Após, conforme consta do despacho assinado, em 02.06.2022, o Mº Juiz “a quo” designou data para a realização de junta médica da especialidade de Psiquiatria e, proferiu o seguinte: “(…)
Requerimento da sinistrada de 05/04/2022 (Refª 31888352):
Para além da diligência requerida (notificação da médica da sinistrada, Dra. BB para prestar depoimento pericial e requerimento que os demais peritos venham prestar declarações) não encontrar qualquer fundamento legal, mormente no artigo 145º do CPT que regula o incidente de revisão da incapacidade, salvo o devido respeito a diligência requerida também se afigura sem qualquer fundamento substantivo e sem qualquer interesse processual para os presentes autos, uma vez que a senhora perita apresentada pela sinistrada, Srª Drª BB (devidamente nomeada e identificada no termo de nomeação de peritos que antecede o auto de junta médica) foi inequívoca no seu parecer médico constante do auto de exame por junta médica da especialidade de neurologia realizado em 29-03-2022.
Conforme consta do aludido auto, os senhores peritos que compunham a junta médica, incluindo a senhora perita apresentada pela sinistrada, Srª Drª BB, responderam unanimemente que do ponto de vista neurológico a sinistrada não necessita, nem necessitará, de cuidados que estejam relacionados com o acidente ocorrido em 2009, do ponto de vista neurológico não apresenta alterações clínicas relacionadas com o acidente e que a sinistrada não apresenta IPP relacionada com o acidente descrito.
A unanimidade de tal entendimento e resposta dos senhores peritos que integraram a aludida junta da especialidade de neurologia, entre os quais esteve a senhora perita apresentada pela sinistrada, Srª Drª BB, é a posição e o entendimento médico da referida srª perita que releva e interessa para os presentes autos, e não o por si vertido na “declaração médica de incapacidade” da sinistrada, datada de 12 de Março de 2022, que acompanha o requerimento em referência (divergência cujo esclarecimento extravasa manifestamente o âmbito processual dos presentes autos, por apenas dizer respeito à relação médica-paciente que terá presidido à emissão de tal “declaração médica de incapacidade”).
E conforme revelam inequivocamente os autos, a aludida srª perita respondeu, conjuntamente com os restantes senhores peritos que compuseram tal junta, por unanimidade aos quesitos nos termos inequívocos que já se deixaram expostos e que constam do auto de exame por junta médica da especialidade de neurologia em 29-03-2022:
Do ponto de vista neurológico a sinistrada não necessita, nem necessitará, de cuidados que estejam relacionados com o acidente ocorrido em 2009, do ponto de vista neurológico não apresenta alterações clínicas relacionadas com o acidente e que a sinistrada não apresenta IPP relacionada com o acidente descrito.
*
Pelo exposto, e sem necessidade de ulteriores considerações, indefiro o requerido pela sinistrada no seu requerimento em referência de 05/04/2022 (Refª 31888352).
*
Notifique e D.N..”.
*
Na data designada, para a realização de junta médica da especialidade de Psiquiatria procedeu-se, nos termos do artº 139, nº 4 do CPT, à nomeação dos seguintes peritos:
“TERMO DE NOMEAÇÃO DE PERITOS
(...).
Perita da sinistrada: Dr.ª HH, médica de psiquiatria (apresentada pela sinistrada)
Perito da responsável: Dr. II, médico de psiquiatria (compareceu a fim de integrar a junta médica em representação da responsável)
Perita do Tribunal: Dr.ª JJ, médica de psiquiatria
(...)”.
De seguida, foi realizada a junta médica, de “Medicina do Trabalho”, consignando os senhores peritos médicos no auto de exame, o seguinte:
«SITUAÇÃO ACTUAL (Descrição das lesões e respectivas sequelas anatómicas e disfunções)
Os peritos reunidos em Junta Médica, após observação da sinistrada e após análise documental, respondem por unanimidade aos seguintes quesitos:
Quesito 1 e 2 e 5 – Apesar de não ser possível estabelecer nexo de causalidade com o acidente em apreço, a sinistrada apresenta quadro psicopatológico que justifica acompanhamento e tratamento psiquiátrico regular, não cumprindo critérios clínicos que integrem a perturbação de stress pós-traumático.
Quesito 3, 4 e 6 – Prejudicado.».
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As partes foram notificadas e, em 05.09.2022, o Mº Juiz “a quo” proferiu o despacho final, agora, recorrido, do seguinte modo:
“Como dispõe o artigo 388º do Código Civil “a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devem ser objecto de inspecção judicial”.
No acidente de trabalho, visto estar em causa a perceção das lesões sofridas pelo sinistrado em consequência do acidente e o apuramento do grau de incapacidade que essas lesões e respectivas sequelas lhe acarretam, a lei prevê a realização obrigatória de exames médicos (cfr. artigos 101º, 105º, 117º, 138º, 139º e 145º, todos do Código de Processo do Trabalho).
Ou seja, a lei determina que o tribunal recorra a peritos, dado que a perceção das lesões sofridas pelo sinistrado e a incapacidade delas decorrente pressupõe conhecimentos médicos que o julgador não possui.
Depois de nos autos da acção de acidente de trabalho ter sido decidido em 02-06-2011 não condenar a seguradora X..., Companhia de Seguros, S.A. em qualquer pagamento resultante do acidente sofrido a 23/11/2009 por AA, em virtude de não ter resultado qualquer incapacidade permanente susceptível de gerar uma pensão, em 23 de Outubro de 2019 a sinistrada vem deduzir o presente incidente de revisão com fundamento no facto de alegadamente ter ocorrido agravamento da sua situação clínica, mormente a nível da região parietal e quanto ao seu quadro neurológico.
Conforme já se referiu, no relatório da perícia de avaliação do dano corporal em Direito do Trabalho, emitido em 13 de setembro de 2021, as Srªs. Peritas médicas consideraram que tendo em conta a informação prestada pela examinada, o exame objetivo a documentação facultada e as conclusões das perícias de Psiquiatria e Neurocirurgia solicitadas e acima transcritas, as peritas consideram não existir sequelas decorrentes do evento em análise, não existindo, portanto, lugar a agravamento.
Na mencionada perícia de neurologia, a senhora perita considerou, no seu parecer dessa especialidade, que à data da observação não existe nexo de causalidade entre a queda verificada em 23 de novembro de 2009 e as queixas apresentadas pela doente. O perito de Neurologia considera não existir adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal, encadeamento anatomo-clínico adequado ou relação entre a natureza da lesão e uma etiologia traumática; As queixas apresentadas pela doente devem ser avaliadas em junta de psiquiatria.
Por sua vez, na mencionada perícia de psiquiatria a senhora perita concluiu que da análise cuidada de todos os elementos disponíveis, entrevista, exame do estado mental actual e registos clínicos, não é possível objectivar qualquer quadro psicopatológico de natureza pós-traumática, que cumpra os pressupostos do nexo de causalidade com o evento aqui em apreço, nem se objectiva psicopatologia incapacitante para o desempenho do seu trabalho e que a examinada não apresenta clínica compatível com perturbação de stress póstraumático mas sim de reacção depressiva, provavelmente relacionada com acidente de familiar em circunstâncias traumáticas e sem critérios de nexo de causalidade com o evento em apreço neste processo.
Esta situação clínica é etiopatogenicamente independente de qualquer patologia neurológica que a examinada apresente, nomeadamente, patologia vestibular.
Por sua vez, realizadas as juntas médicas requeridas, também, na junta médica da especialidade de neurologia realizada os senhores peritos médicos, incluindo a senhora perita médica de neurologia indicada pela sinistrada, consideraram por unanimidade que do ponto de vista neurológico a sinistrada não apresenta alterações clínicas relacionadas com o acidente, que a sinistrada não apresenta IPP relacionada com o acidente descrito, que do ponto de vista neurológico a sinistrada não necessita de cuidados que estejam relacionados com o acidente ocorrido em 2009 e que do ponto de vista neurológico a sinistrada não necessitará de cuidados que estejam relacionados com o acidente ocorrido em 2009.
Também na junta médica da especialidade de ortopedia, os senhores peritos médicos consideraram, por unanimidade, que as queixas do foro ortopédico apresentadas pela Sinistrada não têm nexo com o acidente descrito nos autos nem do mesmo resultou lesão traumática cervical documentada e que do ponto de vista ortopédico não há lugar a atribuição de qualquer IPP, não havendo desde modo lugar a necessidade de tratamentos por sequelas resultantes do acidente.
Igualmente, na junta médica da especialidade de psiquiatria, os senhores peritos médicos consideraram, por unanimidade, que apesar de não ser possível estabelecer nexo de causalidade com o acidente em apreço, a sinistrada apresenta quadro psicopatológico que justifica acompanhamento e tratamento psiquiátrico regular, não cumprindo critérios clínicos que integrem a perturbação de stress pós-traumático.
Os autos de exames por juntas médicas de neurologia de 29/03/2022 (Refª 435003636), de ortopedia de 29/03/2022 (Refª 435004575) e de psiquiatria de 12/07/2022 (Refª 438633817) encontram-se fundamentados e alicerçados na Tabela Nacional de Incapacidades.
Ora, no caso dos autos, inexistindo fundamento legal que permita um entendimento diverso do emitido, por unanimidade, pelos senhores peritos médicos nos autos de exames médicos por juntas médicas das especialidades de neurologia, de ortopedia e de psiquiatria realizados e não se afigurando necessária a realização de outras diligências, importa considerar que não ocorreu qualquer agravamento da situação clínica da sinistrada.
Assim, tendo em conta as informações clínicas constantes dos autos sobre a natureza das lesões, a gravidade destas, o estado geral, a idade e a profissão da sinistrada, sendo certo que inexiste fundamento que permita um entendimento diverso do expendido, por unanimidade, pelos Srs Peritos médicos nos exames por juntas médicas de neurologia de 29/03/2022 (Refª 435003636), de ortopedia de 29/03/2022 (Refª 435004575) e de psiquiatria de 12/07/2022 (Refª 438633817), nos termos do disposto no artigo 145º, nº6 do Código do Processo do Trabalho, considero que a sinistrada em consequência do acidente de trabalho a que se reportam os presentes autos, não sofreu qualquer agravamento da sua situação clínica que apresentava, não tendo resultado qualquer IPP do acidente e não tendo consequentemente a sinistrada direito a qualquer pensão.
(...).” que, terminou com a seguinte DECISÃO:
Pelo exposto, aplicando os citados normativos à matéria de facto apurada, nos termos do disposto no art.145º, nº6, do C.P.T. julgo o pedido de revisão totalmente improcedente e em consequência decido que a sinistrada AA não sofreu qualquer agravamento da sua situação resultante do acidente destes autos, não lhe sendo de atribuir IPP resultante de tal acidente.
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Custas do incidente a cargo da sinistrada, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a sinistrada.
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Atenta a decisão que antecede, fixo o valor à presente causa em €2.000 (cfr. artigo 12º, nº1, al.e) do RCP).
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Registe e Notifique.”.
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Inconformada a A. veio apresentar recurso, em 21.09.2022, nos termos das alegações juntas que, finalizou com as seguintes “CONCLUSÕES:
I. Na Sentença proferida o Tribunal o quo considerou provados factos constantes do relatório médico de junta médica de Neurologia da qual a Recorrente foi submetida.
II. O Tribunal a quo ao proferiu uma sentença, também, onde consta os elementos documentais que basearam a sua decisão, designadamente esses mesmos relatórios médicos.
III. Acontece que o Tribunal a quo não relevou o importante documento, que constituiu o relatório médico da perita designada para o colégio de peritos da respetiva Junta Médica.
IV. Relatório este que, clara e de forma objetiva, taxativamente refere que à Recorrente deverá ser atribuída uma incapacidade por um Grau IV, por perturbação funcional importante, com acentuada modificação dos padrões de atividade – considero uma incapacidade de 50% - (0,26-0,60) já que não consegue praticar nenhuma das suas atividades anteriores ao acidente. Do ponto de vista neurológico considero que apresenta um síndrome cerebeloso bilateral – pela alínea 2.7, com ataxia dos movimentos, mas com marcha possível, e que lhe causa uma incapacidade de 50% - (0,41-0,60), e um síndrome cervical associado a um síndrome post-traumático encefálico – pela alínea 3.2 que lhe causa incapacidade de 20% - (0,16-0,32).
V. A não valoração deste elemento de prova crucial pelo Tribunal a quo determina um vicio próprio da Sentença, invalidando esta por clara omissão de pronúncia na modalidade de não apreciação de prova produzida.
VI. Em abono da verdade, a Recorrente requereu, para além desta apreciação da prova documental, a inquirição dos peritos do Colégio de peritos, que compuseram a Junta Médica de Neurologia, sem que o Tribunal a quo entendesse relevante a sua inquirição, o que não se concede.
VII. A apreciação critica que os depoimentos dos peritos poderiam promover, sustentaria a Sentença proferida, assim como permitiriam uma melhor fundamentação da decisão tomada.
VIII. O Tribunal a quo ao negar os depoimentos dos vários peritos para apreciação do relatório médico da Recorrente, promoveu pela não realização de diligências instrutórias necessárias e fundamentais para uma melhor apreciação do caso sub judice.
IX. A Sentença do Tribunal a quo não aprecia, ainda que de modo perfunctório, o relatório médico que atribui incapacidade à aqui Recorrente, ocorrendo a Sentença em omissão de pronúncia.
X. Enferma, pois, a Sentença recorrida de nulidade estabelecida na primeira parte da al. b) do nº 1 do artigo 668º do C.P.C. aplicável ex vi do artigo 1º n.º 2, alínea b) do CPT.
XI. Assim, perante a Sentença do Tribunal a quo, chega-se à conclusão que estamos perante um erro de julgamento por défice instrutório e em erro de julgamento de direito, o que determina um nulidade processual por omissão de pronúncia, o que desde já se requer.
Termos em que deve a Sentença em crise objeto de recurso ser absolutamente revogada por omissão de pronúncia e por erro de julgamento, após reapreciação de toda a prova produzida, substituindo-a por outra que determine a atribuição à Recorrente de uma incapacidade de Grau IV, por perturbação funcional importante, com acentuada modificação dos padrões de atividade – considero uma incapacidade de 50% - (0,26-0,60) já que não consegue praticar nenhuma das suas atividades anteriores ao acidente. Do ponto de vista neurológico considero que apresenta um síndrome cerebeloso bilateral – pela alínea 2.7, com ataxia dos movimentos, mas com marcha possível, e que lhe causa uma incapacidade de 50% - (0,41-0,60), e um síndrome cervical associado a um síndrome post-traumático encefálico – pela alínea 3.2 que lhe causa incapacidade de 20% - (0,16-0,32), conforme determinado por relatório médico, proferido pela Neurologista perita, nomeada.
Fazendo-se, assim, Sã, Serena e a Acostumada, JUSTIÇA!!!”.
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A seguradora respondeu, apresentando contra-alegações onde, refere e termina, dizendo: “Em conclusão,
Não há sequelas do acidente em apreço nos autos e não há lugar a qualquer agravamento.
A Sinistrada não apresenta qualquer IPP relacionada com o acidente em apreço nos autos.
Em consequência do acidente de trabalho dos autos a sinistrada não sofreu qualquer agravamento da situação clínica não tendo resultado qualquer IPP do acidente, conclusão essa a que chegaram os Senhores Peritos Médicos, por unanimidade, nos exames por juntas médicas de neurologia, ortopedia e psiquiatria.
A decisão em crise nos autos está devidamente fundamentada, sendo que o Tribunal a quo fez uma apreciação crítica dos diversos meios de prova e da referida decisão constam os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
Em face dos elementos probatórios de que dispôs o Tribunal recorrido outra decisão não se impunha.
Em consequência do supra exposto a pretensão da Autora/Recorrente, com o devido respeito por opinião contrária, tem que improceder.
TERMOS EM QUE DEVERÁ O PRESENTE RECUSO SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE, CONFIRMANDO-SE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA.”.
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O Mº Juiz “a quo”, nos termos que constam do despacho de 09.12.2022, pronunciou-se quanto à arguida nulidade da sentença, refutando a sua verificação, admitiu a apelação, com efeito meramente devolutivo e ordenou a subida dos autos a esta Relação.
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O Ex.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos termos do art. 87º nº3, do CPT, concluindo que deve negar-se provimento ao recurso, no essencial, por considerar que, a sentença recorrida, “não padece de qualquer nulidade como judiciosamente o sustentou o Mmo. Juiz “a quo”, no douto despacho que recebeu o recurso.
Deverá ser confirmada, atento o rigor dos fundamentos que nele foram consignados, de facto e de direito, com o devido suporte legal, que determinou a improcedência do pedido de revisão e a cuja tese aderimos.”.
Notificadas as partes, nada responderam.
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Dado cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, 1ª parte, do CPC, há que apreciar e decidir.
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É sabido que, salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito a este Tribunal “ad quem” conhecer de matérias nelas não incluídas (cfr. art.s 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 608º nº 2, do CPC, aplicável “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT).
Assim, a questão suscitada e a apreciar consiste em saber se a decisão recorrida enferma de nulidade, “por omissão de pronúncia, erro de julgamento por défice instrutório e erro de julgamento de direito”, devendo ser revogada e substituída, por outra que atribua à sinistrada a incapacidade reclamada.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
Os factos a considerar são os que decorrem do relatório que antecede e que se encontram documentados nos autos.
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Apreciando.
- Nulidade da Sentença
Assenta a recorrente o seu pedido de revogação do decidido, na consideração de enfermar a sentença recorrida de nulidade, por omissão de pronúncia, na modalidade de não apreciação de prova produzida, (veja-se conclusão V), continuando, adiante (conclusão XI) que, “estamos perante um erro de julgamento por défice instrutório e em erro de julgamento de direito, o que determina um nulidade processual por omissão de pronúncia…”, requerendo que seja declarada.
Em sede de fundamentação, em síntese, alega que, “O Tribunal a quo decidiu que não haveria necessidade de produção de prova, para além da já constante dos autos designadamente a prova documental, dado ter tido o entendimento que a prova documental constante destes autos seria bastante para prolação de despacho saneador sentença, o que veio a acontecer.
Ora, a Recorrente discorda em absoluto da apreciação efetuada, o que, salvo melhor opinião, constitui uma nulidade processual por absoluto défice de instrução e produção de prova que poderia culminar com uma decisão absolutamente diferente.
Em abono da verdade, a produção de prova pericial, com a promoção dos respetivos depoimentos, permitiria apurar, para além de outros, alguma alteração ao relatório apresentada e, em última linha, uma confrontação critica da perita designada pela Recorrente que em 12 de Março de 2021 atesta a incapacidade da Recorrente em relatório médico assinado por esta e junto aos autos e, 17 dias depois, muda radicalmente de opinião afirmando que afinal inexiste incapacidade, e portanto não há nexo de causalidade entre o sinistro da Recorrente e todas as decorrências que esta padece desde então.
O tribunal a quo considerou, no douto despacho saneador, que como não existia matéria controvertida, que relevasse para a decisão final, não considerava necessária a inquirição dos peritos.
O que não se concede, absolutamente!
(…)”.
Terminando que, “deveria o Tribunal a quo ter promovido, para efeitos de segurança jurídica da decisão tomada, pela inquirição dos peritos e apreciado o relatório médico da perita da Recorrente que, em apenas 17 dias, alterou radicalmente o diagnóstico da aqui Recorrente, o que desde já se requer.
(…)”.
Que seja desse modo, discordam a recorrida, o Ex.mo Procurador e o Mº Juiz “a quo” que no despacho onde admitiu o recurso, sob a afirmação de que o Tribunal “a quo” tratou a única questão submetida à sua apreciação (“que foi saber se a sinistrada sofreu qualquer agravamento da sua situação clínica que apresentava em consequência do acidente de trabalho a que se reportam os presentes autos,”), refutou a verificação da nulidade da alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, ou seja, de qualquer omissão de pronúncia.
Que dizer?
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão (vício extensível aos despachos nos termos do nº 3 do art.º 613º do CPC - diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir mencionados, sem outra indicação de origem) são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do art. 615º.
Nele se dispõe que, é nula a sentença quando: “a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.”.
Em anotação ao art. 668º do CPC de 1961, que corresponde ao actual art. 615º, refere (Abílio Neto, in “Código de Processo Civil Anotado”, 23ª ed., pág. 948), que “os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada.”.
Como ensinam, (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª ed. Revista e Actualizada, 1985, pág. 686), as causas de nulidade constantes do elenco do nº1, do art. 615º, não incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário”.
Ora, no caso, analisando os argumentos constantes quer das alegações quer das conclusões da recorrente, em concreto, quando a mesma alega que, “… discorda em absoluto da apreciação efetuada, o que, salvo melhor opinião, constitui uma nulidade processual por absoluto défice de instrução e produção de prova que poderia culminar com uma decisão absolutamente diferente” ...”, só podemos, desde já, dizer que não lhe assiste razão.
Pois, ao contrário do que considera, o que invoca a verificar-se constituiria, eventualmente, erro de julgamento, mas, jamais o vício de omissão de pronúncia, susceptível de configurar nulidade da sentença, nos termos que defende.
Efectivamente, analisando a sentença recorrida não se descortina o cometimento de qualquer vício, susceptível de configurar qualquer nulidade da mesma, em especial, a que alude a al. d) do nº 1, do art. 615º que a recorrente invoca.
Sem dúvida, atento o que supra deixámos exposto, sobre os vícios que são causa de nulidade da sentença, analisada esta, só podemos concordar que a mesma não enferma de qualquer nulidade, em particular, pela razão invocada pela recorrente, já que não configura o que refere qualquer questão que devesse ser apreciada e não o tenha sido.
O Mº Juiz apreciou a questão que lhe foi colocada no presente incidente (conforme previsto no art. 145º do CPT), do alegado agravamento do estado de saúde da recorrente.
E, como é sabido, para que possa afirmar-se que ocorre a nulidade da sentença, com fundamento na omissão de pronúncia, o mesmo só acontece, quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão (e cuja resolução não foi prejudicada pela solução dada a outras).
O que, manifestamente, não podemos concordar seja o caso.
Nem a recorrente o diz. Bem pelo contrário.
Alega sim que, “é precisamente da decisão que não atribuiu qualquer incapacidade à aqui Recorrente, decorrente de acidente de trabalho, que se discorda em absoluto” e, mais adiante, continua a sua alegação, dizendo que, “Em bom rigor, o Tribunal a quo ignorou a prova carreada para o processo, e as informações constantes dessa prova (contradizendo-se, portanto, no que à matéria de facto provada diz respeito) no que a um juízo que facilmente se conseguiria alcançar pela experiência, mas também através dos depoimentos dos peritos que presentearam a junta médica, de modo a esclarecer todos os intervenientes das posições assumidas no seu parco e não fundamentado relatório.
Entendendo, ao invés, firmar e não reconhecer à Recorrente qualquer incapacidade.
Afigura-se bastante crível que esclarecimentos em sede de Audiência e apreciação do relatório, assim como a apreciação desse relatório médico, poderiam culminar com uma apreciação diversa da vertida no relatório médico, e que, num juízo de prognose, pudesse atribuir à Recorrente a incapacidade de que esta realmente padece.
Mas o Tribunal a quo assim não o entendeu, recusando a produção desta prova, o que, salvo melhor opinião, traduz-se numa omissão de pronúncia.”.
Alegação que só podemos concordar, não consubstancia qualquer causa de nulidade da sentença recorrida. Dela decorre que, quanto à concreta questão colocada no incidente, em análise, saber se a A. sofreu qualquer agravamento da sua situação clínica que apresentava em consequência do acidente de trabalho a que se reportam os autos principais, o Mº Juiz “a quo” não só conheceu da mesma, como a tratou afincadamente, exaustivamente, explicando a razão, porque se convenceu e decidiu, nos termos que da mesma fez constar.
Subscrevendo-se, na íntegra, como o mesmo disse, no despacho em que recebeu o recurso que, “Importa desde já realçar que o eventual erro de julgamento não pode nem deve confundir-se com a existência de uma qualquer nulidade da sentença, …”.
Não ocorrendo, assim, omissão de pronúncia, quanto a esta questão, já que, questão não se confunde com os argumentos invocados pelas partes.
Ora, sendo deste modo, só podemos concluir, atentos os argumentos invocados pela recorrente para sustentar a arguida nulidade, que é notório que tal não se verifica, denotando que existe por parte da mesma nítida confusão quanto ao alegado vício que lhe imputa defendendo, por isso, que deve ser declarada nula e, eventual, existência de erro de julgamento de que, a mesma possa padecer que, não é gerador de nulidade, nos termos expressamente previstos nas diversas alíneas do nº 1, do referido art. 615º, em concreto, na al. d), porque como bem se diz no, (Ac. do STJ, de 10.12.2020, Proc. 12131/18.6T8LSB.L1.S1), “I – A nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes.”.
Ou seja, como é entendido unanimemente pela jurisprudência, a nulidade por omissão de pronúncia, só se verifica se o julgador deixar de se pronunciar sobre questões (intrinsecamente consubstanciadoras do objecto do processo – causa de pedir e excepções deduzidas -) sobre as quais devesse pronunciar-se e não sobre os argumentos aduzidos pelas partes. Sendo que, no caso, como bem o diz, o Mº Juiz “a quo” “foi tratada a única questão submetida á apreciação do Tribunal,”.
Donde só podemos concluir que, na sentença recorrida, não se verifica que tenha sido cometida qualquer irregularidade ou vício, nomeadamente, de modo a violar o disposto no art. 615º nº 1, al. d) que a recorrente invoca.
Improcede, assim, este aspecto da apelação.
E improcede, também, na vertente em que a recorrente defende, reiterando argumentos já, por si, invocados, ou seja, que a nulidade que invoca decorre, da não apreciação pelo tribunal do “relatório médico que atribui incapacidade à aqui Recorrente” e da negação dos depoimentos dos vários peritos para apreciação do relatório médico da Recorrente, ou seja, como alega e conclui porque, “o Tribunal a quo não relevou o importante documento, que constituiu o relatório médico da perita designada para o colégio de peritos da respetiva Junta Médica…” e considera, concluindo que, “V. A não valoração deste elemento de prova crucial pelo Tribunal a quo determina um vicio próprio da Sentença, invalidando esta por clara omissão de pronúncia na modalidade de não apreciação de prova produzida. VI. Em abono da verdade, a Recorrente requereu, para além desta apreciação da prova documental, a inquirição dos peritos do Colégio de peritos, que compuseram a Junta Médica de Neurologia, sem que o Tribunal a quo entendesse relevante a sua inquirição, o que não se concede. VII. A apreciação critica que os depoimentos dos peritos poderiam promover, sustentaria a Sentença proferida, assim como permitiriam uma melhor fundamentação da decisão tomada. VIII. O Tribunal a quo ao negar os depoimentos dos vários peritos para apreciação do relatório médico da Recorrente, promoveu pela não realização de diligências instrutórias necessárias e fundamentais para uma melhor apreciação do caso sub judice. IX. A Sentença do Tribunal a quo não aprecia, ainda que de modo perfunctório, o relatório médico que atribui incapacidade à aqui Recorrente, ocorrendo a Sentença em omissão de pronúncia.”.
Porque, quanto a esta argumentação, parece a recorrente esquecer o requerimento por si apresentado, em 05.04.2022, e o despacho proferido, em 02.06.2022, (Refª 437343652), supra transcritos, nos quais, peticionou e foram apreciados os argumentos que, agora, trás à colação para fundamentar a invocada omissão de pronúncia, ou seja, a não apreciação pelo tribunal do “relatório médico que atribui incapacidade à aqui Recorrente” e a negação dos depoimentos dos vários peritos para apreciação do relatório médico da Recorrente.
Porém, porque melhor não o diríamos e com a devida vénia, como bem o disse o Mº Juiz “a quo”, no despacho que admitiu o recurso, «…tais invocadas omissões e indeferimentos constam do aludido despacho proferido em 02/06/2022 (Refª 437343652) do qual, tendo sido notificado à sinistrada em 07/06/2022, a sinistrada não interpôs recurso de tal despacho, como poderia e deveria ter feito, nos termos do disposto no artigo 79º-A, nº2, al.d), in fine, do CPT, tendo, por isso, transitado em julgado o aludido despacho de 02/06/2022 (Refª 437343652), que indeferiu o requerimento da sinistrada de 05/04/2022 (Refª 31888352) em que a mesma requeria que fosse notificada a médica da sinistrada, Dra. BB, com domicilio profissional no HOSPITAL ..., Rua ... ... Porto, para vir prestar depoimento pericial, mais requeria que os demais peritos venham prestar declarações e requereu ainda a junção do aludido “relatório médico que atribui incapacidade à aqui Recorrente”, (rectius, “declaração médica de incapacidade de AA” da autoria da Drª BB).
Ora, assim sendo, tendo transitado em julgado o aludido despacho, de nenhuma omissão de pronúncia poderá enfermar a sentença recorrida.
Com efeito, e como é sabido, nos termos do n.º 1 do art.º 613º do CPC, “proferida a sentença, fica esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto ao mérito da causa”.
Como bem se refere no Ac. RG de 20/03/2018 “Da extinção do poder jurisdicional decorre um efeito positivo – traduzido na vinculação do tribunal à decisão que proferiu -, e um negativo – representado pela insusceptibilidade de o tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar”, (www.dgsi.jtrg.pt-Proc. nº 911/17.4T8VNF-B.G1).
E assim sendo, necessariamente que na sentença teve de ser observado o anteriormente decidido no aludido despacho de 02/06/2022 (Refª 437343652), mormente o aí decidido indeferimento do requerimento da sinistrada de 05/04/2022 (Refª 31888352) em que a mesma requeria que fosse notificada a médica da sinistrada, Dra. BB, com domicilio profissional no HOSPITAL ..., Rua ... ... Porto, para vir prestar depoimento pericial, mais requeria que os demais peritos venham prestar declarações e requereu ainda a junção do aludido “relatório médico que atribui incapacidade à aqui Recorrente”, (rectius, “declaração médica de incapacidade de AA” da autoria da Drª BB).
Ou seja, não podendo na sentença haver a reapreciação do requerido pela sinistrada em 05/04/2022 (Refª 31888352), não podendo o tribunal depois de ter indeferido o aí requerido pela sinistrada, vir a admitir o depoimento da médica da sinistrada, Dra. BB, as declarações dos demais peritos nem a junção do aludido “relatório médico que atribui incapacidade à aqui Recorrente”, (rectius, “declaração médica de incapacidade de AA” da autoria da Drª BB), por tal lhe estar vedado pela força de caso julgado do aludido despacho de 02/06/2022 (Refª 437343652) e pelo esgotamento do poder juriscional do presente tribunal sobre essa matéria, necessariamente que não poderá ser apontado à sentença qualquer omissão de pronúncia a esse propósito.
Assim, também por esse motivo, não padece a sentença recorrida da invocada nulidade.».
*
Como dissemos, subscrevemos o entendimento expresso no despacho acabado de transcrever, bem como a sua fundamentação que se nos afigura correcta.
Sendo que, dizer algo mais, por palavras próprias, outra coisa não seria do que a repetição do ali exposto.
Donde só podemos afirmar e concluir que, quanto aos argumentos a que a recorrente alude, nomeadamente, nas conclusões V e VII, a decisão recorrida não padece de qualquer omissão, por quanto a eles não se ter pronunciado. Pois, como se diz naquele, o mesmo já tinha sido feito (despacho de 02.06.2020), obviamente, não o podendo voltar a fazer o Mº Juiz “a quo”, face ao disposto no nº 1 do art.º 613º do CPC, “proferida a sentença, fica esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto ao mérito da causa”, que enuncia o princípio da extinção do poder jurisdicional e a necessidade de assegurar a estabilidade das suas decisões.
Como já o dizia o Prof. (Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, 1984, volume V, pág. 127 - em anotação ao art. 666º do CPC de 1939 -), a justificação daquele princípio, “justifica-se cabalmente, por uma razão de ordem doutrinal e por outra de ordem pragmática.
Razão doutrinal: o juiz, quando decide, cumpre um dever – o dever jurisdicional – que é a contrapartida do direito de acção e defesa. (…) o julgamento exonera o juiz; a obrigação que este tinha de resolver a questão proposta, extinguiu-se pela decisão. E como o poder jurisdicional só existe como instrumento destinado a habilitar o juiz a cumprir o dever que sobre ele impende, segue-se logicamente que, uma vez extinto o dever pelo respectivo cumprimento, o poder extingue-se e esgota-se.
A razão pragmática consiste na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional. Que o tribunal superior possa, por via de recurso, alterar ou revogar a sentença ou despacho, é perfeitamente compreensível; que seja lícito ao próprio juiz reconsiderar e dar o dito por não dito, é de todo em todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão.
(…)”.
Assim, no caso, não ocorre qualquer nulidade da sentença recorrida.
O Mº Juiz “a quo”, não podia depois de ter indeferido, nos termos do despacho de 02.06.2022, o requerido pela A., no requerimento apresentado em 05.04.2022 (Refª 31888352) vir, na decisão recorrida, admitir o depoimento da médica da sinistrada, Dra. BB, as declarações dos demais peritos nem a junção do referido “relatório médico que atribui incapacidade à aqui Recorrente”, ou seja, a “declaração médica de incapacidade de AA” da autoria daquela Drª BB.
E, de igual, modo, não pode este Tribunal “ad quem”, nesta sede, tecer quaisquer considerações sobre aquela decisão de 02.06.2022 que não foi objecto de recurso.
Em suma, não ocorre qualquer nulidade da sentença, nem por se verificar qualquer nulidade processual, susceptível de ser apreciada, nesta sede, dado que os argumentos que, alegadamente, a sustentam, foram apreciados em douto despacho, já transitado em julgado.
Assim, há que declarar totalmente improcedente a apelação, uma vez que não só não ocorre a nulidade da decisão recorrida como, percorrendo as conclusões de recurso não se encontra qualquer outro argumento jurídico invocado pela recorrente para pôr em causa a correcção da fundamentação daquela, nomeadamente, no que respeita à fundamentação de facto, verificando-se, como bem o referiu o Mº Juiz “a quo” que o parecer dos Senhores Peritos Médicos foi unânime no âmbito das juntas médicas de neurologia, ortopedia e psiquiatria, encontrando-se aqueles laudos periciais alicerçados e fundamentados na Tabela Nacional de Incapacidades, nos registos clínicos juntos aos autos e na história clínica da sinistrada, em todos se concluindo que a sinistrada não apresenta IPP relacionada com o acidente a que os autos se referem. Aliás, como desde logo havia sido referido no relatório da perícia de avaliação do dano realizado pelas Senhoras Peritas Médicas do INML. Acrescendo que, na junta médica da especialidade de neurologia, a Senhora Perita Médica indicada pela sinistrada, Dra. BB, nomeada nos autos como perita, a mesma foi clara no parecer que emitiu, dizendo que a sinistrada apresenta alterações neurológicas sem aparente relação com o acidente em causa.
Logo, como bem diz a recorrida, concordamos, não pode “a prova pericial produzida nos autos, por unanimidade dos três peritos, ser abalada por um alegado parecer exarado extrajudicialmente e sem qualquer contraditório. E seguramente não configura qualquer nulidade ou erro de julgamento a não consideração de um documento particular/parecer.”. E, desse modo, não merece qualquer censura o facto do Tribunal “a quo” ter considerado como provados os factos resultantes do relatório da Junta Médica de Neurologia a que a sinistrada foi submetida. Pois, ao contrário do que refere a recorrente não existem nos autos quaisquer elementos de prova que sustentem que a mesma viu a sua incapacidade agravada, como veio invocar e peticionar.
Razão porque, entendemos, a sua pretensão não merece acolhimento e nenhuma censura merece a decisão recorrida, a qual, se mostra devida e suficientemente fundamentada, para formular a conclusão a que chegou, já que dispunha de todos os elementos de facto para decidir como decidiu.
Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação.
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III – DECISÃO
Face ao exposto, acordam os Juízes desta secção em julgar o recurso improcedente e manter a decisão recorrida.
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Custas pela apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.
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Porto, 23 de Janeiro de 2023
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão