Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4163/19.3T8MTS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: NOTA DE CULPA
DESCRIÇÃO CIRCUNSTANCIADA DOS FACTOS IMPUTADOS
FALTA DE OBSERVÂNCIA
DESPEDIMENTO ILÍCITO
Nº do Documento: RP202110184163/19.3T8MTS-A.P1
Data do Acordão: 10/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE. CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Não cumpre a exigência legal de conter a descrição circunstanciada dos factos imputados à autora a nota de culpa que se limita a conter imputações conclusivas e genéricas, não se encontrando a mínima narrativa com o propósito de concretizar em termos descritivos as eventuais condutas praticadas que se subsumam àquelas afirmações, quando ocorreram, onde e em que circunstâncias.
II - Para que se possa dizer que a arguida compreendeu perfeitamente os factos que lhe eram imputados tendo-se, assim, por sanadas, eventuais, deficiências da nota de culpa, era necessário que da defesa daquela resultassem perceptíveis quais os, eventuais, factos concretos que teria percebido serem-lhe imputados e relativamente aos quais se estaria a defender.
III – Tal não se verifica quando a A./trabalhadora se limita a impugnar de modo “igualmente” genérico “as acusações genéricas” que lhe são imputadas.
IV - A exigência legal da “descrição circunstanciada dos factos” que são imputados à A./trabalhadora visa permitir-lhe o conhecimento em concreto desses factos, de modo a que, possa a mesma defender-se adequadamente, ou seja, de modo a que possa exercer na sua plenitude o direito do contraditório.
V - Por isso, a falta de observância dessa imposição legal pela empregadora, acarreta para a mesma consequências severas, em concreto, ver o despedimento ser declarado ilícito, o que pode acontecer logo em sede de saneador, sendo a ilicitude fundada na invalidade do processo disciplinar, cfr. art. 382º, nºs 1 e 2, al.a), do CT.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 4163/19.3T8MTS-A.P1

Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 2
Recorrente: Rádio C…, S.A.
Recorrido: B….

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO
O presente recurso em separado vem interposto de decisão proferida, em 09.04.2021, nos autos principais, acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, Proc. nº 4163/19.3T8MTS.P1 intentado pela A., B…, mediante o formulário a que aludem os art.s 98º-C e 98º-D, do Código de Processo do Trabalho, contra C…, S.A., requerendo que seja declarada a ilicitude ou irregularidade do despedimento, com as legais consequências.
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Realizou-se uma audiência prévia, nos termos que constam da acta lavrada em 27.01.2021, no âmbito da qual, frustrada a tentada conciliação das partes, foram elas notificadas para “se pronunciarem sobre a questão, do ponto de vista do tribunal, já invocada pela autora na contestação, nomeadamente nos art.s 44º, 53º, 54º, 69º e 70º, e que se traduz na falta de descrição circunstanciada dos factos imputados à autora no nota de culpa e na decisão disciplinar, questão que é susceptível de, na sua procedência, conduzir à ilicitude do despedimento por invalidade do procedimento disciplinar ao abrigo do artº 382º, nº 1 e 2, als. a) e d) do C.T.”.
Ambas as partes vieram pronunciar-se, nos termos dos requerimentos juntos aos autos, em 11.02.2021, terminando, respectivamente:
- A Autora, que “deve ser declarado nulo o procedimento disciplinar instaurado pela Ré contra a A. seja por nulidade processual decorrente do indeferimento dos meios probatórios indicados e requeridos pela A., motivação daquele não constam quaisquer factos concreta e especificamente circunstanciados mas tão só factos genéricos, vagos e imprecisos nem circunstanciados no tempo modo e lugar, tratando-se de meras generalidades e conclusões, do que decorre a nulidade de todo o procedimento disciplinar.
Em consequência deve o despedimento ser declarado ilícito e a A. indemnizada pelo valor máximo legalmente aplicável e admissível, atenta a gravidade da ilicitude e os danos morais, psicológicos e físicos causados à A. atenta a opção pela indemnização em substituição da integração.
Mais Requer a condenação da Ré no valor das quantias ainda devidas por força do despedimento.”.
- A Ré que, “devem os autos prosseguir para julgamento, não havendo qualquer causa de invalidade do procedimento disciplinar, concluindo-se como no articulado motivador do despedimento.”.
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Após, foi proferido o despacho recorrido, em sede de despacho saneador que, julgou verificados os necessários pressupostos processuais, conheceu da questão da ilicitude do despedimento e terminou a parte decisória, do seguinte modo: “Por todo o exposto, sem prejuízo do prosseguimento dos autos quanto aos pedidos supra referidos julgo, desde já, a acção procedente e a reconvenção parcialmente procedente e em consequência decido:
- declarar a ilicitude do despedimento da autora;
- condenar a ré a pagar à autora a indemnização de antiguidade que nesta data e sem prejuízo da antiguidade que se vencer até ao trânsito em julgado da sentença se liquida em €18 000,00 (dezoito mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal desde o trânsito em julgado da sentença até integral pagamento;
- condenar a ré a pagar à autora a compensação a liquidar (arts. 609º, nº 2 e 358º do C.P.C.), correspondente às retribuições deixadas de auferir, desde 13/08/2019 até ao trânsito em julgado da sentença, à qual deverão ser deduzidos os montantes que a autora tenha auferido a título de subsídio de desemprego, a entregar pela ré à Segurança Social, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a liquidação até ao efectivo e integral pagamento.
- condenar a ré a pagar à autora a quantia de €280,00 (duzentos e oitenta euros) a título de remuneração e subsídio de alimentação referentes ao período de 1 a 12 de Agosto de 2019, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a cessação do contrato até integral pagamento;
- condenar a ré a pagar à autora a quantia de €600,00 (seiscentos euros) relativa à remuneração das férias vencidas em 01/01/2019 e não gozadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a cessação do contrato até integral pagamento;
- condenar a ré a pagar à autora a quantia de €736,44 (setecentos e trinta e seis euros e quarenta e quatro cêntimos) a título de retribuição e subsídio de férias proporcionais à duração do contrato no ano da cessação, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a cessação do contrato até integral pagamento.
- absolver a ré na parte restante do pedido referente ao subsídio de alimentação de Agosto de 2019.
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Custas a fixar a final.”.
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Inconformada a Ré interpôs recurso, nos termos das alegações juntas, em 30.04.2021, que terminou “EM CONCLUSÃO:
………………….
………………….
………………….
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A A. respondeu, apresentando contra-alegações que, por extemporâneas, não foram admitidas.
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No despacho proferido, em 23.06.2021, a Mª Juíza “a quo” admitiu a apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo e ordenou a instrução do recurso, tendo, em 02.09.2021, determinado a remessa dos autos a esta Relação.
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Neste Tribunal o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e confirmada a douta sentença recorrida, no essencial, por concordar com o teor da sentença que diz, “analisada a nota de culpa é evidente que todas as imputações feitas à autora nos pontos 9 a 24 são manifestamente conclusivos e genéricos, porquanto ou não passam de meros juízos conclusivos ou não estão devidamente circunstanciados.”
Esta falta acarreta a invalidade do procedimento disciplinar, e, em consequência, a ilicitude do despedimento.”
Notificado este às partes, ambas, vieram responder.
- A A., nos termos que refere, em síntese, que, “adere na íntegra à posição assumida pelo Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público no parecer por si emitido”, que no caso, “verifica-se que a nota de culpa da Ré, bem como a decisão final do processo disciplinar não satisfazem, nem tão pouco parcialmente, aqueles requisitos legais da sua validade”. “A nota de culpa apresentada pela Ré é insuficiente, pois o alegado é completamente vago, genérico, meramente especulativo”, razão porque considera, “a nota de culpa e a decisão do processo disciplinar não foram elaboradas de acordo com o disposto nos artigos 353.º n.º1 e 357.º n.º 5 do Código de Trabalho, facto que nos termos do art.º 382.º, n.º1 e 2, als. a) e d) torna o despedimento da trabalhadora/autora ilícito, com as consequências legais previstas pelo art.º 389.º do Código de Trabalho”.
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A Ré/recorrente, também, se pronunciou quanto àquele parecer, defendendo que “não se conforma com tal entendimento, pelo que, por mera economia processual, dá como totalmente reproduzida toda a materialidade alegada nas suas motivações e conclusões de recurso, para as quais remete, pugnando pela procedência do recurso apresentado.”.
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Cumpridos os vistos, electronicamente, há que apreciar e decidir.
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É sabido que, salvo as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pela recorrente, não sendo lícito a este Tribunal “ad quem” conhecer de matérias nelas não incluídas (cfr. art.s 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 608º nº 2, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, a questão suscitada e a apreciar consiste em saber se, a decisão recorrida deve ser revogada porque, os factos constantes da nota de culpa são suficientemente claros e estão devidamente descriminados, como defende a recorrente, ou tal não acontece, a nota de culpa e a decisão do processo disciplinar não foram elaboradas de acordo com o disposto nos artigos 353º nº1 e 357º nº 5 do Código de Trabalho, o que torna o despedimento ilícito, como se decidiu naquela.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
A factualidade a atender é a que decorre do relatório que antecede, devidamente documentada nos autos, a que a Mª Juíza “a quo”, considerou mostrar-se provada, consistente nos “seguintes factos:
1) Desde 14/12/2017 é administrador único da ré D….
2) Por despacho datado de 04/06/2019 o referido administrador único determinou a abertura de procedimento disciplinar contra a autora e nomeou instrutor para o dito processo.
3) Após inquirição de testemunhas, foi elaborada a nota de culpa de fls. 25 a 32 do processo disciplinar que se dá por reproduzida, a qual foi notificada à autora, por carta registada com a/r em 11/06/2019, após recusa de recebimento em mão no dia 06/06/2019.
4) Na mesma data a autora foi notificada da decisão de suspensão preventiva, com efeitos imediatos, com o teor de fls. 25 do processo disciplinar, cujo teor se reproduz.
5) A autora requereu a consulta do processo disciplinar e apresentou resposta à nota de culpa com o teor de fls.38 a 40, requerendo a inquirição de testemunhas, a notificação da ERC para informar quem eram os actuais accionistas da ré, quem eram os seus legais representantes, quem eram os jornalistas registado na ERC a prestar serviço na ré e no jornal E…, que se oficiasse à ACT para informar quais os processos de contra-ordenação instaurados desde 1 de Janeiro de 2018 e a junção aos autos de todos os emails endereçados desde 1 de Maio de 2018 até 6 de Junho de 2019, a partir de 3 endereços de email para 2 endereços de email que identificou.
6) Com excepção da inquirição das testemunhas todas as restantes diligências de prova requeridas pela autora foram indeferidas por despacho da instrutora, que as considerou manifestamente dilatórias e impertinentes, conforme despacho de 28/06/2019 de fls. 42 do processo disciplinar que se reproduz.
7) Após inquirição das testemunhas, em 05/08/2019, foi elaborado relatório final do processo disciplinar, com o teor de fls. 66 a 78 que se reproduz, propondo a aplicação da sanção de despedimento imediato sem qualquer indemnização ou compensação, tendo o supra referido administrador único da ré decidido aplicar a sanção proposta, conforme fls. 78 do processo disciplinar que se reproduz, o que foi comunicado à autora por carta registada com a/r recebida em 12/08/2019.
8) Em 24 de Abril de 2019 pela deliberação nº ERC/2019/118 (AUT-R), já definitiva, a ERC deliberou, além do mais, considerar nula a aquisição da totalidade do capital social do operador radiofónico Rádio C…, S.A., por D…, nos termos e com os fundamentos de fls. 100 a 108, cujo teor se dá por reproduzido.
9) A autora foi admitida ao serviço da ré em 2 de Maio de 1991, com a categoria de secretária.
10) À data do despedimento a autora auferia a remuneração mensal de €600,00, acrescida de subsídio de alimentação de €5,00 por dia.
11) Por carta registada com a/r que a autora recebeu em 26/09/2019 a ré comunicou à autora que pretendia liquidar as contas com ela, solicitando o especial favor de se apresentar nas instalações da ré no dia 26/09/2019 pelas 17h.
12) Àquela carta respondeu a autora por mail de 26/09/2019 com o teor de fls. 73 verso que se reproduz, dizendo em síntese que a ré sempre lhe pagou por transferência bancária e que o único objectivo de lhe dizer que só lhe pagariam se se apresentasse pessoalmente era assediá-la.
13) O administrador da ré respondeu por email de 27/09/2019 com o teor de fls. 75 que se reproduz, reiterando o pedido de que a autora se apresentasse nas instalações da ré para receber os valores em dívida e assinar os correspondentes recibos.”.
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E, também, por o considerarmos necessário e relevante para apreciação da questão colocada, adita-se à factualidade que antecede, dois novos pontos, um com o teor da Nota de Culpa e outro com o teor da Resposta da A. àquela.
I - “RÁDIO C…, S.A. move processo disciplinar contra a trabalhadora B…, pelos factos seguintes:
1. Em 14 de Dezembro de 2017, o atual acionista da Rádio C…, SA adquiriu as ações da mesma, passando, assim, a ser o único acionista e proprietário da sociedade.
2. A trabalhadora B… exerce actividade laboral na entidade empregadora desde o dia 2 de maio de 1991, com a categoria profissional atual de secretária.
3. Por sua vez, exerce igualmente funções na mesma entidade patronal, a trabalhadora F…, atualmente na situação de baixa médica e desde o passado mês de Outubro de 2018,
4. sendo que, o marido desta última, G…, exerce actividade profissional como bancário, mas colaborava no entanto na rádio aqui entidade empregadora, há muitos anos, intitulando-se, ou intitulando-o, de director geral da mesma, indo lá quando lhe apetecia, sem qualquer obrigação, tendo a aqui entidade patronal (doravante designada por EP) prescindido da sua presença em 30 de Junho de 2018.
5. Nessa qualidade, ia à radio quando lhe apetecia, dava ordens, recebia remuneração e, inclusivamente, teve o representante legal da EP conhecimento, que até beneficiava do pagamento da TV e internet na sua habitação, por conta da rádio, sendo que a aqui EP dispensou os serviços daquele, no dia 30/06/2018.
Sucede que,
6. No passado dia 11 de Abril de 2019, o representante legal e único acionista da EP –D… - foi interrogado e constituído arguido num processo criminal instaurado pela supra citada F…, sendo que, ao ser informado, como a lei impõe, dos factos que lhe estavam a ser imputados, o mesmo D… tomou conhecimento que a trabalhadora aqui arguida é citada na respetiva denúncia criminal como sendo a fonte informadora da ali denunciante F…, de factos que diz ocorrerem nas instalações da EP, na ausência da dita F…, e, para além do mais, falsos.
7. Para tomar conhecimento cabal da dita denúncia, o representante legal da EP solicitou certidão Judicial da mesma e, na verdade, consta expressamente de tal peça processual, constante no presente processo, para além do mais e no que ao presente processo disciplinar importa, o seguinte:
30. B
No dia 16 de julho de 2018, estando a Denunciante em gozo do seu período de férias, foi contactada pela secretária da empresa – B… - a relatar-lhe que o Denunciado estava muito alterado, a dar murros nas estantes e a bater com as pastas na mesa, atento o facto de aquela o ter informado de que um spot publicitário que tinha chegado da produção era de um cliente que a Denunciante estava a acompanhar.
31.3
Segundo informou a Secretária à Denunciante, perante tal informação> o Denunciado ficou enfurecido e, exaltado. berrando e num estado de histerismo, disse-lhe que não admitia que qualquer assunto estivesse apenas dependente da Denunciante e que a secretária teria sabido de tudo acerca do serviço por aquela desempenhado
44. s
No dia 10 de Agosto de 2018, a secretária da sociedade informou a Denunciante que o Denunciado lhe ligou a fazer comentários pouco abonatórios sobre a sua pessoa e a afirmar que ela ganhava demais para aquilo que fazia.
(...)
50.2
No dia 19 de Agosto de 2018, o Denunciado enviou um e-mail à secretária a convocar todos os elementos da rádio e até pessoas estranhas a sociedade para uma reunião geral sobre o assunto "…", tendo a Denunciante sido a única excluída dessa reunião, como decorre do doc. n.2 adiante junto.
(...)
71
Entretanto a secretária contou à Denunciante que ouviu o Denunciado a ordenar ao seu filho em tom agressivo "NÃO PODES SAIR DE PERTO DELA, OUVISTE BEM?"
(...)
No dia 4 de Setembro de 2018, e estando a Denunciante em gozo de período de férias, um cliente - a H… - terá contactado a rádio pedindo para falar com ela acerca de um spot publicitário.
74.2
Na sequência, a secretária ligou para casa da Denunciante e pediu que esta tratasse do assunto.
75.B
Naturalmente e não obstante encontrar-se em período de férias, a Denunciante fez o texto do spot publicitário e enviou-o para a produção.
l")
78.2
No dia 5 de setembro de 2018, a secretária da empresa telefonou em pânico á Denunciante informando-a que o Denunciado andava a dizer aos restantes funcionários que aquela "andava a prejudicar a empresa, que não era uma pessoa de confiança e aue, a partir desse momento, estavam todos proibidos de lhe dar acesso ao team viewer
79.*
Esclareça-se que, fora do horário de trabalho e em período de férias, o team viewer era uma ferramenta frequentemente utilizada pela Denunciante para aceder remotamente ao seu computador de serviço e resolver prontamente assuntos urgentes da empresa.
80.ff
Naquela conversa telefónica, a secretária da empresa confidenciou Denunciante que tinha receio que algo lhe acontecesse a ela Denunciante, mais referindo que o Denunciado era uma pessoa perigosa.
81.fi
Dando a entender que o Denunciado andaria a fazer ameaças à pessoa da Denunciante.
U
30.2
Nesse mesmo dia, a Denunciante tomou conhecimento, através da secretária, que durante o seu período de férias, o Denunciado, por meio de coerção e ameaça, o obrigou a dar o número de polícia da casa daquela.
91.3
Segundo lhe comunicou a secretária, o Denunciado, furioso e em tom ameaçador, disse-lhe que ninguém imaginava do que ele "era capaz de fazer ou mandar fazer" e que já não seria a primeira vez que faria ou mandaria fazer um "servicinho até porque era presidente de uma associação de ciganos.
92?
As ameaças proferidas pelo Denunciado foram de tal modo acutilantes que a secretária, desde então, todos os dias suplica à Denunciante para não fazer queixa do Denunciado porque tem medo que ele lhe faça alguma 8. Ora tal factualidade demonstra que a trabalhadora aqui arguida, reiteradamente, isto é, por várias vezes seguidas e desde Outubro de 2018 (data do início da ausência da trabalhadora F…) vem transmitindo àquela denunciante F…, o que se passa (e o que não se passa, por ser falso) nas instalações da EP, e no dia a dia da EP, designadamente conversas, que transmite a terceiros e designadamente a pessoas com quem o único acionista da EP tem litígios, divulgando, por isso, factos que ocorrem nas instalações da Rádio C…, máxime, actos e conversas tidas pelo representante legal da mesma, com a própria arguida, com outros trabalhadores da EP mesmo e, sobretudo factos falsos.
9. Ao tomar conhecimento de tal denúncia, e ficando a EP atenta a factos que vêm ocorrendo e lhe são transmitidos, constatou a mesma que a arguida vem violando os seus deveres laborais reiteradamente e com nítido intuito de prejudicar os interesses da sua entidade patronal, para além de desobedecer a ordens expressas que lhe são dadas pelo representante da mesma, D….
10. Assim, desde final do ano de 2018 e até há cerca de 15 dias a esta parte, o referido D… deu ordens expressas à trabalhadora arguida para, ao receber o correio coloca-lo em cima da sua mesa sem abrir, obviamente,
11. Ao que a mesma desobedeceu constantemente, distribuindo pelos outros funcionários da EP correspondência a eles dirigida (mormente notificações para serem testemunhas em processo contra o mesmo D…) que obviamente a EP não abriria, mas distribuiria,
12. e abrindo correspondência dirigida ao mesmo representante legal.
13. Instada por várias vezes a não o fazer, a trabalhadora arguida insistia em tal conduta,
14. até que o representante legal da EP teve que colocar uma caixa de correio no exterior das instalações da Rádio para o funcionário dos CTT aí depositar a correspondência sem passar pela arguida.
15. Mais, há cerca de 15 dias a esta parte, em finais do mês de Maio de 2019, teve ainda a EP conhecimento que a arguida é vista a entrar e sair com frequência, da residência dos supra citados F… e marido, desde que esta última se encontra de baixa médica,
16. referindo a arguida várias vezes, a terceiros, que "não pode pactuar com injustiças e por isso, no que puder, irá ajudar a mesma colega de trabalho nos processo que apresentou contra EP e contra o representante da mesma".
17. Pelo que é fácil de concluir a que se devem as constantes idas da arguida à residência da citada colega, que para além do referido processo crime que apresentou contra D…, apresentou ainda processo contra a EP.
18. Tais condutas levadas a cabo pela trabalhadora B… consubstanciam ilícito de natureza laboral.
AINDA
19. O comportamento da trabalhadora em causa e que se vem de relatar prejudica gravemente o bom funcionamento do serviço da EP.
20. Na verdade, no âmbito das suas funções a arguida contacta com clientes, faz faturação, contacta com fornecedores, faz atendimento telefónico, efetua depósitos bancários/ efetua marcações de entrevistas, contacta diretamente com os vendedores e locutores, etc.
21. Ou seja, tem acesso e contacto com uma panóplia de elementos contabilísticos, bancários, contactos e outros que são do exclusivo interesse da EP e que a arguida divulga a terceiros indevidamente.
22. Informações essas que os mesmos terceiros, máxime a trabalhadora F… que se encontra ausente da EP, utiliza em processos judiciais que apresenta contra a EP e utiliza para contactos diretos com fornecedores e clientes,
23. frustrando assim negócios que a EP podia levar a efeito e não efetua.
24. igualmente divulga a terceiros factos falsos que imputa ao representante legal da EP.
25. Também não obedece a ordens que lhe são dadas pelo administrador da empresa, designadamente no que tange ao supra descrito sobre a correspondência recebida.
26. O comportamento que a trabalhadora teve e que vem mantendo já há algum tempo revela: intenso desrespeito pela empregadora, seus superiores hierárquicos e colegas;
- não cumprimento de ordens e instruções da empregadora com manifesto incumprimento do dever de obediência;
- promoção de atos tendentes a prejudicar a produtividade da empregadora;
- violação grosseira de dever de sigilo com consequente quebra irremediável de confiança.
27. Comportamentos agravados pelo facto de terem vindo a ser praticados há longo tempo.
28. Os factos de que a trabalhadora vem acusada, integram intensa violação dos deveres previstos no art. 128º, nº 1, alíneas a), c), e) e f), do Código do Trabalho, factos estes que comprometem irremediavelmente a relação laboral, pois que não mais a EP tem a mínima confiança na trabalhadora arguida que, no exercício das suas funções, tem acesso a documentos e informações confidenciais da EP,
29. pelo que é intenção da empregadora promover o despedimento, com justa causa, da trabalhadora B….
Póvoa de Varzim, 6 de Junho de 2019”.II - “RESPOSTA à Nota de Culpa (N.C.) que apresenta e Meios de Prova que requer a trabalhadora B…, no processo disciplinar que lhe move a entidade patronal "Rádio C…, S.A.", nos termos e fundamentos seguintes:
1º A Arguida não sabe, nem tem de saber o facto vertido no artº 1º , do qual de resto não existe qualquer prova documental nos autos.
2º A Arguida sabe apenas que a trabalhadora F… está de baixa médica, impugnando-se quanto ao mais.
3º A Arguida impugna o vertido em 4º e 5º, apenas sabendo que o Sr. G… deixou de prestar qualquer colaboração com a Rádio C…, S.A. 4º A Arguida impugna o vertido em 6º por o aí vertido não ser do seu conhecimento, nem ter obrigação de conhecer, pois que não fez nenhuma participação criminal contra a sua entidade patronal, nem contra qualquer dos seus administradores ou superiores hierárquicos.
5º A Arguida não tem qualquer responsabilidade nos escritos constantes da certidão judicial junta aos autos, os quais de resto não são nem da sua autoria, nem da sua responsabilidade, pelo que vão assim impugnados os extractos retirados da dita certidão e vertidos em 7º da acusação, sendo apenas responsável pelo depoimento que fez enquanto testemunha.
6º É falso e inverídico o vertido no art° 8º da acusação, com excepção de tudo o que a aqui Arguida transmitiu à sua colega F…, enquanto com esta trabalhou e vice-versa e muito menos relativamente a qualquer accionista da Entidade Patronal.
7º Falso e inverídico o vertido no art° 9º, não sabendo sequer a Arguida de que factos a E.P. retirou tal conclusão.
8º Pois que a Arguida sempre cumpriu as ordens da E.P. relativas ao correio dirigido à EP.
9º Bem como do correio que é dirigido a qualquer trabalhador da E.P. e que por isso, ou seja por ser propriedade destes, é entregue ao respectivo destinatário.
10° Sendo pois falso que a Arguida tenha entregue qualquer correio da E.P. a qualquer funcionário da E.P.
11° E nunca a Arguida entregou qualquer correio destinado a qualquer funcionário, à EP pela singela razão de que a lei o não permite, já que o correio destinado a qualquer pessoa tem de ser entregue à mesma.
12° A Arguida não pode responsabilizar-se por qualquer "obviamente a EP não abriria, mas distribuiria", e por isso sempre cumpriu a lei entregando a correspondência aos destinatários.
13° É falso que a Arguida tenha aberto qualquer "correspondência dirigida ao mesmo representante legal".
14° Falso e vergonhoso o vertido nos arts. 12º e 13º, que se impugna e que a seu tempo será objecto de participação crime, porquanto nenhum trabalhador o afirmou nos depoimentos prestados e constante dos autos.
15° O vertido no art. 14° comprova o "assédio" que o "representante legal da EP" está a fazer aos trabalhadores e o "clima de terror" que gerou no ambiente de trabalho, passando até a controlar a correspondência pessoal de cada trabalhador e que é remetida para o local de trabalho.
16° A Arguida impugna por ser falso que seja "vista a entrar e sair com frequência, da residência dos supra citados F… e marido, desde que esta última se encontra de baixa médica", o que será objecto de participação crime por constituir difamação.
17° Falso e inverídico o vertido no artº 16º da N.C., pois que não existe qualquer prova nos autos do aí vertido.
18° Não sabe a Arguida ao que a E.P. se refere quanto ao que "é fácil de concluir" do vertido no art° 17°, nem da ilicitude de natureza laboral nas "condutas levadas a cabo" do artº 18°, pelo que vão ambos impugnados.
19° Do que resulta evidente que o presente processo com uma NC plena de falsidades constitui mais um acto de assédio da EP, o que já foi participado à ACT.
20° Assim impugnam-se por falsas e inverídicas todas as conclusivas, sem fundamento, vertidas nos arts. 19°, 20°, 21°, 22°, 23°, 24°, 25°, 26° e 27°, donde não ocorreram, por se não verificarem as violações dos preceitos legais vertidos no art° 28°; não ocorrendo por isso qualquer justa causa para despedimento.
Termos em que, face ao exposto, por não se verificarem quaisquer factos susceptíveis de gerar responsabilidade disciplinar, deve o presente processo ser arquivado.”.
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Vejamos, então.
Importa saber, se a nota de culpa e a decisão do processo disciplinar não foram elaboradas de acordo com o disposto pelos artºs. 353º, nº. 1 e 357º, nº. 5 do Código do Trabalho
Comecemos pelo seguinte que consta da decisão recorrida: “(…)
Na verdade, analisada a nota de culpa é para nós evidente, que todas as imputações feitas à autora nos pontos 9 a 24 são manifestamente conclusivos e genéricos, porquanto ou não passam de meros juízos conclusivos ou não estão devidamente circunstanciados.
A ré imputa à autora a desobediência reiterada ordens da entidade empregadora alegando que a aquela desde o final de 2018 e até cerca de 15 dias antes da elaboração da nota de culpa apesar de ter recebido ordens expressas para ao receber o correio o colocar em cima da mesa do administrador sem abrir, distribuiu pelos funcionários a correspondência a eles dirigida e abriu correspondência dirigida ao representante legal, comportamento que manteve apesar de ter sido diversas vezes instada a não o fazer, até que este teve que colocar uma caixa de correio no exterior das instalações para que a correspondência aí fosse depositada sem passar pela autora.
Ora, o alegado pela entidade empregadora para ser relevante, carecia, do nosso ponto de vista, de ser concretizado pela alegação da data em que as ordens foram dadas e, sobretudo, de situações concretas em que a autora tenha distribuído correspondência aos colegas e em que tenha aberto correspondência dirigida ao legal representante, não bastando a alegação de que durante o período de “finais de 2018 até há cerca de 15 dias” a autora desobedeceu, na medida em que tal como alegado fica efectivamente comprometida a possibilidade de a autora exercer um contraditório útil relativamente a cada uma das situações, como tem direito de fazer.
A autora respondeu à nota de culpa, mas fê-lo globalmente impugnando a imputação e alegando que nunca desobedeceu a quaisquer ordens da entidade empregadora, sem deixar desde logo de dizer que não sabia de que factos a entidade empregadora retirou a conclusão do art. 9º da nota de culpa, o que não é suficiente para podermos concluir que a autora compreendeu a acusação e que se defendeu revelando conhecer as circunstâncias da infracção que lhe é imputada.
O mesmo se diga relativamente à contestação que a autora apresentou em juízo ao impugnar o despedimento, na qual relativamente a esta acusação se defendeu os mesmos moldes, alegando ainda que os mesmos são conclusivos.
Assim, não só do ponto de vista do tribunal a imputação em causa não se mostra suficientemente circunstanciada, como, atenta a defesa da trabalhadora não se pode considerar tal incompletude da nota de culpa sanada.
A ré imputa também à autora a circunstância de a mesma, ser vista a entrar e sair com frequência da casa da, à data, trabalhadora da ré, F… desde que esta se encontra de baixa médica e de referir a terceiros que “não pode pactuar com injustiças e por isso, no que puder, irá ajudar a mesma colega de trabalho nos processos que apresentou contra EP e contra o representante da mesma”, pelo que é fácil de concluir a que se devem as constantes idas da autora à residência da citada colega, que para além de um processo crime que apresentou contra o administrador da ré, apresentou também um processo contra esta.
Quanto a esta matéria mais uma vez a autora pronunciou-se na nota de culpa, impugnando o alegado por inverídico, por inexistir prova nos autos e por não saber a que é que a ré se refere.
Relativamente a esta matéria a insuficiência da nota de culpa e consequentemente da decisão disciplinar é ainda mais óbvia, pois o alegado é completamente vago, genérico, meramente especulativo e, para além da referência ao início da baixa médica da colega da autora, nem sequer está situado no tempo, assim, como não contém qualquer referência à identificação dos terceiros a quem a autora teria referido as expressões que são imputadas.
Finalmente a ré alega ainda na nota de culpa que a autora, tendo contacto com clientes, fazendo facturação, contactando com fornecedores, fazendo atendimento telefónico, efectuando depósitos bancários e marcações de entrevistas, contactando directamente com os vendedores e locutores tem acesso a uma panóplia de elementos contabilísticos, bancários, contactos e outros que são do exclusivo interesse na ré e que a autora divulga indevidamente a terceiros, e que são utilizados pelos terceiros, máxime pela colega F… em processos judiciais contra a ré e para contactos directos com fornecedores e cliente, frustrando negócios que a ré podia levar a efeito e não efectua e ainda que a autora divulga a terceiros factos falsos que imputa ao legal representante da ré.
Como a autora não deixa de referir quer na resposta à nota de culpa, quer na contestação, trata-se de meras asserções conclusivas e como tal, insusceptíveis de relevância disciplinar. De facto, a ré não situa tais alegações no tempo ou no espaço, não concretiza quais os terceiros, para além da outra trabalhadora da ré, a quem a autora terá divulgado informações confidenciais ou cobertas pelo sigilo comercial, que tipo de informações foram divulgadas ou quais os negócios que deixou de efectuar por esse motivo, o que era imprescindível.
Assim, também nesta parte a nota de culpa e a decisão disciplinar não cumprem os requisitos mínimos da sua elaboração”.
Concordamos inteiramente com a decisão recorrida no que toca aos artigos 9 a 24 da nota de culpa.
Expliquemos.
Nos termos do artigo 382º, nº1 do CT/2009 o despedimento por facto imputável ao trabalhador é ilícito se o respectivo procedimento for inválido.
E segundo o nº2, al. a) do citado artigo “O procedimento é inválido se (…) a nota de culpa não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador”.
Esta norma legal está relacionada com o disposto no artigo 353º, nº1 do mesmo Código ao determinar que “no caso em que se verifique algum comportamento susceptível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados”.
Já assim era na vigência do C. do Trabalho de 2003 (artigos 430º, nº2, al. a) e 411º), na vigência da LCCT (artigo 10º, nº1) e do DL 372-A/75 de 16.7.
E quando a lei fala em “descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador”, quer dizer que a nota de culpa não pode se limitar a indicar comportamentos genéricos, obscuros e abstractos do trabalhador. É certo que, a nota de culpa não é propriamente uma acusação penal, mas a mesma deve conter factos concretos, nomeadamente a sua localização no tempo e no espaço, para que seja possível ao trabalhador ponderar e organizar correctamente a sua defesa. Neste sentido, veja-se o que tem sido o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, entre outros (Acórdão de 14 de Novembro de 2018, Proc. 94/17.0T8BCL–A.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt), onde se lê: “ (…) a nota de culpa desempenha a função própria da acusação em processo-crime: por isso, nela deve constar a descrição circunstanciada, em termos de modo, tempo e lugar, dos factos de onde se extraia a imputação de uma infracção ao trabalhador. Os comportamentos imputados ao trabalhador, susceptíveis de integrar infracção disciplinar, devem ser descritos na nota de culpa com a narração, tão concreta quanto possível, do circunstancialismo de tempo, lugar e modo em que ocorreram, de forma a permitir ao arguido o perfeito conhecimento dos factos que lhe são atribuídos, a fim de poder organizar adequadamente a sua defesa”.
Sobre o assunto, também, e em comentário ao artigo 353º, nº1, parte final, do CT/2009, refere (Maria do Rosário Palma Ramalho in Direito do Trabalho Parte II – Situações Laborais Individuais, 3ªedição, página 921) o seguinte: “(…) deste preceito resulta que a estrutura da nota de culpa deve obrigatoriamente integrar as seguintes indicações: - a descrição completa e detalhada (i.e., circunstanciada) dos factos concretos que consubstanciam a violação do dever do trabalhador, não bastando, pois, uma simples referência ao dever violado pelo trabalhador, nem muito menos, a remissão para a norma legal que comina tal dever (…)”.
Igualmente, (Pedro Furtado Martins in Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª edição, página 211) defende que, “não basta uma indicação genérica e imprecisa do comportamento imputado ao trabalhador, sendo necessário especificar os factos em que esse comportamento se traduziu, bem como as circunstâncias de tempo e lugar em que tais factos ocorreram”.
E, no caso em apreço, não colhe o argumento de que a TRABALHADORA até compreendeu as acusações que lhe foram feitas e delas se defendeu.
Com efeito, manda a boa-fé – artigo 126º, nº1 do CT/2009 – que o empregador (que acusa, dirige e decide o processo disciplinar), ao menos exponha de uma forma clara e precisa os factos que imputa na nota de culpa de modo a possibilitar minimamente ao trabalhador/arguido o exercício do seu direito de defesa, direito que não se resume à possibilidade de poder responder (ainda que em termos genéricos) às acusações.
Ainda, veja-se, o (Acórdão desta Relação, de 17.05.2021, proferido no processo 7618/19.6T8VNG.P1, in www.dgsi.pt), em cujo sumário se lê o seguinte:
“III - A exigência legal da “descrição circunstanciada dos factos” que são imputados ao trabalhador visa permitir-lhe o conhecimento em concreto desses factos, de modo a que este possa defender-se adequadamente, isto é, de modo a que possa exercer na sua plenitude o direito do contraditório.
IV. Justamente por isso, a falta de observância dessa imposição legal importa consequências severas, mais precisamente, o despedimento é ilícito, sendo a ilicitude fundada na invalidade do processo disciplinar [art.º 382.º 1 e 2, al.a), do CT].
V. Não cumpre a exigência legal de conter a descrição circunstanciada dos factos imputados ao autor a nota de culpa que se limita a conter imputações conclusivas e genéricas, não se encontrando a mínima narrativa com o propósito de concretizar em termos descritivos as eventuais condutas praticadas que se subsumam àquelas afirmações, quando ocorreram, onde e em que circunstâncias.
VI. Para que se possa dizer que o arguido compreendeu perfeitamente os factos que lhe eram imputados, pelo que sempre se teriam por sanadas eventuais deficiências da nota de culpa, era necessário que da defesa do autor resultassem perceptíveis quais os eventuais factos concretos que este teria percebido serem-lhe imputados e relativamente aos quais se estaria a defender.”
Por isso, não constitui sinal de total compreensão dos factos que lhe são imputados o que, a aqui TRABALHADORA, alegou na resposta à nota de culpa, a saber, e passa-se a citar: “Pois que a Arguida sempre cumpriu as ordens da E.P. relativas ao correio dirigido à EP. Bem como do correio que é dirigido a qualquer trabalhador da E.P. e que por isso, ou seja por ser propriedade destes, é entregue ao respectivo destinatário. Sendo pois falso que a Arguida tenha entregue qualquer correio da E.P. a qualquer funcionário da E.P. e nunca a Arguida entregou qualquer correio destinado a qualquer funcionário, à EP pela singela razão de que a lei o não permite, já que o correio destinado a qualquer pessoa tem de ser entregue à mesma. A Arguida não pode responsabilizar-se por qualquer "obviamente a EP não abriria, mas distribuiria", e por isso sempre cumpriu a lei entregando a correspondência aos destinatários. É falso que a Arguida tenha aberto qualquer "correspondência dirigida ao mesmo representante legal". Falso e vergonhoso o vertido nos arts. 12° e 13°, que se impugna (...)”, já que a aqui Trabalhadora, como decorre do acabado de transcrever, se limitou a impugnar, de modo igualmente genérico, as “acusações genéricas” que lhe foram imputadas.
Mesmo a admitir-se o contrário certo é que a EMPREGADORA não está dispensada, como «acusadora», de concretizar minimamente os factos que fundamentam o despedimento da TRABALHADORA.
O mesmo se diga relativamente ao que a EP refere nos artigos 15 a 24 da nota de culpa, aos quais a Trabalhadora se refere na sua resposta, a saber, conforme se passa a transcrever: “(...) A Arguida impugna por ser falso que seja "vista a entrar e sair com frequência, da residência dos supra citados F… e marido, desde que esta última se encontra de baixa médica", o que será objecto de participação crime por constituir difamação. Falso e inverídico o vertido no artº 16° da N.C., pois que não existe qualquer prova nos autos do aí vertido. Não sabe a Arguida ao que a E.P. se refere quanto ao que "é fácil de concluir" o vertido no art° 17°, nem da ilicitude de natureza laboral nas "condutas levadas a cabo" do artº 18°, pelo que vão ambos impugnados”.
Do transcrito resulta que a Trabalhadora se limitou, novamente, a impugnar de modo genérico o que consta da nota de culpa.
Assim, podemos afirmar que a aqui EMPREGADORA não concedeu a possibilidade do exercício do direito de defesa à TRABALHADORA, sendo certo que se não era possível descrever todas as infracções, pelo menos, algumas delas deveria e seria possível descrever de forma concreta.
Com efeito, ao direito de «acusar» por parte do empregador corresponde o direito de «defesa» do trabalhador. E se a entidade patronal não cumpre com o seu dever de acusar, descrevendo de forma circunstanciada os factos imputados, então, estará o trabalhador impossibilitado de exercer o correspectivo direito de defesa. Acrescendo que, não se trata propriamente de compreender o sentido da acusação, que numa primeira análise é facilmente apreensível até por um terceiro, mas, antes de circunscrever no tempo e no espaço as condutas imputadas ao trabalhador.
E, essa não concretização – a que atrás aludimos – não se pode considerar sanada, como pretende a apelante, na medida em que a TRABALHADORA veio na resposta à nota de culpa invocar essa mesma falta de concretização, a significar que a sua defesa foi apresentada em termos genéricos.
Por isso, e relativamente aos itens supra referidos da nota de culpa verifica-se a nulidade insuprível do processo disciplinar e como tal não podem os mesmos ser considerados para fundamentar o despedimento da aqui TRABALHADORA.
Passemos aos itens 1 a 8 da nota de culpa.
Consta da decisão recorrida o seguinte: “Resta a imputação efectuada à autora nos arts. 1 a 8 da nota de culpa e que, em síntese se reconduz à alegação de que a autora desde Outubro de 2018 (data do início da ausência da trabalhadora F…) informou aquela colega de factos falsos que ocorreram nas instalações da entidade empregadora na ausência desta, com base nos quais a dita F… apresentou uma denúncia criminal contra o administrador da ré, e do que este tomou conhecimento quando, em 11/04/2019 foi confrontado com a dita denúncia ao ser interrogado e constituído arguido naquele processo crime.
A este respeito verifica-se existir uma contradição nos próprios termos da imputação efectuada à autora, pois a ré alega que a autora, desde Outubro de 2018 vem informando a dita F… de factos que, na ausência desta, ocorrem na ré, e os exemplos concretos que dá de tais comportamentos da autora, transcrevendo a denúncia efectuada pela referida F… são todos anteriores a Outubro de 2018, ou seja anteriores ao início da ausência daquela trabalhadora por baixa médica, o que, do nosso ponto de vista, torna a acusação disciplinar ininteligível.
Não se questiona que os exemplos que a ré transpôs do teor da denuncia criminal para ilustrar a acusação de que a autora na ausência da colega lhe transmitiu episódios ocorridos na ré, se mostram circunstanciados no tempo e no espaço e estão suficientemente concretizados, contudo, os mesmos, sendo todos anteriores ao período a partir do qual a dita F…, segundo a acusação disciplinar, passou a estar ausente da ré por baixa médica, não podem servir para sustentar a imputação de que, a partir de Outubro de 2018 a autora que facultou à dita F… os elementos para ela agir contra a ré e contra o administrador, aos quais ela não teria acesso porque estava ausente da ré. Se alguma coisa o teor da denúncia ilustra é que a autora transmitiu à F…, enquanto com ela trabalhou, alguns episódios ocorridos, não que lhos transmitiu quando esta estava ausente da ré e como tal não tinha acesso ao seu conhecimento.
Por outro lado, não podemos deixar de referir que no art. 7º da nota de culpa a ré transcreve o que a denunciante ali relatou, ou seja, o que a dita F… escreveu na denúncia, pelo que, não se pode considerar que a ré nos arts. 6º e 7º da nota culpa imputasse à aqui autora qualquer facto. Naqueles artigos a ré alega que, face ao teor da denúncia, que transcreve parcialmente, tomou conhecimento de que a autora é citada naquela peça, como sendo a fonte informadora da denunciante de factos ocorridos nas instalações da ré e falsos. E só no art. 8º faz a imputação à autora de que esta vem transmitindo à dita F… o que se passa nas instalações da ré e aí circunscreve-o a actuação da autora ao período posterior a Outubro de 2018.
Ora, relativamente a esse período de tempo a ré não alega qualquer facto concreto que demonstre que a autora transmitiu à referida F… ou a terceiros (que nem sequer identifica) quaisquer factos respeitantes ao que se passa nas instalações da ré.
A autora respondeu também nessa parte à nota de culpa dizendo que não é responsável pelos escritos constantes da denúncia que não é da sua autoria e que do alegado no art. 8º apenas é verdadeiro tudo o que transmitiu à colega enquanto com esta trabalhou, o que, não corresponde também ao exercício cabal do direito de defesa revelador de que a autora tenha face à nota de culpa ficado ciente do circunstancialismo da infracção imputada e consequentemente não permite a conclusão de que a insuficiência e ininteligibilidade da nota de culpa nesta parte se deva considerar sanada”.
A Trabalhadora respondeu à nota de culpa, e relativamente a tais itens, o seguinte: “A Arguida não tem qualquer responsabilidade nos escritos constantes da certidão judicial junta aos autos, os quais de resto não são nem da sua autoria, nem da sua responsabilidade, pelo que vão assim impugnados os extractos retirados da dita certidão e vertidos em 7º da acusação, sendo apenas responsável pelo depoimento que fez enquanto testemunha. É falso e inverídico o vertido no art° 8º da acusação, com excepção de tudo o que a aqui Arguida transmitiu à sua colega F…, enquanto com esta trabalhou e vice-versa e muito menos relativamente a qualquer accionista da Entidade Patronal”.
Analisando, os factos que constam da certidão judicial, que a Ré reproduz na nota de culpa, verifica-se que se referem aos seguintes momentos temporais: 16.07.2018, 10.08.2018, 19.08.2018, 04.09.2018 e 05.09.2018, aí se referindo que são os dias em que a aqui Trabalhadora transmitiu à sua colega F… os factos que aí constam. E reproduzindo estes factos (que constam da certidão judicial) a EP “acusa” a Trabalhadora de desde Outubro de 2018 (data da ausência da trabalhadora F…) ter transmitido a esta última “o que se passa (e o que não se passa, por ser falso) nas instalações da EP e no dia a dia da EP, designadamente conversas, que transmite a terceiros e designadamente a pessoas com quem o único accionista da EP tem litígios, divulgando, por isso, factos que ocorrem nas instalações da Rádio C…, máxime, actos e conversas tidas pelo representante legal da mesma, com a própria arguida, com os trabalhadores da EP mesmo e, sobretudo factos falsos”.
Ora, da certidão não consta que, a aqui Trabalhadora, tenha transmitido àquela sua colega desde Outubro de 2018. Por isso, deveria a EP, na nota de culpa, concretizar o que a Trabalhadora transmitiu após, ou desde esta data, o que minimamente não fez, como decorre do aqui acima transcrevemos.
Deste modo, a nota de culpa sofre do mesmo vício que atrás referimos, ou seja, verifica-se a nulidade insuprível do processo disciplinar e como tal não podem os mesmos ser considerados para fundamentar o despedimento da aqui TRABALHADORA.
E, justamente por isso, a falta de observância dessa imposição legal importa consequências severas, mais precisamente, o despedimento é ilícito, sendo a ilicitude fundada na invalidade do processo disciplinar, art. 382º 1 e 2, al.a), do CT, nada impedindo que dela se conheça, em sede de saneador, como foi o caso, se dos autos constarem os elementos necessários para o efeito.
Assim sendo, só resta concluir pela improcedência do recurso e confirma-se a decisão recorrida (ainda que, com diverso fundamento relativamente aos itens 1 a 8 da nota de culpa) que, consideramos, não violou qualquer dispositivo legal, em concreto, os referidos pela recorrente, por decidir do modo e no momento em que o fez.
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Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação.
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III – DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se nesta secção em julgar o recurso improcedente e confirmar a decisão recorrida.
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Custas pela recorrente.
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Porto, 18 de Outubro de 2021
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão.