Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1801/15.0T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ SIMÕES
Descritores: COMPRA E VENDA
VEÍCULO AUTOMÓVEL
TERMO
RESPONSABILIDADE
EFICÁCIA
Nº do Documento: RP201704031801/15.0T8VNG.P1
Data do Acordão: 04/03/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 648, FLS.356-361)
Área Temática: .
Sumário: O termo de responsabilidade assinado pelo comprador de um veículo automóvel mantém eficácia após a entrega do mesmo veículo a terceiro que assinou termo idêntico de responsabilidade, enquanto não for feito o registo do direito de propriedade e não obstante a validade e eficácia do contrato de compra e venda não dependerem da efectivação desse registo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pº nº 1801/15.0T8VNG.P1
Apelação (323)
ACÓRDÃO
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO

B…, intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra C…, pedindo a condenação do Réu no pagamento da quantia de 5.307,91€, acrescida de juros contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Fundamentou a sua pretensão, em síntese, no facto de ter vendido o seu veículo de matrícula ..-AZ-.. a D…, que por sua vez o vendeu ao Réu, que subscreveu uma declaração através da qual se responsabilizou, a partir de 13.03.2012, por qualquer dano, acidente, multas, etc., provocados pela referida viatura, enquanto estivesse averbada em nome do Autor. Deixou de utilizar o veículo desde 12.08.2011, mas o veículo só deixou de estar registado em seu nome em 08.05.2014, tendo durante esse período o Autor sido objeto de dezenas de processos de contra-ordenação por falta de pagamento de portagens e sofrido enormes prejuízos económicos.

O Réu contestou, invocando, em suma, que em 13.03.2012 agiu por conta da empresa E…, Lda., pertencente a um amigo seu, que desde então é a verdadeira adquirente da viatura, tendo sido nesse circunstancialismo que assinou a declaração supra referida, recebeu os documentos e levou consigo a viatura para entregar ao seu amigo, assumindo a E…, Lda. todas as responsabilidades relativas ao veículo desde 13.03.2012, data da entrega do veículo.

Foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente e, em consequência condenou o réu C…, a pagar ao autor B…, a quantia de €5.307.91 (cinco mil trezentos e sete euros e noventa e um cêntimo) acrescida de juros de mora contados desde a data da citação, à taxa de 4% e até efectivo e integral pagamento.

Inconformado, apelou o réu, apresentando alegações, cujas conclusões são as seguintes:
I. No caso em apreço, o Autor vende ao Réu, que assina termo de responsabilidade enquanto o veículo está em nome do Autor; e o Réu vende a terceiro, que assina termo de responsabilidade enquanto o veículo está em nome do Autor.
II. Foi o Réu condenado no pagamento ao Autor de €5.307,91 a título de indemnização, com fundamento no termo de responsabilidade assinado aquando da compra e venda, referente a factos não imputáveis ao Réu, porquanto estava já o veículo, à data da prática dos factos, na esfera jurídica de terceiro.
III. Entendemos que o termo de responsabilidade que o Réu assina não tem os poderes ilimitados que o tribunal a quo lhe conferiu, sendo que, com a venda à E…, LDA, passa esta a assumir a obrigação e deverá ser esta condenada no pagamento do montante peticionado pelo Autor.
IV. A declaração constante no termo de responsabilidade assinado pelo aqui Recorrente aquando da compra do veículo automóvel ao Autor dos presentes autos apenas faz sentido enquanto o veículo estiver na posse e for propriedade do Recorrente (comprador), não podendo nunca ter eficácia ad eternum.
V. Acresce ainda, para justa ponderação do caso concreto, compreender que tal declaração é prática recorrente na compra e venda de veículos automóveis, assegurando que toda e qualquer situação que ocorra após a venda do veículo e antes do registo do mesmo pelo comprador possa ser imputada a quem vendeu o veículo.
VI. O termo de responsabilidade funciona, então, como uma garantia para quem vendeu – uma vez que, apesar da venda, o veículo continua registado a favor do vendedor, que será, nos termos do Registo da Propriedade Automóvel, presumido como responsável perante terceiros.
VII. No caso em apreço, o veículo foi vendido, contudo, durante anos, continuou registado em nome do Autor, tendo este sido responsabilizado, ao longo do tempo, de inúmeras infracções cometidas pelo veículo em questão, quando era já propriedade de terceiro.
VIII. Entende-se assim a legitimidade do Autor no peticionado, assim como o recurso do mesmo ao termo de responsabilidade assinado aquando da compra e venda do veículo em questão.
IX. Não se entende, contudo, a condenação do aqui Recorrente no pagamento do montante exigido.
X. Porquanto, comprou o veículo e, cinco dias depois, vendeu-o a terceiro, que assumiu na íntegra o termo de responsabilidade previamente assumido pelo Réu, porquanto tinha conhecimento de que tal veículo tinha sido adquirido há muito pouco tempo pelo Réu ao Autor.
XI. Note-se que o termo de responsabilidade assinado pela E… determina que a mesma se obriga por todos os danos causados a contar desde 13 de Março de 2012 – quando o Recorrente comprou o veículo, limitando-se a responsabilidade pelo período em que o veículo continuar averbado em nome de B….
XII. Ora, é nosso entender que a existência de um segundo termo de responsabilidade apenas pode gerar a inutilidade e inaplicabilidade do primeiro termo de responsabilidade na medida em que o consome.
XIII. Não podemos, então, concordar com a decisão do Tribunal de Primeira Instância quando decide que “o facto de o Réu ter obtido idêntica declaração da firma E…, a quem entregou o veículo, não o isenta da responsabilidade perante o Autor”.
XIV. O Tribunal a quo atribuiu, ao termo de responsabilidade assinado pelo Recorrente, valor probatório bastante para proceder com a condenação deste, considerando, então, válida e eficaz a obrigação assumida pelo Réu.
XV. Tal decisão é ainda consubstanciada no facto de o Réu não ter procedido com o Registo do veículo automóvel, sendo que a sua condenação se traduz numa sanção directa do não registo.
XVI. Não obstante, e salvo melhor opinião em contrário, o Réu não incumpriu a sua obrigação legal de registar, nos termos dos artigos 789º e seguintes do CC, uma vez que, confrontando o Registo de Propriedade Automóvel (Decreto 54/75, de 12 de Fevereiro) e o Regulamento do Registo de Automóveis (DL 54/75), o adquirente do direito de propriedade do veículo fica obrigado a efectuar o averbamento da transferência de propriedade no registo automóvel, no prazo de 60 dias a contar da data da venda do veículo.
XVII. Se o Réu comprou um veículo automóvel e cinco dias depois o vendeu, não o tendo registado, não incumpre o dever de registo porquanto o prazo para promover o mesmo não foi nunca ultrapassado, antes extinto com a nova venda – passando então a correr novo prazo para o registo que inutiliza a eficácia do registo do Réu.
XVIII. Contudo, com a transmissão da propriedade, transmitem-se, também, todas as obrigações futuras, nas quais se inclui a obrigação de proceder com o registo, assim como todas as consequências inerentes à falta de registo.
XIX. De referir que a transmissão, no caso em apreço, é reforçada com a ratificação de documento escrito (termo de responsabilidade).
XX. Deste modo, se, para o autor, tal documento é válido quando acompanha a venda do automóvel celebrada com o Réu, então também será válido o documento que acompanha a venda do automóvel entre o Réu e terceiro.
XXI. O termo de responsabilidade assinado pelo aqui Recorrente constitui uma declaração unilateral na qual se assume a responsabilidade por dívidas futuras, conforme o disposto no artigo 458º do CC.
XXII. Contudo, a questão jurídica que aqui deve ser levantada consiste em compreender se tal termo de responsabilidade reveste ainda de eficácia após a venda do veículo pelo Réu a um terceiro.
XXIII. Somos a entender que não, porquanto, com a venda, e, consequentemente, com a assinatura de novo termo de responsabilidade, apenas se pode compreender que cessa a obrigação do Réu na medida em que foi temporalmente substituída por uma segunda declaração.
XXIV. A questão que se prende é saber se vigoram ambas as obrigações ou se a constituição da obrigação.
XXV. É nosso entender que não.
XXVI. Com a compra e venda do veículo automóvel acompanhada de termo de responsabilidade, estamos perante uma extinção da obrigação do primeiro comprador.
XXVII. Isto porque a obrigação que ele assume apenas faz sentido quando pensamos que se deve ao facto de:
A) O veículo não ter sido ainda registado em seu nome por facto a si imputado;
B) O veículo é sua propriedade, mesmo que não tenha procedido com o registo do mesmo junto da entidade competente;
C) A obrigação decorre de uma conduta imputada ao condutor do veículo após a celebração do contrato de compra e venda.
XXVIII. Ora, deste modo, tal obrigação apenas é exigível enquanto não se proceder ao registo e ao proprietário do veículo.
XXIX. Acontece que o aqui Recorrente não registou, pois vendeu, deixando assim de lhe ser exigível o registo em seu nome e, por consequência, o cumprimento de quaisquer obrigações.
XXX. Deste modo, apenas faz sentido concluir que a E…, assumindo a posição de proprietária do automóvel, assuma também todas as obrigações inerentes à figura do proprietário.
XXXI. Obrigação essa reforçada por documento escrito que foi devidamente anexado aos autos e cujo valor probatório foi desvalorizado em detrimento de idêntico documento anterior.
XXXII. Ora, somos a crer que a declaração da E… subsome a obrigação do Recorrente, porquanto dita a inutilidade e inaplicabilidade da obrigação deste, na medida em que deixa de ter razão de existir porquanto findou a relação comercial que acompanhou e foi base essencial para a declaração em questão.
XXXIII. O entendimento do tribunal a quo não só é errado como deixa em aberto a possibilidade de tal obrigação nunca mais cessar.
XXXIV. Isto porque, imaginemos que o Autor compra novamente o veículo, sem que a E… ou o actual titular registe.
XXXV. Continuará o aqui Recorrente a ser obrigado a pagar todas as despesas porque o veículo está registado em nome do Autor? Não nos parece que seja assim que se aplique Direito, no entanto, se seguirmos o raciocínio plasmado na sentença recorrida, será sempre esta a solução que tal tribunal aplicaria.
XXXVI. Deste modo, caso não se concorde com a extinção das obrigações do aqui Recorrente quando este procedeu com a venda do automóvel, consideramos pertinente recorrer ao espírito da lei através da análise da figura da novação subjectiva, prevista no artigo 858º do CC.
XXXVII. A novação consiste na substituição da pessoa do devedor, que ocorre mediante uma nova obrigação na qual um terceiro (segundo devedor) assume a obrigação do primeiro devedor, perante a mesma factualidade e perante o mesmo credor, substituindo, em termos gerais, a primeira obrigação.
XXXVIII. Em termos formais, os requisitos da novação não se encontram preenchidos, contudo estamos perante uma situação bastante semelhante, pelo que é expectável que os efeitos obrigacionais sejam, também no caso em apreço, transmitidos para o segundo comprador, que deverá assumir singularmente a obrigação aqui em causa.
XXXIX. Dita o senso comum que, entendendo de outro modo, o aqui recorrente sairá altamente prejudicado e directamente vitimado ao ser condenado no pagamento de um conjunto de multas e despesas tidas por posterior condutor do veículo, traduzindo-se tal condenação num prejuízo pecuniário directo e não exigível ao aqui Recorrente, em detrimento de um benefício económico de terceiro – o que consistirá, in máxime, em enriquecimento sem causa.
Deve, por todo o exposto, ser anulada a sentença que condena o aqui Recorrente no cumprimento da obrigação plasmada do termo de responsabilidade e, consequentemente, no pagamento do valor de €5.307,91, na medida em que tal obrigação se extinguiu com a venda do veículo a terceiro, que se obriga, singularmente, ao cumprimento do requerido pelo Autor nos presentes autos, sendo, então, o Recorrente, absolvido do pedido, aplicando-se, em sentido estrito, as normas e valores que servem de pilares ao Direito Português.

Foram apresentadas contra - alegações pelo autor, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

Foram colhidos os vistos legais.
II – QUESTÕES A RESOLVER

Como se sabe, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente importando decidir as questões nelas colocadas – e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso –, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – artºs. 635º, 639º e 663º, todos do Novo Código Processo Civil.
Assim, em face das conclusões apresentadas, é a seguinte a questão a resolver por este Tribunal:
- Saber se o termo de responsabilidade assinado pelo réu comprador de veículo automóvel tem eficácia após a entrega deste veículo a terceiro o qual assina idêntico termo de responsabilidade.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos dados como provados na 1ª instância são os seguintes (com a numeração constante da sentença recorrida, embora haja dois pontos seis):
1. O Autor foi dono do veículo ligeiro de passageiros, de matrícula “..-AZ-..”, que adquiriu, por compra, a F…, em 21.03.2011 – cfr. documento de fls. 9.
2. O Autor vendeu o aludido veículo, em 12.08.2011, a D…, residente na Praceta …, nº. …, ….-… …, tendo entregue a este a competente declaração de venda, para efeitos de registo, por ele assinada.
3. O identificado comprador não levou ao registo automóvel esta compra e venda.
4. Em 13.03.2012, o D… vendeu o veículo “..-AZ-..” ao Réu, tendo-lhe entregue a declaração de venda referida em 2.
5. O Réu não registou o automóvel em seu nome.
6. Ao adquirir o veículo, o Réu subscreveu o escrito intitulado “Termo de responsabilidade”, em 13.03.2012, no qual declara que “(…) 13.03.2012, com referência ao “..-AZ-..”, que “para todos os efeitos e para fazer fé em juízo se necessário (...), me responsabilizo por qualquer dano, acidente, multas, etc, provocados pela viatura acima referida, a partir de 13.03.2012, enquanto esta estiver averbada em nome de B…, pois nesta data me foram entregues os seguintes documentos: livrete, título de registo de propriedade, modelo dois, declaração de compra de selo, documentos de inspecção e requerimento de extinção de propriedade” – cfr. documento de fls. 20 que se dá por integralmente reproduzido.
6. O veículo de matrícula ..-AZ-... deixou de estar averbado em nome do Autor em 8.05.2014, quando foi vendido a H…, SA - cfr. documentos de fls. 19 verso, 174 e 175 que, no mais se dão por integralmente reproduzidos.
7. Desde 12.08.2011, ininterruptamente e até hoje, que Autor deixou de utilizar o veículo de matrícula “..-AZ-..”, não mais o tendo conduzido, ou determinado a respetiva condução, não mais tendo nele sido transportado, não mais o tendo guardado em instalações suas, não mais o tendo abastecido de combustível, não mais tendo procedido à respetiva manutenção e revisões, não mais tendo pago o imposto de circulação, não mais mantendo o seguro de responsabilidade civil automóvel, não mais com ele tendo passado em quaisquer pórticos de portagens de auto estradas.
8. Desde a data da venda do veículo referida em 2), o Autor tem vindo a ser objeto de dezenas de processos de contra-ordenação, por falta de pagamento de taxas de portagem relativos a passagens do veículo de matrícula “..-AZ-..” pelos pórticos das auto estradas, em datas posteriores a 13.03.2012 – cfr. documentos de fls. 20 verso a 102 e 124 a 131, que se dão por integralmente reproduzidos.
9. O Autor tem-se defendido, quer pronunciando-se pelo arquivamento dos processos de contra-ordenação, quer deduzindo oposições, quer prestando cauções, sempre alegando que nunca utilizou o veículo de matrícula “..-AZ-..” em pórticos das auto estradas no período posterior a 13.03.2012 - cfr. documentos de fls. 102 verso a 123 verso.
10. Até à data da propositura da ação, por força das passagens do veículo de matrícula “..-AZ-..” pelos pórticos das estradas sujeitas a portagem, a partir de 13.03.2012, o Autor já gastou a quantia de, pelo menos, 5.307,91€.
11. O Réu entregou o veículo de matrícula ..-AZ-.., em 22.03.2012 a E…, Lda., a qual subscreveu uma declaração intitulada “Termo de Responsabilidade” na qual declara que “ (…) para todos os efeitos e para fazer fé em juízo se necessário (...), me responsabilizo por qualquer dano, acidente, multas, etc., provocados pela viatura de marca Mercedes, modelo …, com matrícula ..-AZ-.. a partir de 13 de março de 2012, enquanto estiver averbado em nome de B…. Mais declara que na presente data lhe foram entregues o livrete e título de registo de propriedade, modelo dois, declaração de compra de selo, documentos de inspeção e requerimento de extinção de propriedade” – cfr. documento de fls. 147 verso, que se dá por integralmente reproduzido.

Não se provaram os factos alegados nos artigos 2º, 3º e 11º da contestação.
Relativamente aos factos alegados no artigo 4º da contestação, provou-se apenas o que consta no ponto 11) dos factos provados.
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O réu/apelante interpôs recurso contra a sentença recorrida pugnando pela sua “anulação” e a sua consequente absolvição do pedido por entender que o veículo automóvel AZ não estava registado em seu nome e além disso uma vez que vendeu aquele veículo a terceiro, que subscreveu idêntico termo de responsabilidade ao que ele próprio havia subscrito, em que assume a responsabilidade por qualquer dano, acidente e multas provocados pelo AZ, a partir de 13/03/2012 e enquanto aquele estiver averbado em nome do autor, o termo de responsabilidade por si assinado perde eficácia.
Na sentença recorrida, para responsabilizar o réu, escreveu-se o seguinte:
“Pela presente ação o Autor pretende a restituição da quantia que despendeu em multas, e outras despesas associadas à utilização do veículo de matrícula ..-AZ-.. de que foi proprietário e, que após a venda do veículo, teve que suportar em virtude de o veículo não ter sido registado em nome do comprador.
Fundamenta o seu pedido na declaração escrita pelo Réu, através da qual este declara responsabilizar-se “por qualquer dano, acidente, multas, etc., provocados pela viatura acima referida, a partir de 13.03.2012, enquanto esta estiver averbada em nome de B…, pois nesta data me foram entregues os seguintes documentos: livrete, título de registo de propriedade, modelo dois, declaração de compra de selo, documentos de inspecção e requerimento de extinção de propriedade.”
Ora, provou-se não só que o Autor desde a data da venda do veículo, 13.03.2012, nunca mais o utilizou, nem o teve na sua disposição, como também que o veículo não foi registado em nome do Réu, mas este assinou a referida declaração assumindo a responsabilidade por qualquer despesa inerente ao mesmo enquanto o veículo não fosse registado em nome de outra pessoa, que não o Autor.
Para além de não ter cumprido com a sua obrigação de promover o registo, o Réu assumiu também a responsabilidade pelas eventuais despesas relativas ao veículo, enquanto permanecesse registado em nome do Autor.
Face às normas em vigor sobre registo automóvel (Registo da Propriedade Automóvel – Decreto 54/75, de 12 de Fevereiro e Regulamento do Registo de Automóveis – DL 54/75, ambos com várias alterações ao longo da sua vigência), o adquirente do direito de propriedade de um veículo fica obrigado a efetuar o averbamento da transferência de propriedade no registo automóvel, no prazo de 60 dias, a contar da data da venda do veículo.
Quem constar como titular do direito sobre o veículo no registo automóvel é responsável perante terceiros.
No caso, o Autor entregou a viatura e todos os documentos, incluindo declaração para efeitos de transferência do registo da titularidade do direito de propriedade sobre o veículo, mas nem o primeiro comprador, nem o segundo, ora Réu, averbaram a titularidade da propriedade a seu favor no Registo Automóvel.
O Réu adquiriu o veículo ao Autor e dele foi proprietário (embora não registado).
O veículo apenas deixou de estar averbado em nome do Autor em 08.05.2014.
O primeiro comprador e o Réu, segundo comprador, incumpriram assim a sua obrigação legal de inscrever a titularidade do direito de propriedade do veículo a seu favor no registo automóvel. Tal implicou que o Autor tenha sido chamado a responder por falta de pagamento de portagens, pelo que o Réu é responsável, constituindo-se na obrigação de indemnizar o Autor pelos prejuízos resultantes do incumprimento da sua obrigação legal de registar, nos termos dos artigos 798.º e seguintes do Código Civil.
De resto, tal responsabilidade também foi assumida pelo Réu, através do “Termo de Responsabilidade” que subscreveu, no qual assumiu a responsabilidade pelas eventuais despesas relativas ao veículo, enquanto permanecesse registado em nome do Autor – cfr. art. 458º do Código Civil.
O facto de o Réu ter obtido idêntica declaração da firma E…, a quem entregou o veículo, não o isenta da responsabilidade perante o Autor.
Nos termos dos artigos 562.º e seguintes do Código Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o facto gerador do dano e em relação aos danos que provavelmente o lesado não teria sofrido se a lesão não se tivesse verificado, abrangendo-se danos emergentes e lucros cessantes, podendo atender-se a danos futuros previsíveis que se não forem determináveis serão fixados em decisão ulterior, sendo possível a indemnização ser fixada em dinheiro, nos termos do art.º 566.º, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial atual do lesado e a que teria se não se tivessem verificado os danos.
No n.º 3, deste artigo, dispõe-se que se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal, dentro dos limites dados como provados, julgará equitativamente.
Assim tem o Autor o direito de exigir do Réu o pagamento dos valores relativos às coimas e despesas que teve que suportar por força das passagens do veículo ...-AZ-.. pelos pórticos das estradas sujeitas a portagem entre 13.03.2012 e 08.05.2014.
Ascendem tais valores ao montante global de 5.307,91€, a que acrescem os juros – à taxa supletiva legal estipulada para os juros civis, e que atualmente, tal como então, se cifra em 4%, à luz da portaria nº 291/2003 de 8/4 – a partir da data da citação e até efetivo e integral pagamento”.
Para a resolução da questão acima enunciada, importa reter a seguinte factualidade provada:
- O autor foi dono do veículo AZ;
- O autor vendeu tal veículo em 12/08/2011 a D…;
- Este nunca registou o veículo automóvel em seu nome;
- Em 13/03/2012, o D… vendeu o AZ ao réu;
- O réu também não registou o veículo AZ em seu nome;
- Ao adquirir o AZ em 13/03/2012, o réu subscreveu termo de responsabilidade em que assume a sua responsabilidade por qualquer dano, acidente e multas provocados pelo AZ, a partir de 13/03/2012 e enquanto aquele estiver averbado em nome do autor;
- Em 22/03/2012, o réu entregou o AZ a E…, Lda., a qual subscreveu idêntico termo de responsabilidade àquele que havia sido subscrito pelo réu;
- Desde a data da 1ª venda – 12/08/2011 – o autor tem vindo a ser objecto de dezenas de processos de contra-ordenação, por falta de pagamento de taxas de portagens relativos a passagens do AZ pelos pórticos das auto-estradas, no período posterior a 13/03/2012;
- Desde 13/03/2012 e até à data da propositura da presente acção em 04/03/2015 (cfr. fls. 31 dos autos), por força das passagens do AZ pelos pórticos das estradas sujeitas a portagem, o A. gastou a quantia de €5.307,91;
- Desde 12/08/2011, ininterruptamente e até hoje, o autor nunca mais utilizou o AZ;
- Apenas em 08/05/2014, o AZ deixou de estar averbado em nome do autor.

Decorre da factualidade acabada de enunciar que, muito embora não resulte dos factos provados que o réu vendeu a viatura AZ à sociedade E…, Lda., a qual subscreveu termo de responsabilidade idêntico ao que ele próprio subscreveu, resulta evidente de tal matéria que, a partir da data da entrega do AZ a esta sociedade em 22/03/2012, esta passou a ter na sua esfera de controlo o referido veículo.
Em princípio, a responsabilidade do réu que, apenas dispôs do aludido veículo na sua esfera jurídica, 9 dias, deveria limitar-se ao período que decorreu entre a subscrição do termo de responsabilidade que assinou em 13/03/2012 e a data da subscrição do 2º termo de responsabilidade pela E…, Lda. em 22/03/2012.
No entanto, a nosso ver, este segundo termo de responsabilidade não consome o primeiro, pese embora conste daquele a data da aquisição do AZ por parte do réu e não a da entrega do veículo a esta sociedade.
E isto, porque, tendo o réu apenas na sua posse, o aludido veículo, 9 dias, incumbia-lhe providenciar para que a compradora E…, Lda. registasse o veículo na respectiva titularidade, o que não fez.
É certo que a validade e eficácia do contrato de compra e venda de um veículo automóvel não estão dependentes da efectivação do registo do direito de propriedade, apesar de este ser obrigatório (artº 5º nº 2 do DL nº 54/75, na redacção do artº 2º do DL nº 461/82 de 26/11) – neste sentido, cfr. ac. do TRP de 26/02/2009 (relatora Deolinda Varão), consultável em www.dgsi.pt.
De resto, essa obrigatoriedade tem como única sanção a prevista no nº 3 do artº 5º do DL nº 54/75 (na redacção do DL nº 461/82 de 26/11): na falta de registo, as autoridades a quem compete a fiscalização das leis de trânsito devem apreender o veículo e respectivos documentos, que serão remetidos à conservatória, onde ficarão até que o registo seja efectuado (vide ac. citado).
No entanto, o veículo AZ desde que foi entregue em 22/03/2012 a E…, Lda. pelo réu esteve na posse desta até 08/05/2014, altura em que foi registado em nome de H…, SA (cfr. pontos 6 e 11 da mat. dada como provada), sem que aquela sociedade o registasse em seu nome, como se lhe impunha.
O réu poderia ter requerido o chamamento da sociedade E…, Lda. aos autos, afim de esta ser co-responsável no pagamento da quantia peticionada pelo autor, mas não o fez, sendo, por isso, o único responsável pelo pagamento da quantia peticionada pelo autor.
Só lhe resta, em nosso entender, intentar acção contra a E…, Lda., invocando direito de regresso.
Não é ao autor que incumbe indagar quais foram sendo os sucessivos detentores/compradores do veículo AZ até porque nenhum deles efectuou o registo automóvel até 08/05/2014.
O autor só sabe a quem vendeu.
Parece-nos óbvio que, peticionando o autor a quantia de €5.307,91 desde a data de 13/03/2012, deve o réu ser responsabilizado por tal montante, como a nosso ver, bem fez a sentença recorrida, uma vez que subscreveu o termo de responsabilidade desde a data da compra do AZ em 13/03/2012 e enquanto o veículo permanecesse registado em nome do autor.
É da mais elementar justiça concluir que o autor não pode ser responsabilizado pelas inúmeras infracções cometidas pelo veículo AZ, aquando da sua passagem pelos pórticos das estradas sujeitas a portagem, quando tal veículo era já propriedade de terceiro(s).
Assiste, assim, inteira razão, à sentença recorrida, quando afirma que “O facto de o Réu ter obtido idêntica declaração da firma E…, a quem entregou o veículo, não o isenta da responsabilidade perante o Autor”.
Improcede, por isso, a apelação.
V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo réu/apelante.
(Processado por computador e integralmente revisto pela Relatora)
Porto, 03/04/2017
Maria José Simões
Abílio Costa
Augusto de Carvalho