Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
648/18.7T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DECISÃO SURPRESA
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: RP20201027648/18.7T8VLG.P1
Data do Acordão: 10/27/2020
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DECLARAÇÃO DE VOTO
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Com o preceituado no art. 3º, nº 3 do Cód. de Proc. Civil [princípio do contraditório] pretende-se também impedir que, a coberto da liberdade de aplicação das regras de direito ou da oficiosidade do conhecimento de certas exceções, as partes sejam confrontadas com soluções jurídicas inesperadas ou surpreendentes, por não terem sido objecto de qualquer discussão.
II - Inexiste decisão surpresa quando o tribunal, mantendo-se sempre dentro dos limites da causa de pedir invocada pelo autor na petição inicial e da matéria alegada pelo réu em sede de contestação, toma decisão baseada em entendimento que, por apoiado em normas processuais precisas e vir na sequência de anteriores decisões proferidas no processo, deveria ter sido prognosticado pelo réu.
III - O recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, fundado em oposição de acórdãos, pressupõe sempre o trânsito em julgado do acórdão recorrido e do acórdão-fundamento.
(Da responsabilidade do relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 648/18.7 T8VLG.P1
Comarca do Porto – Instância Central Cível – Juiz 5
Apelação
Recorrentes: B… e C…
Recorrida: “D…, Lda.”
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Carlos Querido
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
A autora “D…, Lda.”, com sede na Rua …, nº …, sala …, Gondomar intentou a presente ação, com forma comum, contra os réus B… e C…, residente na Rua …, …, …, Valongo, tendo formulado os seguintes pedidos:
A) Declarar-se a autora dona e legítima proprietária da fração identificada no art. 1º da petição inicial;
B) Condenar-se os réus a reconhecer o direito de propriedade da autora sobre a fração em causa, que vem sendo ocupada pelos mesmos;
C) Condenar-se os réus a restituir à autora, livre e desocupado de pessoas e coisas e imediatamente a mencionada fração, que ilicitamente vêm ocupando;
D) Condenar-se os réus, a pagar a título de indemnização pelos danos resultantes do ilícito em causa a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, acrescida de juros à taxa legal supletiva, desde a citação até integral pagamento;
E) Condenar-se os réus condenados a indemnizar a autora, em montante a fixar pelo Tribunal, mas que se estima não dever ser inferior a 1.000,00€, a título de danos morais, acrescido de juros de mora até integral pagamento.
Os réus vieram apresentar contestação, na qual declaram que não aceitam nem reconhecem o direito de propriedade da autora, sendo infundada a presente acção. Alegam, configurando-o como exceção, que a venda da fração à autora foi impugnada judicialmente pelos réus em ação que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, não havendo até ao momento decisão transitada em julgado, de tal modo que a autora está a reclamar e a fazer-se valer de um direito de propriedade que não lhe é reconhecido.
Pedem assim a improcedência da ação.
A autora exerceu direito de contraditório relativamente à matéria enquadrada na contestação como exceção.
Em 15.3.2019 foi proferido o seguinte despacho judicial:
“Uma vez que a situação invocada pelos réus na sua contestação poderá corresponder a eventual causa prejudicial de suspensão desta causa (cfr. art.º 272.º do Código do Processo Civil), determino a sua notificação para, em 10 dias, demonstrarem o estado do processo administrativo referido e do recurso nele interposto e que esteja ainda pendente, mediante apresentação de certidão judicial instruída com tal informação e com as peças processuais pertinentes.”
Depois, em 26.4.2019 foi proferido o seguinte despacho:
“Notifique novamente os réus, nos termos e para os efeitos determinados no anterior despacho, sob pena de condenação em multa por falta de colaboração com o Tribunal e ainda de oficiosamente se determinar a requisição das competentes certidões e os respectivos encargos serem custeados a título de custas processuais.”
A ré, em 10.5.2019, veio informar que se encontra a aguardar resposta do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra e assim que a tiver junta a certidão aos autos, pelo que requer a prorrogação do prazo que lhe foi concedido por mais 10 dias.
Esta pretensão foi deferida.
Em 11.6.2019 foi proferido o seguinte despacho judicial:
“Notifique os réus para, no prazo de 10 dias, informarem os autos sobre a resposta do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra ao pedido por si formulado de fls. 86 verso.
Decorrido o aludido prazo sem que nada seja dito ou requerido pelos réus, oficie junte do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, solicitando que informe o estado em que se encontra o processo n.º 330/13.1BECBR.”
A ré juntou documentação em 12.6.2019.
Em 10.9.2019 foi proferido o seguinte despacho judicial:
“A certidão ora junta pelos réus, em 12/06/2019, é cópia, parcelar e acompanhada de um requerimento de interposição de recurso sobre o qual não se conhece apreciação jurisdicional (porque nada mais foi junto pelos réus), de uma outra certidão que já havia sido junta ao processo (fls. 50 e seguintes).
O que foi determinado pelo tribunal, conforme consta de despacho de 15/03/2019 não se mostra integralmente cumprido pelos réus, tendo estes apresentado uma resposta tardia e incompleta, causando dilação na decisão do tribunal acerca da questão da eventual prejudicialidade da causa administrativa sobre estes autos.
Por conseguinte, solicite ao Tribunal Central Administrativo Norte, mormente ao processo identificado a fls. 93 que informe da data do trânsito em julgado da decisão proferida, mais pedindo a junção de cópia do acórdão proferido e do requerimento de recurso, bem como da decisão que sobre este recaiu e ainda decisão final que tenha entretanto sido proferida.
Os encargos desta requisição serão suportados pelos réus, na medida em que, não tendo respondido atempada e cabalmente ao ordenado, são responsáveis pela diligência e pela actividade processual a que deram origem.”
A informação solicitada ao Tribunal Central Administrativo Norte (proc. 330/13.1BECBR) foi junta ao processo em 26.9.2019, dela resultando que, em 29.1.2015, por acórdão foi negado provimento ao recurso interposto por B…, tendo depois, por este sido, interposto recurso por oposição de acórdãos.
Em 22.10.2019 foi proferido o seguinte despacho judicial:
“Tomei conhecimento do ofício antecedente e das cópias que o acompanham, dando conta do estado atual do processo n.º 330/13.1BECBR.
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Nos presentes autos, é pedida, em síntese, a declaração do reconhecimento da propriedade da autora sobre o imóvel identificado na petição inicial e a condenação dos réus no reconhecimento dessa qualidade à autora, com restituição do referido bem, livre de pessoas e bens, fazendo cessar a ocupação que dele vêm fazendo ilegitimamente.
Os réus defenderam-se, afirmando que a propriedade do imóvel lhes cabe, porque a aquisição do referido prédio pela autora, através de venda em processo de execução fiscal, mostra-se inquinada de vício que motiva a sua anulação, e que se encontra a ser discutido no âmbito do processo acima identificado, no qual se impugnou judicialmente a dita venda.
Está pendente ação judicial, acima mencionada, atualmente no Tribunal Central Administrativo Norte, com decisão de 29/01/2015, aguardando porém decisão sobre recurso por oposição de acórdãos, interposto pelo ora réu B….
Nessa ação está em discussão a validade do negócio que fundou a aquisição da propriedade da autora, que baseia o seu pedido primordial neste processo. O que significa que há uma relação de dependência entre a decisão destes autos e a decisão da ação administrativa, pois nela se decide, em última análise, da propriedade daquela parte do imóvel, o que tem repercussão na apreciação da presente causa.
Sucede que a suspensão deste processo com esse fundamento implicaria um protelamento excessivo e danoso para os interesses aqui em confronto, com prejuízos sérios para ambas as partes caso se decidisse nesse sentido.
Com efeito, não podemos esquecer que o facto aquisitivo ocorreu já em 2013, que já houve pelo menos duas decisões no processo administrativo ainda em curso com a mesma conclusão jurídica (isto é, negando provimento ao aqui réu) e que esses autos apenas continuam pendentes, porque, após a última decisão admissível, proferida em 29/01/2015 pelo Tribunal Central Administrativo Norte, o aí autor e recorrente ainda veio interpor um outro recurso, de natureza extraordinária, mediante requerimento de 18/02/2015, que não foi, até à data, apreciado.
Ou seja, perante a data da prolação da última decisão do processo administrativo (29/01/2015), o tempo entretanto decorrido sem que haja conhecimento sobre o requerimento de recurso extraordinário aí interposto até à presente data, bem como a natureza do recurso intentado, julgamos que os prejuízos decorrentes de uma suspensão desta instância com fundamento na pendência dessa causa prejudicial ultrapassariam as respetivas vantagens.
Considerando os interesses aqui em confronto, a fase em que estes autos se encontram e o descrito estado do processo administrativo referido, entendemos que a suspensão desta instância iria trazer desvantagem séria à autora, por ver ainda mais protelado o conhecimento da causa instaurada, mas igualmente aos réus, na medida em que, considerando o pedido formulado de condenação em pagamento de indemnização, a concluir-se pelo seu deferimento, a sua condenação poderia ser mais onerosa por força do tempo entretanto decorrido e da posição eventualmente infundada assumida pelos réus neste pleito e no processo administrativo.
Nesta conformidade, não obstante existir uma relação de prejudicialidade entre o processo administrativo identificado e esta causa, não se ordenará a sua suspensão, ao abrigo do disposto na parte final do n.º 2 do art.º 272.º do Código do Processo Civil.
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Compulsados os autos, com vista a decidir sobre a convocação ou dispensa de realização da audiência prévia, com subsequente prolação de despacho saneador, verificou-se que a autora atribuiu à causa o valor de €5.000,01.
Nos termos do art.º 306.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que recai sobre as partes.
De acordo com o preceituado no art.º 296.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, o valor da causa representa a utilidade económica imediata do pedido, atendendo-se a esse valor para determinar a competência do tribunal (n.º 2).
Por seu turno, o art.º 302.º, n.º 1, do Código do Processo Civil estabelece que, quando a acção tiver por objeto fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa, o valor da causa deve corresponder ao valor dela.
No caso vertente, a autora pretende o reconhecimento da sua propriedade sobre um prédio, tendo juntado aos autos certidão do registo predial e da caderneta predial urbana respetivas, resultando desta que o valor patrimonial atual é de €55.875,95.
A autora atribuiu à causa um valor que não tem qualquer aproximação à valia da coisa.
Por conseguinte, e em conformidade com o disposto no art.º 296.º, n.º 1, 301.º, n.º 1, e 306.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, fixa-se á presente ação o valor de €55.875,95.
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Por força da fixação deste valor à causa, verifica-se que é este Juízo Local Cível incompetente em razão do valor, para o conhecimento do pleito – art.º 102.º do Código do Processo Civil – pois cabe ao Juízo Central Cível a preparação e o julgamento das ações declarativas de processo comum de valor superior a €50.000,00 (art.º 117.º, n.º 1, a), da Lei da Organização do Sistema Judiciário).
Por conseguinte, declaro este Juízo Local Cível incompetente em razão do valor, para esta ação, devendo esta ser remetida, nos termos do art.º 310.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, após trânsito em julgado, ao tribunal competente (Juízo Central Cível da Comarca do Porto).”
Em 14.11.2019 foi proferido o seguinte despacho:
“Solicite ao processo identificado a fls. 32 informação sobre o estado dos autos e, caso tenha transitado em julgado a decisão final de mérito, cópia certificada da mesma.”
Em 5.2.2020 foi dada informação no sentido de que no proc. 330/13.1BECBR foi proferido acórdão, tendo sido interposto recurso.
Seguidamente, por despacho de 10.2.2020 foi designada data para a realização de audiência prévia, tendo-se consignado o seguinte:
“… A audiência abrangerá todas as finalidades previstas na lei (art. 591.º do CPC), pois todas elas são efetivamente pertinentes ao caso concreto.
(…).
Finalmente, também desde já se consigna, para eventual exercício do direito de se pronunciarem - cfr. o art. 3.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civ. -, que, no caso de virem a verificar-se posições contraditórias e incompatíveis, a conduta das partes poderá ser apreciada nos quadros do instituto da litigância de má fé.
(…)”
Em 20.3.2020 foi proferido o seguinte despacho:
“Dispõe o n.º 1 do art. 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março – produzindo efeitos desde a data da produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março (art. 10.º), isto é, desde data não ulterior a 13 de março de 2020, e com vigência até “data a definir por decreto-lei” (art. 7.º, n.º 2) – que, “sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais (…) que devam ser praticados no âmbito dos processos (…) que corram termos nos tribunais judiciais (…) aplica-se o regime das férias judiciais (…)”. A principal ressalva feita (“sem prejuízo do disposto nos números seguintes”), no que para o caso releva, diz respeito à possibilidade da “prática de quaisquer atos processuais (…) através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente por teleconferência ou videochamada”, sempre que for “tecnicamente viável” (n.º 8).
Sobre o momento da prática dos atos processuais, dispõe o art. 137.º do CPC:
“1 - Sem prejuízo de atos realizados de forma automática, não se praticam atos processuais nos dias em que os tribunais estiverem encerrados, nem durante o período de férias judiciais.
2 - Excetuam-se do disposto no número anterior as citações e notificações, os registos de penhora e os atos que se destinem a evitar dano irreparável.
3 - Os atos das partes podem ser praticados por via eletrónica ou através de telecópia em qualquer dia e independentemente da hora da abertura e do encerramento dos tribunais.
4 - Os atos das partes praticados por forma presencial junto do tribunal, nomeadamente a entrega de quaisquer articulados, requerimentos ou documentos, devem ser praticados durante as horas de expediente dos serviços”.
No processo vertente, a diligência marcada encontra-se agendada para uma data em que, seguramente, ainda não terá sido declarada cessada, pela autoridade nacional de saúde pública, a “situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID -19”. Impõe-se, em conformidade, proceder ao reagendamento da audiência marcada, pois não se vê como viável a sua realização com recurso a teleconferência ou videochamada, sem utilização das instalações do tribunal.
Desmarca-se a diligência já agendada.
Notifique as partes para que, no prazo de 5 dias, informem se se opõem (fundadamente) a que a apreciação das questões prévias e, eventualmente, o conhecimento antecipado do mérito da causa – se o estado dos autos o permitir – tenham lugar imediatamente por escrito, com dispensa da audiência prévia – arts. 6.º e 547.º do CPC.
A elaboração dos temas da prova, se tiver lugar, poderá ser feita, propositadamente, com recurso a conceitos de direito, pois trata-se de uma mera ferramenta de orientação da instrução, e não do objeto da pronúncia de facto, não havendo vinculação temática. O objecto do litígio coincide, salvo oposição, com o enunciado do pedido.
Se as partes não se opuseram fundadamente ao conhecimento das questões pendentes imediatamente por escrito, podem no prazo de 5 dias, acrescentar às razões de direito já aduzidas nos articulados o que ainda tiverem por pertinente – considerando-se que mantêm as suas posições, se nada disserem –, bem como, desde já, aperfeiçoar os seus requerimentos probatórios.
*
Convidam-se as partas a, existindo, explorarem nesta fase as possibilidades de acordo, entrando em contacto através dos seus patronos forenses, informando os autos sobre o resultado destas diligências extraprocessuais. A anomalia processual vivida poderá durar meses, o que reforça a utilidade de as partes procurarem, desde já, explorar todas as vias de obtenção de um acordo.
Notifique.”
A autora veio informar “…de que não se opõe a que a apreciação das questões prévias e, eventualmente o conhecimento antecipado do mérito da causa, tenham lugar imediatamente por escrito, com dispensa de audiência prévia – art. 6º e 547º do CPC”.
Os réus expuseram o seguinte:
“1.º Que não se opõe à dispensa de realização da audiência prévia; e
2.º Que nada mais tem a acrescentar ou a requerer além do que já alegou em sede de articulado apresentado, para o qual remete por questões de economia processual.
Termos em que conclui como em sede de contestação.”
Em 29.3.2020 o Mmº Juiz “a quo”, conhecendo imediatamente do pedido, proferiu a seguinte decisão:
“Pelo exposto, julgo a ação provada e procedente e, em conformidade:
a) declara-se que a autora, D…, Lda., é proprietária da fração autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial na ficha n.º 3790 – I/Valongo;
b) condenam-se os réus, B… e C…, a restituírem à autora a fração referida na alínea anterior;
c) condenam-se os réus no pagamento à autora da quantia mensal correspondente ao valor locativo da fração, por cada mês de calendário decorrido entre abril de 2018, inclusive, e o mês da sua entrega à autora, relegando-se a liquidação deste dano para incidente pós-decisório.
No mais, vão os réus absolvidos do pedido.
Condeno os réus, como litigante de má-fé, no pagamento solidário de uma multa processual no valor de 20 UC.
Custas a cargo dos réus, sem prejuízo de apoio judiciário, na proporção de ½ e a cargo da autora na proporção de ½.”
Os réus, inconformados com o decidido, interpuseram recursos de apelação, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos, na firme convicção que a mesma enferma de nulidade, ao abrigo do disposto no art.º 195.º, do CPC., atenta o incumprimento de várias formalidades legalmente prescritas e que, em boa verdade, influenciam o exame e a decisão da causa bem como, de uma errada e insuficiente qualificação jurídica que serviu de base à decisão, a qual vai em sentido bem diferente daquele que, Vossas Excelências, elegerão, certamente, como mais acertada, depois da necessária reponderação dos pertinentes pontos da matéria de facto e de direito, e à luz dos meios probatórios disponíveis.
2. O objecto do presente recurso consubstancia-se na impugnação da decisão proferida pelo Tribunal a quo nos seguintes termos:
- o ter sido julgado improcedente a Contestação apresentada pelos RR. de suspensão do presente processo enquanto não houver decisão judicial transitada em julgada pelo Tribunal Central Administrativo.
- o tribunal a quo não se ter pronunciado quanto ao pedido formulado pelos RR., (até à presente data):
3. Desde logo, salvo o devido respeito, jamais os ora Recorrentes poderão concordar com o entendimento do Tribunal recorrido.
4. Desta forma, violou o Meritíssimo Juiz a quo uma das formalidades do artigo 3.º n.º 3 do C.P.C.
5. Nestes termos, cumpre concluir que, atento o supra exposto a decisão, aqui em apreço é nula atenta a preterição de formalidades essenciais legalmente consignadas.
I – Erro de Julgamento
II- Da Violação do Princípio do Contraditório:
6. No seguimento daquilo que já supra melhor se mencionou, os fins do Processo Civil, resumidamente, são os de, em contraditório, determinar a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, proferir o despacho destinado a identificar o objecto do litígio.
7. Acontece que, não obstante a existência de matéria controvertida, o Meritíssimo Juiz a quo, entendeu que os autos já possuíam todos os elementos necessários à decisão sobre o mérito da causa e, como tal, proferiu o respectivo despacho, proferindo decisão no âmbito dos presentes autos.
8. Porém, ao arrepio da lei, designadamente, ao abrigo do disposto no art.º 3.º n.º 3 do C.P.C., o Tribunal recorrido decidiu sobre o mérito da causa sem facultar às partes a discussão da matéria de facto e de direito.
9. Ora, a audição das partes quanto à matéria de facto e de direito constitui uma formalidade legalmente imposta pelo artigo 3.º n.º 3 do C.P.C., cuja violação acarreta a nulidade da decisão o que, desde já se invoca, com todas as consequências legais daí decorrentes.
10. Deste modo, violou o Meritíssimo Juiz a quo um dos mais elementares princípios processuais, nomeadamente, o princípio do contraditório consagrado no artigo 3.º n.º 3 do CPC.
11. Face ao exposto, não restam dúvidas de que a prolação da decisão é proferida com preterição de uma formalidade essencial e, que se encontra prescrita na lei, ou seja, foi a mesma efectuada sem que as partes tivessem oportunidade de se pronunciar em relação às questões de facto e de direito.
12. Em face disso e, uma vez que a omissão de tal formalidade influi no exame ou na decisão da causa, tal decisão é nula, atenta a violação do art.º 3º n.º 3 do CPC.
13. Assim sendo e, sempre com o devido respeito, a verdade é que, muito mal andou o Tribunal de que se recorre.
14. Em suma, não se conformam, de modo algum, os ora apelantes com a douta decisão em crise, por entender que a decisão judicial proferida é, nula, atenta a violação de formalidades legais, conforme supra melhor se explanou, com todas as consequências legais daí decorrentes.
Pretendem assim que seja revogada a decisão recorrida.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito dos recursos, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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As questões a decidir são as seguintes:
I - Violação do princípio do contraditório;
II Trânsito em julgado do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte.
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OS FACTOS
É a seguinte a factualidade dada como provada na decisão recorrida:
1. A propriedade
1 – Em 23 de janeiro de 2013, foi adjudicada à autora a fração autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial na ficha n.º 3790 – I/Valongo, no âmbito da venda realizada no processo de execução fiscal n.º 0760200701007815, em que era executado o ora réu.
2 – Em 23 de janeiro de 2013, pela apresentação n.º 1641, foi inscrita a favor da autora a aquisição da fração autónoma referida no ponto 1 – factos assentes –, por adjudicação em processo de execução fiscal.
3 – Os réus ocupam a fração identificada no ponto 1 – factos assentes –, sem o consentimento da autora e contra a vontade desta.
2. A impugnação da venda
4 – O réu arguiu perante a jurisdição administrativa a nulidade da venda referida no ponto 1 – factos assentes –, reclamação à qual foi atribuído o número de processo 330/13.1BECBR, da 2.ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra.
5 – Em 27 de fevereiro de 2014, no processo n.º 330/13.1BECBR, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra foi julgada improcedente a reclamação de nulidade referida no ponto 4 – factos assentes.
6 – Em 20 de março de 2014, no processo n.º 330/13.1BECBR, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra foi admitido recurso da sentença referida no ponto 5 – factos assentes –, ao qual foi atribuído efeito meramente devolutivo.
7 – Em 29 de janeiro de 2015, por acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, foi julgado improcedente o recurso referido no ponto 6 – factos assentes.
8 – Em 18 de fevereiro de 2015, o réu interpôs “recurso por oposição de acórdãos” da decisão referida no ponto 7 – factos assentes – “para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos dos artigos 280.º, n.º 2, e 284.º, n.º 1, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
3. Os danos
9 – Em resultado da conduta dos réus, a autora encontra-se impedida de explorar a fracção acima identificada através do seu arrendamento.
10 – A autora alega ter sofrido inquietação, insatisfação, incómodos e perturbações com a atitude dos réus.
4. A litigância das partes
11 – Alegaram os réus que “intentaram ação administrativa (…) que, com o processo n.º 330/13.1 BECBR, corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, Unidade Orgânica 2, não havendo até à presente data decisão judicial transitada em julgado”.
12 – Alegaram os réus “que foi interposto recurso sobre essa sentença e que o mesmo não se encontra concluso, até à presente data”, referindo-se à sentença referida no ponto 5 – factos assentes – e ao recurso referido no ponto 6 – factos assentes.
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O DIREITO
I – Violação do princípio do contraditório
Os recursos interpostos têm como principal fundamento a violação por parte do Mmº Juiz “a quo” do princípio do contraditório previsto no art. 3º, nº 3 do Cód. de Proc. Civil, o que teria como consequência a nulidade da decisão proferida por força do disposto no art. 195º do mesmo diploma legal.
Com efeito, na perspectiva dos réus/recorrentes, o tribunal recorrido proferiu decisão sobre o mérito da causa sem facultar às partes a discussão da matéria de facto e de direito.
Vejamos então.
O princípio do contraditório acha-se previsto no art. 3º, nº 3 do Cód. do Proc. Civil onde se estatui que «o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito e de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem
Assegura-se assim o tratamento paritário de ambas as partes ao longo de todo o processo, como garantia de uma decisão mais justa e imparcial e como seu corolário, cada uma das partes é regularmente chamada a deduzir as suas razões, não podendo ser decidida qualquer questão sem que o princípio do contraditório seja respeitado – cfr. Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, I volume, 2ª ed., págs. 75/6.
Por seu turno, Manuel de Andrade (in “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pág. 379), discorrendo sobre a mesma matéria, diz-nos que o princípio do contraditório impõe que cada uma das partes seja chamada a deduzir as suas razões – de facto e de direito – a oferecer as suas provas, a controlar as provas do adversário e a discretear sobre o valor e resultados de umas e outras.
A regra do nº 3 do art. 3º do Cód. de Proc. Civil pretende ainda impedir que, a coberto da liberdade de aplicação das regras de direito [art. 5º, nº 3] ou da oficiosidade do conhecimento de certas exceções, as partes sejam confrontadas com soluções jurídicas inesperadas ou surpreendentes, por não terem sido objecto de qualquer discussão – cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., pág. 22.
É certo que o entendimento amplo da regra do contraditório “não limita obviamente a liberdade subsuntiva ou de qualificação jurídica dos factos pelo juiz – tarefa em que continua a não estar sujeito às alegações das partes relativas à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (…); trata-se, apenas e tão somente, de, previamente, ao exercício de tal “liberdade subsuntiva” do julgador, dever este facultar às partes a dedução das razões que considerem pertinentes, perante um possível enquadramento ou qualificação jurídica do pleito, ou uma eventual ocorrência de excepções dilatórias, com que elas não tinham razoavelmente podido contar” – cfr. Lopes do Rego, “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. I, 2ª ed., pág. 32.
Porém, não poderá entender-se que toda e qualquer mutação do estrito enquadramento legal que as partes deram às suas pretensões passa necessariamente pela atuação do art. 3º, nº 3.
Assim, conforme afirma Lopes do Rego (ob. cit., pág. 34) “…a negligência da parte interessada que, v.g. omite quaisquer “razões de direito”, alega frouxamente, situando de forma truncada e insuficiente o óbvio enquadramento jurídico da sua pretensão ou deixa escapar questões jurídicas clara e inquestionavelmente decorrentes dos autos, não merece naturalmente tutela, em termos de obrigar o tribunal – movendo-se, no momento da decisão, dentro dos próprios institutos jurídicos em que as partes no essencial haviam situado as suas pretensões – a, sob pena de nulidade, realizar uma audição não compreendida no normal fluir da causa.”
Deste modo, não existe decisão surpresa quando o tribunal, mantendo-se dentro da causa de pedir invocada, efetue a aplicação das regras fundamentadoras dessa mesma decisão num quadro que as partes prognosticaram ou tinham o dever de prognosticar.[1]
Retornando ao caso dos autos, verifica-se que o Mmº Juiz “a quo” no seu despacho de 20.3.2020, proferido no âmbito da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID -19, consignou o seguinte ao desmarcar a audiência prévia que se encontrava agendada:
“Notifique as partes para que, no prazo de 5 dias, informem se se opõem (fundadamente) a que a apreciação das questões prévias e, eventualmente, o conhecimento antecipado do mérito da causa – se o estado dos autos o permitir – tenham lugar imediatamente por escrito, com dispensa da audiência prévia – arts. 6.º e 547.º do CPC.
A elaboração dos temas da prova, se tiver lugar, poderá ser feita, propositadamente, com recurso a conceitos de direito, pois trata-se de uma mera ferramenta de orientação da instrução, e não do objeto da pronúncia de facto, não havendo vinculação temática. O objecto do litígio coincide, salvo oposição, com o enunciado do pedido.
Se as partes não se opuseram fundadamente ao conhecimento das questões pendentes imediatamente por escrito, podem no prazo de 5 dias, acrescentar às razões de direito já aduzidas nos articulados o que ainda tiverem por pertinente – considerando-se que mantêm as suas posições, se nada disserem –, bem como, desde já, aperfeiçoar os seus requerimentos probatórios.”
Ora, do teor deste despacho resulta evidente a preocupação do Mmº Juiz “a quo” no cumprimento da regra do contraditório. Dá conhecimento às partes da possibilidade do conhecimento antecipado do mérito da causa, com dispensa de audiência prévia e, não havendo oposição a tal conhecimento, permite-lhes acrescentar às razões de direito já aduzidas nos articulados o que entenderem por pertinente, considerando-se que mantém as suas posições se nada disserem.
Nem a autora nem os réus se opuseram à possibilidade de imediato conhecimento do mérito da causa, tendo os réus escrito que nada mais têm a acrescentar ou a requerer além do já alegado em sede de contestação, para onde remetem por questões de economia processual.
E quanto à questão específica da litigância de má fé importa referir que já no anterior despacho de 10.2.2020 o Mmº Juiz “a quo”, para eventual exercício do direito de se pronunciarem, havia consignado que, no caso de se verificarem posições contraditórias e incompatíveis, a conduta das partes poderia ser apreciada nos quadros do instituto da litigância de má fé.
A questão que se poderá eventualmente colocar é a de saber se a solução dada ao presente litígio em que a imediata procedência da ação passou também pela desconsideração do alegado pelos réus na sua contestação, a qual assentou na circunstância de perante a jurisdição administrativa (proc. 330/13.1 BECBR, que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, Unidade Orgânica 2) ter sido arguida a nulidade da venda da fração em causa nos autos realizada no processo de execução fiscal n.º 0760200701007815, em que era executado o ora réu, e de inexistir até ao momento trânsito em julgado de decisão que rejeitou essa nulidade, não deverá ser encarada como decisão surpresa.
Acontece que a nossa resposta terá de ser negativa.
O tribunal “a quo” na decisão proferida – de procedência de ação de reivindicação - não deixou de se mover no âmbito da causa de pedir invocada pela autora na sua petição inicial, radicando esta na aquisição da fração em processo de execução fiscal, devidamente registada na Conservatória do Registo Predial, e na permanência na fração dos réus, sem o consentimento da autora e contra a sua vontade, tudo factualidade que, sublinhe-se, foi considerada assente e não se mostra posta em causa em sede recursiva.
O não acolhimento da matéria alegada pelos réus na sua contestação era algo que estes não podiam deixar de equacionar, até porque o despacho proferido em 22.10.2019, acima transcrito[2], onde já se referia a natureza extraordinária do recurso interposto pelo ora réu em sede administrativa e se afastava a possibilidade de suspensão dos presentes autos com apoio na parte final do disposto no art. 272º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil, o deixava entrever[3].
Assim, o entendimento de que o acórdão proferido no proc. 330/13.1 BECBR pelo Tribunal Central Administrativo do Norte, que julgou improcedente o recurso da decisão que rejeitou a arguição de nulidade por parte do réu relativamente à venda ocorrida no processo de execução fiscal, se acha transitado em julgado, pese embora dele tenha sido interposto um outro recurso, este para o Pleno da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo com fundamento em oposição de acórdãos, não é suscetível de fundar decisão surpresa, porque esse entendimento apoiado em normas processuais precisas deveria ter sido prognosticado pelos réus.
Por isso, neste contexto, consideramos que ouve pleno respeito nos presentes autos pela observância do princípio do contraditório, entendendo-se como desnecessária qualquer comunicação prévia aos réus no sentido de os alertar para a possibilidade de se ter como transitado em julgado o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte no âmbito do processo nº 300/13.1 BECBR e de, por essa via, não se acolher o alegado por eles em sede de contestação.
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II - Trânsito em julgado do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte
Os réus, como já se referiu, sustentam na sua contestação que a venda em processo de execução fiscal através da qual a autora adquiriu a fração em causa nos autos enferma de nulidade, o que está a ser discutido na jurisdição administrativa, não havendo ainda sobre esta matéria decisão transitada em julgado.
Ora, com base nos elementos reunidos nos autos, considerou-se assente a seguinte factualidade na decisão recorrida:
- O réu arguiu perante a jurisdição administrativa a nulidade da venda referida no ponto 1 – factos assentes –, reclamação à qual foi atribuído o número de processo 330/13.1BECBR, da 2.ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra [nº 4];
- Em 27.2.2014, no processo n.º 330/13.1BECBR, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra foi julgada improcedente a reclamação de nulidade referida no ponto 4 – factos assentes [nº 5];
- Em 20.3.2014, no processo n.º 330/13.1BECBR, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra foi admitido recurso da sentença referida no ponto 5 – factos assentes –, ao qual foi atribuído efeito meramente devolutivo [nº 6];
- Em 29.1.2015, por acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, foi julgado improcedente o recurso referido no ponto 6 – factos assentes [nº 7];
- Em 18.2.2015, o réu interpôs “recurso por oposição de acórdãos” da decisão referida no ponto 7 – factos assentes – “para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos dos artigos 280.º, n.º 2, e 284.º, n.º 1, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário” [nº 8].
Perante esta factualidade, há a concluir que a afirmação feita pelos réus na contestação, de que no âmbito do processo com o nº 330/13.1BECBR ainda não há decisão transitada em julgado, não é correta.
Com efeito, é o próprio réu que, após ter visto o Tribunal Central Administrativo do Norte confirmar a improcedência da sua reclamação, fundada em arguição de nulidade, relativamente à venda da fração em causa nos autos, efetuada em processo de execução fiscal, vem interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo com fundamento em oposição de acórdãos, apoiando-se para tal no art. 284º, nº 1 do CPPT [Código de Procedimento e Processo Tributário].
Acontece que os recursos das decisões proferidas pelos tribunais tributários regem-se pelo disposto no Cód. de Proc. Civil, salvo no que se encontra preceituado no título V do CPPT [Dos Recursos dos Atos Jurisdicionais] – art. 281º do CPPT.
Estamos pois, no caso vertente, face a um recurso para uniformização de jurisprudência a que se reporta o dito art. 284º do CPPT e que no Cód. de Proc. Civil tem o seu assento legal nos arts. 688º e segs.
O recurso de uniformização de jurisprudência, tal como o de revisão, trata-se de um recurso extraordinário – cfr. art. 627º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil -, daí resultando que pressuposto da sua interposição é o trânsito em julgado tanto do acórdão recorrido como do acórdão-fundamento.[4]
Por conseguinte, não pode deixar de se concordar com a decisão recorrida quando nesta se afirma que o recurso interposto pelo ora réu, na jurisdição administrativa, se encontra findo, com a prolação do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 29.1.2015, o qual se acha transitado em transitado em julgado, não sendo suscetível de recurso ordinário.
É apenas suscetível de recurso extraordinário, mas este tipo de recurso pressupõe sempre, como já se salientou, o prévio trânsito em julgado do acórdão recorrido.
Não pode, por isso, perfilhar-se a tese sustentada pelos réus/recorrentes na sua contestação e também nas suas alegações de recurso, e levada de forma breve às respetivas conclusões, no sentido de que o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte não se encontra transitado em julgado.
Improcede, pois, “in totum” o recurso interposto, o que significa a confirmação da decisão recorrida.[5]
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Sumário
(da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedentes os recursos interpostos pelos réus B… e C… e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes, sem prejuízo de apoio judiciário.

Porto, 27.10.2020
Rodrigues Pires
Carlos Querido
Declaração de voto:
Não conheceria do recurso no segmento relativo à violação do princípio do contraditório, pois entendo, na esteira dos acórdãos do STJ, de 01.02.2011, proc. 6845/07.3TBMTS.P1.S1, de 14.05.2009, proc. 09B0677; de 22.09.2005, proc. 05B1488; de 13.01.2005, proc. 04B4031, em www.dgsi.pt.jstj, que a nulidade deve ser arguida perante o Tribunal que a cometeu, cabendo recurso do despacho que indeferir essa arguição.

Márcia Portela
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[1] Cfr. Ac. STJ de 5.4.2016, proc. 1538/11.0 TBFIG.C1.S1, relator Mário Mendes, in ECLI.PT. e Ac. Rel. Coimbra de 12.9.2017, proc. 444/16.6 T8GRD.C1, relator Arlindo Oliveira, disponível in www.dgsi.pt.
[2] Despacho que não foi objeto de impugnação.
[3] O art. 272º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil, na sua parte final, diz-nos que não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se a causa dependente já estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
[4] Cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código do Processo Civil”, 3ª ed., pág. 430.
[5] Importa referir, em sintonia com o Mmº Juiz “a quo”, que se, em caso de hipotética procedência do recurso extraordinário interposto, vier a ser afirmada a falta do título aquisitivo da autora, os efeitos entretantos produzidos serão retroativamente revertidos.