Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
13274/14.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: DESPEJO
NULIDADES DE SENTENÇA
CADUCIDADE
NRAU
ALTERAÇÃO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Nº do Documento: RP2016091213274/14.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 09/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 650, FLS.44-48)
Área Temática: .
Sumário: I - O tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, podendo qualificar juridicamente de forma diferente as questões suscitadas pelas partes perante concretos factos alegados e ultrapassando a confusão entre os conceitos de resolução e caducidade, sem que daí resulte violação da vinculação à causa de pedir.
II - A alteração da Lei n.º 79/2014 ao artigo 57.º do NRAU, relativamente a grau de incapacidade, não tem natureza interpretativa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 13274/14.0T8PRT.P1
5.ª Secção (3.ª Cível) do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I. O tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, podendo qualificar juridicamente de forma diferente as questões suscitadas pelas partes perante concretos factos alegados e ultrapassando a confusão entre os conceitos de resolução e caducidade, sem que daí resulte violação da vinculação à causa de pedir.
II. A alteração da Lei n.º 79/2014 ao artigo 57.º do NRAU, relativamente a grau de incapacidade, não tem natureza interpretativa.
Acordam, na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:
I)
Relatório
1. B…, C… e D… intentaram a presente ação contra E…, todos melhor identificados nos autos.
1.1 Os autores alegam que são proprietários de um imóvel que, por contrato celebrado em 1 de Maio de 1973, arrendaram ao pai da ré, para fins habitacionais; por morte deste, em 2006, sucedeu-lhe na posição de arrendatária a sua mulher, a qual veio também a falecer no passado dia 22 de Janeiro de 2014, facto que foi transmitido pela ré ao primeiro autor, por missiva datada de 6 de Fevereiro de 2014, e na qual lhe transmitiu que pretendia que o contrato de arrendamento lhe fosse transmitido, invocando que sempre residiu no local arrendado com a sua mãe.
A tal transmissão opuseram-se os autores por a ré não ter demonstrado ser portadora de deficiência de grau superior a 60%, já que lhes enviou dois atestados médicos de teor contraditório, e porque é proprietária de vários imóveis na cidade do Porto.
Terminam pedindo a condenação da ré a ver declarada a resolução do contrato de arrendamento dos autos, a fazer entrega do locado livre de pessoas e coisas aos autores em bom estado de manutenção e limpeza e a pagar uma indemnização igual ao valor das rendas que se forem vencendo até entrega efetiva do locado.
1.2 A ré apresentou contestação.
No essencial, alegou que sempre viveu com os seus pais no locado, na casa de morada de família. Comunicou ao primeiro autor o óbito da sua mãe e manifestou interesse na manutenção do arrendamento, ao que este anuiu, com um pequeno acerto da renda mensal e que, posteriormente, veio o autor impor novas regras.
Tendo o primeiro autor reconhecido que o contrato não caducaria se a ré demonstrasse ser portadora de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%, deu provas de tal facto junto do primeiro autor em 16 de abril de 2014.
Os imóveis a que aludem os autores são efetivamente de sua propriedade, por os ter herdado de seus pais, mas os mesmos encontram-se arrendados; face à antiguidade e prazo contratualizado em cada um dos contratos de arrendamento, não está em condições de ressarcir os arrendatários, porque os seus rendimentos advêm das respetivas rendas, estando impedida de poder residir nos ditos imóveis; de qualquer modo, à data do óbito de sua mãe não era titular de qualquer imóvel, por lhe terem os mesmos advindo por sucessão.
Termina afirmando que a ação deverá ser julgada improcedente, reconhecendo-se à ré o direito ao arrendamento.
1.3 Dispensada a realização de audiência prévia e concretizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
«Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, decido condenar a Ré E…:
a) A fazer a entrega aos Autores do imóvel identificado no art. 1º da petição inicial, livre de pessoas e coisas e em bom estado de manutenção e limpeza;
b) Pagar uma indemnização igual ao valor das rendas que se forem vencendo, até à efetiva entrega do locado;
c) Absolver, no mais, a Ré do pedido;
Custas (…).»
2.1 A ré, não se conformando com a sentença proferida, veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição integral):
«1ª – Os autos versam sobre a cessação do contrato de arrendamento ou a sua transmissão para a Ré por efeito do disposto no artº 57º/1/e) NRAU aqui aplicável. Sobre tal circunstância, constatou o Tribunal “a quo” que a Ré vivia há anos no locado com a mãe, primitiva arrendatária, e que a Ré, embora proprietária de outros prédios, não poderia a eles recorrer para sua habitação por todos eles se encontrarem arrendados.
2ª – Dos requisitos necessários, apenas questionou um: a existência de incapacidade / deficiência da Ré em grau superior a 60% (invocando o referido artº 57º/1/e) fine NRAU), tendo concluído que a Ré não alegou nem provou tal incapacidade, embora a Sentença “a quo” faça referência a 2 atestados de incapacidade da Ré.
3ª – Por último, a Sentença “a quo” apercebe-se do errado pedido n.º 1 dos Autores (resolução e não caducidade) e, por isso, apenas decide deferir a consequência de uma caducidade que os AA. deveriam ter pedido.
O presente recurso debruça-se assim sobre 3 questões, cada uma abordada nos seguintes 3 pontos, A, B e C:
A – De Direito – Da nulidade da Sentença por condenação em objeto diferente do peticionado
4ª – Os primeiros pedidos formulados pelos AA. são: que a Ré seja condenada:
a) “A ver declarada a resolução do contrato de arrendamento dos autos;
b) A fazer a entrega do locado livre de pessoas e coisas” (…)
Tais pedidos estão naturalmente por ordem, encontrando-se o pedido b) (consequência) dependente do pedido a) (premissa), de tal modo que aquele pedido b) (de desocupação) é-o, apenas, em virtude da resolução requerida.
5ª – Ora, como o Tribunal “a quo” bem constatou, a questão colocada pelos AA. não é de resolução de contrato de arrendamento mas sim de caducidade. E embora tenha referido que a caducidade operaria de forma automática, parece-nos evidente que não o é, visto que o mesmo Tribunal “a quo” se debruçou quase exclusivamente sobre tal caducidade, analisando e confirmando/infirmando a sua existência e seus requisitos, assim demonstrando que, afinal, se exige que a caducidade seja analisada e confirmada judicialmente.
6ª – Ora, “I - O modo como se mostra formulado o pedido, enquanto conclusão lógica do alegado na petição e manifestação da tutela jurídica que o autor pretende alcançar com a demanda, é de grande importância, por o juiz não dever deixar de proferir decisão que se contenha nos estritos limites em que foi delineado pelo autor” (entre muitos, Ac. RL de 26-11-2009, proc. 996/05.6TCLRS.L1-6)
7ª – Constatado o erro de pedido dos AA. seria de esperar que o Tribunal “a quo” fizesse improceder o pedido a) e, consequentemente, todos os demais, porque dependentes do 1º. Porém, não o fez: tentando obviar as consequências do erro dos AA., “deu-lhes a mão” declarando improcedente o pedido a)… mas, surpreendentemente, declarou procedentes todos os demais, ignorando tal relação de dependência entre si.
8ª – Assim, ao absolver a Ré quanto ao pedido de resolução mas condenando nos demais, julgou o Tribunal “a quo” de forma diferente do que lhe havia sido pedido (causa de nulidade da Sentença – 615º/1/d)/e)), sendo certo que:
a) não poderia apreciar uma caducidade quando os Autores pedem – embora erradamente - uma resolução;
b) não poderia ter deferido o pedido n.º 2 (a entrega do locado) porque o pedido de entrega do locado formulado pelos Autores era-o na sequência de uma resolução (e não de uma caducidade, não pedida).
B – De Direito – Errado afastamento do caráter interpretativo da alteração da Lei 79/2014 ao artº 57.º do NRAU.
9ª – O Tribunal “a quo” fez notar que a alteração que a Lei 79/2014 de 19.12. deu ao artigo 57º/1/e) do NRAU (que passou a abranger quem tivesse incapacidade igual ou superior a 60%) alteraria completamente o desfecho da ação caso a morte da primitiva arrendatária tivesse ocorrido após a entrada em vigor de tal Lei 79/2014 (e não antes). O Tribunal “a quo” apenas não quis aplicar tal nova redação ao caso concreto por entender que tal Lei não é interpretativa e, por isso, não retroage os seus efeitos.
Mas será que é mesmo assim? Entendemos que não.
10ª – Na verdade, a dúvida sobre se o artº 57º/1/e) fine (entroutras disposições semelhantes do NRAU) pretendia abranger ou não quem tivesse incapacidade igual a 60% surge-nos direta ou indiretamente refletida em variada jurisprudência: quer aquela que se afirma de forma negativa (que a Lei não quis abranger tais pessoas) quer aquela que manifesta algumas dúvidas quanto a tal conclusão.
11ª – Destacamos (entre vários) o Ac. RL de 23.9.2014 ou ainda o Ac. RL de 15.12.2011, proc. 129/10.7TBFUN.L1-7, que afirma que “III – O NRAU (art.57º) alterou tal regime, já que, passou a não permitir, nos contratos que lhe são anteriores, a transmissão do arrendamento para os descendentes maiores de 26 anos que não sofram de qualquer incapacidade ou que tenham uma incapacidade inferior a 60%, assim lançando a dúvida de saber se abrange ou não quem tenha incapacidade igual a 60%.
12ª – E tal dúvida não é absurda já que, como se tem discutido na Doutrina e, de resto, perguntamos nós: quis o legislador de 2012 afastar a incapacidade igual a 60%? Porque é que o legislador de 2014 quis passar a abranger tal percentagem? Fê-lo apenas com efeitos apenas para o futuro? Porquê? Haverá alguma justificação?
13ª – A resposta é simples: não existe. Verdadeiramente não se explica. Na verdade, o espírito do legislador continuou o mesmo: apenas quis deixar clarificado ou então retificar que quem tenha 60,00% de incapacidade e não apenas 60,01% está de facto também abrangido por tais disposições (as do artº 57.º/1/e) e tb as dos artigos 28.º/5, 31º/4/b), 36.º/1, 57,1/e) do NRAU, entre muitos outros desta e de legislação conexa).
14ª – Salientando a extrema importância social de proteção das pessoas em situação económica e de saúde mais débil e a vital necessidade de olhar com sensibilidade para tais casos, especialmente os “casos de fronteira”, o próprio Governo assumiu numa publicação de 2013 que “As razões de mobilidade e o direito à tranquilidade associadas à idade ou à condição física justificaram a opção pela não cessação do contrato e pela não alteração do tipo de contrato (…) “a nossa preocupação foi assumidamente a de garantir a estabilidade contratual dos arrendatários com idade igual ou superior a 65 anos ou com deficiência com grau de incapacidade superior a 60%”... mas sem explicar porque é que escolheu a redação “superior a 60%” e não, desde logo, “igual ou superior a 60%”.
15ª – Como não veio também o legislador explicar porque, em 2014, resolveu mudar esta redação (entre outras semelhantes). Mas, o que é que mudara entretanto? Nada. O espírito legislativo continua rigorosamente o mesmo: quis apenas o legislador aperfeiçoar a norma para que se percebesse que também (sempre) quis abranger quem tivesse incapacidade igual a 60%.
16ª – A tal conclusão chegamos inclusivamente pela própria redação comparada de tal alínea e) do n.º 1 do artº 57.º NRAU (entre outras semelhantes) que seleciona 2 requisitos alternativos: a idade ou a deficiência. Perguntamos novamente? Porque razão estão abrangidas as pessoas com idade igual ou superior a 65 anos e não também as pessoas com incapacidade igual ou superior a 60%? Fará algum sentido? Pensamos (uma vez mais) que não.
17ª – Apenas uma conclusão se deve extrair (de tal dúvida e sua resolução): deve entender-se que a Lei 79/2014, ao alterar a redação de tais referidos artigos (entre os quais o 57º/1/e) em análise), passando a referir as pessoas com incapacidade “igual ou superior a 60%”, fê-lo, de facto, com intuito interpretativo (ou mesmo retificativo), para que se soubesse que a intenção do legislador foi sempre a de abranger as pessoas que estivessem em tal categoria: com incapacidade igual a 60%.
C – De facto – Omissão de pronúncia sobre facto axial, concretamente a incapacidade da Ré superior a 60% e notório erro de avaliação probatória sobre os documentos de fls. 43 e 53 e consequente vício de julgamento.
18ª – Declarou a Sentença “a quo” que a Ré não provou e nem sequer alegou aquele que seria o busílis da questão: a existência de incapacidade / deficiência de grau superior a 60%, pese embora o Tribunal “a quo” admita ter constatado a existência de 2 atestados de incapacidade multiuso passados pelo Ministério da Saúde: um que concluiu por 60% e outro, de 7.7.2014, que concluiu em 69,4%.
19ª – Sobre a apontada omissão de alegação de tal facto (sobre a incapacidade / deficiência de grau superior a 60%) não compreende a Ré como possa ter escapado ao Tribunal “a quo” a leitura dos itens 16º, 17º, 18º, 27º, 46º e 49º da contestação da Ré nos quais se alega precisamente tal facto.
Dos itens 27º e 49º (sobretudo), lemos que:
27º- O primeiro dos quais, o grau de incapacidade, o qual, salvo o devido respeito, é indubitável, conforme aliás decorre do atestado de incapacidade, superior ao mínimo legalmente exigível. – Doc. n.º 14.
49º - Literalmente, à data da morte da primitiva arrendatária, sua mãe, a R. convivia com esta, no arrendado, há 42 anos, possui uma incapacidade superior a 60%.”(…)
20ª – Assim, a incapacidade da Ré, superior a 60% à data da morte da primitiva arrendatária, foi efetivamente alegada por aquela. Tal facto, de suprema importância (como aliás assume a Sentença “a quo” ao analisar quase exclusivamente este tema (grau incapacidade) e a declarar que o mesmo seria decisivo para o desfecho da lide) – deverá desde logo, constar da seleção da matéria de facto dada como provada.
E sobre se tal facto se deverá dar ou não como provado…
21ª – Embora a Sentença “a quo” constate a existência de 2 atestados multiuso (de 60% e de 69%), não justificou sobre qual a razão por que os desconsiderou, não dando como provada a incapacidade da Ré. Não se compreende como possa ter-se declarado que “o esforço probatório da Ré falhou aqui” mas sem dizer porquê, antes demonstrando que, afinal, não se analisaram tais documentos de forma conveniente e aturada, não se descrevendo minimamente o seu conteúdo.
Se o tivesse feito, teria certamente se apercebido que a Ré tinha efetivamente uma incapacidade superior a 60% à data do óbito de sua mãe (22.1.2014).
22ª – Analisando os 2 atestados médicos, verificamos que:
a) o atestado de fls. 43 (numeração referida na Sentença), de 18.3.2013, refere que a Ré é portadora de uma incapacidade de grau de 60% mas suscetível de variação futura.
b) o atestado de fls. 53, de 7.7.2014, pedido ainda em 2013 na sequência de discordância da Ré sobre o resultado da 1ª junta médica, veio declarar que a Ré tem uma incapacidade de 69,4% e igualmente suscetível de variação futura.
23ª – O que o Tribunal “a quo” não se terá apercebido (porventura pensando que a incapacidade declarada no atestado de 7.7.2014 apenas vigoraria a partir de tal data) foi que que este 2º atestado (de 69,4%), fez reportar os seus efeitos ao mês de Agosto de 2012 (nota final do atestado de fls. 53).
24ª – Apenas tal axial aspeto – negligenciado pelo Tribunal “a quo” que, com certeza, não analisou a parte final do atestado de fls. 53 – faria mudar o sentido da decisão já que daí resulta inequívoco e comprovado que a incapacidade/deficiência da Ré era efetivamente de 69,4%, isto é, superior a 60% com referência à data do óbito da mãe, ocorrido em 22.1.2014, apenas 6 meses antes da realização da junta médica.
25ª – E a tal conclusão se chegaria mesmo que tal 2º atestado não tivesse feito reportar os seus efeitos a Agosto de 2012: É que, mesmo que tal referência não existisse (o que só se concede por esforço de raciocínio), só por muita coincidência é que a Ré teria em 22.1.2014 ainda uma incapacidade igual 60% quando ela subiu de uma incapacidade atestada de 60% em 18.3.2013 (10 meses antes do falecimento da mãe) para uma incapacidade de 69,4% em Julho de 2014 (apenas 6 meses após o falecimento da mãe).
26ª – De facto, quando muito, a Ré apenas “teria” sido portadora de deficiência de 60% em Março de 2013 (data do atestado de 2013) … mas que rapidamente (em apenas 15 meses) escalou para 69,4%, isto é, quando muito, em 22.1.2014, a Ré seria já portadora de grau de incapacidade de, pelo menos, 65%, ou seja, de qualquer forma, sempre superior a 60%.
E – reforcemo-lo – isto se o 2º atestado não tivesse derrogado o primeiro (como sucedeu) fixando expressamente a sua data de início de efeitos (da incapacidade de 69%) a Agosto 2012, em data muito anterior a 22.1.2014.
27ª – Tendo o Tribunal “a quo” negligenciado tais factos – verdadeiramente não dizendo porque razão é que não observou nem analisou os atestados juntos pela Ré – cometeu um erro de avaliação probatória, por não se ter apercebido da fixação, inserta no final do atestado de fls. 53, donde resulta claro e inequívoco que, em 22.1.2014, a Ré era portadora comprovada de uma incapacidade / deficiência com grau de 69,4%.
Assim cumpre a Ré também este requisito prescrito na 2ª parte da alínea e) do n.º a do artº 57, além dos demais requisitos dados como provados, devendo o Tribunal considerar que o contrato de arrendamento efetivamente foi transmitido para a Ré.»
Termina afirmando que o Tribunal “a quo” violou, entre outros, os artigos 3.º, 5.º (615.º) do CPC, e o artigo 57.º do NRAU (antes e depois da Lei 79/2014, de 19 de dezembro) e ainda as regras de avaliação probatória, pelo que deve o Tribunal “ad quem” «revogar a Sentença emitida nos presentes autos, quer pelas nulidades apontadas (a que se refere o artigo 615.º CPC) quer pelos erros de interpretação jurídica do NRAU e ainda pelos erros de determinação e avaliação probatória declarando improcedente não apenas o pedido a) dos AA mas também os demais, substituindo a Sentença por outra que declare a não cessação do contrato de arrendamento mas sim a sua transmissão à Ré, nos termos do artº 57º/1/e) do NRAU, assim impedido clamorosa e grave injustiça sobre a mobilidade (despejo) de pessoa de idade avançada e debilitada na sua saúde».
2.2 Os autores vieram responder, formulando as seguintes conclusões (transcrição integral):
«A) Andou muito bem o tribunal a quo quando condenou a Recorrente nos termos constantes da douta sentença recorrida.
B) Conforme resulta evidente da petição inicial, a causa de pedir formulada pelos Recorridos baseia-se, unicamente, na caducidade do contrato de arrendamento em causa nos presentes autos.
C) Consta expressamente dos artigos 19.º, 20.º, 21.º e 22.º da Petição Inicial, o pedido de declaração da caducidade do contrato de arrendamento em causa nos presentes autos.
D) Ora, face ao preceituado no artigo 581.º, n. 4, do C.P.C. (que afirma no nosso direito adjetivo, e quanto à causa de pedir, a teoria da substanciação) pode definir-se a causa de pedir como sendo o ato ou facto jurídico de que deriva o direito que se invoca ou no qual assenta o direito invocado pelo autor.
E) A causa de pedir é, pois, o facto produtor de efeitos jurídicos apontado pelo autor e não a qualificação jurídica que este lhe emprestou ou a valoração que o mesmo entende atribuir-lhe.
F) Ora, in casu, os Recorridos articularam na sua petição inicial, de forma bastante clara, factos concretos e individualizados que levaram o Tribunal a quo a concluir pela caducidade do contrato de arrendamento, conforme peticionado.
G) Razão pela qual, o Tribunal a quo referiu na sua douta decisão que a única questão a decidir nos presentes autos consistiria em apreciar se “o contrato de arrendamento caducou, como defendem os Autores, ou se pelo contrário se transmitiu para a aqui Ré, que sempre residiu no locado”.
H) Tendo o Tribunal a quo concluído e por isso declarado, inequivocamente, que o contrato de arrendamento em apreço caducou, face à matéria de facto alegada e à prova produzida nos presentes autos, acrescentado, inclusivamente, que tal caducidade ocorre ope legis.
I) Acresce ainda que, nos termos do disposto no artigo 5º, n.º 3, do C.P.C., “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.
J) Deste preceito resulta a vinculação do tribunal à matéria de facto alegada e só a esta, mas não ao seu enquadramento jurídico.
K) Por isso, se o tribunal entender que a solução jurídica do caso, em face dos concretos factos alegados e provados, é diferente da propugnada pelas partes deve, decidir conforme assim entender.
L) Assim sendo, jamais o Tribunal a quo proferiu uma decisão sobre uma questão diferente da que tinha sido colocada pelos Recorridos.
M) Tanto mais que, apenas existia uma única questão que importava decidir nos presentes autos, designadamente a questão da caducidade do contrato de arrendamento e foi essa que o Tribunal a quo decidiu.
N) Por último sempre se dirá que, não existiu qualquer condenação em objeto diferente do peticionado, porquanto o Tribunal a quo condenou a Recorrente a entregar aos Recorridos o imóvel identificado no artigo 1º da petição inicial, livre de pessoas e coisas e em bom estado de manutenção e limpeza, conforme consta, expressamente, do pedido formulado pelos mesmos.
O) Alega ainda a Recorrente que, a Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro, é uma lei interpretativa e como tal deve ser aplicada imediatamente. Nada de mais estapafúrdio!
P) Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei.
Q) In casu, a solução do direito anterior não era minimamente controvertida, nem incerta, na medida em que, conforme a douta sentença refere, nunca a sua aplicabilidade suscitou qualquer tipo de dúvidas.
R) A solução do direito anterior referia, claramente, que o grau comprovado de incapacidade teria que ser superior a 60%.
S) Assim sendo, jamais o julgador ou o intérprete podiam sentir-se autorizados a adotar a solução que a lei nova veio consagrar, nomeadamente que o grau de incapacidade pudesse ser igual a 60%.
T) Isto porque “igual” e “superior” são duas palavras totalmente antagónicas e como tal jamais poderiam ser confundidas ou gerar qualquer tipo de controvérsia ou incerteza seja para quem for.
U) Nem nunca por nunca a doutrina ou a jurisprudência decidiram, até à entrada em vigor da nova Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro, que a transmissão do arrendamento por morte do primitivo arrendatário pudesse suceder quando lhe sobrevivesse filho ou enteado que com ele convivesse há mais de um ano, com deficiência, com grau comprovado de incapacidade igual a 60%.
V) Tal distinção entre o grau comprovado de incapacidade é absolutamente clara entre os dois diplomas legais e como tal a nova lei terá forçosamente de ser qualificada como uma lei inovadora.
W) Acresce que, a Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro, refere, expressamente, qual das suas disposições tem natureza interpretativa.
X) De facto, o artigo 6.º, n.º 8, daquele diploma legal, dispõe que a nova redação da alínea b) do artigo 16º do Decreto-Lei n.º 158/2006, de 08 de Agosto, tem natureza interpretativa e produz efeitos desde 01 de Janeiro de 2013.
Y) Assim sendo, resulta inequívoco que, caso a nova redação da alínea e) do n.º 1, do artigo 57.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, tivesse natureza interpretativa, a nova lei teria forçosamente que o ter referido, bem como teria definido a data da produção dos respetivos efeitos, conforme o fez para o diploma legal acima referido.
Z) Assim não tendo sucedido, não pode a mesma ser aplicada ao caso em apreço nos presentes autos, conforme muito bem decidiu o Tribunal a quo.
AA) Entende, por último, a Recorrente que existiu um erro na avaliação probatória dos documentos de fls. 42 e 53, na medida em que o atestado médio junto aos autos pela Recorrente, emitido em 07.07.2015, refere “incapacidade física permanente de 69% desde Agosto de 2012 a ser reavaliada em 2017.”
BB) Tal argumentação visa apenas confundir este Tribunal, já que não tem o mínimo cabimento, nem qualquer fundamento legal.
CC) Ainda assim, sempre se dirá que, resulta muito estranho e absolutamente impossível que um atestado médico emitido em Julho de 2015, possa referir que o grau de incapacidade física permanente de uma pessoa retroage a uma data três anos anterior, designadamente a Agosto de 2012!!!
DD) Acresce que, o primeiro atestado médico, junto pela Recorrente aos autos, emitido em 18.03.2013, também refere “incapacidade física permanente de 60% desde Agosto de 2012 a ser reavaliada em 2017.”
EE) O que nos leva forçosamente a concluir que, existe uma contradição insanável entre os dois atestados médios que nos impedem de confirmar qual seria a incapacidade física da Recorrente desde Agosto de 2012 até a data da emissão de cada atestado.
FF) Mas o que verdadeiramente interessa para decisão dos presentes autos, conforme a Recorrente bem sabe, mas tenta habilidosamente contornar esse facto, não são as datas referida nos atestados médicos, mas antes a data em que o facto impeditivo da caducidade ocorreu ou seja 22 de Janeiro de 2014, data do falecimento da mãe da Recorrente.
GG) Nesta data, a Recorrente estava legalmente obrigada a comprovar aos Recorridos que tinha um grau comprovado de incapacidade superior a 69%, sob pena da imediata caducidade do contrato de arrendamento celebrado entre os Recorridos e a sua mãe.
HH) Ora, a Recorrente nunca provou ou sequer alegou que tinha um grau de incapacidade superior a 69%!
II) Ao invés, a Recorrente, sempre alegou, repetidamente, junto dos Recorridos, por carta e por atestado médico, que o seu grau de incapacidade era igual a 60%.
JJ) Somente passados seis meses desde o óbito da sua mãe e depois dos Recorridos terem referido, repetidamente, que não aceitavam a transmissão do contrato de arrendamento, por falta de fundamento legal, é que a Recorrente se lembrou de enviar um novo atestado médico que refere um grau de incapacidade superior a 60%.
KK) Sucede porém que, em Julho de 2015, já tinha, inequivocamente, operado a caducidade do contrato de arrendamento.
LL) Consequentemente, muito bem andou o Tribunal a quo quando reconheceu a caducidade do contrato de arrendamento celebrado entre os Recorridos e a mãe da Recorrente, condenando a Recorrente na entrega do imóvel, livre de pessoas e coisas e em bom estado de manutenção e limpeza, conforme peticionado.
MM) Deve assim ser negado provimento ao presente recurso, e por via dele, mantida a douta sentença que não merece censura.»
2.3 O Tribunal recorrido, pronunciando-se nos termos do artigo 617.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, afirmou a inexistência de nulidade.
3. Colhidos os vistos e na ausência de fundamento que obste ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar e decidir.
As conclusões formuladas pela apelante definem a matéria que é objeto de recurso e que cabe aqui precisar, em face do que se impõe decidir as seguintes questões essenciais:
● A alegada nulidade da sentença por condenação em objeto diferente do peticionado.
● O alegado caráter interpretativo da alteração da Lei n.º 79/2014 ao artigo 57.º do NRAU.
● O alegado vício de julgamento, por omissão de pronúncia sobre facto axial, consubstanciado em incapacidade da ré superior a 60%, e notório erro de avaliação probatória sobre os documentos de fls. 43 e 53.
II)
Fundamentação
1. Factos relevantes.
Com interesse para a decisão a proferir, importa considerar os factos que foram julgados provados e não provados na sentença recorrida e a respetiva motivação.
«(…) OS FACTOS:
1) Os Autores são proprietários do prédio sito na Rua …, n.º .., na freguesia de …, concelho do Porto, inscrito na matriz urbana sob o art. 7515º e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º 4203/20020528, da freguesia de … (certidão de fls. 13 a 14, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
2) Por contrato de arrendamento celebrado no dia 1 de Maio de 1973, F… cedeu o gozo e fruição do referido imóvel ao pai da Ré, Eng. G…, pelo prazo de um ano, considerando-se prorrogado por sucessivos e iguais períodos (cópia do contrato de arrendamento constante de fls. 15 e 16, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
3) Por morte do arrendatário, ocorrida em 25 de Dezembro de 2006, sucederam-lhe naquela sua posição a sua mulher, H…;
4) A renda mensal convencionada cifra-se, atualmente, no montante de €674,11, a ser paga no primeiro dia útil do mês anterior a que disser respeito;
5) Sucede que, no passado dia 22 de Janeiro de 2014, faleceu a arrendatária H…;
6) Facto que foi transmitido ao Autor por carta datada de 6 de Fevereiro de 2014;
7) Na mesma missiva, a Ré transmitiu ao primeiro Autor que pretendia que o contrato de arrendamento lhe fosse transmitido, uma vez que sempre teria vivido no local arrendado, com a sua mãe;
8) Por missiva datada de 22 de Fevereiro de 2014, os Autores propuseram à Ré a celebração de um novo contrato de arrendamento, com a duração de seis meses, sem qualquer possibilidade de prorrogação (doc. de fls. 21, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
9) Em resposta a tal missiva, e por carta datada de 3 de Março de 2014, a Ré comunicou ao primeiro Autor, para além do mais, o seguinte: “possuo uma incapacidade de 60% (conforme cópia autenticada de Atestado Médico comprovativo da incapacidade que anexo) – doc. de fls. 40 a 44, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
10) Consta de fls. 43 um documento, epigrafado como “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso”, datado de 18 de Março de 2013 do qual resulta que a Ré é portadora de deficiência que lhe confere uma incapacidade permanente global de 60%, suscetível de variação futura, devendo ser reavaliada no ano de 2017 (doc. de fls. 43, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
11) Em resposta à missiva a que se alude no facto 9º, e por carta datada de 18 de Março de 2014, o primeiro Autor comunicou à Ré o seguinte: “A incapacidade a que alude, de 0,60 não chega para servir de base (aliás errada) à sua pretensão;” – doc. de fls. 44v., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
12) Em resposta a tal missiva, e por carta datada de 25 de Março de 2014, a Ré comunicou ao Autor, para além do mais, o seguinte: “a atual legislação prevê precisamente a incapacidade igual ou superior a 60%, na qual me enquadro” – doc. de fls. 45 e 46, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
13) Na sequência das cartas constantes de fls. 47 e 49, pelas quais era solicitado à Ré que procedesse à entrega do imóvel, esta remeteu a carta de fls. 51v., datada de 8 de Julho de 2014, da qual consta o seguinte: “Na sequência da minha última comunicação, datada de 16.04.2014, conforme me havia comprometido, para prova da minha incapacidade superior a 60%, anexo cópia autenticada de Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, datado de 07/07/2014, emitido pela competente Junta Médica, junto do Ministério da Saúde, a qual atesta um incapacidade de 69%”;
14) Consta de fls. 53 um documento, epigrafado como “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso”, datado de 7 de Julho de 2014 do qual resulta que a Ré é portadora de deficiência que lhe confere uma incapacidade permanente global de 69%, suscetível de variação futura, devendo ser reavaliada no ano de 2017 (doc. de fls. 53, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
15) A Ré sempre viveu com os seus pais, na casa de morada de família, sita na Rua … n.º .., na cidade do Porto;
16) A Ré é proprietária de imóveis, sitos na cidade do Porto, que herdou dos seus pais;
17) Tais imóveis encontram-se arrendados;
*
Não se provaram outros factos que se não compaginem com os anteriormente enunciados, nomeadamente que:
1) O referido no facto 8º teve por finalidade proporcionarem os Autores à Ré um prazo razoável para a entrega do imóvel, superior ao legalmente estabelecido para o efeito;
2) Apesar da Ré ter inicialmente dado o seu assentimento verbal para a celebração do contrato de arrendamento proposto pelos Autores, certo é que o mesmo nunca chegou a ser outorgado pelas partes, uma vez que a Ré veio a dar o dito pelo não dito e não aceitou celebrar tal contrato;
3) Autora e Ré, verbalmente, anuíram na transmissão do arrendamento, com um pequeno acerto do valor da renda mensal;
*
O tribunal não se pronuncia sobre o demais alegado por conter matéria de direito, e como tal conclusiva, ou irrelevante para a decisão da causa.
*
A prova dos factos 1º a 8º, 16º e 17º (estes dois últimos porque a Ré não impugnou ser proprietária e os Autores não impugnaram quer os invocados arrendamentos, quer os documentos que lhes serviram de suporte e constantes de fls. 61 e 62) fundou-se no acordo das partes, tendo ainda sido considerado o teor da certidão de registo predial constante de fls. 13 a 14, do contrato de arrendamento, constante de fls. 15 a 16, cópia da missiva de fls. 17 e certidão de óbito que a acompanhou, constante de fls. 17 e 18, cópia da missiva de fls. 19 e 20 e certidão de óbito que a acompanhou e a cópia da missiva de fls. 21.
Foi ainda considerado o teor dos documentos de fls. 43 e 53, dois atestados médicos de incapacidade multiuso e reproduzidos sob os factos 10º e 14º, fls. 48 a 44, cópia da missiva remetida pela Ré ao primeiro Autor e reproduzida sob o facto 9º, 44v., cópia da missiva remetida pelo primeiro Autor à Ré e reproduzida sob o facto 11º, fls. 45 a 46, cópia da missiva remetida pela Ré ao primeiro Autor e reproduzida sob o facto 12º, fls. 47 a 49, a que se alude no facto 13º, fls. 50 a 54, missiva remetida pela Ré ao primeiro Autor e cujo teor foi reproduzido no facto 13º.
No mais, a convicção do Tribunal fundou-se no conjunto da prova produzida, valorada e ponderada segundo as regras da experiência comum, nomeadamente, no depoimento das duas testemunhas inquiridas de cujo depoimento resultou que a Ré sempre residiu com os pais no locado.
Relativamente às conversações e acordos prévios existentes entre Autores e Ré resultaram os mesmos não provados por insuficiência de prova.»
2. A alegada nulidade da sentença por condenação em objeto diferente do peticionado.
A recorrente argui a nulidade da sentença reportando-se aos artigos 3.º, 5.º e 615.º, n.º 1, alíneas d) e e), do Código de Processo Civil.
Os autores formulam pedido no sentido da ré ser condenada a ver declarada a resolução do contrato de arrendamento dos autos, a fazer a entrega do locado livre de pessoas e coisas e a pagar indemnização correspondente às rendas devidas até à entrega do locado.
Na sentença recorrida salienta-se que, por força do disposto no artigo 1051.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil, o contrato de locação caduca por morte do arrendatário, exceto se o contrário tiver sido convencionado. Especificamente em relação ao caso dos autos, considera-se que improcedem as razões enunciadas pela ré e que, perante a morte da arrendatária, caducou o arrendamento e “terá a ação que proceder”.
Considera-se no entanto o seguinte: «Contudo, porque em causa está a caducidade do contrato, que ocorre ope legis, e não a sua resolução, como pretendem os Autores, não poderá tal pedido ser atendido, decidindo o tribunal apenas e tão só as consequências que da caducidade do contrato de arrendamento decorrem, ou seja, a entrega do imóvel pela herdeira da arrendatária (art. 1081º n.º 1 do C.C.).
Enquanto tal entrega não ocorrer suportará a Ré um valor correspondente ao da renda, a título de indemnização aos Autores pela ocupação do imóvel».
Daí a prolação da decisão nos termos que antes se deixaram transcritos.
Pretende a recorrente que a questão colocada pelos autores não é de resolução de contrato de arrendamento mas sim de caducidade, como conclui o próprio Tribunal. E embora este tenha referido que a caducidade operaria de forma automática, pretende a recorrente que não o é, visto que o mesmo Tribunal “a quo” se debruçou quase exclusivamente sobre tal caducidade, analisando e confirmando/infirmando a sua existência e seus requisitos, assim demonstrando que, afinal, se exige que a caducidade seja analisada e confirmada judicialmente.
Afirma que, constatado o erro de pedido dos autores, seria de esperar que o Tribunal “a quo” fizesse improceder o pedido a) e, consequentemente, todos os demais, porque dependentes do primeiro. Porém, não o fez: declarando improcedente o pedido a), declarou procedentes todos os demais, ignorando tal relação de dependência entre si; assim, ao absolver a ré quanto ao pedido de resolução mas condenando nos demais, julgou o Tribunal “a quo” de forma diferente do que lhe havia sido pedido, o que é causa de nulidade da sentença, perante o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) e e), entendendo a recorrente que não poderia apreciar uma caducidade quando os autores pedem – embora erradamente – uma resolução e não poderia ter deferido o pedido de entrega do locado porque o mesmo era formulado pelos autores na sequência de uma resolução (e não de uma caducidade, não pedida).
Nos termos dos artigos 608.º, n.º 2, e 609.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão seja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras e não podendo a sentença condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
Assim, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, ou quando condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido – artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) e e), do mesmo diploma legal.
As questões a decidir consubstanciam as concretas questões jurídicas cujo conhecimento se impõe ao tribunal, em função da causa de pedir e do pedido formulado pelo autor e perante as exceções que possam ser suscitadas pelo réu.
A vinculação do tribunal às concretas questões suscitadas pelas partes não põe em causa a sua liberdade de qualificação jurídica, enunciada no artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, nos termos do qual o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Por isso, o tribunal pode qualificar juridicamente de forma diferente as questões suscitadas pelas partes, sem que daí resulte violação da aludida vinculação.
Em sede de lei processual, o objeto da ação expresso no pedido formulado – que se consubstancia no meio de tutela jurisdicional que é pretendido pelo autor – é definido pela concreta causa de pedir, traduzindo-se esta nos concretos factos que servem de fundamento ao efeito jurídico pretendido, nos factos jurídicos de que emerge o direito do autor e que fundamenta a sua pretensão, necessariamente invocados na petição inicial.
Assim, a causa de pedir consiste no facto jurídico de que procede a pretensão material deduzida na ação e que o autor necessariamente indica, sob pena de ineptidão da petição inicial [artigo 186.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil], com as consequências que daí decorrem.
Especificamente em relação à ação em que se questione a subsistência de contrato de arrendamento, a causa de pedir consubstancia-se nesse contrato com o facto que, nos termos da lei, constitua o fundamento para a cessação do arrendamento.
No caso dos autos, em termos sumários e naquilo que aqui releva, os autores alegam que, por contrato de arrendamento celebrado no dia 1 de Maio de 1973, foi cedido ao pai da ré, pelo prazo de um ano, o gozo e fruição de imóvel de que os autores donos e legítimos proprietários e que, por morte do arrendatário, em 2006, sucedeu-lhe naquela posição a mãe da autora. Esta arrendatária também faleceu entretanto, pretendendo os autores que não se verificam os pressupostos que obstam a que opere a caducidade por morte do primitivo arrendatário, enunciados no artigo 57.º da Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto; não tendo a ré demonstrado qualquer um dos pressupostos aí enunciados, pretendem os autores que será forçoso concluir que o contrato de arrendamento sub judice caducou por morte do arrendatário – referência (caducidade) que fazem no artigo 19.º da petição e que reiteram no artigo 21.º.
Afirmam ainda que, pelas razões que enunciam o artigo 21.º da petição e porque a ré é proprietária de vários imóveis na cidade do Porto, ainda assim o contrato de arrendamento caducou por morte da arrendatária.
No artigo 22.º alegam pretender obter a resolução do contrato de arrendamento, por caducidade, e a entrega do locado.
Esta afirmação evidencia confusão de conceitos, relativamente a resolução e caducidade.
Apesar disso, é manifesta a inexistência de confusão quanto aos concretos factos que sustentam a pretensão dos autores: a entrega do locado, livre de pessoas e bens, por caducidade do contrato de arrendamento que legitimava a sua utilização pela ré, através dos respetivos arrendatários, entretanto falecidos, operando a caducidade por morte da arrendatária mãe da ré.
No pedido formulado na alínea a) reflete-se a inexatidão de conceitos antes mencionada, o que não impede no entanto que se compreendam, quer os fundamentos enunciados pelos autores relativamente à sua pretensão (a caducidade do contrato de arrendamento), quer a concreta pretensão que formulam (a entrega do locado, livre de pessoas e bens e o pagamento das rendas que se forem vencendo até à entrega efetiva do locado).
No caso dos autos, o tribunal recorrido reconheceu a verificação do aludido fundamento enunciado pelos autores, determinando a caducidade do contrato, e a procedência da pretensão formulada com tal fundamento, impondo a entrega do locado.
Esta apreciação não traduz, por parte do tribunal, qualquer apreciação ou conhecimento de questões de que não pudesse tomar conhecimento (os fundamentos afirmados são exatamente aqueles que são invocados pelos autores) ou condenação em objeto diverso do pedido (a condenação pretendida é a consequente entrega do locado e o pagamento das rendas).
Conclui-se por isso que não se verifica a alegada nulidade da sentença e que improcede nesta parte a pretensão da recorrente.
3. O alegado caráter interpretativo da alteração da Lei n.º 79/2014 ao artigo 57.º do NRAU.
Na sentença recorrida e com relevância na questão aqui suscitada, considera-se o seguinte:
«Tendo-se a relação locatícia gerado em 1973, importa, antes de mais, decidir qual a lei aqui aplicável, atenta a sucessão legal entretanto verificada.
Não suscita qualquer dúvida que estamos perante um contrato de arrendamento para habitação.
Resulta do art. 59º n.º 1 da Lei 6/2006, de 27.02, que se manteve inalterado face à entrada em vigor da Lei 31/2012, de 14.08 (NRAU) que o novo regime do arrendamento urbano se aplica aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias.
Daqui decorre, desde logo, por força do disposto no art. 1051º n.º 1 alínea a) do C.C., aplicável atenta a data do decesso da então arrendatária, que por morte do arrendatário caduca o contrato de locação, exceto se o contrário tiver sido convencionado.
Contudo, de entre as normas transitórias do NRAU, dispõe o art. 27º que “As normas do presente capítulo aplicam-se aos contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do RAU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro…”.
Tendo em conta que o RAU entrou em vigor no dia 18 de Novembro de 1990, dúvidas não subsistem que o contrato em apreço foi celebrado antes da entrada em vigor daquele diploma.
Por sua vez, determina o n.º 2 de tal preceito que a tais contratos é aplicável o regime estabelecido no art. 26º. Estabelece por seu turno o n.º 2 do art. 26º que “À transmissão por morte aplica-se o disposto nos artigos 57º e 58º”.
No que à transmissão por morte respeita, dispunha o art. 57º n.º 1, e para o que ora interessa, a sua alínea e), que o arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário quando lhe sobreviva filho ou enteado, que com ele convivesse há mais de um ano, portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%.
Tal norma veio a ser alterada pela Lei 79/2014, de 19.12., em termos tais que, adiantando-se desde já, alteraria completamente o desfecho da ação. Contudo, porque a alteração em causa apenas vigora para o futuro, em obediência ao disposto no art. 12º n.º 2 do C.C. e não estando em causa lei interpretativa, porque relativamente à alínea e) dúvidas se não suscitaram, não pode a mesma ser aplicada ao caso em apreço.»
A Lei n.º 79/2014, de 19 de dezembro, procedeu à revisão do regime jurídico do arrendamento urbano, alterando o Código Civil e procedendo, na parte que aqui interessa, à segunda alteração à Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, diploma que aprovou o Novo Regime Jurídico do Arrendamento Urbano (NRAU).
Especificamente em relação ao artigo 57.º, n.º 1, do NRAU (transmissão por morte no arrendamento para habitação), passou a respetiva alínea e) a ter a seguinte redação: o arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário quando lhe sobreviva filho ou enteado, que com ele convivesse há mais de um ano, com deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%.
A recorrente pretende que deve entender-se que a Lei n.º 79/2014, ao alterar a redação de diferentes artigos do NRAU, entre os quais o artigo 57.º, n.º 1, alínea e), passando a referir as pessoas com incapacidade “igual ou superior a 60%”, fê-lo, de facto, com intuito interpretativo (ou mesmo retificativo), para que se soubesse que a intenção do legislador foi sempre a de abranger as pessoas que estivessem em tal categoria: com incapacidade igual a 60%.
Faz daí decorrer que, contrariamente ao entendimento do tribunal a quo, estamos perante lei interpretativa, sendo aplicável ao caso dos autos a nova redação da alínea e) do n.º 1 do artigo 57.º, operando assim a transmissão do arrendamento por morte da anterior arrendatária.
A lei interpretativa visa precisar, por via legislativa, o sentido e alcance de uma lei anterior. Nos termos do artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil, integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou por atos de análoga natureza.
No ensinamento do Prof. J. Baptista Machado, «para que a lei nova possa ser interpretativa são necessários dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei.
Se o julgador ou o intérprete em face de textos antigos não podiam sentir-se autorizados a adotar a solução que a lei nova veio a consagrar, então a lei é inovadora.» – “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, 1983, página 247.
Ponderada a redação anterior da aludida norma, não se vê que o seu texto possa qualificar-se como ambíguo e passível de diferentes interpretações e que legitimem a elaboração de norma interpretativa.
Os conceitos de “igual” e “superior” são distintos, sem que ocorra a possibilidade de confusão ou de dúvida sobre a sua amplitude. Ao afirmar a incapacidade “superior a 60%”, a norma exclui de forma clara e incontroversa a incapacidade “igual a 60%”. Esta distinção de conceitos é evidente, nomeadamente, nos artigos 26.º e 36.º do NRAU, na redação anterior à Lei n.º 79/2014, de 19 de dezembro, aí se mencionando “idade igual ou superior a 65 anos” e “deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60 %”.
A alteração para a incapacidade “igual ou superior a 60%” traduz uma alteração que visa ampliar o âmbito da norma, adotando uma solução porventura mais correta e equilibrada, mas que ultrapassa a simples interpretação da norma anterior.
E se dúvidas houvesse quanto ao alcance da alteração daquela norma, a mesma é ultrapassada pelos termos da própria Lei n.º 79/2014.
Este diploma legal, como se disse, altera diferentes leis, especificamente: o regime substantivo da locação, constante do Código Civil; o Novo Regime Jurídico do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, entretanto alterada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto; o regime jurídico das obras em prédios arrendados, aprovado pelo Decreto-lei n.º 157/2006, de 8 de agosto; os regimes de determinação do rendimento anual bruto corrigido e a atribuição do subsídio de renda, aprovados pelo Decreto-lei n.º 158/2006, de 8 de agosto.
Regista-se que, relativamente a este último diploma (atribuição do subsídio de renda), o artigo 6.º, n.º 8, da Lei n.º 79/2014, de 19 de dezembro, estabelece de modo explícito que a nova redação da alínea b) do artigo 16.º (caducidade do direito ao subsídio de renda) tem natureza interpretativa e produz efeitos desde 1 de janeiro de 2013.
Afirmando o próprio legislador, neste caso, a natureza interpretativa da nova lei, não se vê fundamento para não o fazer igualmente, nesse mesmo artigo que estabelece disposições transitórias, em relação à alteração introduzida no artigo 57.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, caso fosse essa a intenção do legislador, de estabelecer lei interpretativa também quanto a esta norma.
Assim, não há censura a fazer à decisão recorrida ao afirmar que releva aqui a norma do artigo 57.º, n.º 1, alínea e), do NRAU, na redação anterior à Lei n.º 79/2014, de 19 de dezembro, pelo que também aqui improcede o recurso.
4. O alegado vício de julgamento, por omissão de pronúncia sobre facto axial, consubstanciado em incapacidade da ré superior a 60%, e notório erro de avaliação probatória sobre os documentos de fls. 43 e 53.
A este propósito e além dos factos que julgou provados e acima transcritos, afirma-se na sentença recorrida:
«Resulta da factualidade provada que a Ré é filha da falecida arrendatária e que com esta residia há mais de um ano.
É, todavia, na demonstração da comprovada deficiência superior a 60% que reside todo o busílis da questão a decidir.
Sobre a Ré recaía o ónus da prova de que reunia os requisitos para que o contrato lhe fosse transmitido, por forma a impedir a caducidade do mesmo (assim entendido já ao abrigo do RAU, cfr. Dr. Aragão Seia, “Arrendamento Urbano”, 6ª Edição, Revista e Atualizada, pág. 570, e atualmente Ac. R.L. de 23.09.2014).
Porém, à data da morte de sua mãe, a Ré apenas tinha comprovado um grau de deficiência igual a 60%, suscetível de variação, como resulta do facto provado sob o n.º 10.
Posteriormente, em 7 de Julho de 2014, a Ré viu-lhe ser comprovado um grau de deficiência correspondente a 69%, igualmente suscetível de variação (cfr. facto 14.º da matéria provada).
Destes dois factos decorre que a Ré poderia, em tese, à data do falecimento da sua mãe, já ser portadora de deficiência de grau superior a 60%. Porém, o seu esforço probatório falhou aqui, já que o não comprovou de forma alguma (note-se que nem sequer o alegou).
E porque o que releva é o momento em que o facto impeditivo da caducidade ocorre, ou seja, 22 de Janeiro de 2014, e não tendo a Ré comprovado que nessa data era portadora de deficiência de grau superior a 60%, terá a ação que proceder.»
A recorrente questiona este entendimento, salientando que, contrariamente ao que é afirmado na sentença, alega em diferentes pontos da contestação estar afetada por uma incapacidade superior a 60%, o que se verifica, nomeadamente, nos itens 18.º, 27.º e 49.º desse articulado. Assim, a sua incapacidade, superior a 60% à data da morte da primitiva arrendatária, foi efetivamente por si alegada e, dada a suprema importância, deverá constar da seleção da matéria de facto dada como provada.
E como justificação para que tal facto se julgue como provado afirma o teor dos atestados médicos de incapacidade que constituem os documentos de fls. 43 e 53, dos quais resulta estar a autora afetada por incapacidade de 69,4%, suscetível de variação futura e que já se verificava em 22 de janeiro de 2014. Entende que a tal conclusão se chegaria mesmo que o segundo atestado não tivesse reportado os seus efeitos a agosto de 2012: mesmo que tal referência não existisse, só por muita coincidência é que a ré teria em 22 de janeiro de 2014 ainda uma incapacidade igual a 60% quando ela subiu de uma incapacidade atestada de 60% em 18 de março de 2013 (10 meses antes do falecimento da mãe) para uma incapacidade de 69,4% em Julho de 2014 (apenas 6 meses após o falecimento da mãe), pelo que, quando muito, nesta data seria já portadora de grau de incapacidade de, pelo menos, 65%, ou seja, de qualquer forma, sempre superior a 60%.
Conclui que o Tribunal “a quo” cometeu um erro de avaliação probatória, por não se ter apercebido da fixação, inserta no final do atestado de fls. 53, donde resulta claro e inequívoco que, em 22 de janeiro de 2014, a ré era portadora comprovada de uma incapacidade/deficiência com grau de 69,4%.
A ré/recorrente pretende então que se deve aditar aos factos provados, pelas razões que enuncia, que, em 22 de janeiro de 2014, era portadora de uma incapacidade/deficiência com grau de 69,4% ou, pelo menos, com grau de 65%. Entende que esta é uma conclusão a retirar dos documentos de fls. 43 e 53.
Na sentença que é objeto do recurso consigna-se o teor dos aludidos documentos, nos parágrafos 10.º [Consta de fls. 43 um documento, epigrafado como “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso”, datado de 18 de Março de 2013 do qual resulta que a Ré é portadora de deficiência que lhe confere uma incapacidade permanente global de 60%, suscetível de variação futura, devendo ser reavaliada no ano de 2017 (doc. de fls. 43, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido)] e 14.º [Consta de fls. 53 um documento, epigrafado como “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso”, datado de 7 de Julho de 2014 do qual resulta que a Ré é portadora de deficiência que lhe confere uma incapacidade permanente global de 69%, suscetível de variação futura, devendo ser reavaliada no ano de 2017 (doc. de fls. 53, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido)].
No primeiro dos documentos consta ainda, em sede de “observações”: “Incapacidade física permanente de 60% desde Agosto de 2012 a ser reavaliada em 2017”.
No segundo documento e em sede de “observações”, consta ainda: “Incapacidade física permanente de 69% desde Agosto de 2012 a ser reavaliada em 2017”.
Neste último documento mantêm-se o item de deficiência e o coeficiente de incapacidade permanente do primeiro atestado e aditam-se dois novos itens de deficiência e os respetivos coeficientes de incapacidade, daqui resultando o grau de incapacidade final, a diferença dos respetivos valores.
Analisados ambos os documentos, não se evidencia a razão pela qual não constam no primeiro dos atestados os dois itens que vêm a ser aditados no segundo atestado, as duas deficiências aqui consideradas e que não constam no primeiro; por outro lado, reportando o segundo dos atestados o grau de incapacidade que atribui à autora, de 69%, a Agosto de 2012, não se explicitam as razões desse recuo, o que se acentua pelo facto de não se mostrarem justificados os itens que acrescem ao primeiro atestado.
Nas circunstâncias descritas, mostra-se justificada a leitura feita pelo tribunal recorrido, ao não reportar a incapacidade de 69,4% da recorrente a agosto de 2012, apoiando-se no documento de fls. 53.
Entende a recorrente que, neste caso, mesmo entendendo não fazer o atestado de fls. 53 expressa referência à data de produção de efeitos, seria evidente que uma incapacidade de 60% determinada em março de 2013 mas que é sujeita a alterações, só por muita coincidência é que seria ainda de 60% em 22 de janeiro de 2014, sobretudo quando se demonstrou que, em julho de 2014, tal grau de deficiência já se situava em 69%, entendendo que, perante isso, nessa data de 22 de janeiro de 2014 seria já portadora de grau de incapacidade de, pelo menos, 65%.
Também aqui não se afigura procedente o entendimento da recorrente.
Pondera-se para esse efeito que a incapacidade atribuída no primeiro atestado corresponde ao valor máximo de incapacidade (0,60), como se evidencia pela leitura da tabela nacional de incapacidades aprovada pelo Decreto-lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, para a qual remete o atestado, sendo que, como antes já se assinalou, não se mostram justificados os itens que acrescem ao primeiro atestado, em termos que expliquem a sua referência a 2012 e a falta de qualquer menção no primeiro atestado.
Conclui-se por isso que também aqui não há censura a fazer à decisão recorrida, com a consequente improcedência do recurso.
III)
Decisão:
Pelas razões expostas, acordam os juízes desta secção em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
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Porto, 12 de setembro de 2016.
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes