Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | RITA ROMEIRA | ||
Descritores: | RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO JUSTA CAUSA NÃO PAGAMENTO DE SALÁRIOS INDEMNIZAÇÃO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA | ||
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Nº do Documento: | RP202306054258/21.3T8VNG.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/05/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – Concluindo-se pela existência de justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte do trabalhador – com fundamento no não pagamento de salários – e não tendo a empregadora colocado em causa tal conclusão/questão, necessariamente há que afirmar a existência de causa para a atribuição da indemnização, a que alude o art. 396º do CT. II - A conclusão de existência de justa causa de resolução do contrato, por parte do A./trabalhador, não só justifica a atribuição da indemnização em causa (art. 396º do CT) como afasta, de todo, a verificação do instituto do enriquecimento sem causa (art. 473º, do CC). III – Pois, o contrato celebrado entre A./trabalhador e R./empregadora e a existência de justa causa para a sua resolução, por parte do primeiro, justifica a atribuição da indemnização em causa. IV - O instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, donde só deve ser chamado quando a lei não concede ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído. V - A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos, quais sejam, a existência de um enriquecimento; sem causa justificativa; e à custa de quem requer a restituição. VI - Atendendo ao circunstancialismo concreto que rodeou o não pagamento dos salários – o encerramento da actividade da empregadora por decisão administrativa, por força da pandemia – é de considerar que a culpa e a ilicitude daquela, no que concerne ao não pagamento dos salários, é diminuta. VII – Face a esse condicionalismo e na ausência de outra factualidade que o invalide, é ajustado e adequado que se fixe a indemnização no mínimo legal, ou seja, 15 dias de retribuição por ano ou fracção de antiguidade do trabalhador. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 4258/21.3T8VNG.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de V. N. Gaia - Juiz 1 Recorrente: A..., S.A Recorrido: AA Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO O A., AA, residente na Rua ..., ..., Vila Nova De Gaia, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “A..., S.A”, com sede na Rua ..., ..., Porto e BB, residente na Rua ..., ... -2º Esq., ..., pedindo que esta deve, “ser julgada procedente por provada, e, em consequência: A) Condenar os Réus solidariamente a pagar ao Autor: - a quantia de 3.879,16 €, referente à indemnização prevista no art. 396º do Código do Trabalho; - a quantia de 7.105,00 €, correspondente às remunerações vencidas e não liquidadas referentes aos meses de Julho de 2020 a Abril de 2021; - a quantia de 635,00 €, respeitante às férias vencidas em 01.01.2020; - a quantia de 635.00 €, respeitante ao subsídio de férias vencido em 01.01.2020; - a quantia de 635,00 €, referente ao subsídio de Natal de 2020; - a quantia de 665,00 € respeitante às férias vencidas em 01.01.2021; - a quantia de 665,00 €, respeitante ao subsídio de férias vencido em 01.01.2021; - a quantia de 221,66 €, relativa aos proporcionais do direito férias referentes ao meses de vigência do contrato no ano da cessação (2021); - a quantia de 221,66 €, relativa aos proporcionais do direito a subsídio de férias referentes aos meses de vigência do contrato no ano da cessação (2021); - a quantia de 221,66 €, relativa aos proporcionais do direito a subsídio de Natal referentes aos meses de vigência do contrato no ano da cessação (2021).”. Para fundamentar o seu pedido, alegou, em síntese, que o réu BB exerce presentemente as funções de administrador único da ré A..., que tem como fim a organização de eventos sociais, culturais, recreativos, artísticos e outros, restauração e bar, animação sócio-cultural e atividades afins; restaurante com espaço de dança e estabelecimentos de bebidas com espaço de dança. Prossegue, alegando que, entre a “B... Unipessoal, Ldª”, actual ré A..., foi celebrado, com efeitos a partir de Junho de 2015, um contrato de trabalho subordinado por tempo indeterminado, por via do qual, desde a data de admissão, o autor passou a exercer as funções de fotógrafo e gestor de conteúdos digitais e redes sociais de que aquela é titular, mediante as ordens e direcção dos legais representantes da mesma, em contrapartida de uma prestação pecuniária pela ré composta por remuneração mensal fixa de 505,00 €, à qual acrescia a verba diária de 4,27 €, a título de subsídio de refeição. Mais, alega que atendendo à actividade exercida pela ré A... e motivado pelas medidas de combate à pandemia COVID 19, em Março de 2020, foi decretado o encerramento do estabelecimento por decisão administrativa, tendo a Ré recorrido aos mecanismos de apoio, em particular o Lay-Off simplificado, por via do qual ficou suspenso o contrato do autor, até Junho de 2020. A partir dessa data a A... não renovou o pedido de apoios concedidos às entidades cujos estabelecimentos estavam obrigados a manter-se encerrados, deixando o autor de ficar abrangido pela medida de suspensão do contrato de trabalho, sendo que, não obstante, a A... não mais pagou a retribuição do autor. Por último, alega que, com enormes sacrifícios profissionais e pessoais, e fundamentalmente porque necessitava da remuneração para fazer face aos seus encargos pessoais, foi suportando estes comportamentos da Ré, só tendo conseguido sobreviver graças ao apoio financeiro que lhe foi sendo facultado por familiares e amigos, mas em Abril de 2021, e face a essa reiterada falta de pagamento pontual e integral da retribuição e porque esse mesmo incumprimento já se prolongava por mais de 60 dias, veio a rescindir unilateralmente o contrato, com justa causa, rescisão que produz todos os seus efeitos a partir do dia 22.04.2022. E, ainda, que o réu BB é administrador único da ré A... e o incumprimento das obrigações contratuais para com o autor resulta de um acto de vontade, consciente e culposo desse réu, com danos para o autor, pelo que tal réu, nos termos do art. 335º do Código do Trabalho, responde solidariamente pelos créditos reclamados pelo autor contra a sociedade, pois nela detém participação ou exerce cargo social. * Realizada a audiência de partes e não tendo sido possível a sua conciliação, foi ordenada a notificação dos Réus para contestarem o que fizeram, por excepção e impugnação, nos termos da contestação junta em 31.08.2021, afirmando, em síntese, que se verifica a ilegitimidade passiva do Réu BB e que não corresponde à verdade o alegado pelo autor.Invocam a caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho por justa causa, não se podendo arguir que os 30 dias contados da retribuição de fevereiro de 2021 ainda não ocorreram, porquanto, quanto a essa retribuição, não decorreram os necessários 60 dias para se poder considerar um fundamento de cessação do contrato de trabalho por justa causa, nos termos da lei laboral. Assim e concluindo pela caducidade do direito de resolução de justa causa por parte do Autor, o valor peticionado a título de indemnização nos termos do art. 396.º, n.º 1 do CT não deve ser atendido. Mais, alegam que o autor, desde, pelo menos, Agosto de 2021, assumia as funções de empregado de balcão, trabalhando apenas à sexta e ao sábado à noite. Acresce que por força das medidas tomadas para combater o CoVid-19, a ré viu-se obrigada a encerrar o seu estabelecimento e, desde aí e até aos dias de hoje a ré A... não obtém qualquer tipo de rendimento para fazer face às suas despesas, tando mais que desde Junho de 2020 deixaram de ser concedidos apoios estatais para o efeito. Assim, a ré, que sempre se pautou pelo cumprimento de todas as suas obrigações legais, cessou o contrato de trabalho com diversos trabalhadores. Não obstante, o contrato de trabalho com o autor não cessou por iniciativa desta e para que ele não suportasse as contribuições da segurança social, já que não tinha poder económico para as mesmas Concluem que, “deve: a) A exceção de ilegitimidade passiva do Réu BB ser julgada totalmente procedente e, em consequência, ser o mesmo absolvido da instância. Sem prescindir, b) Deve a caducidade da resolução por justa causa ser julgada procedente e, em consequência, ser o valor peticionado a título de indemnização pela justa causa desentranhado da petição inicial e respetivo pedido do Autor. Por fim, c) Quanto ao restante conteúdo dos autos, deve a presente demanda ser julgada consoante a prova a produzir.”. * O A. veio responder à contestação, nos termos do articulado junto em 27.10.2021, terminando que “conclui como na petição inicial, devendo as excepções invocadas pela Ré serem julgadas improcedentes.”.Contra este vieram os RR. pronunciar-se dizendo que, “os Réus desde já se opõe a este aperfeiçoamento “disfarçado” de Articulado Superveniente.”. * Nos termos que constam no despacho, de 07.12.2021, foi decidido: “… ficará nos autos o dito “articulado superveniente” mas única e exclusivamente na medida em que configure resposta às excepções deduzidas na P.I….”, foi fixado em € 14.884,14 o valor da acção, proferido saneador tabelar e, considerando a simplicidade da causa, foi dispensada a realização da audiência prévia, a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas de prova.* Realizado e terminado o julgamento, nos termos documentados na acta, datada de 09.11.2022, foram os autos conclusos e proferida sentença que terminou com a seguinte Decisão:“Nos termos e com os fundamentos expostos, decido julgar a presente acção parcialmente procedente por provado, em função do que 1. Condeno a ré “A..., S.A” a pagar ao autor AA a título de créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação e indemnização pela sua resolução, a quantia total de € 12.734,43 (doze mil setecentos e trinta e quatro euros e quarenta e três cêntimos), absolvendo a ré do demais peticionado; 2. Absolvo o réu BB do pedido contra ele formulado. * Custas a cargo do autor e da ré “A..., S.A” na proporção dos respectivos decaimentos, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário – art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código do Processo Civil ex vi art.º 1.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho.* Registe e notifique.”.* Inconformada a R. veio interpor recurso, pedindo a sua absolvição do pagamento dos créditos laborais ou a sua absolvição do pagamento da indemnização, cujas alegações terminou com as seguintes CONCLUSÕES: “1. A Recorrente foi condenada ao pagamento do montante de €12.734,43 (doze mil, setecentos e trinta e quatro euros e quarenta e três cêntimos) ao Recorrido a título de créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação e indemnização pela resolução. 2. Este valor diz respeito a créditos laborais relativos a remunerações vencidas referentes aos meses de julho de 2020 a abril de 2021, e férias vencidas e respetivos subsídios, bem como subsídio de Natal e proporcionais, cujo montante ascende a €10.148,32. 3. A este valor acresce a quantia de €2.586,11, relativamente a indemnização, fixada em 20 dias de retribuição por ano, pela resolução do contrato de trabalho. Ora, 4. Resulta suficientemente provado dos autos que a Recorrente – cuja atividade é a exploração de bares e discotecas – viu o seu negócio afetado com o proliferar da Pandemia COVID-19. 5. Consequentemente, a Recorrente viu o seu estabelecimento a ser encerrado, por decisão administrativa. 6. Esta situação tornou incomportável o cumprimento de todas as suas obrigações da Recorrente que, já vinha a percorrer um caminho de instabilidade financeira. 7. Fruto desta inoperabilidade do negócio da Recorrente incumpriu com o pagamento dos créditos ao Recorrido. 8. Porém, os referidos créditos apenas são devidos porque, durante todo o período de encerramento administrativo do estabelecimento comercial Recorrente e Recorrido mantiveram o contrato de trabalho em vigor. 9. A Recorrente, pois não tinha forma de o fazer cessar. O Recorrido, para acumular créditos laborais contra a aqui Recorrente, sem ter prestado qualquer trabalho durante o período a que esses créditos se referem. Assim, 10. Perante o instituto do enriquecimento sem causa, a Recorrente não deverá ser condenada ao pagamento de qualquer valor ao Recorrido. Sem prescindir, 11. A Recorrente não deve ser condenada ao pagamento de 20 dias de retribuição a título de indemnização, uma vez que este valor é excessivo face à factualidade do caso sub judice. 12. O Recorrido receberá este valor indemnizatório somente porque o contrato de trabalho vigorou, não tendo existido qualquer contrapartida da sua parte, perante a entidade empregadora (Recorrente). Termos em que, dando provimento ao presente Recurso, deve ser revogada a sentença Recorrida e, substituída por douto acórdão que: a) Absolva a Recorrente do pagamento de créditos laborais ao Recorrido; Caso assim não se entenda, b) Absolva a Recorrente do pagamento de indemnização pela resolução do contrato de trabalho ao Recorrido.”. * O A. veio apresentar contra-alegações que terminou com as seguintes “ConclusõesI - As conclusões das alegações de recurso da Apelante têm necessariamente de improceder, já que a doutrina e jurisprudência sufragada na douta sentença, à qual se adere integralmente, é a certa e é a que melhor se ajusta ao caso “sub judice”. II – O Tribunal a quo fez uma correcta interpretação e valoração da prova, pelo que a sua douta sentença não merece nenhuma censura, não estando ferida de nenhum vício ou nulidade, tendo feito uma apreciação das provas segundo uma prudente convicção acerca de cada facto, não existindo qualquer antagonismo na decisão sobre a matéria de facto. III – A convicção do tribunal a quo relativamente à factualidade que veio a ser dada como provada e não provada resultou da análise critica da prova documental junta aos autos conjugada com a testemunhal produzida, tendo a sentença seguido um processo lógico e racional de apreciação da prova, pelo que tal sentença não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum. IV- A atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, tal decisão só poderia ser criticável se ficasse demonstrado que essa opção era inadmissível face ás regras da experiência comum, o que não se verifica no caso em apreço. V – Entre Apelante e Apelado foi celebrado um contrato individual de trabalho subordinado, em que, e como contraprestação pela disponibilidade para o desempenho de funções, era suposto ser paga uma retribuição mensal. VI- A Apelante/Ré, motivado pelas medidas de combate à pandemia COVID 19, viu durante um lapso de tempo decretado o encerramento do estabelecimento por decisão administrativa, VII – A Apelante recorreu aos mecanismos de apoio, em particular o Lay-Off simplificado, por via do qual ficou suspenso o contrato do autor, até Junho de 2020. A partir dessa data a Apelante não renovou o pedido de apoios concedidos às entidades cujos estabelecimentos estavam obrigados a manter-se encerrados, deixando o Autor/Apelado de ficar abrangido pela medida de suspensão do contrato de trabalho, sendo que, não obstante, a Apelante, ainda que a tal estivesse obrigada, não mais pagou a retribuição do Apelado. VIII - Apesar do Apelado sempre ter manifestado a sua disponibilidade para executar a prestação de trabalho, a Apelante, em Janeiro de 2021, por escrito, atestou que “Declara-se para os devidos efeitos que o Sr. AA, Contribuinte n.º ..., funcionário da empresa “A..., SA”, NIF:..., não aufere salário desde o mês de Junho de 2020.” IX - A Ré/Apelante não pagou ao Autor/Apelado, nas datas a que estava obrigada, as retribuições mensais referentes aos meses de Julho de 2020 a Abril de 2021, o que resultou que, e em relação às retribuições relativas aos meses de Julho de 2020 a Janeiro de 2021, o incumprimento se considera culposo iure et de iure, atendendo a que cada um desses salários se venceu no final de cada um dos respectivos meses, o que implica que esse incumprimento contratual, por força do disposto no artigo 779º nº 1 do CCV, presume-se culposo. X - O incumprimento traduzido na falta de pagamento dos referidos salários revestiu a característica de culposo, gerando o direito do trabalhador a ser indemnizado, tanto mais que provou que desses comportamentos ilícitos e culposos assumiram uma gravidade tal que tornaram inexigível a manutenção do seu contrato de trabalho XI - Esse não pagamento, face ao período de tempo em que se manteve, assume uma “gravidade e consequências” tais que tornem “prática e imediatamente impossível a manutenção da relação de trabalho” (PEDRO FURTADO MARTINS, Cessação do Contrato do Trabalho, 3.ª Edição, Lisboa, 2012, p. 534, onde defende também que esta presunção de culpa corresponde a presunção “juris et de jure, portanto não afastável por prova do contrário. XII - A douta sentença do tribunal a quo o refere o salário ou retribuição do trabalho assume uma importância tal do ponto de vista económico e social para o trabalhador que mereceu da parte do legislador uma especial protecção, atribuindo-lhe não só a dignidade de direito fundamental (artº 59º, nº 1, al. a), da C.R.P.), como também pela circunstância de não ter deixado de criar para o próprio Estado a obrigação de o assegurar (artº 59º, nº 2, da C.R.P.). XIII – A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 (aprovada sob a forma de resolução da Assembleia Geral) lhe reconhece o estatuto de Direito do Homem, ao consignar no respectivo artº 23º, nº 3, que “Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana.” XIV - A falta do pagamento de retribuição é uma violação grave dos deveres a que as entidades empregadoras estão vinculadas, tal como a a título de exemplo o refere o Ac. da Relação de Coimbra proferido no processo 468/13.5TTVIS.C1, “considerando a natureza alimentícia do salário, essencial para a organização das necessidades mais básicas do trabalhador, a falta culposa e consecutiva do pagamento desse número de salários é excessiva e não pode deixar de considerar-se grave e apta a tornar imediatamente impossível a continuação do vínculo laboral. Os factos revelam uma situação crónica de remunerações em atraso. Um trabalhador não pode estar sujeito de forma persistente ao não recebimento pontual das remunerações de trabalho. A persistência no incumprimento é apta a causar danos sérios à segurança da sua subsistência e a uma vida digna” XV – Tendo ocorrido justa causa para resolução do contrato, tem o Apelado o direito a receber uma indemnização calculada nos termos do art. 396º do CT, e que pode ser calculada com base em 15 a 45 dias por cada ano, atendendo ao grau de ilicitude e culpa revelada pela Ré/Apelante. XVI - A Apelante, durante um lapso de tempo viu-se impedida de exercer a sua actividade, recorrendo apenas durante dois meses aos criados mecanismos de apoio extraordinário, entre os quais o Lay Off Simplificado. XVI - Durante o demais período de tempo a Apelante decidiu nada fazer, e deixar que o decorrer do tempo fizesse com que o Apelado resolvesse o contrato prescindindo dos direitos que lhe são inerentes. XVII- Esta posição de inação, e por via da qual gravíssimos danos foram criados ao Apelado, merece forte censura e não pode ser “premiada” com a atribuição de um cálculo de indemnização quase pelo valor mínimo. XVIII – É que se assim o fosse decidido os tribunais abririam a porta para que, o incumprimento de obrigações e o “varrer o lixo para debaixo dos tapetes” seja incentivado, dado que do valor máximo de calculo da indeminização (45 dias por ano de antiguidade) ao seu mínimo (15 dias), a simples violação do dever de pagamento de retribuição teria apenas como consequência o pagamento de uma indemnização calculada com base em um número de dias inferior ao do despedimento por razões objectivas. XIX – Deve ser a indemnização por resolução de contrato de trabalho com justa causa conferir ao Apelado o direito ser calculada, no mínimo, pelo montante que foi considerado pelo tribunal à quo, sem prejuízo de poder este Venerando Tribunal decidir de forma mais punitiva para com a Apelada. Nestes termos e nos mais de Direito que doutamente serão supridos por V. Excelências, deve negar-se provimento ao recurso, decidindo pelo cálculo da indemnização com base em 45 dias por cada ano de antiguidade, ou no mínimo, mantendo-se a douta decisão recorrida, assim se fazendo a costumada e sã JUSTIÇA!”. * Admitido o recurso, como apelação e efeito meramente devolutivo, foi ordenada a subida dos autos a esta Relação.* Neste Tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos do art. 87º, nº 3, do CPT, no sentido de ser negado provimento ao recurso da Ré.Notificadas deste, as partes nada disseram. * Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.* Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigo 87º do CPT e artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, 639º, nºs 1 e 2 e 640º, do CPC (aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho- diploma a que pertencerão todos os artigos a seguir citados, sem outra indicação de origem) e importando conhecer de questões e não de razões ou fundamentos, a questão a decidir e apreciar consiste em saber se o Tribunal “a quo” errou e deve ser revogada a sentença recorrida e, substituída por douto acórdão que: a) Absolva a Recorrente do pagamento da indemnização pela resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa; Caso assim não se entenda, b) se deve o valor da indemnização ser fixada no montante mínimo, como defende a recorrente. * II - FUNDAMENTAÇÃO: O Tribunal “a quo” considerou o seguinte: “III. Factos Provados 1. A ré, que provém da alteração estatutária à então sociedade B... Unipessoal, Ldª, e na qual o réu BB, presentemente, exerce as funções de administrador único, tem como escopo social a organização de eventos sociais, culturais, recreativos, artísticos e outros, restauração e bar, animação sócio-cultural e atividades afins; restaurante com espaço de dança e estabelecimentos de bebidas com espaço de dança. 2. Na sequência de uma proposta apresentada ao aqui autor, entre a então B... Unipessoal, Ldª, actual ré, e aquele foi celebrado, com efeitos a partir de Junho de 2015, um contrato de trabalho subordinado por tempo indeterminado. 3. Desde a data de admissão, o autor passou a exercer as funções de fotógrafo e gestor de conteúdos digitais e redes sociais de que a ré, nas respectivas instalações obedecendo às suas ordens e direcção, cumprindo-lhe assumir a prática de todos os actos relacionados com essa categoria profissional. 4. Aquando da celebração do contrato de trabalho o autor auferia uma contraprestação pecuniária pela sua disponibilidade para o trabalho composta por remuneração mensal fixa de 505,00 €, à qual acrescia a verba diária de 4,27 €, a título de subsídio de refeição. 5. O horário de trabalho do autor, era definido pela respectiva entidade empregadora 6. Atendendo à actividade exercida pela ré e devido às medidas de combate à pandemia COVID 19, em Março de 2020, foi decretado o encerramento do estabelecimento por decisão administrativa. 7. A ré recorreu aos mecanismos de apoio, nomeadamente o Lay-Off simplificado e suspendeu o contrato de trabalho do autor. 8. A suspensão do contrato do Autor vigorou até Junho de 2020. 9. No dia 19 de Janeiro de 2021 o administrador da ré, subscreveu um documento intitulado “Declaração”, com o seguinte teor: “Declara-se para os devidos efeitos que o Sr. AA, Contribuinte n.º ..., funcionário da empresa “A..., SA”, NIF:..., não aufere salário desde o mês de Junho de 2020. Devido à situação que o país atravessa com o Covid-19, a empresa empregadora encontra-se com o estabelecimento encerrado e sem qualquer tipo de receita que lhe permita cumprir com os seus compromissos” Porto, 19 de Janeiro 2021 …” 10. Neste período de tempo o autor mantinha disponibilidade para prestar trabalho. 11. Durante todo este lapso de tempo, e em diversas ocasiões, foi transmitido ao autor que o problema iria ser solucionado, tanto mais que a empresa estava a procurar recorrer a outros mecanismos de apoio, e que consequentemente o pagamento das remunerações em dívida iria ser efectuado. 12. O autor, porque necessitava da remuneração para fazer face aos seus encargos pessoais foi suportando a falta de pagamento por parte da ré, tendo beneficiado de ajuda financeira facultada pelo menos por um amigo. 13. Através de carta registada com A/R, datada de 19/04/2021 e recebida pela ré em 22/04/2022, o autor comunicou à última, além do mais, que: “…rescindo com justa causa o contrato de trabalho que celebrei com V. Exas. em Junho de 2015, por motivo de falta de pagamento pontual das remunerações que me são devidas, e porque nesta dada o atraso no pagamento das remunerações a que tenha direito referentes aos meses de Julho de 2020 a Fevereiro de 2021, é superior a 60 dias sobre a data em que era suposto terem procedido ao pagamento dessas mesmas remunerações. Nestes termos considero resolvido, com justa causa e efeitos imediatos o contrato de trabalho que tenho com V.Exas, razão pela qual cessam na data da recepção desta carta todos e quaisquer direitos e deveres jurídicos laborais emergentes do aludido contrato de trabalho. Mais informo que nos termos legalmente consagrados, deverão V.Exas, no prazo máximo de 5 dias, proceder ao pagamento dos seguintes créditos laborais vencidos: - remuneração Julho/2020 a Abril2021------------------------6.530,65 € - férias vencidas em 01.01.2021-----------------------------------665,00 € - subsídio de férias vencido em 01.01.2021---------------------665,00 € - proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal correspondentes ao ano da cessação do contrato------------------------------------------------------------------498,74€ - indemnização prevista no art. 396.º/1 do C.T.--------------5.985,00€ …” 14. Solicitou ainda o autor que lhe fossem entregues as declarações previstas no artigo 341º do CT, e o impresso modelo 5044, a fim de ser apresentado no Centro de Emprego. 15. A ré não pagou ao autor: - a quantia de 6.470,00 €, correspondente às remunerações vencidas referentes aos meses de Julho de 2020 a Abril de 2021 (635,00 € x 6 meses – Julho e Dezembro de 2020 + 665,00 € x 4 meses – Janeiro a Abril de 2021); - a quantia de 635,00 €, respeitante às férias vencidas em 01.01.2020; - a quantia de 635.00 €, respeitante ao subsídio de férias vencido em 01.01.2020; - a quantia de 635,00 €, referente ao subsídio de Natal de 2020; - a quantia de 665,00 € respeitante às férias vencidas em 01.01.2021; - a quantia de 665,00 €, respeitante ao subsídio de férias vencido em 01.01.2021; - a quantia de 221,66 €, relativa aos proporcionais do direito férias referentes aos meses de vigência do contrato no ano da cessação (2021); - a quantia de 221,66 €, relativa aos proporcionais do direito a subsídio de férias referentes aos meses de vigência do contrato no ano da cessação (2021); - a quantia de 221,66 €, relativa aos proporcionais do direito a subsídio de Natal referentes aos meses de vigência do contrato no ano da cessação (2021). * IV – Factos não provados1. O autor trabalhava um máximo semanal de 40 horas. 2. O autor sempre desempenhou, com zelo e diligência, as tarefas inerentes à sua profissão, nunca tendo sido sequer verbalmente advertido pela ré para qualquer suposto erro na execução das tarefas que lhe estavam atribuídas. 3. A partir de então Junho de 2020 a ré não renovou o pedido de apoios concedidos às entidades cujos estabelecimentos estavam obrigados a manter-se encerrados. 4. O incumprimento das obrigações contratuais (falta de pagamento da remuneração legalmente prevista para a categoria profissional da Autor) resulta de um acto de vontade, consciente e culposo do referido Réu (BB) – conclusivo. 5. O autor nunca teve qualquer contacto direto e pessoal com o Réu BB. 6. Apesar do Autor ter sido admitido ao serviço da Ré A... com as funções de fotógrafo e gestor de conteúdos digitais e redes sociais, a verdade é que, desde, pelo menos, agosto de 2021, o autor assumia as funções de empregado de balcão (cfr. Doc. n.º 1). 7. O Autor trabalhava apenas e tão só à sexta e ao sábado à noite. 8. Desde o respectivo encerramento administrativo a ré, até aos dias de hoje, não obtém qualquer tipo de rendimento para fazer face às suas despesas. 9. A ré não deixou de tentar renovar os pedidos de apoios, sendo que estes, simplesmente, deixaram de lhe ser concedidos. 10. A ré sempre se pautou pelo cumprimento de todas as suas obrigações legais. 11. Tendo cessado o contrato de trabalho que tinha com diversos trabalhadores que tinha e prezava. 12. A manutenção do contrato de trabalho com o autor era para que este não suportasse as contribuições da segurança social, já que não tinha poder económico para as mesmas. 13. O documento mencionado em III. 9. não se trata de uma confissão de dívida por parte da ré, outrossim foi para ajudar e no interesse do autor, para que o mesmo apresentasse esse documento na instituição bancária na qual o autor tinha um empréstimo bancário.”. * O DireitoAtravés do presente recurso, nos termos que constam das suas alegações e conclusões supra transcritas, insurge-se a R./recorrente, pugnando pela sua revogação, contra a sentença recorrida, havendo que consignar que na parte final do recurso a mesma pede a sua absolvição do pagamento dos créditos laborais e ou do pagamento da indemnização; no entanto, e relativamente ao seu primeiro pedido – que deixamos sublinhado – não teceu a recorrente, nas alegações, qualquer fundamento a sustentar essa sua tese posto que, apenas, se referiu aí à indemnização, defendendo que não é devida e, ainda, que o seu valor, fixado na sentença recorrida, é desadequado e desproporcional. Deste modo, as questões a apreciar são as que deixamos atrás enunciadas, as quais resultam da análise dos fundamentos expostos nas alegações de recurso. Apreciemos, então: - Se a indemnização pela resolução do contrato de trabalho não é devida por se verificar o enriquecimento sem causa por parte do recorrido. Na decisão recorrida, relativamente à indemnização devida por resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa, escreveu-se o seguinte: «(…) No caso concreto provou-se que a ré não pagou ao autor a quantia de 6.470,00 €, correspondente às remunerações vencidas referentes aos meses de Julho de 2020 (depois de ter estado suspenso o respectivo contrato de trabalho) a Abril de 2021, sendo que nesse período de tempo o autor mantinha disponibilidade para prestar trabalho. O autor, porque necessitava da remuneração para fazer face aos seus encargos pessoais foi suportando a falta de pagamento por parte da ré, tendo beneficiado de ajuda financeira facultada pelo menos por um amigo. Em Abril de 2021 resolveu o contrato de trabalho. A entidade empregadora encontrava-se obrigada a pagar ao seu trabalhador a respetiva retribuição até ao final de cada mês (por estarmos perante uma retribuição que se vencia mensalmente), tendo-se provado que a empregadora não cumpriu tal dever, nos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro de 2020 e Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2021, violando, desse modo, o direito concedido ao trabalhador de receber, à data do vencimento, a sua retribuição. Perante os factos provados, não podemos deixar de considerar que os incumprimentos em causa assumem uma gravidade que, no nosso entender, tornou inexigível a subsistência da relação laboral. Estamos perante um incumprimento reiterado traduzido, à data da resolução, no não pagamento de dez salários base, retribuição de férias e respectivos subsídios de férias, Natal, proporcionais destes subsídios e retribuição de férias (proporcional). Na verdade, a permanência do incumprimento salarial é uma das formas mais graves de incumprimento no contrato de trabalho, atendendo à dependência, na esmagadora maioria dos casos, para a sobrevivência do trabalhador, dos rendimentos de trabalho. A retribuição ou salário representa para o trabalhador o seu principal senão mesmo único meio de subsistência, bem como do seu agregado familiar, sem o qual, a maior parte das vezes, não pode ter uma existência condigna. (…) No caso em apreciação perante uma das hipóteses em que é incontroversa a existência de justa causa para a resolução por parte do autor/trabalhador - atendendo a que esteve 10 meses sem receber qualquer retribuição da ré -, não podem restar dúvidas de que o não pagamento dos salários em questão é claramente susceptível de pôr em causa a sua subsistência e do seu agregado familiar, tanto que contou com a ajuda económica de um amigo, retirando-lhe prestações retributivas com as quais legitimamente contava para esse efeito, tornando inexigível a manutenção da relação laboral. Estabelecida a existência de justa causa para a resolução do contrato por parte do autor, há que fixar a indemnização correspondente. (…).». A apelante discorda, referindo: “Resulta suficientemente provado dos autos que a Recorrente – cuja atividade é a exploração de bares e discotecas – viu o seu negócio afetado com o proliferar da Pandemia COVID-19. Consequentemente, a Recorrente viu o seu estabelecimento a ser encerrado, por decisão administrativa. Esta situação tornou incomportável o cumprimento de todas as suas obrigações da Recorrente que, já vinha a percorrer um caminho de instabilidade financeira. Fruto desta inoperabilidade do negócio da Recorrente incumpriu com o pagamento dos créditos ao Recorrido. Porém, os referidos créditos apenas são devidos porque, durante todo o período de encerramento administrativo do estabelecimento comercial Recorrente e Recorrido mantiveram o contrato de trabalho em vigor. A Recorrente, pois não tinha forma de o fazer cessar. O Recorrido, para acumular créditos laborais contra a aqui Recorrente, sem ter prestado qualquer trabalho durante o período a que esses créditos se referem. Perante o instituto do enriquecimento sem causa, a Recorrente não deverá ser condenada ao pagamento de qualquer valor ao Recorrido…”, leia-se, de qualquer valor a título de indemnização. Que dizer? A apelante não tem razão. Na verdade, tendo o Tribunal “a quo” concluído pela existência de justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte do recorrido – com fundamento no não pagamento de salários – e não tendo a recorrente colocado em causa tal conclusão/questão, necessariamente há que afirmar a existência de causa para a atribuição da referida indemnização. A conclusão de existência de justa causa de resolução do contrato, por parte do A./trabalhador, não só justifica a atribuição da indemnização em causa (art. 396º do CT) como afasta, de todo, a verificação do instituto invocado (art. 473º, do CC). O contrato celebrado entre A. e R. e a existência de justa causa para a sua resolução por parte do primeiro justifica a atribuição da indemnização em causa. Para uma melhor compreensão, veja-se (https://dre.pt/dre/lexionario/termo/enriquecimento-sem-causa?_ts=1683719526733), onde se lê: “A figura do enriquecimento sem causa está prevista no artigo 473.º do Código Civil, sendo pressupostos desse enriquecimento sem causa: i) a existência de um enriquecimento; ii) a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem; iii) a ausência de causa justificativa para o enriquecimento; iv) a lei não facultar ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado. Assim, não basta que uma pessoa tenha obtido uma vantagem económica à custa de outra, sendo ainda necessária a ausência de causa jurídica justificativa da deslocação patrimonial. Cabe a quem pede a restituição com base no enriquecimento de outrem à sua custa e sem causa justificativa, o ónus de alegar e provar esses pressupostos. Não basta, pois, que não se prove a existência de uma causa de atribuição, sendo preciso convencer o tribunal da falta de causa. Considera-se, em regra, que o enriquecimento não terá causa justificativa quando, segundo os princípios legais, não haja razão de ser para ele ou quando, segundo os mesmos princípios legais, deve pertencer a outrem e não ao efetivo enriquecido. Por outro lado, o recurso a este meio previsto no artigo 473.º do Código Civil só é possível se não existir outro meio, de entre as normas jurídicas aplicáveis, para se conseguir o ressarcimento do lesado.”. E, ainda, o (Ac. do STJ de 04.07.2019, Proc. 2048/15.1T8STS.P1.S1, in www.dgsi.pt), em cujo sumário se lê: “III. O instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, donde só deve ser chamado quando a lei não concede ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído. IV. A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos, quais sejam, a existência de um enriquecimento; sem causa justificativa; e à custa de quem requer a restituição. V. O nosso direito substantivo civil, no que respeita a um dos exigidos requisitos atinentes ao enunciado instituto do enriquecimento sem causa, traduzido na ausência de causa justificativa, conquanto tenha identificado um critério de orientação, uma linha de rumo interpretativa, pressupõe, numa enumeração exemplificativa, três situações especiais de enriquecimento desprovido de causa: condictio in debiti (repetição do indevido), condictio ob causam finitam (enriquecimento por virtude de causa que deixou de existir) e condictio ob causam datorum (enriquecimento derivado da falta de resultado previsto). VI. O desaparecimento posterior da causa, condizente à tradicional condictio ob causam finitam (enriquecimento por virtude de causa que deixou de existir), caracteriza-se por alguém ter recebido uma prestação em virtude de uma causa que, entretanto, deixou de existir, donde, verificada a deslocação patrimonial mediante uma prestação, a causa há-de ser a relação jurídica que essa prestação visa satisfazer, e se esse fim falta, a obrigação daí resultante fica sem causa. VII. Para se reconhecer a obrigação de restituir sustentada no enriquecimento, não é suficiente que se demonstre a obtenção duma vantagem patrimonial, à custa de outrem, sendo exigível ainda exigível mostrar que não exista uma causa justificativa para essa deslocação patrimonial, importando anotar que a falta originária ou subsequente de causa justificativa do enriquecimento assume a natureza de elemento constitutivo do direito à restituição, impondo-se, assim, ao demandante que reclama a restituição, por enriquecimento sem causa, o ónus da demonstração dos respectivos factos constitutivos que contém a falta de causa justificativa desse enriquecimento.”. Ou seja, não se verifica o invocado enriquecimento sem causa por parte do trabalhador. E, consequentemente, improcede, a questão em apreço. * Antes de prosseguirmos para a análise da última questão, refira-se, apenas, que caso, a recorrente tivesse invocado o enriquecimento sem causa por parte do trabalhador quanto aos créditos laborais em que foi condenada, o que consideramos não fez, pese embora, o que refere, nas conclusões 9 e 10 e a final das conclusões, pugnando pela sua absolvição do pagamento dos créditos laborais e ou do pagamento da indemnização, pelas razões que deixámos expostas, no que toca à indemnização, o mesmo aconteceria no que respeita aos créditos, que tendo em atenção a razão porque são devidos, não se verificaria quanto a eles, também, qualquer enriquecimento por parte do trabalhador.Mas, como referimos supra, relativamente ao referido pedido da sua absolvição do pagamento dos créditos laborais não teceu a recorrente, nas alegações, qualquer fundamento a sustentar essa sua tese posto que, apenas, se referiu aí à indemnização, defendendo que não é devida. Razão porque, nada mais se nos oferece dizer. * Vejamos, agora:- Se o valor da indemnização deve ser fixado no montante mínimo Na decisão recorrida, e relativamente ao montante da indemnização devida, escreveu-se o seguinte: «(…) Quanto à indemnização prevista no art. 396º, n.º 1 do Código do Trabalho, o seu valor deve ser fixado de acordo, de forma conjugada, com o valor da retribuição do autor e a ilicitude do comportamento do empregador, dado que “o legislador consagra, portanto, uma moldura indemnizatória, com padrões mínimos e máximos de referência, devendo o tribunal atender ao valor da retribuição do trabalhador e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador em ordem a graduar a indemnização devida” – JOÃO LEAL AMADO, ob. cit., p. 466. Desta forma, considerando, desde logo, o valor da retribuição do autor (perto da retribuição mínima mensal garantida) e o grau de ilicitude e culpa do comportamento do empregador (que se considera ser reduzido, pois sendo certo que se prolongou num período de tempo considerável, não nos podemos esquecer das fortes condicionantes subjacentes do incumprimento, com o encerramento obrigatório de grande parte dos estabelecimentos face à pandemia causada pela doença SARS-CoVid- entende-se adequado e proporcional fixar a indemnização em 20 dias de retribuição por ano ou fração de antiguidade do autor na ré, o que, atendendo à retribuição base a que o autor tinha direito no momento da resolução do contrato de trabalho (€ 665,00), dado que o Art. 396.º/1 do Código do Trabalho unicamente se refere à “retribuição base e diuturnidades” e não a outras prestações de natureza retributiva), implica que é devida ao autor, considerando a respectiva antiguidade na ré (5 anos e 10 meses), a indemnização de € 2.586,11 (€ 2.216,67 + € 369,44) = [(€ 665,00 : 30 x 20) x 5 anos) + (€ 665,00 : 30 x 20) : 12 x 10 meses)]”. (…)». A apelante discorda, dizendo: “A Recorrente não deve ser condenada ao pagamento de 20 dias de retribuição a título de indemnização, uma vez que este valor é excessivo face à factualidade do caso sub judice. O Recorrido receberá este valor indemnizatório somente porque o contrato de trabalho vigorou, não tendo existido qualquer contrapartida da sua parte, perante a entidade empregadora (Recorrente).”. Que dizer? Atendendo ao circunstancialismo que rodeou o não pagamento dos salários – o encerramento da actividade da recorrente por decisão administrativa, por força da pandemia – cremos, tal como o considerou o Tribunal “a quo”, que a culpa e a ilicitude da recorrente, no que concerne ao não pagamento dos salários, é diminuta. E assim sendo, não podemos deixar de considerar que o referido condicionalismo justifica que se fixe a indemnização no mínimo legal, ou seja, 15 dias de retribuição por ano ou fracção de antiguidade do recorrido. Não se concordando, face à factualidade que se apurou, que tal valor seja desajustado ou adequado a “premiar” a apelante como refere o recorrido (conclusão XVII da sua resposta). Ou seja, no caso consideramos adequado e proporcional fixar a indemnização devida ao A., nos termos do art. 396º, nº 1, do CT, em 15 dias. Assim, fixa-se o montante da indemnização em € 1.939,58 e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, na parte em que condenou a Ré a pagar a indemnização no montante de € 2.586,11. * III - DECISÃOPelo exposto, acorda-se nesta secção em julgar parcialmente procedente a apelação, revogar a sentença recorrida, no que toca à quantia fixada no ponto 1. do seu dispositivo e, em consequência, substitui-se pelo presente acórdão e condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia total de €12.087.90 (doze mil e oitenta e sete euros e noventa cêntimos). No mais, confirma-se a decisão recorrida. * Custas da apelação a cargo da Ré e do Autor na proporção, respectiva, de 2/3 e 1/3.* Rita RomeiraPorto, 5 de Junho de 2023 * O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos, Teresa Sá Lopes António Luís Carvalhão |