Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3093/16.5T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
DANO PATRIMONIAL INDEMNIZÁVEL
Nº do Documento: RP201806273093/16.5T8AVR.P1
Data do Acordão: 06/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 465-481)
Área Temática: .
Sumário: I - A diferença entre dano positivo ou de cumprimento («in contratctu») e dano negativo ou de confiança («in contrahendo»), encontra correspondência nas noções de interesse contratual positivo e interesse contratual negativo, sendo pacífica a sua distinção: a indemnização pelo dano positivo destina-se a colocar o lesado na situação em que se encontraria se o contrato fosse cumprido, reconduzindo-se, assim, aos prejuízos que decorrem do não cumprimento definitivo do contrato ou do seu cumprimento tardio ou defeituoso; a indemnização pelo dano negativo tende a repor o lesado na situação em que estaria se não houvesse celebrado o contrato, ou mesmo iniciado as negociações com vista à respetiva conclusão, assistindo-lhe o direito a ser ressarcido do que despendeu na expectativa da consumação do negócio
II - Através do instituto da responsabilidade pré-contratual, o nosso ordenamento jurídico tutela a legítima confiança de cada uma das partes em que a outra conduza as negociações segundo os ditames da boa fé, abarcando não só as legítimas expetativas quanto à validade e eficácia do negócio, mas também quanto à sua conclusão.
III - O entendimento doutrinário, tradicional e maioritário tem configurado o dano ligado à responsabilidade pré-contratual (culpa in contrahendo), caracterizado pela rutura das negociações, como suscetível de justificar uma indemnização que apenas visa colocar o lesado na situação em que estaria se não tivesse acreditado, sem culpa, na boa fé ou atuação correta da outra parte, ressarcindo o dano negativo ou de confiança.
IV - O princípio da mera indemnização do interesse contratual negativo, decorrente da responsabilidade pré-contratual vem sendo posto em causa pela doutrina em situações limite nas quais se suscita a questão da violação do «dever jurídico de conclusão» do negócio, posição que encontrou acolhimento na jurisprudência.
V - Tendo-se provado a celebração entre a autora e os réus, de um contrato de mediação sem exclusividade, vindo a autora (mediadora) a apresentar aos réus um comprador interessado, com uma proposta que aqueles aceitaram, tendo o interessado procedido ao pagamento do IMT e do Imposto de Selo devidos pela celebração da escritura, agendada em Cartório Notarial indicado pelos réus, comparecendo todas as partes, acabando os réus, sem qualquer razão justificativa, no ato da escritura, por se recusarem a outorgá-la, vindo a denunciar o contrato (intempestivamente), poucos dias depois, vendendo mais tarde o imóvel a outrem por um valor superior, deverá concluir-se: i) que os réus violaram o dever jurídico de conclusão do contrato, ii) que a indemnização devida é a correspondente ao dano positivo ou de cumprimento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3093/16.5T8AVR.P1

Sumário da decisão:
.................................................................
.................................................................
.................................................................

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Em 11.10.2016, B..., Lda., intentou no Juízo Local Cível de Aveiro (Juiz 2) Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra C... e D... pedindo: a) a declaração do incumprimento, pelos réus, do contrato de mediação imobiliária, celebrado entre as partes, em 17 de setembro de 2015; b) a declaração da ilicitude da resolução, efetuada pelos réus, daquele contrato; c) a condenação dos réus no pagamento de uma indemnização, a título de danos patrimoniais, em montante não inferior a € 22.500,00 [correspondente à remuneração a que teria direito caso os réus tivessem celebrado a escritura de compra e venda], acrescida de juros de mora, calculados desde a data da citação até integral pagamento; e d) a condenação dos réus no pagamento de uma indemnização, a título de danos não patrimoniais, no montante de € 1.500,00, acrescida de juros de mora, calculados desde a data da citação até integral pagamento.
Como fundamento da sua pretensão, alegou a autora em síntese: celebrou com os réus um contrato de mediação imobiliária, sem exclusividade, relativo a um prédio de que aqueles eram titulares, sito no ..., freguesia ...; angariou um comprador para tal prédio que fez uma proposta de compra, que foi aceite, tendo sido marcada escritura pública, que não chegou a ser celebrada por culpa exclusiva dos réus; os réus, não tendo celebrado a referida escritura pública, incumpriram o contrato, originando danos patrimoniais e não patrimoniais; após o referido incumprimento, os réus pretenderam fazer operar, de forma ilícita, porque sem causa justificativa, a resolução do contrato celebrado com a autora.
Citados, os réus C... e D... deduziram contestação [cfr. fls. 116 e seguintes], aceitando a celebração, entre as partes, de um contrato de mediação imobiliária entre as partes, bem como a proposta de compra do referido imóvel, mas apresentando uma diversa versão dos acontecimentos no que respeita às negociações subjacentes à marcação da escritura de compra e venda, que não se chegou a concretizar, de acordo com tal versão, em virtude de uma atuação negligente que imputam à autora. No que concerne à resolução do contrato a que alude a autora, defendem os réus tratar-se, antes, de uma denúncia do contrato, que foi legalmente efetuada e justificada pela perda de confiança na autora. Com estes fundamentos, concluem pela improcedência da ação e pela respetiva absolvição dos pedidos de deduzidos pela autora.
Realizou-se audiência prévia, em 4.04.2017, na qual: i) foi fixado à ação o valor de € 24.000,00; foram declarados reunidos todos os pressupostos formais que permitem a decisão de mérito; foram definidos o objeto da lide e os temas de prova; e foi designada data para a audiência final.~
Realizou-se a audiência final em três sessões (10.10.2017, 23.10.2017 e 6.11.2017), após o que, em 3.01.2018, foi proferida sentença na qual se julgou a ação totalmente improcedente.
Não se conformou a autora e interpôs o presente recurso de apelação, apresentando alegações, nas quais formula as seguintes conclusões:
1. O presente recurso, de apelação, vem interposto da douta Sentença proferida nestes autos em 03.01.2018, e versa sobre duas questões jurídicas, que se apresentam em relação de subsidiariedade, correspondentes aos pontos de divergência entre a solução conferida ao caso pelo digníssimo Tribunal a quo e a solução que, no entendimento da autora/recorrente, deve ser acolhida por esse Venerando Tribunal.
i. A primeira questão, que parte do pressuposto assente pelo Tribunal a quo, de que a atuação dos réus se mostra ilícita, culposa e passível de gerar danos na esfera patrimonial da autora, é a de saber se, neste particular caso, tem a autora direito a ser indemnizada apenas pelo interesse contratual negativo (dano de confiança), como entendeu o Tribunal a quo, ou antes, as concretas circunstâncias do caso já são de ordem a apontar para que o ressarcimento se faça pela via do interesse contratual positivo (dano de cumprimento).
ii. A segunda questão, - que se coloca subsidiariamente -, consiste em saber se, em face da factualidade provada, se deve concluir, sem mais, pela ausência de alegação e prova da existência de danos - como concluiu o Tribunal a quo -, ou se, ao invés, aquela factualidade impunha a prolação de uma sentença de condenação genérica, relegando-se para ulterior tramitação incidental a concretização do montante exato dos prejuízos qualitativamente alegados e provados.
QUESTÃO PRINCIPAL
2. O Tribunal a quo negou à autora a possibilidade de esta ser indemnizada na vertente do interesse contratual positivo, em virtude de estarmos perante um contrato de mediação imobiliária celebrado no regime de não exclusividade, com o argumento de que tal colidiria com o princípio da liberdade contratual e com o regime jurídico previsto na Lei 15/2013, designadamente porque a autora não tem direito à remuneração por não estarem preenchidos os necessários pressupostos legais.
3. Ora, no presente caso, a autora não reivindica o seu direito à remuneração, mas o direito a ser indemnizada pelo dano positivo, o que é distinto.
4. No modesto entender da autora/recorrente, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação do regime geral da responsabilidade civil, mais propriamente das disposições ínsitas nos artigos 562º e 564º, nº 1 do Código Civil, cujo campo de aplicação, em matéria de incumprimento das obrigações contratuais, não se vê arredado pelo regime jurídico instituído pela Lei 15/2013, nomeadamente pelo disposto no seu artigo 19º, que regula o direito à remuneração da mediadora imobiliária.
5. Tanto no regime da exclusividade, como da não exclusividade, poderão caber, abstratamente, casos em que o dano positivo assuma relevância, senão mesmo preponderância, sendo que, embora por regra se entenda que a parte lesada, nos contratos de mediação sem exclusividade, tem apenas direito à indemnização relativa ao interesse contratual negativo, tem sido amplamente defendido que há casos em que se justifica, pelo avanço e completude da execução do programa contratual, já distanciada da fase inicial do contrato, dar relevo ao prejuízo consubstanciado na privação dos efeitos jurídico patrimoniais do cumprimento do contrato, que é exatamente o que está em causa.
6. Na verdade, as concretas circunstâncias que resultam da factualidade provada, que aqui se convoca e se dá por integrada, são já em ordem a conferir preponderância ao interesse contratual positivo da autora, dado que a rutura negocial ocorreu na fase finalíssima da execução do contrato, situando-se a confiança das partes, nesta fase, já no campo da conclusão do negócio visado com a mediação, uma vez que já estavam acertados todos os aspetos essenciais à compra e venda do imóvel, que restava formalizar dentro de instantes, e que era pressuposto do direito à remuneração acordada.
7. Salienta-se que:
i. Os réus inviabilizaram a realização da escritura, e com isso, o direito da autora à remuneração;
ii. Mas, também já tinham inviabilizado a celebração do contrato promessa, que determinava, nos termos contratualizados, o vencimento da totalidade da remuneração da autora, contornando-o com negociações tendentes à celebração do contrato definitivo, mantendo sempre a autora na expectativa de receber a remuneração;
iii. Pior, só vieram resolver o contrato de mediação depois da data designada para a escritura, depois da autora ter empreendido todos os esforços no sentido da conclusão do negócio;
8. A reparação pelo interesse negativo não se mostra, in casu, suficiente para repor o equilíbrio das prestações contratuais e satisfazer as legítimas expectativas da autora, parte cumpridora, que investiu seriamente num contrato inviabilizado no seu termo, donde que, só mesmo a via do interesse positivo se afigura suficiente para reparar efetivamente o prejuízo que lhe foi causado.
9. A indemnização do dano positivo – que não é o mesmo que o direito à remuneração - consiste na reposição do justo equilíbrio das prestações, assegurando ao contraente fiel a situação patrimonial que este teria se o contrato tivesse sido cumprido e, por isso mesmo, o quantum da indemnização será sempre resultado da dedução à prestação que lhe seria devida, da contraprestação que lhe seria exigida, em caso de cumprimento pontual do contrato, repondo a correspondência exata entre as prestações a cargo de cada uma das partes.
10. Encontrando-se o contrato de mediação imobiliária na sua fase final de execução, quando foi rompido, tendo a autora cumprido curialmente a sua prestação e não se vendo que mais lhe pudesse ser exigido, tem a mesma direito à totalidade do valor da prestação (€ 22.500,00), por nada haver a deduzir em termos de contraprestação.
11. Todavia, entendendo-se que tal pode, de alguma forma, implicar um benefício injustificado para a autora atendendo ao regime legal específico da mediação imobiliária, sempre é possível recorrer a critérios de equidade, operando-se uma redução adequada, proporcional, no valor da indemnização, tornando-a materialmente justa e adequada às concretas circunstâncias do caso e do funcionamento do mercado no setor imobiliário.
QUESTÃO SUBSIDIÁRIA
12. Pese embora a autora/recorrente tenha configurado a ação numa perspetiva de valorização do dano positivo, foram alegados e provados factos (os pontos 9, 10 e 11 dos factos provados) que constituem danos emergentes, reportados às despesas inerentes à promoção da venda do imóvel e à remuneração dos trabalhadores, que despenderam tempo e meios em visitas, chamadas telefónicas e em reuniões realizadas com os réus, e que devem ser computados em sede de indemnização pelo interesse contratual negativo.
13. Tendo sido tais danos qualitativamente identificados, mas não devidamente quantificados, impõe-se convocar o disposto no artigo 609º, nº 2 do CPC, proferindo-se sentença de condenação genérica, relegando para ulterior tramitação incidental a concretização do montante exato desses prejuízos, o que erradamente o digníssimo Tribunal a quo não fez.
TERMOS EM QUE, deve o presente recurso merecer inteiro provimento e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, substituindo-se por outra que julgue a presente ação totalmente procedente, condenando-se os réus a pagar à autora uma indemnização, pelo interesse contratual positivo, no valor de € 22.500,00, ou em valor inferior que Vª.s Exas. Reputem justo e equitativo, segundo critérios de equidade, ou assim não se entendendo, sempre se proferindo sentença de condenação genérica, nos termos acima expostos.
Assim se fazendo inteira Justiça.
Os réus responderam às alegações de recurso, concluindo:
1. O presente recurso apresentado pela ora Recorrente tem por objeto a sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, datada de 3 de janeiro de 2018, que declarou, e bem, a ação totalmente improcedente, absolvendo os Recorridos dos pedidos indemnizatórios deduzidos pela Recorrente (a saber, indemnização por danos patrimoniais no montante de pelo menos €22.500,00 e uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de €1.500,00).
2. A Recorrente, inconformada, apresentou alegações de recurso, de apelação, onde peticiona que a sentença proferida seja substituída por outra que condene os Recorridos a pagar-lhe uma indemnização pelo interesse contratual positivo, no valor de €22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros) isto é, uma indemnização pelos lucros cessantes que a Recorrente terá deixado de obter pela impossibilidade de venda do imóvel.
3. Subsidiariamente, a Recorrente pede que seja proferida sentença de condenação genérica pelos alegados danos emergentes, reportados às despesas inerentes à promoção da venda do imóvel e à remuneração dos trabalhadores, pelo tempo que despenderam em promoção e em visitas, chamadas telefónicas e reuniões, configurando isto uma indemnização pelo interesse contratual negativo.
4. Não assiste, todavia, qualquer razão à Recorrente, conforme adiante se explanará e se concluirá que os Recorridos não incorreram nem sofreram danos patrimoniais ou não patrimoniais para a Recorrida, não sendo devida qualquer indemnização ou remuneração.
5. Alega a ora Recorrente que configurou a ação numa perspetiva de valorização do dano positivo, em face do alegado incumprimento culposo do contrato celebrado com os Recorridos.
6. A este respeito, reitere-se desde já que os Recorridos não incumpriram culposamente o contrato celebrado.
7. Realça, ainda, a Recorrente que é “o interesse contratual (positivo ou negativo) que, nas concretas circunstâncias do caso, merece ser contemplado na indemnização dos prejuízos sofridos pela autora” – cfr. página 5 das alegações de recurso.
8. Todavia, a Recorrente, na petição inicial, não formulou os seus pedidos de indemnização nestes moldes, não fazendo qualquer distinção ou realce entre o interesse contratual positivo ou negativo, lucros cessantes e danos emergentes, o que se tornaria redundante pois a Recorrente nem sequer logrou fazer prova dos requisitos de responsabilidade civil contratual.
9. Como vimos, a Recorrente, inicialmente, peticiona uma indemnização por danos patrimoniais no montante de pelo menos €22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros) e uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de €1.500,00 (mil e quinhentos euros).
10. Note-se que, a Recorrente funda o seu pedido de indemnização só e apenas na remuneração que deixou de auferir pela não celebração do contrato – cfr. pontos 129 e 131 da petição inicial (página 20).
11. Apesar de também invocar alegados lucros cessantes e danos emergentes da denúncia do contrato de mediação imobiliária e da não celebração da escritura de compra e venda do imóvel, a Recorrente nunca apresentou estes factos como causa de pedir da ação, nem sequer logrou provar qualquer dano ou prejuízo que fosse daí emergente.
12. Não se compreende, pois, a ousadia da Recorrente que, em sede de alegações, formula dois pedidos com causas de pedir distintas da “remuneração”, nomeadamente com base no interesse contratual positivo (lucros cessantes) e no interesse contratual negativo (danos emergentes).
13. Acordaram as Partes que os Recorridos pagariam uma comissão à Recorrente no valor de 5% (cinco por cento), calculada sobre o preço pelo qual o negócio fosse efetivamente concretizado, aquando da celebração do contrato de compra e venda – cfr. Cláusula 5.ª/2 do contrato de mediação imobiliária.
14. É muito claro o que ficou acordado e assinado entre as Partes: o pagamento da comissão ou remuneração devida à Recorrente estava dependente da conclusão e perfeição da celebração da escritura de compra e venda do imóvel.
15. A este respeito, veja-se o facto provado número 5 que confirma a condição da conclusão da venda para pagamento da comissão à Recorrente: “A autora aceitou prestar os seus serviços à ré e comunicou-lhe todas as condições de prestação dos seus serviços e a comissão que cobraria aquando da venda” (destaque nosso).
16. Também nos termos da Cláusula 5.ª (Remuneração) do referido contrato se encontra explícito que a remuneração só seria devida se o potencial comprador celebrasse efetivamente o negócio visado, com ou sem assinatura de contrato-promessa de compra e venda do imóvel em referência – sendo devida a remuneração aquando da assinatura do contrato-promessa nos casos em que este tivesse lugar – e em cumprimento nos termos do artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro.
17. Ora, como é sabido, esse negócio não se realizou nem houve lugar a contrato-promessa entre os Recorridos e o potencial comprador.
18. A remuneração só seria devida à Recorrente com a conclusão do negócio tal como definido no n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, nos termos do qual: “A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação” – o que não se verificou -, ou caso se preencha qualquer das exceções do número 1 ou 2 do mesmo preceito.
19. Sendo certo que, não tendo o contrato de mediação imobiliária sido celebrado num regime de exclusividade, não cabe aplicar a exceção prevista no n.º 2 do aludido artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, pelo que, não tendo sido concluído o negócio nem tendo as Partes acordado o contrato em regime de exclusividade, não é devida à Recorrente qualquer remuneração.
20. Em suma, a Recorrente não tem qualquer montante em dívida para com os Recorridos decorrente quer do contrato de mediação imobiliária em apreço, quer dos termos da Lei n.º 15/2013, nem a qualquer outro título, relativo ou não, ao negócio em apreço.
21. A própria Recorrente sabe e conhece que o seu pedido é inócuo e que a remuneração estava dependente da perfeição da escritura de compra e venda do imóvel, alegando expressamente que “Antes de mais, importa sublinhar que a autora não reivindica nos autos o direito à remuneração contratada, pois é indiscutível que a ela não tem direito, por não estarem preenchidos os pressupostos legais, tal como definidos no artigo 19.º da Lei 15/2013, de 8 de fevereiro, que rege a atividade da mediação imobiliária e se aplica à relação jurídica em apreço” – cfr. página 6 das alegações de recurso (destaque nosso).
22. A sentença recorrida vem ao encontro desta posição, como se pode ler: “Ora, no caso concreto, a autora invoca os danos decorrentes da não celebração do contrato visado, ou seja, o montante correspondente a € 22.250,00. Porém, tais danos não são indemnizáveis nos termos acima expostos, porquanto não se verificou o pressuposto de que estava dependente o pagamento dessa quantia – a conclusão e perfeição do contrato de compra e venda do imóvel. Assim, como a remuneração apenas seria devida no caso de ter havido a perfeição do contrato visado – o que, efetivamente, não sucedeu – não constitui um dano indemnizável pelo incumprimento contratual dos réus” – cfr. página 37 da sentença.
23. Não se compreende nem se aceita como poderá a Recorrente ter a criatividade de, em sede de recurso, tentar a sua sorte com um pedido novo e diferente, com causas de pedir inovadoras, sendo que o que se discute, nos presentes autos, é, saber se a Recorrente tem direito à remuneração ao abrigo do contrato de mediação imobiliária.
24. Ao não ter sido acordado um regime de exclusividade entre as Partes, não ter sido realizado um contrato-promessa, nem ter sido celebrada a escritura de compra e venda do imóvel, dúvidas não restam de que não é devido qualquer valor seja a título de comissão, preço ou remuneração.
25. Se falarmos em indemnização, como pretende a Recorrente agora em sede de recurso, também esta sua nova pretensão não merece obviamente colhimento.
26. Em primeiro lugar, não é permitido, à luz das normas do Processo Civil, em Portugal, formular pedidos distintos em sede de petição inicial e em sede de recurso, bem como invocar causas de pedir diferentes.
27. Por outro lado, mesmo que a Recorrente, em sede de alegações, tente fazer valer uma pretensão indemnizatória em moldes diferentes do inicialmente peticionado, jamais poderá ver os Recorridos condenados ao pagamento desses pretensos valores indemnizatórios, uma vez que a mesma não logra fazer prova dos pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual, necessários ao seu ressarcimento.
28. Não estando alegados nem provados os mencionados requisitos, jamais poderia a Recorrente ter direito a ser indemnizada nos termos gerais da responsabilidade civil pelo interesse contratual positivo ou negativo, tal como agora pretende.
29. Tal como a Recorrente evidencia, em certo momento, mas parece não compreender a aplicação dos conceitos na prática, são distintos os regimes jurídicos aplicáveis à remuneração e à indemnização (pelo dano positivo ou negativo), não podendo a mesma efetuar pedidos distintos, nem invocar causas de pedir diferentes na primeira e na segunda instância.
30. Sem conceder e mesmo sem conceber, por mero dever de cautela, subscreve-se o que defende a sentença recorrida quanto à indemnização pelo interesse contratual positivo, na medida em que a mesma “implicaria desconsiderar, por completo, o princípio da liberdade contratual, bem como o próprio regime jurídico específico do contrato de mediação imobiliária, do qual decorre o risco inerente à atividade comercial da mediação – resultado que poria, certamente, em causa a proteção da confiança e da boa-fé.”
31. Subsidiariamente, a Recorrente, nas suas alegações de recurso, pede que seja proferida sentença de condenação genérica pelos alegados danos emergentes, reportados às despesas inerentes à promoção da venda do imóvel e à remuneração dos trabalhadores, pelo tempo que despenderam em promoção e em visitas, chamadas telefónicas e reuniões, configurando isto uma indemnização pelo interesse contratual negativo.
32. Subsidiariamente, decide a Recorrente “apreciar da bondade da decisão do Tribunal a quo, na parte em que declarou a total improcedência da ação com fundamento na ausência de prova das quantias que a autora efetivamente despendeu na promoção do imóvel e nas negociações tendentes à sua venda”.
33. Veja-se, neste sentido, o pedido elaborado pela Recorrente nas suas alegações de recurso, a saber:
“Termos em que, deve o presente recurso merecer inteiro provimento e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, substituindo-se por outra que julgue a presente ação totalmente procedente, condenando-se os réus a pagar à autora uma indemnização, interesse contratual positivo, no valor de €22.500,00, ou em valor inferior que V. Exas. reputem justo e equitativo, segundo critérios de equidade, ou assim não se entendendo, sempre se proferindo sentença de condenação genérica, nos termos acima expostos.”
34. Cumpre salientar, todavia, que a improcedência da ação não tem assento na razão invocada pela Recorrente, mas antes na não celebração da escritura de compra e venda do imóvel ou na não aplicação de nenhuma das exceções previstas no artigo 19.º da Lei 15/2013, de 8 de fevereiro.
35. Mesmo que o pedido ou a causa de pedir incidisse sobre a figura da responsabilidade civil e danos emergentes, a Recorrente não logrou quantificar ou fazer prova dos danos emergentes que alega terem existido.
36. Basta olhar para a alínea a) da factualidade não provada para concluir que não houve qualquer produção de prova por parte da Recorrente relativamente aos alegados investimentos em publicidade e promoção do imóvel (alegados danos emergentes ou indemnização pelo interesse contratual negativo).
37. Em suma, replicando as conclusões da sentença recorrida, “deveria a autora alegar e provar os efetivos prejuízos, por serem constitutivos do direito de que se arroga [cfr. art. 342.º, n.º 1, do Código Civil] – o que não fez, na medida em que optou por pugnar pelo pagamento do valor correspondente à remuneração prevista no contrato de mediação imobiliária [o interesse contratual positivo – que, como vimos, não se afigura aplicável ao caso].
38. Mesmo que tivesse existido alguma prova, todos os custos incorridos pela Recorrentes fariam parte integrante dos custos e riscos inerentes ao ramo de atividade, por isso nunca seriam objeto de indemnização, tal como profere a sentença recorrida nos seguintes termos: “(…) afigura-se consentâneo com o normal suceder nestas atividades de intermediários em compras e vendas de imóveis” – cfr. página 15 da sentença.
39. Se olharmos paras as alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 2.º da Lei 15/2013, de 8 de fevereiro chegamos à mesma conclusão na medida em que o legislador determina que a atividade de mediação imobiliária consubstancia-se no desenvolvimento de ações de “prospeção e recolha de informações que visem encontrar os bens imóveis pretendidos pelos clientes e de promoção dos bens imóveis sobre os quais os clientes pretendam realizar negócios jurídicos, designadamente através da sua divulgação ou publicitação, ou da realização de leilões” (destaque nosso).
40. Na verdade, a Recorrente elabora um pedido novo em sede de recurso, na medida em que isola os alegados danos emergentes, sendo que, na petição inicial, os alegados danos emergentes parecem configurar parte integrante da remuneração, caindo dentro do bolo do valor de €22.500,00.
41. Tudo visto, dúvidas não restam que a Recorrente aproveita o vertido na sentença recorrida para, por intermédio das suas alegações, formular novos pedidos com causas de pedir distintas, à luz do interesse contratual positivo e negativo, nunca antes invocados e provados os seus requisitos.
42. Acresce que, a Recorrente transpõe para o Tribunal o ónus de proferir uma sentença de condenação genérica, sem mais, assumindo a Recorrente que os danos emergentes não foram quantificados, ainda que qualitativamente identificados, invocando, por isso, que o Tribunal deveria ter elaborado uma sentença de condenação genérica.
43. No entanto, esse pedido só seria exequível nos termos estabelecidos no artigo 609.º, n.º 2 do CPC, e para tal, a Recorrente teria de ter elaborado um pedido de condenação genérica, nos termos e para os efeitos do artigo 556.º do CPC, ou iniciar um incidente de liquidação, nos termos e para os efeitos do artigo dos artigos 358.º, n.º 1, ou 609.º, n.º 2, do CPC, o que não sucedeu.
44. Em suma, após a sentença, a Recorrente inverteu os seus pedidos e causas de pedir para se aproximar e ir ao encontro do que o Tribunal a quo mencionou como situações hipoteticamente indemnizáveis, mas que nunca foram parte integrante do pedido inicial ou causa de pedir da Recorrente.
45. Note-se que, é nula a sentença que condene em quantidade superior ou em objeto diverso do que o autor peticionar, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 609.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, cumprindo, aqui, invocar estas normas, por mero dever de cautela, face aos limites de condenação.
46. O Princípio do Pedido também tem consagração inequívoca no artigo 3.º, nº 1, do CPC, incumbindo ao autor, na petição inicial, definir a sua pretensão e requerer ao Tribunal o meio de tutela jurisdicional adequado a satisfazê-la.
47. O autor deve formular o seu pedido dizendo "com precisão o que pretende do tribunal – que efeito jurídico quer obter com a ação" – cfr. artigo 552º, nº 1, e) do CPC, sendo esse pedido a vincular o Tribunal quanto aos efeitos que pode decretar a final, não podendo decretar um outro efeito, alternativo, apesar de legalmente previsto.
48. A sentença deve ater-se, portanto, aos limites definidos pela pretensão formulada na ação, o que é considerado "núcleo irredutível" do Princípio do Dispositivo.
49. Saliente-se que, a violação da referida regra – se o juiz condena em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido – determina a nulidade da sentença, nos termos do art. 615º, nº 1, e), do CPC.
50. Aliás, se o Tribunal o fizer incorre também em excesso de pronúncia, por apreciar questão não suscitada pelas partes, o que é igualmente causa de nulidade, nos termos do art. 615º, nº 1, d), do CPC.
51. Conclui-se, portanto, que as questões novas suscitadas pela parte, em sede de recurso, que não foram alegadas oportunamente, não podem por isso ser levadas em conta, estando vedada a sua apreciação ao Tribunal de recurso.
52. Quanto ao direito à remuneração, este implica a execução da prestação contratual a que o mediador se obrigou, nomeadamente a prática dos atos adequados a conseguir que seja atingido o objetivo do contrato – a concretização e perfeição do negócio visado com a mediação, o que não sucedeu no presente caso. 53. Face a todo o exposto, importa concluir que os Recorridos, não incorreram em responsabilidade civil, por não ter sido outorgada a escritura de compra e venda do imóvel, nem incumpriram o contrato celebrado com a Recorrente, sendo legítima a denúncia do mesmo, efetuada pelos Recorridos, não existindo danos patrimoniais ou não patrimoniais para a Recorrida e não sendo devida qualquer indemnização ou remuneração.
Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, requer-se seja o presente recurso de apelação julgado totalmente improcedente e, em consequência, seja ordenada a manutenção da sentença recorrida nos seus exatos termos, com todas as legais consequências, só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 3.º, n.º 3, do diploma legal citado), consubstancia-se nas seguintes questões: i) apreciação do pedido “subsidiário” de indemnização do interesse contratual negativo (ou de confiança); ii) definição do dano patrimonial indemnizável – problemática do “dever jurídico de conclusão do contrato”.

2. Fundamentos de facto
Consignou-se na sentença recorrida a seguinte factualidade relevante provada:
1. A autora é uma sociedade que tem por objeto a mediação imobiliária, consultadoria financeira e de gestão, administração de imóveis, administração de condomínios, compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, gestão de arrendamentos e mediação de seguros.
2. A autora é titular da licença AMI n.º ...., tem sede na Rua ..., n.º .., ..., em Aveiro e uma filial em Santa Maria da Feira.
3. A autora possui, também, 9 lojas, que integram a rede de Franchising, no ... e ..., ambas em Aveiro, ... em Ílhavo, ..., ... São João da Madeira, e agora também no Algarve localizadas em Silves, Albergaria-a-Velha, Porto e Albufeira.
4. No dia 11 de Setembro de 2015, a ré C... enviou um email à autora perguntando se esta estaria interessada em fazer a mediação da venda de uma casa sita no ..., freguesia ..., concelho de Ílhavo.
5. A autora aceitou prestar os seus serviços à ré e comunicou-lhe todas as condições de prestação dos seus serviços e a comissão que cobraria aquando da venda.
6. No dia 17.09.2015, a autora e os réus subscreveram o documento de fls. 48/49 [cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], que designaram de ”contrato de mediação imobiliária”, o qual tinha por objeto o prédio identificado em 4..
7. À data da subscrição do documento acima referido, a aquisição do prédio encontrava-se registada na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo, sob o n.º 5007/20130718, a favor de C..., casada no regime da comunhão de adquiridos com D..., e era constituído por uma casa destinada a habitação, de rés-do-chão, primeiro andar aproveitamento do sótão, garagem, anexos e logradouro, sito na ..., n.º .., ..., freguesia ..., concelho de Ílhavo, inscrito na matriz sob o artigo 1703.º.
8. Do documento designado de ”contrato de mediação imobiliária”, referido em 6. constam, entre outras, as seguintes cláusulas:
“Cláusula 2.ª (Identificação do Negócio)
1 - A Mediadora obriga-se, em nome do segundo contraente, a procurar destinatário para a realização de negócio jurídico de compra, pelo preço de € 550.000,00. (…)
(…)
Cláusula 4.ª (Regime de Contratação)
1 - O segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de não exclusividade. (…)
2 - O segundo Contratante obriga-se a apagar à Mediadora a título de remuneração (…)
A quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado acrescida de IVA à taxa legal em vigor (…)
(…)
Cláusula 8.ª (Prazo de Duração do Contrato)
O presente contrato tem uma validade de 6 meses contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo. Os contraentes podem impedir a renovação automática do presente contrato através de carta registada com aviso de receção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo.”
9. Após a subscrição do referido documento, os colaboradores da autora deram início aos trabalhos necessários à promoção da venda do prédio dos réus, tendo visitado o imóvel por diversas vezes, despendendo tempo e meios, tendo efetuado e recebido diversas chamadas telefónicas e realizado reuniões com os réus.
10. Os colaboradores da autora inseriram os dados do imóvel na sua base de dados, ficando o mesmo disponível “online” na sua página da internet, e foi igualmente promovido junto de várias redes sociais, bem como de sites imobiliários. 11. A autora suportou todas as despesas inerentes à promoção da venda do prédio bem como a remuneração dos seus colaboradores.
12. No seguimento de uma visita ao imóvel, promovida pela autora, E... e F..., enquanto gerentes da G..., Lda., mostraram interesse em adquiri-lo, tendo apresentado uma proposta de aquisição, em 10.10.2015, pelo montante de € 400.000,00, a qual foi assinada por F..., também gerente daquela sociedade, nos termos que constam do documento de fls. 50 [cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
13. Por email enviado à ré C..., em 05.11.2015, a colaboradora da autora, H..., informou que o interessado comprador aceitava então adquirir o imóvel pelo valor de € 425.000,00, sendo a escritura realizada em janeiro, tendo, ainda, perguntando qual a disponibilidade dos réus para se deslocarem a Aveiro para assinarem o contrato-promessa.
14. A ré não respondeu ao email referido em 13. e não foi celebrado o contrato promessa também aí mencionado.
15. Posteriormente, os réus apresentaram uma contraproposta de € 445.000,00, a qual foi aceita por E..., enquanto gerente da G..., Lda..
16. F..., enquanto gerente da interessada sociedade compradora, havia já emitido, a 10.09.2015, um cheque reserva, em nome de C..., no valor de € 2.500,00.
17. Numa das reuniões efetuadas entre as partes, realizada a, em 03.01.2016, o mediador e legal representante da autora, com quem a reunião viria a prosseguir, I..., chegou cerca de uma hora atrasado, encontrando-se, porém, presente a mediadora H....
18. A autora e os réus acordaram, inicialmente, que a escritura pública de compra e venda seria realizada em Aveiro.
19. A ré C... informou a autora que o réu se iria ausentar para o estrangeiro, pelo que, para salvaguardar os poderes para a outorga da escritura, a autora elaborou e remeteu-lhe, em 26.01.2016, uma procuração, para ser por aquele assinada, a fim de conferir à ré poderes de representação.
20. A ré C... pediu à autora que a escritura fosse realizada em Lisboa, enviando um email à autora, em 01.02.2016, pelas 09h16m, com o contacto do notário J..., terminando o email dizendo que precisava de tempo para libertar a casa e questionando o que havia sido sugerido por E... a esse respeito.
21. Nessa sequência, a autora, por email de 02.02.2016, pelas 13h11m, informou a ré de que a escritura de compra e venda estava marcada para o dia 04.02.2016, às 16h00m, no Cartório Notarial J..., em Lisboa.
22. A ré respondeu à autora, por email enviado em 02.02.2017, pelas 16h46m, sugerindo um encontro às 15h30m na pastelaria K..., que se situava na porta ao lado do Cartório.
23. Os réus aceitaram que a escritura fosse realizada no dia 04.02.2017.
24. Foi a autora quem tratou de agendar a escritura, bem como de recolher os documentos necessários para o efeito, que lhes foram antecipadamente fornecidos quer pelos réus quer por E..., gerente da sociedade comercial interessada na compra.
25. O notário J... tinha a minuta da escritura preparada.
26. A sociedade G..., Lda. liquidou os impostos de IMT e de Selo, devidos pela celebração da escritura de compra e venda do imóvel aqui em causa.
27. No dia previsto para a celebração da escritura [04.02.2016], a ré deslocou-se ao Cartório e, pelas 15h39m, enviou uma mensagem escrita, para I..., mediador e representante legal da autora, dizendo que se encontrava no interior da pastelaria K..., na varanda de dentro, e que a escritura não estava atrasada e teria lugar às 16h00m, como previsto.
28. I..., que nesse dia se deslocara a Lisboa com E..., em resposta, enviou uma mensagem escrita à ré dizendo que se encontrava na ....
29. I... e E... chegaram ao Cartório Notarial entre as 16h12m e as 16h15m.
30. Aí chegados, a ré C... recusou-se a outorgar a escritura.
31. No dia 10.02.2016, os réus remeteram à autora a carta de fls. 83/85 [cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido], nos termos da qual declaram terminar, com efeitos imediatos, com acordo celebrado com a autora em 17.09.2015, referidos em 6., invocando a perda de confiança nesta.
32. A 17.02.2017 a autora remeteu aos réus a carta de fls. 88 [cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido], nos termos da qual, designadamente, informou que E... mantinha interesse em comprar o imóvel.
33. Após o envio da carta referida em 32., os réus mantiveram o imóvel à venda, tendo logrado vendê-lo a terceiros por, pelo menos, € 500.000,00, em outubro de 2016.
Factualidade não provada:
Não se provaram quaisquer outros factos relevantes para a decisão da causa alegados pelas partes, que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes. Designadamente, não se provou que:
a) Os comerciais da autora tiraram várias fotos ao imóvel e agendaram reuniões com alguns investidores e clientes, que apresentaram verbalmente propostas de aquisição que, no entanto, eram inferiores ao preço de venda adequado e pretendido para o imóvel em causa.
b) Ao terem trabalhado na divulgação deste imóvel, os colaboradores da autora não angariaram novos negócios nem promoveram os negócios imobiliários que a autora já tinha em carteira.
c) Na última reunião agendada entre a autora, os réus e o potencial comprador, em 03.01.2016, este último não deu qualquer explicação para a não comparência.
d) Ao longo das negociações, a autora assumiu um papel muito agressivo, exercendo uma grande pressão no sentido de forçar um acordo entre as partes a qualquer preço e de acelerar a celebração da escritura fosse por qual preço fosse – independentemente dos interesses e preocupações que os réus sempre lhe apresentaram.
e) Os réus apresentavam reservas à negociação e quanto mais o faziam mais a autora forçava a celebração da escritura.
f) Foi constante, ao longo da relação contratual mantida pelas partes, a não comparência do mediador imobiliário da autora, I..., sem qualquer justificação.
g) Apesar de a autora ter apresentado um potencial comprador, não logrou obter acordo nem quanto ao preço estabelecido pelos réus nem quanto às condições por estes impostas.
h) O encontro marcado antes da escritura pública, às 15h30m, na pastelaria K..., foi sugerido pelo mediador imobiliário da autora.
i) A pedido dos réus, o valor declarado na escritura não traduzia o valor acordado, efetivo e real, por daí retirarem vantagens fiscais, o que o comprador aceitou.
j) No dia da escritura, faltava ainda acordar temas como a entrega das chaves, a remoção do recheio da casa e a data da entrega do imóvel livre e devoluto de pessoas e bens, pelo que a autora e os réus combinaram encontrar-se, nesse dia, às 15h30, para acordarem quanto a esses aspetos.
k) A autora e E... sabiam que a celebração da escritura estava dependente da outorga de tal acordo sobre o recheio da casa.
l) O potencial comprador, E..., pagaria o preço aos réus e estes, por seu turno, pagariam a comissão à autora, antes da celebração da escritura.
m) Os réus perderam a confiança na autora.
n) No dia da escritura, E... demonstrou o seu desagrado, junto dos responsáveis da autora.
o) A autora é uma sociedade com grande notoriedade e implantação no mercado imobiliário, reconhecida pelos seus clientes, e mesmo por empresas concorrentes, como sendo uma sociedade comercial credível e cumpridora das suas obrigações, integrando profissionais nos seus quadros que pautam o seu comportamento, desde sempre, por princípios de competência, transparência e seriedade.

3. Fundamentos de direito
3.1. Síntese das questões suscitadas em sede recursória, com delimitação do objeto do recurso no que concerne ao dano patrimonial
A recorrente (autora) invoca nesta sede, duas questões, que enuncia como “questão principal” e “questão subsidiária”.
No que concerne à “questão principal”, alega que “não reivindica o seu direito à remuneração, mas o direito a ser indemnizada pelo dano positivo, o que é distinto”, considerando que “as concretas circunstâncias que resultam da factualidade provada […], são já em ordem a conferir preponderância ao interesse contratual positivo da autora, dado que a rutura negocial ocorreu na fase finalíssima da execução do contrato, situando-se a confiança das partes, nesta fase, já no campo da conclusão do negócio visado com a mediação, uma vez que já estavam acertados todos os aspetos essenciais à compra e venda do imóvel, que restava formalizar dentro de instantes, e que era pressuposto do direito à remuneração acordada”.
No que respeita à “questão subsidiária”, alega que apesar de ter configurado a ação “numa perspetiva de valorização do dano positivo”, provaram-se factos (pontos 9, 10 e 11 dos factos provados) “que constituem danos emergentes, reportados às despesas inerentes à promoção da venda do imóvel e à remuneração dos trabalhadores, que despenderam tempo e meios em visitas, chamadas telefónicas e em reuniões realizadas com os réus, e que devem ser computados em sede de indemnização pelo interesse contratual negativo”, devendo em consequência proferir-se sentença de condenação genérica, relegando para ulterior tramitação incidental a concretização do montante exato desses prejuízos.
Em resposta, os recorridos alegam: i) que a recorrente na petição funda o seu pedido de indemnização só e apenas na remuneração que deixou de auferir pela não celebração do contrato; ii) que apesar de também invocar alegados lucros cessantes e danos emergentes da denúncia do contrato de mediação imobiliária e da não celebração da escritura de compra e venda do imóvel, a recorrente nunca apresentou estes factos como causa de pedir da ação, nem sequer logrou provar qualquer dano ou prejuízo que fosse daí emergente; iii) e que em sede de alegações de recurso formula dois pedidos com causas de pedir distintas da “remuneração”, nomeadamente com base no interesse contratual positivo (lucros cessantes) e no interesse contratual negativo (danos emergentes).
Como ponto de partida, com vista a delimitar o thema decidendum que constitui o objeto do recurso, haverá que dar razão aos recorridos, quando referem nas suas contra-alegações, que a autora (ora recorrente), no que respeita aos danos patrimoniais, se limita a pedir a condenação dos réus no montante do valor correspondente ao da comissão que deixou de auferir (€ 22.500,00)[1], acrescido de reparação por danos não patrimoniais.
Como suporte da conclusão que antecede, basta a mera leitura do pedido formulado:
«Nestes termos, e nos melhores de direito, que V/ Exa. doutamente suprirá, deverá a presente acção judicial ser julgada procedente, por provada e, consequentemente:
A) Deverá o Douto Tribunal declarar que os RR incumpriram o contrato de mediação imobiliária celebrado no dia 17 de Setembro de 2015 com a Autora, declarando ainda ilícita, por falta de fundamento legal e/ou contratual, a resolução contratual efetuada pelos RR;
B) Deverá o Douto Tribunal condenar os RR ao pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais no montante de pelo menos 22.500,00 € acrescida dos juros moratórios legais, desde a data da citação e até integral pagamento;
C) Deverá o Douto Tribunal condenar os RR no pagamento de uma indemnização à Autora por danos não patrimoniais no montante de 1.500,00 € acrescida dos juros moratórios legais, desde a data da citação e até integral pagamento
D) Por fim, deverão os RR ser condenados nas custas e nas demais despesas da presente acção judicial».
O pedido formulado na ação vincula o Tribunal, quer na primeira instância, quer nesta sede recursória, restringindo-se, no que concerne ao dano patrimonial, ao interesse contratual positivo.
A diferença entre dano positivo ou de cumprimento («in contratctu») e dano negativo ou de confiança («in contrahendo»), encontra correspondência nas noções de interesse contratual positivo e interesse contratual negativo, sendo pacífica a sua distinção: a indemnização pelo dano positivo destina-se a colocar o lesado na situação em que se encontraria se o contrato fosse cumprido, reconduzindo-se, assim, aos prejuízos que decorrem do não cumprimento definitivo do contrato ou do seu cumprimento tardio ou defeituoso; a indemnização pelo dano negativo tende a repor o lesado na situação em que estaria se não houvesse celebrado o contrato, ou mesmo iniciado as negociações com vista à respetiva conclusão, assistindo-lhe o direito a ser ressarcido do que despendeu na expectativa da consumação do negócio[2].
Decorre do exposto, face ao pedido formulado, que nesta sede recursória o Tribunal deverá atender apenas, no que concerne ao pedido de indemnização por dano patrimonial, à indemnização peticionada a título de interesse contratual positivo, revelando-se manifestamente improcedente o recurso, no que respeita às conclusões 12.ª e 13.ª, enunciadas sob a epígrafe de «Questão subsidiária»[3].
3.2. Definição do dano patrimonial indemnizável – problemática do “dever jurídico de conclusão do contrato”
Conclui-se da prova produzida: que os réus (recorridos) chegaram a acordo com a mediadora (autora/recorrente) e com um interessado na compra, quanto ao preço e à data e hora da outorga da escritura; que o interessado (angariado pela autora) liquidou os impostos de IMT e de Selo, devidos pela celebração da escritura; que compareceram todos os interessados no cartório notarial, na data agendada; e que a ré se recusou a celebrar a escritura, sem que se tenha provado quaisquer razões válidas para tal conduta.
É a seguinte a factualidade relevante na qual se suportam as conclusões que antecedem:
«12. No seguimento de uma visita ao imóvel, promovida pela autora, E... e F..., enquanto gerentes da G..., Lda., mostraram interesse em adquiri-lo, tendo apresentado uma proposta de aquisição, em 10.10.2015, pelo montante de € 400.000,00, a qual foi assinada por F..., também gerente daquela sociedade, nos termos que constam do documento de fls. 50 [cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
13. Por email enviado à ré C..., em 05.11.2015, a colaboradora da autora, H..., informou que o interessado comprador aceitava então adquirir o imóvel pelo valor de € 425.000,00, sendo a escritura realizada em janeiro, tendo, ainda, perguntando qual a disponibilidade dos réus para se deslocarem a Aveiro para assinarem o contrato-promessa.
14. A ré não respondeu ao email referido em 13. e não foi celebrado o contrato promessa também aí mencionado.
15. Posteriormente, os réus apresentaram uma contraproposta de € 445.000,00, a qual foi aceita por E..., enquanto gerente da G..., Lda..
16. F..., enquanto gerente da interessada sociedade compradora, havia já emitido, a 10.09.2015, um cheque reserva, em nome de C..., no valor de € 2.500,00.
[…]
18. A autora e os réus acordaram, inicialmente, que a escritura pública de compra e venda seria realizada em Aveiro.
19. A ré C... informou a autora que o réu se iria ausentar para o estrangeiro, pelo que, para salvaguardar os poderes para a outorga da escritura, a autora elaborou e remeteu-lhe, em 26.01.2016, uma procuração, para ser por aquele assinada, a fim de conferir à ré poderes de representação.
20. A ré C... pediu à autora que a escritura fosse realizada em Lisboa, enviando um email à autora, em 01.02.2016, pelas 09h16m, com o contacto do notário J..., terminando o email dizendo que precisava de tempo para libertar a casa e questionando o que havia sido sugerido por E... a esse respeito.
21. Nessa sequência, a autora, por email de 02.02.2016, pelas 13h11m, informou a ré de que a escritura de compra e venda estava marcada para o dia 04.02.2016, às 16h00m, no Cartório Notarial J..., em Lisboa.
22. A ré respondeu à autora, por email enviado em 02.02.2017, pelas 16h46m, sugerindo um encontro às 15h30m na pastelaria K..., que se situava na porta ao lado do Cartório.
23. Os réus aceitaram que a escritura fosse realizada no dia 04.02.2017.
24. Foi a autora quem tratou de agendar a escritura, bem como de recolher os documentos necessários para o efeito, que lhes foram antecipadamente fornecidos quer pelos réus quer por E..., gerente da sociedade comercial interessada na compra.
25. O notário J... tinha a minuta da escritura preparada.
26. A sociedade G..., Lda. liquidou os impostos de IMT e de Selo, devidos pela celebração da escritura de compra e venda do imóvel aqui em causa.
27. No dia previsto para a celebração da escritura [04.02.2016], a ré deslocou-se ao Cartório e, pelas 15h39m, enviou uma mensagem escrita, para I..., mediador e representante legal da autora, dizendo que se encontrava no interior da pastelaria K..., na varanda de dentro, e que a escritura não estava atrasada e teria lugar às 16h00m, como previsto.
28. I..., que nesse dia se deslocara a Lisboa com E..., em resposta, enviou uma mensagem escrita à ré dizendo que se encontrava na ....
29. I... e E... chegaram ao Cartório Notarial entre as 16h12m e as 16h15m.
30. Aí chegados, a ré C... recusou-se a outorgar a escritura. […]
33. Após denunciarem (intempestivamente o contrato), os réus mantiveram o imóvel à venda, tendo logrado vendê-lo a terceiros por, pelo menos, € 500.000,00, em outubro de 2016».
Vejamos o que sobre esta matéria se consignou na sentença recorrida:
«[…] Da factualidade provada resulta que a autora e os réus tinham tudo acordado e preparado para a celebração do negócio visado tendo, inclusivamente, a sociedade interessada na aquisição do imóvel liquidado os impostos inerentes à celebração da escritura que estava prevista para as 16h00m do dia 04.02.2016. Acresce que, nesse mesmo dia, pelas 15h39, a ré enviou uma mensagem ao legal representante da autora, dizendo que a escritura não se encontrava atrasada – ou seja, 21 minutos antes da hora marcada para a escritura, a ré mostrava à autora que estava à sua espera para proceder à sua outorga, tal como programado. Daqui resulta que, até ao momento da chegada ao Cartório Notarial do legal representante da autora e do proponente comprador, nada fazia prever que a ré C... se fosse recusar outorgar a dita escritura.
Com efeito, não se afigura conforme com os ditames da boa-fé, a atitude injustificada, manifestada através de um comportamento incoerente e arbitrário, consubstanciada na súbita recusa da ré C... em outorgar a programada escritura pública de compra e venda do imóvel apenas porque o legal representante da autora e o interessado na aquisição chegaram não mais de 15 minutos atrasados à hora marcada para a escritura, sendo certo que, 21 minutos antes dessa hora, aquela não revelou qualquer objeção ao facto de aqueles (já) se encontrarem 9 minutos atrasados relativamente à hora marcada na pastelaria.
Face ao circunstancialismo que resultou provado, não é, pois, aceitável a recusa da ré [por si em representação do seu marido] em outorgar a escritura, pelo que exerceu de modo abusivo o direito que, ao abrigo do contrato, lhe assistia de não concretizar o contrato com o angariado da autora.
A atuação dos réus pode, assim, classificar-se como desleal e sem qualquer fundamento, tendo inviabilizado a realização da escritura e, com isso, o direito à remuneração da autora, revelando um elevado grau de ilicitude no incumprimento do contrato que com esta haviam celebrado [cfr. arts 798.º e 801.º do Código Civil].
Conclui-se, assim, pelo incumprimento contratual, pelos réus, do contrato de mediação imobiliária, consubstanciado numa atuação desconforme com os princípios da boa-fé.».
Conclui-se na sentença recorrida, que o único dano indemnizável por violação de deveres específicos de comportamento baseados na boa fé, no contexto da culpa in contrahendo é o do interesse contratual negativo, ou dano de confiança, tendo sido julgada improcedente a ação.
Mas será assim?
Vejamos.
Preceitua o n.º 1 do artigo 227.º do Código Civil: «Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte».
Através do instituto da responsabilidade pré-contratual, o nosso ordenamento jurídico tutela a legítima confiança de cada uma das partes em que a outra conduza as negociações segundo os ditames da boa fé, abarcando não só as legítimas expetativas quanto à validade e eficácia do negócio, mas também quanto à sua conclusão.
O entendimento doutrinário, tradicional e maioritário tem configurado o dano ligado à responsabilidade pré-contratual (culpa in contrahendo), caracterizado pela rutura das negociações, como suscetível de justificar uma indemnização que apenas visa colocar o lesado na situação em que estaria se não tivesse acreditado, sem culpa, na boa fé ou atuação correta da outra parte, ressarcindo o dano negativo ou de confiança[4].
O princípio da mera indemnização do interesse contratual negativo, decorrente da responsabilidade pré-contratual foi sendo posto em causa pela doutrina em situações limite nas quais se suscita a questão da violação do «dever jurídico de conclusão» do negócio, referindo Pires de Lima e Antunes Varela, m anotação ao citado artigo 227[5]: «A responsabilidade em que incorre o faltoso obrigá-lo-á, em regra, a indemnizar o interesse negativo (ou de confiança) da outra parte, por modo a colocar esta na situação em que ela se encontraria, se o negócio se não tivesse efectuado. Mas pode, excepcionalmente, se a conduta culposa da parte consistir na violação do dever de conclusão do negócio, a sua responsabilidade tender para a cobertura do interesse positivo (ou de cumprimento); vide Vaz Serra, anotação ao acórdão do STJ, de 7 de Outubro de 1976, na Rev. de Leg. e de Jur., Ano 110.º, pág. 275 e segs., e cfr. o artigo 275.º, n.º 2, do qual se pode extrair argumento favorável a essa tese».
Como nos dá conta o Professor Baptista Machado (in “A Cláusula do Razoável”, RLJ, Ano 120, 1987/1988, pág. 141), a evolução da jurisprudência alemã, relativamente ao instituto da responsabilidade pré-contratual (culpa in contrahendo), particularmente no que concerne ao dever jurídico de conclusão do contrato, levou a algum esvaziamento do contrato promessa, na medida em que «feita a prova (mais fácil) de uma promessa de acordo quanto a certo contrato que estaria prestes a ficar concluído, tendo uma das partes recusado, inopinada e injustificadamente a ulterior colaboração necessária para essa conclusão, os tribunais condenam essa parte a indemnizar o interesse de cumprimento com fundamento em culpa in contrahendo».
A tese enunciada encontrou acolhimento no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26.01.2006 (processo n.º 05B4063, acessível no site da DGSI), sumariado nestes termos[6]:
«[…] III - A indemnização por culpa in contrahendo limita-se, em princípio, à do interesse contratual negativo, ou interesse de confiança, da outra parte, destinando-se a colocá-la na situação em que se encontraria se o negócio não tivesse sido efectuado.
IV - Quando, porém, com o encontro de proposta e aceitação, já conseguido acordo, tendo a própria fase decisória da negociação chegado já a bom termo e faltando apenas formalizar o contrato, só não formalmente concluído e só nessa medida imperfeito, é de considerar já existente autêntico dever de conclusão, e dever, por isso, ser indemnizado o interesse contratual positivo ou interesse do cumprimento».
O mesmo entendimento veio a prevalecer no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28.04.2009 (processo n.º 09A0457, acessível no site da DGSI), no qual se conclui que nos casos de rutura ilícita de negociações, a indemnização será, em regra, pelo interesse contratual negativo, havendo, no entanto, situações em que a indemnização será pelo interesse contratual positivo, quando as negociações tiverem atingido um desenvolvimento tal que justifique a confiança na celebração do negócio, como é o caso de se ter atingido um acordo sobre todas as questões e apenas faltar a concretização/celebração do acordo através da forma legal.
O citado acórdão do STJ, de 26.01.2006, foi objeto de anotação favorável de Nuno Manuel Pinto Oliveira, em “Cadernos de Direito Privado n.º 20 Outubro/Dezembro 2007”, tendo o mesmo autor, na sua obra “Princípios do Direito dos Contratos”, Coimbra Editora 2011, páginas 220 a 222, mantido o mesmo entendimento, citando aqui, também, o acórdão do STJ que já referimos, de 28 de abril de 2009.
O Supremo Tribunal de Justiça manteve o entendimento enunciado, nos seguintes arestos posteriores (ambos acessíveis no site da DGSI): acórdão de 16.12.2010, proferido no processo n.º 44/07.1TBGDL.E1.S1[7] e acórdão de 11.07.2013, proferido no processo n.º 5523/05.2TVLSB.L1.S1[8].
Como se refere no acórdão do STJ, de 16.12.2010, o dever de lealdade implica a proibição de interrupção de negociações em curso, sobretudo, se a conduta do infrator tiver antes contribuído para que o seu interlocutor contratual tenha uma real e fundada expectativa na consumação do contrato, ou seja, o agente que rompe as negociações trai o investimento de confiança que com a sua conduta incutiu na outra parte.
A situação que se nos depara nos autos é exemplo paradigmático da violação grosseira do dever jurídico de conclusão do contrato e da conduta desleal por parte de um dos contraentes (recorridos).
Recapitulamos, a conduta dos recorridos: a autora (mediadora) informou os recorridos de que o interessado comprador aceitava adquirir o imóvel pelo valor de € 425.000,00, propondo a realização da escritura em janeiro, tendo, ainda, perguntado qual a disponibilidade dos réus para se deslocarem a Aveiro para celebrar o contrato promessa; os réus apresentaram uma contraproposta de € 445.000,00, a qual foi aceite pelo interessado, que emitiu em 10.09.2015, um “cheque reserva”, no valor de € 2.500,00; a autora e os réus acordaram, inicialmente, que a escritura pública de compra e venda seria realizada em Aveiro; a ré C... pediu à autora que a escritura fosse realizada em Lisboa, enviando um email à autora, em 01.02.2016, pelas 09h16m, com o contacto do notário J...; nessa sequência, a autora, por email de 02.02.2016, pelas 13h11m, informou a ré de que a escritura de compra e venda estava marcada para o dia 04.02.2016, às 16h00m, no Cartório Notarial J..., em Lisboa; a ré respondeu à autora, por email enviado em 02.02.2017, pelas 16h46m, sugerindo um encontro às 15h30m na pastelaria K..., que se situava na porta ao lado do Cartório; os réus aceitaram que a escritura fosse realizada no dia 04.02.2017; o notário J... tinha a minuta da escritura preparada; o interessado na compra liquidou os impostos de IMT e de Selo, devidos pela celebração da escritura de compra e venda do imóvel aqui em causa; no dia previsto para a celebração da escritura [04.02.2016], a ré deslocou-se ao Cartório e, pelas 15h39m, enviou uma mensagem escrita, para I..., mediador e representante legal da autora, dizendo que se encontrava no interior da pastelaria K..., na varanda de dentro, e que a escritura não estava atrasada e teria lugar às 16h00m, como previsto; I..., que nesse dia se deslocara a Lisboa com E... (interessado na compra), em resposta, enviou uma mensagem escrita à ré dizendo que se encontrava na ...; I... e E... chegaram ao Cartório Notarial entre as 16h12m e as 16h15m; aí chegados, a ré C... recusou-se a outorgar a escritura; após denunciarem (intempestivamente) o contrato, os réus mantiveram o imóvel à venda, tendo logrado vendê-lo a terceiros por, pelo menos, € 500.000,00, em outubro de 2016.
Em suma, foram os recorridos quem indicou o cartório para a celebração da escritura, depois de terem acordado o preço com o comprador angariado pela recorrente, e de este ter pago os impostos de IMT e de Selo, tendo comparecido na data de celebração da escritura para, inopinadamente e sem qualquer explicação razoável (nada se provou) terem recusado a outorga da escritura.
A culpa dos recorridos é intensa e presumida nos termos do artigo 799.º do Código Civil, sendo inquestionável, no contexto factual provado, que sobre as partes recaía o dever jurídico de conclusão do contrato, tendo tal dever sido violado pelos recorridos, in extremis, quando nada o justificava nem fazia prever, já no Cartório Notarial que eles próprios indicaram, na data agendada para a outorga da escritura.
Face à factualidade provada, ponderando as considerações jurídicas tecidas supra, haverá que concluir que sobre os recorridos impende o dever de indemnizar com referência à indemnização pelo dano positivo, destinando-se a mesma a colocar a lesada [recorrente] na situação em que se encontraria se o contrato tivesse sido cabalmente cumprido.
Decorre do exposto a manifesta procedência do recurso, devendo, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, condenando-se os réus no pagamento de uma indemnização correspondente ao valor da comissão acordada: € 22.250,00 = € 445.000,00 x 5%)

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente procedente o recurso, ao qual concedem provimento e, em consequência, em revogar a decisão recorrida, condenando os réus a pagar à autora uma indemnização no montante de € 22.250,00, acrescida de juros de mora à taxa legal (4%), desde a citação até integral cumprimento.
*
Custas a cargo dos recorridos.
*
O presente acórdão compõe-se de trinta e três páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator.
*
Porto, 27 de junho de 2018
Carlos Querido
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
______________
[1] Vejam-se os artigos 104 e 105 da petição, que se transcrevem: «104. Caso os RR não tivessem denunciado, ilicitamente, o contrato de mediação e tivessem celebrado a escritura de compra e venda a Autora teria recebido a quantia de 22.250,00 Euros (vinte e dois mil duzentos e cinquenta euros). 105. Quantia correspondente a 5% do valor acordado para a compra e venda».
[2] Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, Almedina, pág. 598.
[3] A própria autora (recorrente) acaba por reconhecer expressamente que formulou apenas o pedido de indemnização do interesse contratual positivo: «12. Pese embora a autora/recorrente tenha configurado a ação numa perspetiva de valorização do dano positivo, foram alegados e provados factos (os pontos 9, 10 e 11 dos factos provados) que constituem danos emergentes, reportados às despesas inerentes à promoção da venda do imóvel e à remuneração dos trabalhadores, que despenderam tempo e meios em visitas, chamadas telefónicas e em reuniões realizadas com os réus, e que devem ser computados em sede de indemnização pelo interesse contratual negativo». Ora, para a vinculação do tribunal de recurso, não é indiferente a causa de pedir, e, muito menos, o pedido formulado na ação. Acresce que não se provaram os factos essenciais a) e b), não se podendo relegar para liquidação de sentença, quando não se provou o dano, considerando que tal decisão se traduziria numa segunda oportunidade de prova, após a improcedência da primeira, como decidiu o STJ, em acórdão de 30.04.2014 (processo n.º 593/09.7TTLSB.L1.S1): «Em face da insuficiência de elementos para determinar o montante indemnizatório, nada obsta a que se profira condenação ilíquida, com a consequente remissão do apuramento da responsabilidade para momento posterior, desde que essa segunda oportunidade de prova não incida sobre a existência dos danos, mas apenas sobre o respetivo valor».
[4] Vide Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, Almedina, pág. 310.
[5] Código Civil Anotado, Coimbra Editora, Volume I, 4.ª edição, pág. 216, nota 3.
[6] Referem-se no citado aresto os seguintes apontamentos doutrinários e jurisprudenciais: Baptista Machado, "A cláusula do razoável", RLJ, 120º/138-141, e ARP de 23/2/77, CJ, II, 214, 2ª col., citando Galvão Telles, “Dos contratos em geral”, 161, e Mota Pinto, “A responsabilidade pré-negocial pela não conclusão dos contratos”, 68.
[7] Consta do ponto VI do respetivo sumário: «Podem também ser objecto de indemnização por culpa in contrahendo os danos integrantes do interesse contratual positivo, quando, pelo encontro da proposta e da aceitação, já tenha sido obtido acordo, faltando apenas a formalização do contrato, pois, nesse caso, é de entender que existe um verdadeiro dever de conclusão, cuja violação implica a indemnização do interesse do cumprimento, isto é, considerando-se como indemnizável o ganho que derivaria da celebração (formalização) do contrato e que não se obteve».
[8] Consta do ponto III do respetivo sumário: «A jurisprudência, maioritariamente, considera, como regra, que o dano indemnizável é apenas o do interesse contratual negativo, ou dano de confiança, mas o entendimento de que em casos concretos, nomeadamente se a culpa in contrahendo estiver na violação do dever de conclusão de um contrato, a indemnização deve contemplar também o interesse contratual positivo tem merecido o aplauso de alguma doutrina e jurisprudência do STJ