Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
565/14.0TMPRT-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INCIDENTE DE INCUMPRIMENTO
DILIGÊNCIAS INSTRUTÓRIAS
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RP20171026565/14.0TMPRT-C.P1
Data do Acordão: 10/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 789, FLS.119-124)
Área Temática: .
Sumário: I - Em incidente de incumprimento de acordo de regulação de responsabilidades parentais a realização de diligências instrutórias depende de o juiz as entender necessárias.
II - O instituto da compensação não é suscetível de operar no âmbito de créditos por alimentos devidos a menores.
III - A multa prevista no art. 41º, nº 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, por força do disposto no art. 27º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais, tem como limite mínimo 0,5 UC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 565/14.0TMPRT-C.P1
Comarca do Porto – Juízo de Família e Menores de Matosinhos – J3
Apelação
Recorrente: B…
Recorridos: C…; Min. Público
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
Em 31.5.2017 foi proferida a seguinte decisão judicial (fls. 99 a 101):
“A fls. 2 e ss. veio a progenitora da menor deduzir incidente de incumprimento, alegando em síntese, que o requerido não tem pago regularmente a pensão de alimentos devida à menor, na parte relativa à sua comparticipação nas despesas de material escolar, medicamentos e consulta médica, concluindo estar em dívida a quantia global de 82,27 Euros.
Mais alega que o requerido não diligenciou por contratação e pagamento de explicações para a menor a uma das disciplinas nucleares.
Notificado o requerido, o mesmo veio, em síntese, reconhecer o não pagamento da despesa de medicamentos, bem como o não pagamento da despesa com consulta médica, argumentando quanto à primeira despesa, que tem efectuado várias compras para a menor, ao nível de roupa, calçado e de uma máquina calculadora para a mesma. Quanto à segunda despesa (consulta médica), alega que a mesma deveria ter sido efectuada no Serviço Nacional de Saúde. Relativamente à despesa de material escolar, o requerido alega desconhecer a data a que se refere e se tal despesa foi feita a pedido do respectivo professor. Finalmente, conclui o requerido que a soma das quantias alegadamente em dívida não está correcta, sendo o valor correcto o de 80,27 Euros.
Teve lugar uma conferência de pais, não se tendo logrado obter acordo.
Cumpre apreciar e decidir.
Por acordo de regulação do poder paternal celebrado entre os progenitores e devidamente homologado no âmbito do apenso “B”, o progenitor obrigou-se, além do mais, ao pagamento da quantia mensal de 125,00 Euros a título de alimentos, a efectuar até ao dia oito de cada mês, acrescida de metade das despesas escolares (livros e material escolar), despesas médicas e medicamentosas devidamente comprovadas, para IBAN a indicar pela progenitora. Mais se obrigaram os progenitores a suportar directamente os encargos decorrentes com explicações às duas disciplinas nucleares no ano a que reporte, comprometendo-se a pagar cada um, uma disciplina, sendo o pagamento efectuado directamente ao explicador.
Ora, enquanto tal acordo não for alterado pelas formas legalmente previstas, nos termos dos art. 41º e 42º do RGPTC, ambos os pais está vinculados ao seu cumprimento.
Assim sendo, seja qual for o valor gasto em compras de peças de vestuário ou outras com que o progenitor voluntariamente queira presentear a menor, tal jamais o desonerará de cumprir as obrigações assumidas e decorrentes da referida regulação das responsabilidades parentais, não sendo aqui oponível qualquer compensação de créditos, porquanto não se verificam os seus pressupostos legais, nos termos previstos no art. 847º do C.Civil, desde logo porque a menor não é reciprocamente credora e devedora neste caso.
Por outro lado, cabe ao requerido suportar metade das despesas médicas e medicamentosas da menor, sejam elas contraídas no Serviço Nacional de Saúde ou no sector privado, já que a referida regulação não faz qualquer restrição nesse sentido.
Deste modo, a justificação dada pelo requerido para o não pagamento destas despesas não tornam inexigíveis as mesmas, pelo que, estando as mesmas devidamente documentadas nos autos a fls. 17, 18, 22 a 28, impõe-se o respectivo pagamento.
Relativamente à despesa apresentada e relativa a material escolar (educação física), a mesma está igualmente documentada a fls. 15 a 16 e, apesar de a factura apresentada não conter data, a verdade é que se trata de material normalmente exigido, em cada ano, para a frequência da disciplina de educação física e não vem alegada a existência de qualquer duplicação de despesa a este nível no mesmo ano.
Pode-se, pois, concluir que também esta despesa é exigível, impondo-se o respectivo pagamento.
Finalmente, a matéria alegada pelo requerido para fundamentar não ter contratado um explicador para a menor a uma das duas disciplinas nucleares não tem cobertura no clausulado do acordo de regulação das responsabilidades parentais judicialmente homologado. Por isso, não pode o requerido, segundo o seu critério, escolher não cumprir uma das obrigações taxativamente decorrentes desse acordo (que é a contratação e pagamento de um explicador), e pretender, em vez disso, inscrever a menor no Instituto de Inglês e que a requerente suporte metade dessa despesa.
Em face do exposto e considerando que a soma dos valores em dívida ascende a 80,27 Euros (e não 82,27, como por lapso de soma se indicou no requerimento inicial), o presente incidente merece inteira procedência, devendo o requerido ser condenado em multa, nos termos do art. 41º, nº1, do RGPTC.
Nestes termos, julgo provado e procedente o presente incidente e, em consequência, condeno o requerido na multa de 1 U.C.
Custas pelo requerido.
Registe e notifique.
Solicite ao ISS informação sobre se o requerido aufere qualquer remuneração ou subsídio e, na afirmativa, qual o seu montante mensal.”
Na antecedente conferência de pais, realizada no dia 8.5.2017, ficou consignado em ata que a progenitora “disse que o progenitor não pagou nenhuma das despesas reclamadas nos autos” e que o progenitor, por seu turno, “confirmou que não procedeu ao pagamento das despesas referidas nos autos.” – cfr. fls. 62/63.
Inconformado com a decisão de 31.5.2017, o requerido interpôs recurso, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª- O recurso vem interposto da douta sentença proferida nos autos em 31/05/2017, nos termos do qual o Mmº Julgador “a quo”, entre o mais, julgou, sem mais, como provado e procedente o Incidente de Incumprimento das Responsabilidades Parentais, condenando o Requerido na multa de 1 UC.
2ª- Os autos são completamente omissos quanto ao peticionado pelo Requerido relativamente à prova documental, mormente no que concerne aos itens 10º e 15º das suas Alegações.
3ª- A factura relativa ao material de Desporto que é apresentada, apesar de conter o NIF da menor D…, não tem data de aquisição; desconhecendo, pois, o Requerido, em que altura foram adquiridos tais equipamentos desportivos e, se tal aquisição foi feita ou não, a pedido do Prof. de Educação Física da Escola que a D… frequenta para este ano lectivo.
4ª- É verdade que o requerido não pagou metade do valor do doc. nº 5, junto pela requerente, no montante de 2,30 €; mas a verdade é que o Tribunal “a quo” não deu ao Progenitor a mesma “Igualdade de Armas” que concedeu à Requerente; nomeadamente, no que concerne, também ao alegado no item 5º das Alegações do Progenitor, pelo que deverá operar-se a compensação no pagamento de 50,00€ que o Progenitor suportou na totalidade relativamente a uma Calculador Científica para a menor D….
5ª – Explicações da disciplina de Inglês: sendo certo que a menor apenas tem dificuldades a esta disciplina e, por uma questão de obrigação quer do Pai quer da Mãe, deverão ser os dois a suportar tal despesa de modo equitativo; não se recusou o Progenitor a pagar tal despesa; não deverá ser o único a suportar na íntegra tal despesa.
6ª- No que respeita ao pagamento da quantia referente à Consulta e Exame de Ginecologia, deveria ter sido efectuada em Hospital público, até para que a menor possa ser sempre acompanhada e realize todo e qualquer exame que necessite; assim, esta despesa não está contemplada no Acordo que regulou as Responsabilidades Parentais da menor D…, pelo que não é devida pelo Progenitor.
A escolha das disciplinas relativamente às quais, a menor deverá ser acompanhada por explicador, terá de ser suportada em partes iguais por ambos os progenitores.
7ª- Os autos são completamente omissos quanto ao peticionado pelo Requerido relativamente à prova documental e testemunhal; deveria ter o Tribunal a quo diligenciado nesse sentido, antes de proferir qualquer decisão, neste caso, condenatória para com o Progenitor.
O Tribunal a quo deveria ter atendido ao solicitado pelo Requerido quanto a elementos de prova o que não fez.
8ª- A douta decisão em crise viola, pois, o critério do superior interesse da menor e quanto aos assinalados pontos de pagamento das referidas despesas, em que entre outros princípios fundamentais, se ignora o da igualdade entre os progenitores, nesta hierarquia de valores; ou seja, o que deverá prevalecer será a obrigação de ambos contribuírem, equitativamente, para as despesas da menor.
Mostram-se, pois, violadas as normas acima identificadas, no sentido exposto.
A requerente apresentou contra-alegações nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido, alegando previamente que o recorrente ignorou a indicação das normas jurídicas violadas.
O Min. Público também apresentou contra-alegações, tendo-se pronunciado pelo parcial provimento do recurso e formulado as seguintes conclusões:
I -No âmbito do procedimento de incidente só devem realizar-se as diligências instrutórias que o juiz do processo tenha como necessárias, sendo que, no caso dos presentes autos, dada a aceitação do incumprimento por parte do requerido, tal não se verificava;
II -A obrigação de prestação de alimentos não é susceptível de ser cumprida por compensação com outras despesas que o obrigado haja suportado e a que não estivesse obrigado.
III - O acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais deve considerar-se, para efeitos interpretativos, declarações negociais, sujeitas às regras de interpretação previstas nos artigos 236º e sgs do Cód.Civil.
IV - Partindo dessa premissa o Ministério Público entende que deverá acolher-se parcialmente o recurso, e alterar-se a decisão recorrida proferindo decisão que determine que o recorrente suporte o pagamento de um explicador, no caso de a menor frequentar explicador a duas disciplinas nucleares, ou suporte o pagamento de metade da despesa com explicador, se a menor tiver explicador apenas numa disciplina.
Cumpre então apreciar e decidir.
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QUESTÃO PRÉVIA
A recorrida, na parte inicial das suas contra-alegações, veio alegar que o recorrente olvidou de todo a indicação das normas jurídicas que considera violadas, assim desrespeitando o estatuído no art. 639º do Cód. do Proc. Civil.
Estabelece-se neste artigo no seu nº 2, al. a) que versando o recurso sobre matéria de direito as conclusões devem indicar as normas jurídicas violadas.
Sucede que o recorrente, no final das conclusões, escreveu que se mostram violadas as normas acima identificadas no sentido exposto, sendo que no corpo alegatório aludiu a, pelo menos, um preceito legal – o art. 1906º, nºs 1 e 3 do Cód. Civil.
Por essa razão, mesmo que de forma muito superficial, consideramos cumprido o ónus a que se refere o art. 639º, nº 2, al. a) do Cód. do Proc. Civil.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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As questões a decidir são as seguintes:
I – Necessidade de realização das diligências pretendidas pelo requerido;
IIConsideração da despesa relativa a material escolar (educação física);
IIIEventual compensação de despesas com outros valores despendidos pelo requerido;
IVConsideração da despesa relativa à consulta de ginecologia;
VPagamento de explicações.
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Os elementos factuais e processuais relevantes para o conhecimento do presente recurso constam do antecedente relatório.
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Passemos à apreciação de mérito.
I – O requerido nas alegações que apresentou ao abrigo do art. 41º, nº 3 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) veio requerer no art. 10º a notificação da E… para juntar aos autos transcrição das SMS trocadas entre a requerente e o requerido no período de 30.1. a 2.2.2017 relativas ao pagamento de explicações e no art. 15º que se notificasse o Dr. F…, médico no Centro de Saúde da área de residência da menor, para prestar esclarecimentos no tocante aos problemas da menor a nível de fertilidade.
Não tendo os pais chegado a acordo na conferência, como ocorreu no presente caso, o juiz, sempre que o entenda necessário, ordena a realização de diligências nos termos combinados dos arts. 41º, nº 7 e 39º, nº 5 do RGPTC.
Por conseguinte, a realização das diligências requeridas sempre dependeria de o juiz as considerar necessárias, sendo que na situação “sub judice” esse juízo de necessidade não foi feito pelo Mmº Juiz “a quo”.
A primeira das diligências requeridas prende-se com o pagamento de explicações à menor e, neste segmento, decorre do acordo celebrado, conforme se escreve na decisão recorrida, que ambos os progenitores se obrigaram a suportar os encargos com as explicações às duas disciplinas nucleares, comprometendo-se cada um deles a pagar uma das disciplinas.
A segunda diligência reporta-se, por sua vez, a uma consulta de ginecologia efetuada pela menor e relativamente à qual o requerido admitiu não ter procedido ao pagamento da parte que lhe cabia, limitando-se a estranhar que esta consulta, realizada no Hospital Privado G…, não se tivesse concretizado no âmbito das unidades hospitalares pertencentes ao Serviço Nacional de Saúde, e sucedendo ainda que do acordo celebrado flui que o requerido suporta metade das despesas médicas e medicamentosas devidamente comprovadas.
Ora, neste contexto, não se nos afigura necessária a realização de qualquer das diligências que foram requeridas pelo progenitor.
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II – O requerido, no seu recurso, insurge-se também contra a consideração da fatura junta a fls. 16, no montante de 65,94€, relativa a material escolar (educação física), uma vez que a mesma não tem a data de aquisição, desconhecendo-se ainda se a aquisição desse material foi feita, ou não, a pedido do respetivo professor de Educação Física.
Sobre esta despesa escreveu o Mmº Juiz “a quo” que apesar da fatura apresentada não conter a data, a mesma reporta-se a material normalmente exigido, em cada ano, para a frequência da disciplina de educação física e em relação a ela não vem alegada a existência de qualquer duplicação de despesa nesse mesmo ano.
Sendo assim, em consonância com a decisão recorrida, é de concluir no sentido da exigibilidade desta despesa e do pagamento de metade do seu montante por parte do requerido – 32,97€.
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III – O requerido admitiu depois não ter pago metade do valor – 2,30€ - constante do documento junto a fls. 18, referente à aquisição de medicamentos, por ter entendido que esta importância deveria ser compensada com outras importâncias por ele integralmente despendidas designadamente na compra, para a menor, de diversas peças de vestuário e também de uma calculadora científica.
Acontece que o instituto da compensação de créditos não é transponível para o domínio da regulação das responsabilidades parentais, atendendo a que não se verificam os seus pressupostos legais, nos termos do art. 847º do Cód. Civil.
Dispõe este preceito que «quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos: a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção, perentória ou dilatória, de direito material; b)Terem as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade
Sucede que o primeiro dos requisitos exigíveis para que haja compensação é a existência de créditos recíprocos, o que significa que cada uma das partes tem que possuir na sua esfera jurídica um crédito sobre a outra parte, e só pode operar a compensação para extinguir a sua própria dívida. Assim, o declarante só pode usar para efetuar a compensação créditos seus sobre o seu credor, estando-lhe vedada a utilização para esse efeito de créditos alheios ainda que o titular respetivo dê o seu consentimento – cfr. art. 851º, nº 2 do Cód. Civil.
Ora, na presente situação, a requerente e o requerido não se estão a reportar a créditos próprios, a créditos seus, a direitos que se insiram na esfera jurídica de cada um deles, mas sim a créditos da filha de ambos, que representam, contra cada um deles, como progenitores.
O crédito de alimentos é do filho menor; é ele o credor da prestação alimentícia e é dele, por isso, o direito de exigir alimentos de cada um dos pais, ainda que nisso tenha que ser representado.
A prestação de alimentos do filho menor deve, pois, ser efetiva e o obrigado deve pagá-la nos termos estabelecidos a favor daquele. Esta prestação não se configura como um direito do outro progenitor (não obrigado) e, por isso, não ocorre, no caso, o requisito da reciprocidade dos créditos, indispensável à compensação.
Aliás, Pires de Lima e Antunes Varela (in “Código Civil Anotado”, vol. II, 3ª ed., págs. 145/146), depois de afirmarem que o crédito de alimentos é hoje considerado impenhorável, na sua totalidade, por força do art. 2008º do Cód. Civil, escrevem, inclusive, que “não há que pôr, quanto a alimentos, por ser de impossível verificação, o caso de obrigações recíprocas da mesma natureza”, afastando assim, de forma absoluta, a possibilidade de compensação de prestações alimentícias.
Como tal, sem necessidade de outros considerandos quanto a esta matéria, é de excluir a compensação de créditos advogada pelo requerido (cfr. em idêntico sentido, por ex., Acórdão da Relação de Guimarães de 10.7.2014, proc. 1778/05.0 TBEPS-T.G1, disponível in www.dgsi.pt.).
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IV – Seguidamente, quanto ao pagamento de metade do valor correspondente a consulta de ginecologia – 45,00€ - o requerido entende que a mesma deveria ter sido efetuada em hospital público e, por esse motivo, não está contemplada no acordo de regulação do exercício de responsabilidades parentais, não sendo devida por ele.
Na decisão recorrida, escreveu-se que cabe ao requerido suportar metade das despesas médicas e medicamentosas da menor, quer sejam contraídas no Serviço Nacional de Saúde ou no setor privado, uma vez que tal acordo de regulação não faz qualquer restrição nesse sentido.
E assim é!
Com efeito, desse acordo consta que o pai entregará à mãe o valor correspondente a metade das despesas médicas devidamente comprovadas, não estabelecendo qualquer obrigatoriedade, para que essa comparticipação se concretize, de que as consultas tenham que ser efetuadas em unidades hospitalares integradas no Serviço Nacional de Saúde.
Não está, pois, excluído o recurso ao sistema de saúde privado.
Deste modo, o requerido deverá comparticipar no pagamento da despesa referente à consulta de ginecologia.
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V – No que concerne ao pagamento de explicações, sustenta o requerido que, tendo a menor dificuldades apenas na disciplina de inglês, deverão ser os dois progenitores a suportar essa despesa, salientando que nunca recusou o seu pagamento.
Do acordo de regulação de responsabilidades parentais celebrado em 4.5.2016 resulta que cada um dos progenitores se compromete a suportar diretamente os encargos decorrentes com explicações às duas disciplinas nucleares, pagando cada um uma disciplina e sendo esse pagamento efetuado diretamente ao explicador – cfr. fls. 12/14.
Flui ainda desse acordo que no tocante às despesas escolares, médicas e medicamentosas a sua repartição será feita em partes iguais entre ambos os progenitores e o pagamento das explicações inscreve-se na mesma linha de idêntica proporcionalidade. Isto porque tratando-se de dois explicadores cada progenitor pagaria um deles.
Não está, porém, prevista no acordo celebrado a hipótese de a menor ter apenas explicador a uma disciplina e nesse caso a integração da lacuna deve ser feita no sentido de que o pagamento desse explicador será repartido em partes iguais entre ambos os progenitores – cfr. arts. 236º, nº 1 e 239º do Cód. Civil.
Como tal, se a menor tiver explicador a duas disciplinas nucleares cada um dos progenitores pagará um desses explicadores. Já se a menor tiver explicador apenas a uma disciplina o seu pagamento será feito, em partes iguais, por ambos.
Acontece que a requerente, no requerimento através do qual deu início ao presente incidente, não demonstrou ter inscrito a filha em explicador e que assim esta vai ter explicação a duas disciplinas, limitando-se a exigir que o requerido, cumprindo a sua parte no acordo, obtenha auxílio escolar para a menor.
Ora, independentemente da obrigação que impende sobre o requerido nos termos que acima se expuseram, o incidente não poderá proceder, neste segmento, uma vez que não está demonstrado o seu incumprimento relativamente ao pagamento das explicações.
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Assinale-se, por fim, que muito embora se mostre excluída do incumprimento a situação referente ao pagamento das explicações, este subsiste relativamente aos aspetos referenciados em II, III e IV, razão pela qual se mantém o fundamento para aplicação de multa ao abrigo do art. 41º, nº 1 do RGPTC.
No entanto, o montante dessa multa, face a um mais atenuado quadro de incumprimento, será reduzido para 0,5 UC, o que, a nosso ver, é permitido por esta disposição legal que para ela prevê o máximo de 20 UCs, não contemplando qualquer mínimo, sendo que no art. 27º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais expressamente se diz que «sempre que na lei processual for prevista a condenação em multa ou penalidade de algumas das partes ou outros intervenientes sem que se indique o respetivo montante, este pode ser fixado numa quantia entre 0,5 UC e 5 UC
A ausência de fixação de mínimo para a multa prevista no art. 41º, nº 1 do RGPTC leva-nos assim a concluir que este se deverá situar em 0,5UC.
O recurso interposto pelo requerido obterá, por conseguinte, parcial procedência.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. do Proc. Civil):
- Em incidente de incumprimento de acordo de regulação de responsabilidades parentais a realização de diligências instrutórias depende de o juiz as entender necessárias.
- O instituto da compensação não é suscetível de operar no âmbito de créditos por alimentos devidos a menores.
- A multa prevista no art. 41º, nº 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, por força do disposto no art. 27º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais, tem como limite mínimo 0,5 UC.
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo requerido B… e, em consequência, excluindo-se do incumprimento o segmento relativo ao pagamento das explicações, reduz-se a multa aplicada ao abrigo do art. 41º, nº 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível a 0,5 UC.
Custas, em ambas as instâncias na proporção de ¼ para a requerente e de ¾ para o requerido, sem prejuízo de apoio judiciário.

Porto, 26.10.2017
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira