Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2917/16.1T8PRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: DOCUMENTO PARTICULAR
APRESENTAÇÃO A TERCEIRO
FORÇA PROBATÓRIA
PROVA PLENA
Nº do Documento: RP201810112917/16.1T8PRD.P1
Data do Acordão: 10/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: INJUNÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º147, FLS.293-299 VRS.
Área Temática: .
Sumário: I - O art. 374.º, 1, do CC, aplica-se mesmo quando o documento não é apresentado contra o autor da assinatura; a diferença é que se o apresentante do documento atribuir a assinatura à parte contra quem o pretende usar, esta não pode limitar-se a declarar que não sabe se a assinatura foi feita por si, sob pena de ficar de imediato reconhecido que a autoria da assinatura lhe cabe, consequência que não existe se o documento for apresentado contra outrem.
II - Do art. 374.º decorre a prova plena da intervenção da pessoa no documento mas na medida em que ocorreu, não a sua vinculação a algo que não é da sua lavra (autoria); se a pessoa não é, em simultâneo, autora da assinatura e da redacção do documento (letra), o reconhecimento da autoria da assinatura, não conduz à prova plena do teor da declaração escrita.
III - A prova plena de uma declaração não afasta a necessidade da sua interpretação nem veda a possibilidade de por via da interpretação se alcançar um resultado diverso do aparentado pela redacção literal da declaração.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2917/16.1T8PRD.P1
Juízo Central Cível de Penafiel
Comarca de Porto Este
Recurso de Apelação

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
B…, contribuinte fiscal n.º ……….., residente em …, …, instaurou acção judicial contra C…, contribuinte fiscal n.º ……….., e marido D…, contribuinte fiscal n.º ……….., residentes em …, …, formulando contra estes os seguintes pedidos: reconhecimento do direito de propriedade do autor sobre a casa de rés-do-chão e primeiro andar para habitação inscrita na matriz predial sob o n.º 538 e o armazém inscrito na matriz predial sob o artigo 562, ambos de …, …, condenação dos réus a restituírem-lhes esses imóveis livres de pessoas e bens e a pagarem pela ocupação abusiva dos imóveis €50 de indemnização diária.
Para o efeito alegou que é proprietários dos aludidos imóveis por doação da anterior proprietária e sucessão na respectiva posse pública e pacífica, estando os imóveis inscritos no registo predial a seu favor, e que os réus ocupam abusivamente o rés-do-chão do primeiro imóvel e o armazém que constitui o segundo já que não possuem título que o permita, situação que causa danos ao autor.
Os réus contestaram a acção, alegando que o armazém foi construído por eles em terreno que lhes foi doado há mais de 41 anos, de forma verbal, pela mãe do autor e da ré mulher, sendo que desde a construção, concluída antes de 1977, os réus passaram a ter a posse pública e pacífica do terreno e do armazém pelo que adquiriram a respectiva propriedade. Acrescentam que o rés-do-chão do outro imóvel, cuja propriedade reconhecem ser do autor, lhes foi dado de arrendamento pela mãe, então sua proprietária, há mais de 40 anos, mediante o pagamento da renda de €300 anuais que se vence no dia 1 de Setembro de cada ano, tendo sido transmitida para o autor aquando da doação por ele alegada a posição de senhorio.
Em reconvenção, pedem que lhes seja reconhecido o direito de propriedade do armazém adquirido por usucapião e se condenam os autores a reconhecer esse direito. Para o caso de não lhe ser reconhecida a propriedade do armazém, pedem, subsidiariamente, que esse direito lhes seja reconhecido com base no instituto da acessão imobiliária mediante o pagamento do valor do solo à data da construção que se vier a determinar na acção e o autor condenado a reconhecer esse direito.
Os autores contestaram o pedido reconvencional.
Após julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção e a reconvenção parcialmente procedentes, reconhecendo o direito de propriedade do autor sobre a casa do rés-do-chão e primeiro andar para habitação inscrita na matriz predial sob o artigo 538, condenando os réus a restituir ao autor esse imóvel, declarando a aquisição pelos réus por acessão industrial imobiliária da parcela de terreno na qual foi edificado o armazém que, conjuntamente com tal parcela, está inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 562, mediante o pagamento pelos réus, no prazo de 30 dias, a contar do trânsito em julgado, do montante de €243, a actualizar entre 1977, inclusive, e a data de pagamento, pela taxa de inflação, e condenando o autor a reconhecer o direito assim adquirido.
Do assim decidido, os réus interpuseram recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
I - Estão os Recorrentes convencidos que o Tribunal Recorrido se equivocou nos termos supra expostos que diz respeito aos pontos 2º, 3º, 4º, 6º e 7º dos factos provados e parágrafos primeiro e terceiro dos factos não provados.
II- Em concreto os Recorrente entendem que o Tribunal Recorrido não andou bem ao dar como provado:
No ponto segundo que "a mãe do Recorrido e da ora Recorrente esposa, possui o terreno onde se encontra implantado o armazém identificado no ponto 1.b)"
No ponto terceiro que "os RR. ocupam gratuitamente o rés do chão do prédio identificado no ponto 1. a)"
No ponto quarto que "os RR. com a autorização da falecida E… construíram o armazém numa parcela pertencente a esta"
No ponto sexto "que os réus ocupam tal armazém ... sobre o referido armazém".
No ponto sétimo: "Os réus sabiam que estavam a construir o armazém em terreno pertencente a E…, tendo a expectativa de, no futuro, em partilhas, vir a adquirir o prédio identificado no ponto 1.a) e o terreno onde foi implantado o referido armazém."
III. De igual modo e em coerência merece a critica dos Recorrentes os seguintes factos não provados:
- O prédio identificado no ponto 1.b) foi doado, verbalmente, aos réus, em 1975, por E…, o que era do conhecimento do autor quando foi celebrada a escritura a que se alude no ponto 1.
- Para além do referido no ponto 3, que o réu marido ocupa, há mais de 40 anos, o rés-do-chão do prédio identificado no ponto 1 a) na qualidade de arrendatário, pagando actualmente a renda anual de €300,00 que se vence no dia 1 de Setembro de cada ano.
IV - O Recorrido tal como resulta da réplica não colocou em causa a assinatura de sua falecida mãe E…, aposta nos recibos de rendas juntos aos autos pelos Recorrente na contestação reconvenção, e em consequência tais documento têm que ser havidos como verdadeiros e fazem prova plena das declarações atribuídas à mãe do Recorrido.
V - Com fundamento no artigo 376º do C.C. terá que dar-se por assente que a mãe do Recorrido E…, pelo arrendamento do rés-do-chão do prédio sito na avenida …, …, …, nº … recebeu do Recorrente marido a renda anual no montante de €300,00, relativa aos anos de 2013/2014, 2014/2015 e 2015/2016.
VI- O Tribunal, face à prova plena que resulta do conteúdo dos aludidos recibos, tinha que dar como provado a existência do um contrato de arrendamento celebrado em data não concretamente apurada, mas anterior ao ano de 2013, entre o Recorrente marido e a mãe do Recorrido, referente ao rés-do-chão do prédio urbano identificado no ponto 1 a) dos factos provados da douta sentença.
VII- Considerando que se impõe a prova do aludido facto o ponto 3º da matéria de facto dada como provada deverá ter a seguinte redacção:
Há mais de 40 anos que os réus, ocupam, o rés-do-chão do prédio identificado no ponto 1 a), aí armazenando móveis, sendo que, pelo menos desde o ano de 2013, o fazem na qualidade de arrendatários, pagando a renda anual de 300,00€.
VI- A alteração referida na conclusão anterior implica a eliminação do parágrafo 3º dos factos não provados.
VII- Alicerçam os Recorrentes as alterações pretendidas por um lado na não impugnação da autenticidade da assinatura da referida E… e nas regras entre si conjugadas dos artigos 376º e 342º nº 2 do C.C.
VIII- Fundamentam as demais alterações à matéria de facto no depoimento da testemunha F… cujo depoimento se encontra gravado em suporte digital do dia 21-02-2018, com início às 15:22:59 e fim às 15:36:18.
IX - Esta testemunha cuja isenção e credibilidade foi consagrada pelo Tribunal, e que nenhum reparo merece dos Recorrentes, referiu que enquanto perito avaliador, no ano de 1994, a pedido da família avaliou os prédios que constituíam o património da mãe do Recorrido e da Recorrente esposa com vista a uma possível partilha em vida e que na execução dessa tarefa andou sempre acompanhado por dois herdeiros.
X - Relativamente ao armazém e ao terreno onde aquele foi edificado e que constitui o prédio do ponto 1.b) dos factos dados como provados, a testemunha transmitiu ao Tribunal que não efectuou a avaliação nem da benfeitoria, nem do terreno por indicação expressa dos herdeiros por lhe terem dito que era benfeitoria de um herdeiro.
XI - Concluiu o Tribunal na fundamentação da douta sentença recorrida que a expressão "benfeitoria" utilizada pela testemunha indicia que a construção existente no terreno (armazém) pertence a um dos herdeiros, tendo sido construído em terreno da herança, pois se assim não fosse nunca a testemunha falaria em benfeitoria mas antes diria tão só que o prédio não ia ser avaliado por pertencer a um herdeiro e como tal não seria objecto de partilha.
XII - O raciocínio e consequente conclusão do Tribunal estaria correta se a testemunha falasse na ausência da avaliação da benfeitoria e em contraponto referisse que foi realizada a avaliação do terreno, facto que foi afastado pela testemunha que expressamente referiu não ter avaliado, nem o armazém (leia-se construção) nem o terreno onde aquele foi implantado.
XIII - Se este raciocínio estiver correto, como nos parece que está, então podemos concluir que já no ano de 1994, o terreno não integrava o património a avaliar e estava interiorizado por todos que aquele terreno não era propriedade da dita E…, mas antes dos Recorrentes.
XIV - Andou mal o Tribunal na conclusão a que chegou sobre a posse e propriedade do terreno onde se encontra implantado o armazém identificado no ponto 1.b) dos factos dados como provados.
XV - Consequentemente, impõe-se a alteração dos pontos 2º, 4º, 6º e 7º dos factos provados nos termos seguintes:
2 - Há mais de 20, 30, 40 anos que o autor, por si e ante-possuidores, nomeadamente, E…, mãe do autor e da ré, possui o prédio identificado no ponto 1 a), à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, ininterruptamente, na ignorância de lesarem direitos de terceiros e com a convicção de exercer um direito próprio de propriedade.
4 - Em 1977 foi construído pelos réus, a expensas destes, o armazém (edifício de carácter industrial para armazenagem e acabamento de mobiliário) a que se alude no ponto 1 b), com uma área coberta de 162 m2, numa parcela de terreno que pertencera a E…, e que foi logradouro ou quintal do prédio confinante identificado no ponto 1 a), de onde foi desanexado.
6 - Desde tal data que os réus ocupam tal prédio, utilizando a construção nele erigida para armazenagem e acabamento de mobiliário, procedendo a obras de reparação sempre que é necessário, pagando a electricidade ali consumida, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, ininterruptamente, na ignorância de lesarem direitos de terceiros e com a convicção de exercer um direito próprio de propriedade sobre o referido prédio.
7 - Os réus aquando da construção do armazém estavam convencidos que o terreno lhes pertencia.
XVI - Deve ser eliminado dos factos não provados o que resulta do parágrafo primeiro por se encontrar em contradição com as alterações pretendidas aos factos provados.
XVII - A dar-se provimento a alteração à matéria de facto, tal como se deixou transcrita, deve improceder o pedido de restituição do rés-do-chão do prédio identificado no ponto 1 a) dos factos provados pela consequente prova do contrato de arrendamento que tem por objecto o aludido rés-do-chão.
XVIII- Relativamente à reconvenção (sem prejuízo do já decidido na hipótese de improcedência do presente recurso), deve julgar-se procedente o pedido feito a título principal, reconhecendo-se aos Reconvintes e ora Recorrentes o direito de propriedade sobre o prédio identificado no ponto 1.b) da matéria de facto dada como provada, adquirido por usucapião, condenando-se o ora Recorrido a abster-se da prática de qualquer ato que impeça ou perturbe o exercício de tal direito.
XIX- Ao assim não decidir violou a douta sentença recorrida por erro de interpretação e aplicação o preceituado nos artigos 607º nº 4, 5 do C.P.C., 376º e 342º nº 2, 12, 1263º, 1287º, 1288º e 1296º do C.C.
Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso nos termos que resultam das presentes alegações com o que se fará a acostumada justiça.
O recorrido não respondeu a estas alegações.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
i) Se os documentos juntos pelos réus constituem prova plena da existência de um contrato de arrendamento do rés-do-chão da casa de habitação.
ii) Se deve ser alterada a decisão da matéria de facto julgando-se provado que os réus eram possuidores do terreno onde se encontra implantado o armazém.
iii) Qual a consequência da alteração da matéria de facto, se ela ocorrer.
III. Os factos:
Na decisão recorrida foram julgados provados os seguintes factos:
1- No dia 1.12.2014 por escritura de doação realizada no Cartório Notarial da Dra. G…, E…, mãe do autor e da 1ª ré, doou ao autor os seguintes imóveis:
a) Prédio urbano composto de casa do rés-do-chão e primeiro andar, destinado a habitação, inscrito na matriz predial sob o artigo 538 e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, freguesia de …, sob o nº 2592.
b) Prédio urbano composto de edifício de rés-do-chão, destinado a armazém, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 562 e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, freguesia de …, sob o nº 2593.
2 - Há mais de 20, 30, 40 anos que o autor, por si e antepossuidores, nomeadamente, E…, mãe do autor e da ré, possui o prédio identificado no ponto 1.a) e o terreno onde se encontra implantado o armazém identificado no ponto 1.b), à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, ininterruptamente, na ignorância de lesarem direitos de terceiros e com a convicção de exercer um direito próprio de propriedade.
3 - Há mais de 40 anos que os réus, com o consentimento e tolerância de E…, ocupam, gratuitamente, o rés-do-chão do prédio identificado no ponto 1.a), aí armazenando móveis.
4 - Em 1977 foi construído pelos réus, a expensas destes, com autorização da falecida E…, o armazém (edifício de carácter industrial para armazenagem e acabamento de mobiliário) a que se alude no ponto 1.b), com uma área coberta de 162 m2, numa parcela de terreno pertencente a E…, que foi logradouro ou quintal do prédio confinante identificado no ponto 1.a), de onde foi desanexado.
5 - Uma das paredes do armazém é a fachada do rés-do-chão do prédio identificado no ponto 1.a).
6 - E desde tal data que os réus ocupam tal armazém, utilizando-o para armazenagem e acabamento de mobiliário, procedendo a obras de reparação sempre que é necessário, pagando a electricidade ali consumida, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, ininterruptamente, na ignorância de lesarem direitos de terceiros e com a convicção de exercer um direito próprio de propriedade sobre o referido armazém.
7 - Os réus sabiam que estavam a construir o armazém em terreno pertencente a E…, tendo a expectativa de, no futuro, em partilhas, vir a adquirir o prédio identificado no ponto 1.a) e o terreno onde foi implantado o referido armazém.
8 - O autor, quando celebrou a escritura a que se alude em a) tinha conhecimento que o referido armazém foi construído e estava a ser ocupado pelos réus nos termos referidos nos pontos 4 e 6.
9 - O valor do edifício a que se alude no ponto 1.b), na data da sua construção é de € 2.430,00 e actualmente tem um valor de €29.160,00 (vinte e nove mil, cento e sessenta euros).
10 - O solo com uma área de 200 m2 tinha à data da incorporação da construção um valor não superior a €243,00 e o referido solo, actualmente, tem o valor de €4.860,00.
11 - Em 10.11.2016, o autor interpelou judicialmente o réu para lhe entregar os imóveis identificados no ponto 1.
12 - Por causa da ocupação dos réus referida no ponto 3, o autor ficou impedido de realizar obras no rés-do-chão do prédio identificado no ponto 1 a).
13 - O réu requereu, junto da Câmara Municipal H…, o licenciamento da construção do referido armazém.
14 - O acesso ao prédio identificado no ponto 1 b) é efectuado através de acesso privado pavimentado a cubos de granito com derivação a partir da Avenida …, que está pavimentada a betuminoso e dotada das redes públicas de abastecimento de água, saneamento, electricidade e telefones.
IV. O mérito do recurso:
A] impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Os recorrentes impugnam a decisão sobre a matéria de facto, sustentando que, ao invés do que decidiu a 1.ª instância, deve julgar-se provado que ele são arrendatários do rés-do-chão do imóvel constituído por casa para habitação de rés-do-chão e primeiro andar (artigo matricial n.º 538).
Para o efeito, sustentam que os documentos intitulados «recibos de renda» juntos com a sua contestação/reconvenção fazem prova plena das declarações da pessoa que assinou o recibo porquanto o recorrido não impugnou essa assinatura, razão pela qual, nos termos do artigo 376.º do Código Civil, deve julgar-se provado que ela recebeu as rendas a que respeitam esses recibos e provada a existência do correspondente contrato de arrendamento.
É fácil de demonstrar que os recorrentes não têm razão nesta sua argumentação jurídica.
Os documentos apresentados pelos recorrentes são documentos particulares, na medida em que não se tratam de documentos exarados por autoridades públicas (artigo 363.º do Código Civil).
Um recibo é um documento de quitação, no qual se acusa o recebimento de uma prestação. Como tal deve ser assinado por quem obtém a prestação, o seu autor (artigo 373.º do Código Civil).
A assinatura de um documento particular considera-se verdadeira quando reconhecida ou não impugnada pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare que não sabe se lhe pertence apesar de lhe vir atribuída a autoria da assinatura, ou ainda quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras (artigo 374.º, n.º 1, do Código Civil).
Como resulta da redacção deste preceito, o mesmo aplica-se independentemente de existir ou não coincidência entre a parte contra quem o documento é apresentado e o autor da assinatura. A diferença reside apenas em que se o apresentante do documento atribuir a assinatura à parte contra quem o pretende usar, esta não pode limitar-se a declarar que não sabe se a assinatura foi feita por si, sob pena de ficar de imediato reconhecido que a autoria da assinatura lhe cabe. Essa declaração apenas é suficiente para impedir o imediato reconhecimento da autoria se esta for atribuída a outra pessoa que não a parte contra a qual o documento é apresentado.
A lógica que subjaz a esta distinção é a seguinte: se é dito que a parte é o autor da assinatura ela deve saber se a fez ou não e por isso deve aceitar ou rejeitar tê-la feito; já se é dito que o documento foi assinado por outra pessoa, a parte não tem de saber se essa pessoa a fez ou não e, por isso, é legítimo que possa afirmar apenas que não sabe se a assinatura foi feita por essa pessoa.
Por conseguinte, no caso, não tendo a parte (o autor) contra quem os «recibos» foram apresentados impugnado a assinatura aposta nos mesmos como sendo da autoria de E… (mãe do autor), e tendo mesmo ao invés reconhecido que a assinatura é dela (cf. artigo 32.º da réplica), para efeitos do presente processo os documentos em questão constituem prova plena «das declarações atribuídas ao seu autor» (artigo 376.º, n.º 1, do Código Civil).
Até aqui os recorrentes têm razão. Já não têm razão nem na abrangência que dão ao conceito de «declarações atribuídas ao seu autor», nem na confusão que fazem entre as «declarações» e os «factos compreendidos nas declarações».
Nos termos do n.º 1 do artigo 376.º do Código Civil a força probatória plena cinge-se às declarações atribuídas ao autor do documento cuja autoria foi reconhecida. Conforme prevê o artigo 374.º do mesmo diploma, um documento pode ter sido redigido (autoria da letra) e assinado (autoria da assinatura) por uma e mesma pessoa ou por pessoas diferentes, cabendo a uma a redacção do documento e a outra a respectiva assinatura[1].
Verificando-se esta última situação, a prova plena apenas conduz a que se deva considerar provado que a pessoa que assinou o documento efectivamente o assinou. Se ela apenas é autora da assinatura, o reconhecimento dessa autoria apenas faz prova plena disso mesmo: que ela fez a assinatura, isto é, que fez a declaração correspondente à vinculação ao documento. Por outras palavras, o que fica assente é a sua intervenção no documento na medida em que teve lugar, não a sua vinculação a algo que não é da sua lavra (autoria). Se, em simultâneo, ela não é autora da redacção do documento (letra) o reconhecimento da autoria da mera assinatura, não conduz à prova plena do teor de uma declaração de que ela não é autora.
No caso, portanto, o que ficou revestido de prova plena por falta de impugnação da autoria da assinatura dos recibos é o facto de a mãe do autor e da ré ter declarado ter recebido dos réus algo. Já não está revestido de prova plena que ela tenha declarado o mais para que aponta a redacção dos documentos (montante do pagamento, objecto do pagamento, data do pagamento) e de que ela não é autora.
E isso é assim porque o autor, confrontado com os documentos, afirmou peremptoriamente que a redacção do recibo não foi feita pela sua mãe e os réus não procuraram fazer prova de que lhe coube a autoria da letra dos recibos em questão. Logo, com base nestes documentos nunca poderia o tribunal julgar provado, com invocação de uma prova plena (o que não significa que não pudesse considerar esse facto provado com base nos documentos … se entendesse que estes documentos particulares era prova suficiente), que a mãe do autor e da ré recebeu «do réu» renda pelo «arrendamento do rés-do-chão do prédio do n.º 336 da Avenida do Noval», no «montante» assinalado no recibo e na «data» nele aposta.
Por outro lado, o artigo 376.º do Código Civil distingue nos seus nos. 1 e 2 a prova plena das declarações da prova dos factos compreendidos na declaração. Fica plenamente provado que as declarações foram feitas, leia-se, na medida em que se reconheceu a sua autoria, não que os factos declarados sejam verdadeiros, que aconteceu mesmo aquilo que se declarou ter ocorrido.
Os factos compreendidos na declaração só se consideram provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante (artigo 376.º, n.º 2). O mesmo facto pode ser numa circunstância favorável e noutra circunstância desfavorável ao declarante, tudo depende do contexto. Por outro lado, estamos a falar de prova judicial, prova para efeitos jurídicos. Por isso, para que se verifique a contrariedade aos interesses do declarante é necessário que o documento seja oposto ao declarante com uma finalidade jurídica contrária àquilo que ele declarou no documento.
Numa acção instaurada contra a mãe do autor e da ré, pretendendo os réus o reconhecimento do seu direito ao arrendamento e opondo-se ela a esse reconhecimento, o documento podia fazer prova do recebimento de renda, porque o documento esta a ser oposto ao autor da declaração e, nesse contexto, o facto compreendido na declaração era contrário aos interessas da declarante. Não é assim no caso porque nem o documento está a ser oposto ao autor da declaração nem a acção se filia numa pretensão contrária aos interesses do declarante (embora se pudesse discutir até que ponto o autor está na mesma posição jurídica por ter recebido os imóveis por doação da declarante).
Por fim, a prova plena não afasta a necessidade de interpretação da declaração. Não é por estar plenamente provada a autoria de uma declaração e eventualmente que os factos compreendidos na declaração se deverem considerar provados, que deixamos de necessitar de saber que factos são esses, o que se quis efectivamente declarar, que acontecimentos devem ser deduzidos do teor literal da declaração escrita. Nada obsta a que por via da interpretação da declaração se possa afastar do âmbito da declaração determinado facto, ainda que este possa parecer abrangido pela redacção do documento.
No caso, os recibos mencionam que a renda é respeitante ao «rés-do-chão» do «prédio sito na Av. …, …, …, n.º …». Ora basta ler a escritura de doação junta a fols. 9 e seguintes para detectar que quer a casa para habitação quer o armazém são descritos como possuindo «rés-do-chão» e se situarem na «Avenida …, n.º …, …, …».
Por esse motivo, sabendo-se que os réus ocupam ambos os «rés-do-chão» (o armazém, que só tem rés-do-chão e o primeiro piso da casa ao lado também denominado rés-do-chão), é impossível interpretar os recibos em causa como sendo efectivamente respeitantes ao rés-do-chão da casa de habitação. O facto de terem sido os réus a construir o armazém não obsta a essa dificuldade interpretativa porque o terreno onde a construção foi implantada não era seu, era da mãe/sogra, pelo que se compreende que pudesse ter de pagar algo pela ocupação do solo com a construção[2].
Em suma, por todas estas razões não pode ser julgado provado com base nos aludidos documentos – meio de prova que é fundamento do recurso – que «há mais de 40 anos que os réus, ocupam, o rés-do-chão do prédio identificado no ponto 1 a), aí armazenando móveis, sendo que, pelo menos desde o ano de 2013, o fazem na qualidade de arrendatários, pagando a renda anual de 300,00€.»
Pretendem ainda os recorrentes que se altere a decisão sobre os factos dos pontos, 2, 4, 6 e 7, julgando provado, em síntese, que são eles que desde 1977, data da conclusão da construção do armazém, estão na posse da parcela de terreno onde o armazém foi implantado e que era logradouro do outro prédio.
Para o efeito, invocam exclusivamente o depoimento da testemunha F… que em tempos foi chamado por esta família para avaliar os bens da E… para se realizar a partilha em vida do respectivo património pelos seus filhos.
É bem de ver que esta argumentação não tem, passe a expressão, pernas para andar a partir do momento em que os recorrentes admitem que não conseguem fazer a prova de que, conforme haviam alegado, a E… lhes doou a referida parcela de terreno.
Com efeito, sendo a ré filha da referida E… e reconhecendo que o terreno era propriedade desta, ou a ré alegava e demonstrava uma forma de aquisição derivada do imóvel que lhe teria igualmente transmitido a respectiva posse ou carecia de alegar e demonstrar um modo de inversão do título de posse para que a detenção por autorização de quem sabia ser proprietária do imóvel – e autorizou a implantação da construção – se tivesse em determinado momento convertido em autêntica posse susceptível de preencher os requisitos da usucapião. Os réus não provaram a doação que alegaram nem alegaram a inversão do título de posse necessária para que um filho se possa arvorar em verdadeiro possuidor de um imóvel que sabia pertencer à mãe.
Como quer que seja, ouvida a gravação da audiência verifica-se com facilidade que o depoimento da testemunha em causa é insuficiente para julgar provados os factos que os recorrentes reclamam.
A testemunha refere que os filhos da proprietária dos bens cuja avaliação lhe foi pedida para efeitos de divisão pelos filhos, lhe disseram que o armazém era uma benfeitoria de um dos filhos e não era para avaliar. Nessa circunstância (que o tribunal a quo interpreta e bem como revelando que se tratou de uma construção realizada por um dos filhos num terreno da mãe e com autorização desta) os filhos da proprietária podiam ter-lhe dito para avaliar o terreno sobre o qual o armazém estava construído e não o fizeram.
Porém, a ilação que os recorrentes pretendem que se retire desse relato, de que os filhos consideravam que o terreno também já não pertencia à mãe é perfeitamente abusiva e não encontra apoio em passagem alguma do depoimento.
Para que tal sucedesse era necessário que os filhos tivessem conhecimentos jurídicos e conhecessem os pressupostos do instituto da acessão imobiliária para saberem que seria necessário comparar o valor do solo e o valor da construção para determinar qual dos proprietários podia tornar seu o que era do outro, já que só nessa situação faria sentido que eles pedissem também para se avaliar o solo para efeitos de partilha. Esse conhecimento não foi referido em momento algum.
O desinteresse pela avaliação do prédio é perfeitamente compatível com a intenção de na divisão o deixar para o filho que nele realizou a construção com autorização da mãe, ajustando-se um valor por acordo entre todos. Se não foi assim era algo que podia naturalmente ser provado, mas que de forma alguma o meio de prova indicado pelos recorrentes tem a virtualidade sequer de indiciar.
Nestas circunstâncias é forçoso concluir que a matéria de facto fixada pela 1.ª instância se deve manter, não justificando a prova mencionada pelos recorrentes qualquer decisão diferente.
B] da matéria de direito:
Os recorrentes defendem a alteração da decisão do pleito unicamente com fundamento na alteração da decisão sobre a matéria de facto de modo a demonstrar as qualidades de arrendatários do rés-do-chão de um imóvel e de possuidores do terreno do outro imóvel que sustentaria juridicamente a sua pretensão.
Os recorrentes não colocam nenhuma questão jurídica à margem ou independente dessa alteração da matéria de facto, nem defendem que subsunção jurídica dos factos provados pela 1.ª instância esteja errada ou devesse ser outra.
Assim, também não havendo nenhuma questão jurídica de conhecimento oficioso, não tem esta Relação de conhecer de nenhuma questão jurídica da decisão recorrida.
V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e confirmar a douta decisão recorrida.
Custas do recurso pelos recorrentes.

Porto, 11 de Outubro de 2018.
Aristides Rodrigues de Almeida (Relator; Rto443)
Inês Moura
Francisca Mota Vieira
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[1] Por essa razão, os artigos 446.º e 447.º do Código de Processo Civil prevêem entre os fundamentos possíveis de ilisão da força probatória dos documentos a subtracção de documento particular assinado em branco e a inserção nele de declarações divergentes do ajustado com o signatário.
[2] Existem dois aspectos absolutamente comprometedores do valor probatório destes documentos: por um lado, a alegada renda é anual, como é comum no arrendamento de prédios rústicos, não é mensal como é comum no arrendamento de prédios urbanos!!; por outro lado, só são apresentados recibos relativos ao período em que por certo já estava estabelecido o conflito familiar (a doação ao autor é de Dezembro de 2014, o primeiro recibo tem data aposta de Setembro de 2013 mas respeita à renda do «ano 2013/2014») não se juntando nenhum referente aos inúmeros anos que alegadamente o contrato de arrendamento já tinha de duração!!