Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
332/15.3T8ETR-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
NOTIFICAÇÃO DA DECISÃO
INDEFERIMENTO
Nº do Documento: RP20180108332/15.3T8ETR-B.P1
Data do Acordão: 01/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º666, FLS.113-117)
Área Temática: .
Sumário: A notificação ao tribunal pela SS da decisão que recaiu sobre pedido de apoio judiciário formulado na pendência de uma causa, pelas implicações processuais que a decisão comunicada implica, mormente em sede de cessação dos prazos suspensos nos termos do artigo 29º da Lei do Apoio Judiciário, deve ser notificada à requerente sob pena de violação do princípio do contraditório.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 332/15.3T8ETR-B.P1
3ª Secção Cível
Apelação em separado
Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunto - Juiz Desembargador Oliveira Abreu
Adjunto - Juiz Desembargador António Eleutério
Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Jz. de Família e Menores de Estarreja
Apelante/B…
Apelado/C… e outros (herdeiros habilitados de D…)
Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
B…, ré nos autos contra si instaurados por D…, falecido e ora prosseguindo com os herdeiros habilitados do mesmo, todos melhor ids. a fls. 2 e 7 v., notificada da decisão que determinou a “não realização da perícia requerida” por não “pagamento dos encargos respetivos”, da mesma interpôs recurso pugnando pela revogação de tal decisão, para tanto apresentando as seguintes conclusões:
“CONCLUSÕES
I - Em 03.09.2015, aquando da primeira intervenção que teve no processo (e em obediência ao disposto no art. 18º/2 da Lei 34/2004), a R. juntou aos autos um requerimento, o qual era acompanhada por uma procuração forense e por um comprovativo de um pedido de concessão do apoio judiciário na modalidade de “dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo”, que tinha sido requerido em 22.07.2015 (cfr. requerimento de 03.09.2015).
II. Sucede que, até ao presente momento, a R. B… ainda não foi notificada da decisão do referido requerimento de concessão do apoio judiciário.
III. A solução prevista nos números 1 e 2 do art. 570º do CPC tem de ser entendida como aplicável quer à taxa de justiça, quer a qualquer tipo de encargo decorrente do andamento do processo. É a única forma de compatibilizar o disposto neste artigo com o disposto no art. 18º/3 da Lei 34/2004 (cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido).
IV. Enquanto não houver decisão sobre o apoio judiciário, não se sabe se a parte está obrigada a pagar as taxas de justiça ou os encargos, pelo que não pode a mesma sofrer qualquer penalização pela falta de pagamento (daquilo que não sabe se está obrigada a pagar).
V. O Tribunal a quo deveria ter indagado previamente, junto da R., se já tinha sido notificada da decisão do apoio judiciário. E só depois disso, e caso verificasse que o apoio judiciário havia sido indeferido, é que poderia determinar a não realização da perícia.
VI. A decisão recorrida violou o disposto no art. 570º/2 do CPC. E também violou também o disposto nos artigos 1º, 16º/1, alínea a), 18º/3, todos da Lei 34/2004.
Nestes termos e nos melhores de direito, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser anulada a decisão recorrida.”
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Não se mostram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente e em separado, com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
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II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pela apelante ser questão a apreciar: se o despacho recorrido que determinou a não realização da perícia por não ter a recorrente procedido ao pagamento dos encargos devidos no prazo da guia para o efeito emitida nos termos do artigo 23º nº 1 do RCP, padece de vício, nomeadamente nulidade por não notificação à recorrente da comunicação do CDSS ao tribunal de que o pedido de apoio judiciário por esta requerido havia sido indeferido.
III. FUNDAMENTAÇÃO
Para apreciação do assim decidido, importa considerar as seguintes vicissitudes processuais (consignando-se que o processo eletrónico foi consultado, após pedido de seguimento):
A) A recorrente B…, por requerimento de 03/09/2015 fez juntar aos autos comprovativo de pedido de concessão do benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, com data de entrada no CDSS E… em 22/07/2015;
B) Aquando da dedução da contestação, a recorrente em sede de requerimento probatório, peticionou para além do mais, a realização de exame pericial;
C) Por despacho de 28/11/2016 proferido em “Ata de Audiência de Declarações” (fls. 7v./8 desta apelação) foi deferida a realização da pretendida perícia;
D) Em 22/12/2016 foi emitida guia para “pagamento antecipado de encargos” – “encargos prováveis com perícia solicitada (…)” - em nome da recorrente, com data limite de pagamento em 13/01/2017.
A qual não foi paga (vide fls. 40/41).
E) Em 14/10/2016 deu entrada no tribunal a quo ofício enviado pelo CDSS E..- datado de 07/10/2016 comunicando que o pedido formulado “foi objeto de uma proposta de decisão (Audiência Prévia) de indeferimento em 13/01/2016 cuja notificação para o (a) requerente seguiu por correio registado conforme fotocópia do talão de registo dos CTT que se junta” [cópia deste ofício, acompanhado de cópia do mencionado registo e proposta que se mostram juntos a estes autos a fls. 35 a 39].
Mais comunicando o CDSS em tal ofício que e por falta de resposta da requerente (recorrente) tal proposta se converteu em decisão definitiva pelo que o seu pedido foi considerado “indeferido”, bem como que “não foi interposto qualquer recurso de impugnação” [cfr. fls. 35 a 39 destes autos].
F) A recorrente, conforme consulta efetuada ao processo eletrónico, após obtido o seu seguimento, não se mostra notificada pelo tribunal a quo do teor do ofício e documentos que o acompanharam mencionado em E).
G) Em 08/03/2017 proferiu o tribunal a quo o despacho recorrido que aqui se reproduz na integra “Uma vez que a requerente da perícia solicitada não procedeu ao pagamento dos encargos respetivos, conforme a guia de fls. 121 que lhe foi enviada e com a expressa advertência constante da notificação de fls. 123, ao abrigo do disposto no art. 23.º, n.º 2 RCP, determina-se a não realização da perícia requerida.”
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Apreciando e conhecendo.
Em função das vicissitudes processuais acima enunciadas cumpre pois analisar o objeto do recurso acima já elencado.
Tendo a recorrente requerido a concessão do benefício do apoio judiciário, é ponto assente que até à decisão final que sobre tal pedido recair, está suspenso o prazo para o requerente proceder ao pagamento da taxa de justiça e demais encargos do processo judicial que forem da sua responsabilidade, tal como decorre do artigo 29º nº 5 al. a) da Lei do Apoio Judiciário (Lei 34/2004 de 29/07 na redação dada pela Lei 47/2007 de 28/08).
Suspensão de prazo que se mantém até à decisão final de eventual impugnação judicial deduzida da decisão negativa que sobre tal pedido tenha recaído por parte do serviço da segurança social.
Tal qual o T. Constitucional já se pronunciou, declarando a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma constante da al. c) deste mesmo artigo 29º nº 5 al. c) da Lei do Apoio Judiciário. – vide Ac. T. Constit. Nº 353/2017 de 06/07/2017 publicado in DRE de 13/09/2017, I S - apreciando no caso em concreto a obrigação de pagamento da taxa de justiça inicial, mas cujos argumentos se aplicam a todo o preceito.
Dizendo a lei em questão respeito ao acesso ao direito e aos tribunais e justificando o assim decidido, relembrou o T. Constit., convocando anteriores arestos, a afirmação reiterada pelo mesmo de que «o direito à tutela jurisdicional efetiva para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, genericamente proclamado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, implica “o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder 'deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultados de umas e outras’ (…)».
A proibição da “indefesa” decorrente do reconhecimento do direito geral ao contraditório – este aliás um dos princípios estruturantes do processo civil, consagrado desde logo no artigo 3º nº 3 do CPC - visa garantir que nenhuma decisão é tomada pelo tribunal sem que e no âmbito do litígio que lhe cumpre dirimir a solicitação de uma das partes a outra tenha a oportunidade de se pronunciar, expondo as suas razões de facto e de direito e apresentando os meios de prova que em defesa dos seus direitos entender ser pertinente, salvo caso de manifesta desnecessidade, em obediência nomeadamente ao princípio da utilidade e ou economia processual.
No mais recente Ac. do T. Constit. Nº 771/2017 de 16/11/2017 (in www.tribunalconstitucional.pt) e citando anterior jurisprudência, sem prejuízo do ali expresso reconhecimento de não ser este um direito absoluto que perante outros princípios conflituantes deve ser ponderado e eventualmente no confronto com os mesmos limitado, desde que tal limitação se não transforme “numa restrição intolerável”, realçou este tribunal que «(…) O princípio da proibição da indefesa, ínsito no direito fundamental de acesso à justiça, tem sido caracterizado pelo Tribunal Constitucional como a proibição da “privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito” (Acórdão n.º 278/98). No Acórdão n.º 353/08 […] refere o Tribunal:
“O Tribunal tem entendido o contraditório, exigido no artigo 20.º da Constituição, essencialmente, como o direito de ser ouvido em juízo, do qual retira uma genérica proibição de indefesa, isto é, a proibição da limitação intolerável do direito de defesa do cidadão perante o tribunal onde se discutem questões que lhe dizem respeito”.
Valem estes considerandos para realçar a necessidade de o tribunal sempre garantir ao particular o direito ao contraditório em relação aos atos e elementos processuais que aportados ao processo possam contender com os direitos daquele e que são base das suas decisões.
Em causa no presente recurso a comunicação aos autos por parte da SS de que o pedido de apoio judiciário formulado pela requerente lhe foi indeferido e que de tal decisão não foi interposto recurso de impugnação, bem como que de tal decisão foi a requerente notificada.
Juntando a SS, para prova de tal, cópia do registo dos CTT da notificação.
Foi com base nesta comunicação que o tribunal a quo decidiu aplicar a sanção do artigo 23º nº 2 do RCP, na medida em que entendeu (depreende-se) ter cessado a suspensão do prazo de pagamento de que a requerente beneficiava por via do artigo 29º nº 5 als. a) e c) da Lei do Apoio Judiciário já acima citados. Atenta a decisão comunicada pela SS.
Pelas implicações processuais que a comunicação da SS importa para a requerente, ora recorrente, impunha-se contudo que a mesma daquela fosse notificada.
Único meio de, no exercício do contraditório, questionar se efetivamente de tal decisão tinha tido ou não conhecimento e em caso negativo, contraditando os elementos oferecidos pela SS, oferecer a prova tida por conveniente.
Tendo em sede de recurso a recorrente alegado não ter sido notificada da decisão de indeferimento do seu pedido de concessão do apoio judiciário (vide conclusão II) e verificado que da comunicação da SS e dos documentos que a acompanharam a mesma não foi notificada pelo tribunal a quo, temos que esta omissão de notificação constitui violação do já mencionado direito ao contraditório.
Impunha-se que o tribunal a quo previamente à sua decisão sustentada na existência de uma decisão final de indeferimento, tivesse à ora recorrente comunicado a notificação da SS relativa a tal decisão.
Note-se que em causa não está a notificação da decisão de indeferimento que pela SS deve ser efetuada à própria requerente e ao tribunal (vide artigo 26º da Lei do Apoio Judiciário), mas a notificação da comunicação da SS ao tribunal.
Só assim se garantindo que o particular tem conhecimento das ocorrências processuais em que o tribunal baseia as suas decisões e por via deste conhecimento, mais se garantindo o exercício do direito do contraditório em relação às mesmas.
Nomeadamente e sendo o caso, facultando à requerente a possibilidade de afastar a presunção legal derivada do artigo 249º do CPC quanto à notificação que a SS deu nota ao tribunal ter observado, fazendo a prova de que esta, apesar de enviada, não chegou à sua esfera jurídica.
E para tal impunha-se a observância da omitida notificação.
A omissão deste ato é suscetível de influir no exame e decisão da causa, mormente por via da realização da perícia que já antes havia sido admitida pelo tribunal a quo. Sendo por tal causa de nulidade.
Verificada esta nulidade impõe-se a revogação da decisão sobre recurso, bem como a anulação dos atos relativos à emissão da guia para “pagamento antecipado de encargos”, para que o tribunal a quo proceda previamente à notificação da comunicação da SS à requerente.
Após a qual será observada a tramitação processual adequada ao caso, em função da posição processual que a recorrente adotar.
Termos em que se conclui assistir razão à recorrente, com a consequente procedência do recurso por si apresentado.
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IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente procedente o recurso interposto, consequentemente se revogando a decisão recorrida e anulando os atos relativos à emissão da guia para “pagamento antecipado de encargos” da responsabilidade da recorrente.
Mais se determinando que o tribunal a quo proceda previamente à notificação da comunicação da SS à requerente.
Após a qual será observada a tramitação processual adequada ao caso em função da posição processual que a recorrente adotar.
Sem custas.
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Porto, 2018-01-08.
Fátima Andrade
Oliveira Abreu
António Eleutério