Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
425/13.1GAMLD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Descritores: DISCIPLINA DE AUDIÊNCIA
ADVOGADO
SANÇÕES
Nº do Documento: RP20160601425/13.1GAMLD.P1
Data do Acordão: 06/01/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 680, FLS.332-357)
Área Temática: .
Sumário: Em face da regulamentação especifica, na audiência em processo criminal nos artºs 85º, 322,323 e 326 CPP, dos actos e conduta dos advogados e defensores que não contempla a aplicação de multa aos advogados, não se verifica lacuna susceptivel de suportar a aplicação aos mesmos das sanções previstas no art.º 150º1 CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO PENAL n.º 425/13.1GAMLD.P1
Secção Criminal
CONFERÊNCIA

Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjunto: Jorge Langweg

Acordam os Juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
1. No âmbito do processo comum, com intervenção de Tribunal Singular n.º 425/13.GAMLD, da Comarca de Aveiro, Mealhada – Instância Local – Secção Competência Genérica-J1, por sentença proferida a 2 de Novembro de 2015, foi o arguido B…, com os demais sinais dos autos, absolvido da prática do crime de furto simples, previsto e punível pelo art. 203º, n.º 1, do Cód. Penal, que lhe estava imputado e bem assim do pedido de indemnização civil que contra ele formulava o demandante/assistente C….
2. No decurso da audiência de julgamento, mais concretamente na sessão levada a efeito no dia 8 de Outubro de 2015, o ilustre mandatário do assistente, Dr. D…, após advertência da M.ma Juíza que à mesma presidia, viu ser-lhe retirada a palavra e aplicada a multa de 2 (duas) UC, com fundamento em falta de respeito ao Tribunal e ao abrigo do disposto no art. 150º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil.
3. Inconformados com tais decisões, o assistente C… e seu ilustre advogado, Dr. D…, respectivamente, delas interpuseram recurso, rematando este a motivação do recurso interlocutório com as seguintes conclusões: (transcrição sem destaques)
“I - O Advogado ora recorrente, não se conforma com a decisão que o condenou, "... em multa de 2 U.C., por falta de respeito ao Tribunal estribada no disposto no art. 150º, n.º 1 do C.P.C..
II - Só ouvindo a gravação da sessão de audiência e julgamento Vª.s Exª.s poderão ficar com uma ideia do que se passou na mesma e verificar que a "ATA DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO" que a ela diz respeito está completamente truncada, descontextualizada e, devendo ser lavrada pela Sr.ª Funcionária que ali esteve presente esta, em vez de transcrever o que nela se passou, teve a veleidade de, entre outras coisas, fazer de mote próprio, considerações e juízos de valor sobre a atuação do Advogado ora recorrente.
III - Conforme se lê na sobredita transcrição e se ouve na gravação, a MMª Sr.ª Dr.ª Juíza por variadíssimas vezes interrompeu o recorrente, quando este estava no pleno desempenho do mandato, pugnando pelos interesses do seu mandante e durante o ato em que o mesmo produzia para a ata requerimentos fundamentados em aspetos de direito, como seja a falta de Registo Criminal devidamente atualizado, uma vez que o mais recente era de 29/05/2015, o seu período de validade é de 3 meses, estávamos em 08/10/2015, portanto mais de 4 meses e 9 dias daquela data e já o recorrente tinha junto aos autos cópia de douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, transitado em julgado no qual o arguido nestes dois processos tinha sido condenado também por furto de árvores, a MM.ª Juíza fazendo tábua rasa desta questão impediu o recorrente de exercer o seu trabalho como o tem de fazer.
IV – A MM.ª não deixou o recorrente indicar o processo em que se tinha passado o atraso na decisão e renovação de prova (Proc. Comum Singular N.º 194/14.8 GAMLD) e, começou a dirigir-se ao recorrente em tom exaltado, com o indicador em riste e a abrir (arregalar) os olhos para o recorrente, como se este fosse um miúdo, tentando intimidá-lo, obrigando o recorrente, face a tal comportamento da MM.ª Juíza, desrespeitador c intimidatório a dirigir-se-lhe de modo a chamar-lhe à atenção para tal fato.
V - A MM.ª Juíza, exigiu ao recorrente, quando este pretendeu fazer um protesto para a ata, para o deferir ou não que lhe fosse dado conhecimento antecipado do teor do protesto, sob pena de nova condenação em multa, o que é um atropelo ao disposto no artigo 80º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
VI - Condenando o recorrente e finalizando com uma frase demonstrativa da atitude que até aí vinha a demonstrar para com o mesmo: "E acabou-se aqui a conversa."
VII - Face à indisponibilidade demonstrada pelo recorrente em estar no dia seguinte para a leitura a sentença, por força de uma consulta médica, que este referiu ter, a MM.ª Juíza disse-lhe: "Oh Sr. Dr., desculpe. O Sr. Dr. só pode estar a brincar comigo".
VIII - Contudo a MM.ª Juíza não leu a sentença no dia em que a marcou na dita sessão, uma vez que, sem se saber porquê, entendeu de mote próprio, solicitar ao Tribunal da Relação do Porto, "escusa para continuar a intervir no processo ao abrigo do disposto no artigo 43º, n.ºs 1 e 4, do Código de Processo Penal".
IX - Vindo a ser proferido Acórdão de indeferimento de tal pedido em 21 de Outubro de 2015, junto aos autos em 26 de Outubro do mesmo ano (e que ora se junta fotocópia), no qual se lê fls. 393 dos autos:
"Analisados os documentos juntos aos autos, designadamente as atas das várias sessões da audiência e a gravação integral da sessão de 08.10.2015, logo ressalta que tudo o que aconteceu no decurso dessas diligências entre o senhor advogado, mandatário do assistente, e a senhora juíza, se contém no domínio das estritas relações profissionais entre ambos, embora com evidenciação de divergências sobre matéria do processo e sobre a própria condução e disciplina da audiência, por vezes manifestadas de forma muito tensa e extremada, com as particularidades que a personalidade de cada um lhes empresta.
X - O Recorrente, na sessão de julgamento em causa não desrespeitou o Tribunal nem qualquer dos seus intervenientes, leia-se Colega, Sr.ª Oficial de Justiça, Sr. Procurador ou MM.ª Juíza, tendo atuado no domínio das estritas relações profissionais entre ambos (advogado e MM.ª Juíza), embora com evidenciação de divergências sobre matéria do processo e sobre a própria condução e disciplina da audiência, nunca tendo usado expressões e imputações que não fossem indispensáveis à defesa da causa, bem como à defesa do seu bom nome, respeito e dignidade que lhe são devidos por todos e qualquer um. Tudo no âmbito do disposto no n.º 2 do citado artigo 150º do C.P.C..
XI - O Recorrente nasceu em 20 de Abril de 1953, tem portanto 62 anos de idade, é Advogado desde 19 de Outubro de 1981, nunca deixou, nem nunca deixará enquanto puder trabalhar, de pugnar pelos legítimos interesses dos seus mandantes que em si confiam, exigindo que, quem quer que seja o deixe trabalhar sem espartilhos de que teor sejam, em conformidade com a legislação aplicável, sem atropelos a esta e com respeito e dignidade pelo pessoa profissional e humana, devida e vinda donde vier, designadamente para com pessoas mais velhas, que não necessitam que lhes abram (arregalem, como se diz em linguagem popular) os olhos ou lhe apontem o dedo em riste.
XII - A MM.ª Juiz violou o disposto no artigo 80º do Estatuto da Ordem dos Advogados e no artigo 150º n.º l e n.º 2 do C.P.C., uma vez que aplicou, sem fundamento fáctico aquele n.º 1, quando tudo o que se passou em audiência deve e tem de ser enquadrado sem relevância desrespeitosa e ao abrigo do disposto no citado n.º 2 do sobredito art.º 150º, bem como do mencionado artigo 80º.
XIII - São elementos fundamentais de prova, a gravação da audiência, a transcrição da mesma, a ata, bem como os demais factos constantes dos documentos juntos.
XIV - O recorrente não praticou qualquer ato que pudesse motivar a aplicação da multa de que foi alvo.
XV - Deverá ser proferido douto Acórdão que revogue a decisão que o condenou na multa de 2 UC's, tudo com as demais consequências.”
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6. Neste Tribunal da Relação a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, louvando-se nas respostas apresentadas que reforçou ainda com pertinente argumentação, concluindo pelo não provimento dos recursos.
7. Cumprido o disposto no art. 417º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, responderam ambos os recorrentes [embora no cabeçalho se tenha feito constar unicamente o nome do assistente que, todavia e como é óbvio, não dispõe de legitimidade e interesse em agir no tocante à questão da multa aplicada ao seu advogado] insistindo na sua tese.
8. Realizado exame preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência que decorreu com observância do formalismo legal, nada obstando à decisão.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
1. É consabido que, para além das matérias de conhecimento oficioso [v.g. nulidades insanáveis, da sentença ou vícios do art. 410º n.º 2, do citado diploma legal], são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [v. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Tomo III, 2ª ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 20/12/2006, Processo n.º 06P3661, in dgsi.pt].
Daí que, se o recorrente suscita questões na motivação que, depois, não retoma nas conclusões, deve dar-se predominância à matéria que nestas foi vertida, olvidando-se o mais que naquela consta – v., Ac. STJ, de 1/7/2005, Proc. 1681/01- 3ª, in dgsi.pt.
Assim, no caso sub judicio, as questões suscitadas, na sua pré-ordenação lógica, são as seguintes:
Recurso Interlocutório
Admissibilidade da aplicação de multa a advogado
Recurso do assistente C…
1. Nulidade da decisão por deficiente gravação da prova
2. Vícios do art. 410º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal
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2. A fundamentação de facto da decisão recorrida, no que ao caso interessa, é a seguinte: (transcrição)
A) Factos Provados
1. C…, assistente, comprou a E…, árvores implantadas em terreno desta, com o objectivo de, futuramente, vir a cortá-las e fazê-las suas.
2. C…, na realização do negócio aludido em 1., pagou a E… o valor de 5.300 euros, como contrapartida pela madeira da qual não chegou a apossar-se.
3. C…, que é simultaneamente comprador e vendedor de madeira, não pôde vender a madeira aludida em 1., e por consequência, não pôde obter o lucro que obteria na venda da mesma.
4. No âmbito dos vertentes autos, C… teve que suportar despesas de deslocação ao Tribunal e à GNR para prestar declarações.
5. C… ficou perturbado e preocupado com o desaparecimento da madeira e começou a andar triste, desolado, deixou de comer, de dormir noites seguidas - como até ali acontecia - a ter pesadelos relacionados com a situação e começando a “entrar em depressão”.
6. Do CRC dos autos, de fls. 204, não constam antecedentes criminais registados.
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B) Factos Não Provados
a) - Em dia não concretamente apurado do mês de Setembro de 2013, mas que se situa entre o dia 5 e 12 de Setembro,
b) - o arguido B…
c) - deslocou-se ao pinhal e eucaliptal sito no lugar da …, mais concretamente na zona do campo de futebol, também conhecido como G…, propriedade de E…,
d) - com intenção de se apropriar de toda a madeira que naquele local se encontrava, a qual era pertença do assistente C….
e) - Para além de ter cortado tal madeira, o arguido B…, com a mesma intenção de se apropriar daquela, também a retirou desse pinhal e eucaliptal e apropriou-se efectivamente da referida madeira, bem sabendo que a mesma não lhe pertencia,
f) - bem sabendo que não se encontrava autorizado para tal, pela aludida E…,
g) - bem sabendo que não se encontrava autorizado para tal, pelo assistente C….
h) - o lucro aludido em 4. corresponderia a pelo menos 2.000 euros.
i) – C… tem 68 anos e nasceu a 20.05.1946; tem uma saúde bastante débil.
j) - E atendendo ao facto de ser comprador e vendedor de madeiras, ficou com bastante receio de que a sua imagem, quer enquanto pessoa, quer enquanto profissional, pudesse ser afectada, não fosse alguém pensar que o sucedido pudesse ser alguma manobra negocial sua e o seu bom nome que tantos anos levou a construir pudesse ser posto em causa.
l) - Por força do sucedido, C… passou a andar com receio de que a sua imagem perante as demais pessoas fosse afectada e, por isso, passasse a ser desconsiderado por elas.
m) - Uma vez que a conduta levada a cabo pelo arguido B… aconteceu próximo da localidade onde o assistente C… reside, onde todos se conhecem, podendo ser maior o abalo à imagem do ofendido que, também por isso, sofreu.
n) - Sentiu-se igualmente envergonhado por ser apontado como pessoa mal-educada, indigna de confiança, quezilenta.
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Os demais factos, não especificamente dados como provados ou não provados estão em oposição ou constituem a negação de outros dados como provados ou não provados, ou contém expressões conclusivas ou de direito, ou são irrelevantes para a decisão da causa.
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C) Motivação
O Tribunal formou a sua convicção com base em toda a prova produzida e analisada em audiência com recurso às regras da experiência comum.
Teve-se em conta o que resultou de fls. 24 (factura relativa ao pagamento de 5.300 euros de árvores de pinhal e eucaliptal); fls. 117/118 (auto de reconhecimento, a valorar, contudo, como melhor resultará infra); CRC de fls. 204 (conforme melhor consta da penúltima acta e facilmente resulta do demais na decisão, entendeu-se não ser necessária prova suplementar a este título); fotos de fls. 225ss e 251; fls. 252 a 256; 274 e 299/301 (relatórios médicos).
O arguido negou os factos, indicando que é madeireiro e assumindo que poderá ter estado nas proximidades do local em questão, porque cerca de Agosto/Setembro, do indicado ano, procedeu a cortes de madeira próximos do local acusado.
C… é o assistente e demandante dos autos. Afirmou que também é madeireiro. Localizou temporalmente os factos, por aproximação. Quanto à localização espacial descreveu o terreno de onde provinham as árvores que afirmou ter comprado, muito embora não tenha conseguido individualizá-lo através de dados objectivos relativos a qualquer identificação oficial, como o nº matricial ou registral. Assegurou que comprou a madeira inserida no dito terreno, dizendo a quem e porque preço, mais indicando em que data o fez. Ao contrário do que consta da acusação e pedido cível, garantiu que, muito embora tenha comprado, desse terreno, eucaliptos e pinheiros, a generalidade daqueles (eucaliptos) não chegaram a ser cortados e levados. Explicou como chegou à pessoa do arguido, bem como porque concluiu ser ele o autor do dito corte das árvores por si compradas, pelo menos no que toca aos pinheiros.
H… também é madeireiro. Lembrou-se que num dia de feira viu junto ao campo de futebol o arguido B…, que para aí acartava madeira, designadamente pinheiro. Pronunciou-se quanto ao preço da madeira, em relação ao peso, em abstracto. Não conhecia a dimensão do terreno, nem o número de pinheiros de que se tratam, mas indicou um número possível através do preço que lhe foi reportado. Porque conhece o assistente há 40 ou 45 anos, soube indicar como a situação do desaparecimento da madeira o perturbou.
I… referiu ter sido abordado pelo assistente por causa da situação dos autos. Então, ter-lhe-á indicado, como indicou ao Tribunal, ter visto o arguido por aqueles lados, num tractor vermelho com um atrelado com madeira. Na data, nada lhe ocorreu, tendo associado a presença do arguido no local à situação dos autos, apenas quando volvidas 2/3 semanas o assistente lhe reportou o sucedido.
E…, no essencial, referiu ser a dona do terreno de que foram partes componentes as árvores que estão em causa nos autos. Garantiu que vendeu as árvores desse seu prédio ao assistente, cerca de Agosto de 2013, prédio este que identificou como sito na …, na freguesia de …, sem recurso a dados oficiais, nºs registrais ou nºs da matriz, por exemplo. Foi perguntada se para além do assistente, teria informado mais alguém se as árvores estavam a corte, ao que a mesma respondeu que negociou com outros dois madeireiros – que acabaram por “perder” a negociação das árvores. Muito embora se tenha pronunciado acerca da configuração do local e dos prédios que rodeiam o seu, a verdade é que acabou por admitir não costumar frequentar tal lugar.
J… referiu, em súmula, que há cerca de 2 anos “andava às pinhas” no local, quando viu um tractor vermelho carregado de madeira, que depois voltou vazio. Pensando que se tratava de uma pessoa conhecida, interagiu com o seu condutor. O seu condutor seria, de acordo com o reconhecimento dos autos, o arguido. Garantiu que lhe disse ao que vinha e que o mesmo lhe indicou que seguisse o rodado do tractor, pois encontraria um pinhal a corte, de onde poderia trazer as pretendidas pinhas. Admite que na altura, quando o fez, não sabia que de quem era pinhal onde chegou (para esses lados, a testemunha disse não ter nada) mas que depois, com as conversas que posteriormente veio a ter a tal propósito, concluiu tratar-se do pinhal do “avô da E…” – reportando-se ao que está nos autos em questão.
Este testemunho resultou, contudo, fragilizado, conforme melhor resulta infra, porque a testemunha, que reconheceu o arguido e que garantiu ter falado com o mesmo, ignorou por completo a rouquidão de que o mesmo (faz muito tempo) padece e que se duvida que possa passar indiferente a seja quem for.
Ainda que se admita que o arguido pode ter o seu estado agravado na data de audiência em relação à data aproximada dos factos, certo é que, face à ablação das cordas vocais, e como resulta do relatório de fls. 274 e 300/301, já teria a voz embargada na data dos factos, o que, sendo ignorado pela testemunha, nos faz ter as maiores reservas em valorar o seu depoimento – melhor se indicará infra.
K… disse, no essencial, ter visto o arguido perto do local a carregar madeira de pinho. Desconhece o local onde a havia cortado. Disse o sentido em que o arguido ia e o sentido de onde vinha.
L… é genro do arguido e trabalha para este, designadamente a proceder aos pagamentos dos funcionários e fornecedores. No essencial, soube atestar que o arguido, no Verão de 2013, andou quer em …, quer em outros locais, a cortar madeira – contudo desconhecia os concretos terrenos de cada trabalho.
M…, indicado ao PIC, esclareceu que veio a saber do desaparecimento das madeiras, muito embora já não tenha presente se em 2013, se em 2014, tendo, todavia, ideia que foi no Outono. Pronunciou-se em relação ao estado de espírito do demandante, que presenciou.
N…, genro e afilhado do demandante, indicado ao PIC, disse conviver muito com o mesmo. Relatou o que sabe por referência a aproximadamente Outubro de 2013, indicando do estado de espírito do demandante, face ao aludido furto e a outros circunstancialismos da sua vida pessoal que lhe foram concomitantes.
O… é empregado do arguido, desde 2013. Nesse ano refere que se deslocaram a … para cortar madeira muitas vezes, sendo que, nos locais onde foi, nunca viu ninguém a reclamar fosse do que fosse. Exemplifica com o corte do um pinhal e de um eucaliptal de um Sr. P… (o qual está emigrado), sendo que nesse caso passavam pelo tão aludido campo de futebol, descrevendo o itinerário, indicando ainda que quem fazia tal percurso era o arguido B…, explicando ainda porque fugiam às entradas principais.
Q… pessoa que conhece o arguido e que já lhe vendeu madeira, a qual caracterizou pela espécie de árvore (incluindo pinheiro) bem como pela localização dos respectivos terrenos, por mera referência ao lugar, e também temporalmente, por aproximação (Maio-Agosto 2013).
S…, que conhece arguido e assistente, bem como a zona onde alegadamente terá sido cortada a madeira em causa nos autos, esclarecendo que também ele próprio terá andado por aí, a dada altura, a cortar quer eucalipto, quer pinheiro.
T..., que é sobrinho do arguido e não conhece o assistente, pronunciou-se acerca de um corte de madeira que fez de pinhal e eucalipto, não sabe de quem, mas perto do fim de Agosto.
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Além das testemunhas J… (que nos deixou dúvidas sérias) e T… (que totalmente se descredibilizou por contraditório), as demais testemunhas mereceram credibilidade – mas apenas quanto ao que relataram a título de conhecimento presencial e concretizado, salientando-se que não tiveram conhecimento directo dos factos acusados, podendo auxiliar, quanto muito, à contextualização de uma ou outra versão.
A título de credibilidade, ainda, merece apenas um pequeno reparo o que foi dito pelas testemunhas do pedido cível, acima indicadas: no que tange ao prejuízo da imagem do assistente por causa da alegada conduta do arguido as testemunhas não foram suficientemente esclarecedoras acerca da razão de ser da mesma, não sendo perceptível ao Tribunal a relação entre o alegado furto da madeira e o dano à imagem do assistente - pelo que, nesta parte, não pôde o Tribunal basear-se no que disseram para, à luz da normalidade, formar qualquer convicção nesse sentido, resultando não provados os respectivos factos.
Sempre se dirá, também, que a falta de individualização do terreno origem das árvores, conjugada com a falta de concretização do número de árvores e respectivos valores na própria acusação, acrescendo ainda o facto de existir alguma falta de qualificação da própria qualidade das árvores (eucaliptos, pinheiros, ambos ou um deles), impossibilitou o apuramento do concreto objecto mediato do crime, para efeitos de apuramento do valor económico do furto (vd. também o que considerou a pronúncia para este efeito).
O demais não provado, ocorreu dado o silêncio probatório quanto à demais matéria (ex. as datas de nascimento provam-se através de certidão de nascimento ou documento análogo que não existe nos autos).
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Em jeito de conclusão, e fazendo uma breve análise crítica quanto à (não) prova da autoria, para resultar em maior evidência, o que já decorre do que se expôs supra:
- sabemos que alguém, em dia não concretamente determinado (Agosto/Setembro), cortou e apropriou-se de um número não concretamente determinado de árvores (por aproximação, diremos que quase tudo pinheiro), as quais estavam implantadas num determinado terreno, também não concretamente individualizado, mas sito lugar da …, mais concretamente na zona do campo de futebol, também conhecido como G… e propriedade de E….
E quem foi?
Indeterminado ficou ainda, em nosso entender, definir o autor desse corte e apropriação.
Vejamos.
Conforme acima resulta claro, várias testemunhas viram o arguido perto do alegado lugar dos factos, lugar este onde há pinhais e eucaliptais (não necessariamente contíguos).
Contudo, trata-se de lugar onde o arguido, madeireiro de profissão, assumiu ter estado em momento aproximado ao indicado pela acusação a cortar madeira – o que, dada a sua função, não é de estranhar.
Face ao exposto, seria pois necessária, prova o colocasse concretamente no terreno de onde saíram as árvores.
A única prova produzida em audiência e convocável para esse efeito é o testemunho de J….
Mas, como se disse supra, o seu testemunho, em nosso entender, não tem a segurança necessária para sustentar a imputação.
Aí se escreveu e reproduz: “Este testemunho resultou, contudo, fragilizado, conforme melhor resulta infra, porque a testemunha, que reconheceu o arguido e que garantiu ter falado com o mesmo, ignorou por completo a rouquidão de que o mesmo (faz muito tempo) padece e que se duvida que possa passar indiferente a seja quem for.
Ainda que se admita que o arguido pode ter o seu estado agravado na data de audiência em relação à data aproximada dos factos, certo é que, face à ablação das cordas vocais, e como resulta do relatório de fls. 274 e 300/301, já teria a voz embargada na data dos factos, o que, sendo ignorado pela testemunha, nos faz ter as maiores reservas em valorar o seu depoimento – melhor se indicará infra.”
J… reconheceu o arguido, visualmente, conforme consta do auto supra.
Declarou que o identificou por, em momento compatível com o dos autos, se ter encontrado com este, quando andava a apanhar pinhas, perto do terreno em causa nos autos.
Aí, declarou também que entabulou conversa como arguido, que se encontrava em cima do seu tractor e que o mesmo lhe respondeu, indicando o caminho dos rodados do tractor para alcançar o terreno que andava a cortar para esta ir buscar as ditas pinhas, tendo a testemunha ido dar, por essa via, ao prédio em causa nos autos (que identifica porque lhe disseram, já depois do ocorrido, que se tratava do prédio do avô da E…).
Ora, muito embora a testemunha tenha procedido ao reconhecimento visual do arguido (e assim, não há dúvidas que o viu, mas daí não decorre que tenha sido na relatada circunstância que agora se julga), não lhe indicou uma característica manifesta ao interlocutor: a sua, vulgarmente designada, rouquidão, de que o arguido padece há anos e é hoje absolutamente manifesta.
Mesmo assumindo que o estado actual da rouquidão está mais agravado, sabemos que o arguido perdeu parte das cordas vocais em 18.01.2007, atestando o médico assistente que desde então tem disfonia (nem outra coisa seria de esperar após uma cordectomia parcial, pois tal implica que fique desapossado de parte dos instrumentos vocais com que qualquer ser humano saudável nasce e vive até morrer).
Como poderá tal “apresentação fónica” ser totalmente desconsiderada pela testemunha, com quem alegadamente entabulou conversa em 2013?
Este é um elemento central a confrontar com o que resulta do reconhecimento supra, face à situação concreta que a testemunha diz ter vivenciado e que atesta ser a origem do tal reconhecimento - elemento que se nos afigura à evidência e não podemos ignorar nem desvalorizar.
A dúvida instala-se e compromete o testemunho de J…, fazendo com que não possa concorrer para a formação da convicção de forma firme e, como se sabe, a convicção em matéria criminal não se compadece com outra coisa que não seja determinação, em especial nos factos contra reum.
Por tudo, não fez a acusação prova segura quanto à autoria dos factos, pois esta era, de facto, a única pessoa que, ainda que indirectamente, o sustentava.
Face a isto, ao menos pela dúvida séria, razoável e objectivável e insanável que, de forma incontornável, se instalou no espírito do Julgador, não pode deixar de dar-se por não provada a respectiva matéria.
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3. Apreciando de mérito.
Recurso Interlocutório
Do protesto versus poderes de disciplina e direcção da audiência
§1º Sustenta o Ex.mo Advogado recorrente que a sua condenação em multa é infundada já que não faltou ao respeito ao Tribunal antes, pelo contrário, foi impedido de exercer o seu mandato, devido a constantes interrupções da M.ma Juíza que presidia à audiência de julgamento, e viu ser violado o seu direito ao protesto, conferido pelo art. 80º, do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Face às copiosas referências constantes da síntese recursiva importa anotar, antes de mais, que está unicamente em causa a sessão da audiência de julgamento levada a efeito no dia 8 de Outubro de 2015 e apenas até ao momento em que foi proferida a decisão recorrida.
Assim sendo, é ainda aplicável ao caso o Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante EOA), na redacção da Lei n.º 12/2010, de 25/6, porquanto a Lei n.º 145/2015, de 9/9, de harmonia com o seu art. 5º, apenas entrou em vigor 30 dias após a publicação, ou seja no dia 9 de Outubro de 2015.
Ora, dispõe art. 75.º, do EOA, então em vigor e no que ao caso interessa, que:
“1 - No decorrer de audiência ou de qualquer outro acto ou diligência em que intervenha, o advogado deve ser admitido a requerer oralmente ou por escrito, no momento que considerar oportuno, o que julgar conveniente ao dever do patrocínio.
2 - Quando, por qualquer razão, não lhe seja concedida a palavra ou o requerimento não for exarado em acta, pode o advogado exercer o direito de protesto, indicando a matéria do requerimento e o objecto que tinha em vista.”
Neste conspecto, o direito a requerer e o respectivo impedimento, sindicáveis por via de protesto, são delimitados pelo dever de patrocínio, sendo certo que este, mesmo em sede de audiência de julgamento, não contempla matérias que excedam o âmbito do processo ou que já tenham sido objecto de apreciação pelo tribunal.
Mas, a intercorrência entre o direito de protesto e o exercício do patrocínio tem ainda que ser enformada pelos deveres de urbanidade e correcção que impendem sobre o advogado, como decorre dos arts. 90º [No exercício da profissão o advogado deve proceder com urbanidade, nomeadamente para com os colegas, magistrados (…)] e 105º, n.º 1, do EOA [O advogado deve exercer o patrocínio dentro dos limites da lei e da urbanidade, sem prejuízo do dever de defender adequadamente os interesses do seu cliente], pois que sendo o protesto um direito fundamental no exercício da advocacia e de defesa dos interesses do patrocinado, também é consensual que não pode ser exercido em clara violação de outros deveres igualmente inerentes ao mandato forense, e cotejada com os poderes de disciplina e direcção da audiência que a lei comete ao juiz, entre os quais os de dirigir e moderar a discussão, proibindo, em especial, todos os expedientes manifestamente impertinentes ou dilatórios, como decorre, além do mais, dos arts. 322º e 323º n.º 1 g), do Cód. Proc. Penal.
§2º Assentes estes pressupostos genéricos, cumpre descer ao caso concreto.
Ouvida a gravação da sessão de audiência em causa, é inegável que a acta de fls. 347 e segs., ao contrário do sufragado pelo recorrente, reproduz fielmente e de harmonia com a previsão dos arts. 99º, n.ºs 1 e 2 e 362º, do Cód. Proc. Penal, os actos que nela se desenrolaram e culminaram na controvertida condenação e cujo teor, no que ao caso importa, é o seguinte:
“Na continuação dos trabalhos, a M.ma Juiz passou às alegações complementares e para tal concedeu a palavra ao Digno Procurador do Ministério Público que produziu as suas alegações complementares.
Dada a palavra ao I. Mandatário do assistente, para produzir alegações complementares, pelo mesmo foi solicitada a acta para fazer um requerimento.
Face a tal, foi-lhe conferida a ata, ditando o seguinte:
Se se entender que o documento apresentado por escrito na passada segunda - feira, dia 5 do corrente mês (relativo è posição do assistente face aos dois relatórios apresentados pelo arguido, consequentemente em prazo) venha a ser posto em causa pela defesa ou entendido pela M.ma juiz que o mesmo não deva ser junto aos autos requer-se que todo o seu conteúdo escrito seja transcrito para a presente ata.
Dado que, as fotocópias juntas, concernentes à sentença proferida na Comarca de Coimbra Instância Local de Penacova, bem como ao douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra a que o assistente ora teve acesso, sem poder ter junto certidão judiciai, requer-se, que este Tribunal para comprovar que o arguido não é primário e que já foi alvo de uma condenação pelo crime de furto de árvores constantes daqueles arestos, e ocorrida em Dezembro de 2012, proceda à comunicação da mencionada Instância Local de Penacova e do respectivo processo, constantes mencionadas fotocópias, para o qual já baixou o mencionado acórdão da Relação de Coimbra, já transitado em julgado.
Dada a palavra ao Digno Magistrado do Ministério Público, para se pronunciar sobre o agora requerido, pelo mesmo foi dito nada ter a requerer.
Ato contínuo, foi dada a palavra à I. Mandatária do arguido, tendo a mesma dito que:
O arguido opõe-se ao requerido pelo assistente por existirem os meios próprios para documentar tais situações, nomeadamente, o certificado do registo criminal.
Permitir o requerido equivalia a permitir dissertações que nada tem a ver com os autos, ofendendo, por um lado, os direitos do arguido, e por outro, princípios como o da economia processual.
Além do mais nada acrescenta à prova produzida nos presentes autos, sendo certo que a isso que cumpre apreciar a decidir.
Em seguida, a M.ma Juiz proferiu o seguinte
DESPACHO:
Quanto à primeira parte do requerido:
Foi produzido um requerimento condicional. Não se verificando qualquer hipótese que determine a sua cogitação, nada há, a este propósito, a determinar.
Quanto à segunda parte do requerido:
O Tribunal deve prover, oficiosamente ou a requerimento, petos elementos que vão sendo importantes para a boa decisão da causa.
Neste momento, entende o Tribunal que não se justifica, por forma alguma, face aos elementos dos autos e para nenhum efeito, ordenar a remessa de certidão correspondente às cópias das decisões juntas.
De seguida, o pelo I. Mandatário do Assistente, solicitou a consulta dos autos.
Seguidamente, pediu de novo a palavra, tendo-lhe sido concedida a acta, ditando o seguinte;
Compulsados os autos, verifica-se que a fls. 47 dos mesmos e, com data de emissão de 28 de Janeiro de 2014, existe um registo criminal relativo ao arguido do qual consta nada existir no seu cadastro criminal. Ora, o mencionado acórdão da Relação de Coimbra cujas fotocópias se juntaram foi proferido a 3 de Julho de 2.015, consequentemente cerca de um ano e meio após a emissão daquele registo criminal.
Não estando em causa qualquer economia processual que ao caso não se aplica, o registo criminal de qualquer arguido não é uma interferência nem um atropelo à liberdade dos seus direitos; é sim um elemento fundamentai para o Tribunal aferir da personalidade e da integridade jurídica-criminal de quem está a ser julgado (leia-se o arguido).
Ora, no caso concreto, o tribunal está mediante os elementos constante daquele registo criminal, desfasado no tempo e fora da realidade objetiva e criminal do arguido B…, com elementos erróneos, face a tal documento.
Um ou o registo criminal devidamente atualizado tem de constar no processo em causa, a fim de que, não só a Mm3 juiz como o Ministério Público, bem como o assistente possa aferir da personalidade jurídica-criminal do arguido, isto porque o mesmo sabe perfeitamente que foi condenado por douto acórdão proferido em 3 de Junho de 2015, como já disse há muito transitado em julgado.
Se o referido registo criminal tivesse entretanto sido junto a estes autos devidamente atualizado, a fim de que a M.ma Sr.ª Dr.ª Juiz aquando da sua elaboração da sua douta sentença, pela mesma, em caso de condenação terá de fazer alusão ao facto do arguido não ser primário, porquanto, quer na data em que proferir a douta sentença, quer na data em que os factos constantes do douto despacho de pronúncia e pelos quais o arguido está a ser julgado (furto de árvores em Setembro de 2013) são já posteriores à data em que o mesmo arguido furtou as árvores (Dezembro de 2012), constante das aludidas sentença e acórdão.
Assim a M.ma Juiz tinha à sua disposição a possibilidade de saber qual o crime que constava do registo criminal atualizado e, se assim o entendesse, saber a que furto se reportava e o objeto de tal furto.
Tais factos são importantes e fundamentais para a fundamentação do direito em causa de condenação, bem como da determinação da pena concreta a aplicar, e que como todos nós que constituímos o Tribunal sabemos serem elementos fundamentais e essenciais de uma sentença a proferir.
Sabemos também que um arguido primário não é, perante a lei e qualquer tribunal, o mesmo que um arguido já cadastrado.
Daí a oposição do arguido a que seja junto um registo criminal devidamente atualizado "proferido entre linhas" ou a sua oposição clara e inequívoca a que o Tribunal não oficie á Comarca de Penacova para conhecimento da realidade jurídica-criminal do arguido, o que foi corroborado pela M.ma Sr.ª Dr.ª Juiz ao indeferir o pedido constante do anterior requerimento do assistente no que a tal facto diz respeito.
Do exposto verifica-se que a M.ma Juiz esteve mal em tal despacho e que fez "tábua rasa" do elemento fundamental e imprescindível para a boa decisão desta causa.
Assim, sem mais delongas e/ou fundamentos, requer-se que o Tribunal oficie, e o Ministério Público promova, como é sua obrigação, e não se alheie a defesa de causa pública e dos interesses sociais que lhe estão adjacentes de que aos autos seja junto o registo criminal devidamente atualizado do arguido (pois também é esta uma função de ajuda cio assistente ao Ministério Público) a fim de que, a M.ma Juiz possa:
1 - Verificar da condição jurídica-criminal do arguido aquando da elaboração da douta sentença;
2 - Verificar a sua personalidade, enquanto pessoa perante os bens do alheio;
3 - O comportamento do mesmo para com esses bens;
Por fim, ter a possibilidade de comprovar, se assim o entender, de através de certidão ou de ofício enviado â Comarca de Penacova, poder obter da mesma a confirmação, ou não, da veracidade dos documentos juntos como fotocópias, pelo assistente no passado e aludido dia 5 do corrente mês.
Seguidamente, a M.ma Juiz indagou junto do Digno Magistrado do Ministério Público e dos Srs., Advogados se pretendiam pronunciar-se tendo ambos indicado nada ter a requerer.
Em seguida, pela M.ma juiz foi proferido o seguinte
DESPACHO:
Engana-se o Sr. Advogado do Assistente, quando identifica, após compulsar os autos, o CRC de fls. 47, datado de 20/01/2014. Na verdade, presente o conteúdo dos autos, o CRC vigente é o de fls. 204, datado de 29/05/2015, o que sabemos e temos por devidamente analisado.
Se não o renovamos, volvidos que estão mais de 3 meses da sua emissão, foi porque entendemos, neste momento, finda a produção de prova, que tal consubstancia um acto inútil, face à finalidade que se visa com a sua obtenção, à luz dos demais elementos constantes dos autos.
Pelo exposto, indefere-se o requerido relativamente ao CRC,
Quanto à requerida solicitação a Penacova, o tribunal já produziu despacho e a insistência do Sr. Advogado não surte inversão do sentido do decidido, peio que nada há a determinar.
Assim, foi pedida a palavra pelo Ilustre Mandatário do Assistente que no uso da mesma ditou o seguinte:
É verdade que além do certificado do registo criminal de fls. 47, outro existe a fls. de 204, conforme é referido pelo douto despacho da Sr.ª Dr.ª M.ma Juiz, com data de emissão de 29 de Maio de 2015, daí e pelo involuntário lapso, se penitencia o assistente (...)
Neste momento, a M.ma Juiz advertiu o Ilustre Mandatário do Assistente, solicitando ao mesmo que abreviasse o seu requerimento, indicando a providência legal pretendida, de forma a não se prolongar quanto ao requerido, uma vez que, neste momento, é impertinente, na medida a sessão se alarga indevidamente, protelando o momento da prolação da decisão.
Seguidamente, dada novamente a palavra ao I. Mandatário do Assistente, o mesmo continuou o seu requerimento, dizendo o seguinte:
" (...) do referido certificado de registo criminal a fls. 204, consta o seguinte: (abrir aspas) (...)".
Neste momento, e verificando que o que solicitou estava a ser Ignorado, a M.ma pretendeu advertir novamente o Sr. Advogado para resumir o seu requerimento, indicando a providência legal pretendida.
Contudo, o Sr. Advogado interrompeu a M.ma Juiz enquanto falava, invocando, entre o mais, conforme consta da gravação e se dá por reproduzido, que "ou a Sra. Dra. me deixa trabalhar, ou me tira a palavra, como é que quer fazer?" e dizendo que o número de vezes que havia sido advertido não lhe interessava.
Interrompendo-a e ignorando as suas constantes exortações, ainda se lhe dirigiu conforme consta gravado, gravação para a qual se remete para todos os efeitos legais e onde constam as concretas expressões proferidas, assinalando-se desde já as que se reputaram mais graves: "A Sr.ª Dr.ª já atrasou um processo e foi alertada para isso e teve que retomar a mão (...) Quer que lhe nomeie o processo? (...) Atrasou uma decisão (...) Quer que eu o ponha na acta?"
E continuou, dirigindo-se à mesma, desrespeitando as instruções que a Sra. juíza lhe dava dizendo: "(…) não me abra os olhos, já lhe disse que a Sra. Dra. não me abre os olhos".
Face ao comportamento do Sr. Advogado, a M.ma Juíza advertiu o mesmo para que não voltasse a dirigir-se-lhe de tal forma, sob pena de entender que o Sr. Advogado estava a faltar ao respeito ao Tribunal e retirou-lhe a palavra.
Contudo, o Sr. Advogado reiterou o seu comportamento, conforme consta gravado, gravação para a qual se remete para todos os efeitos legais, interrompendo reiteradamente, ignorando as directivas que lhe estavam a ser dadas por esta Sra. Juíza na direcção dos trabalhos, exprimindo-se de forma que reputou imprópria e incorrecta, dirigindo-se à mesma dizendo, entre o mais, dizendo: não me abre os olhos, já lhe disse que não me abre os olhos (...) olhe para mim, tenho 62 anos, não lhe permito que me abra os olhos (...)", em desrespeito completo pelas instruções que lhe estavam a ser direccionadas por esta Sra. Juíza, designadamente a ordem de não prosseguir com tal comportamento e de se silenciar, sob pena de se considerar estar a desrespeitar o Tribunal.
Nessa sequência, a M.ma Juiz determinou que fosse tal comportamento sancionado com a condenação do Sr. Advogado em multa de 2 U.C., por falta de respeito ao Tribunal.
Toda a disciplina ora relatada se estriba no disposto no art. 150º, n.º l do CPC, conforme indicado pela M.ma Juíza em sede de audiência.
Os factos especificados que supra se fizeram constar em acta, foi em estrito cumprimento do disposto no artigo 150º, n.º 3 do CPC, remetendo-se, todavia, para a gravação, dando-se o teor da mesma por reproduzido, para todos os efeitos legais, designadamente, último ficheiro áudio, aos minutos 01:00:40 e seguintes.
Ainda assim, o Sr. Advogado manteve o seu comportamento.
Dentro do mesmo registo comportamental, como aliás consta gravado e se dá por reproduzido, pediu a palavra para fazer protesto".
A M.ma Juíza indagou qual era a providência que pretendia requerer, ao que o Sr. Advogado respondeu querer fazer "um protesto pela maneira como está a ser tratado".
Uma vez que esse desiderato não é o que se visa com o protesto, não se lhe concedeu a palavra.
(…)”.
Tendo presente o exposto, facilmente se intui que a sanção em causa não se conflitua com qualquer direito de protesto já que tal matéria aparece em momento ulterior e também não pode considerar-se violadora do direito de requerer, pelo menos nos moldes legalmente consagrados, uma vez que as advertências do tribunal surgem na sequência de repetidos requerimentos sobre a mesma questão e, inclusive, com reparos e comentários sobre a bondade do decidido anteriormente [“verifica-se que a M.ma Juiz esteve mal em tal despacho e que fez tábua rasa do elemento fundamental e imprescindível para a boa decisão desta causa”], tendo o aqui recorrente não só ignorado as advertências mas confrontado e interrompido, de forma abrupta e desadequada, a magistrada judicial que presidia ao julgamento e divergido para matéria que, claramente, extravasava o âmbito da causa, aludindo a atrasos num processo ou numa decisão da responsabilidade da mesma, insistindo no tema depois de advertido para se calar e culminando a insurgir-se, em tom de voz elevado e desabrido, quanto ao facto da juiz lhe estar a “abrir os olhos”, daí resultando a retirada da palavra e subsequente condenação em multa.
Inexiste, pois, qualquer violação do art. 75º (hoje art. 80º), do EOA, pois que as condutas que determinaram as advertências, retirada da palavra e subsequente condenação em multa, tinham unicamente em vista insistir em providência já anteriormente indeferida, constituindo acto impertinente e meramente dilatório, e afrontar pessoalmente a magistrada que presidia à audiência de julgamento, não se mostrando, assim, protegidas pelo dever de patrocínio e defesa dos direitos do cliente que a qualidade profissional conferia ao recorrente.
Da possibilidade de condenação de advogado em multa
Assente a existência de actos violadores do dever de respeito, urbanidade e correcção para com a magistrada judicial que presidia ao julgamento por parte do ora recorrente, resta agora apreciar se a condenação em multa se mostra fundada.
Como evidencia o anteriormente transcrito, o fundamento legal invocado foi o art. 150º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, que inserindo-se na secção alusiva aos actos dos magistrados e sob a epígrafe “Manutenção da ordem nos actos processuais”, dispõe o seguinte: “A manutenção da ordem nos actos processuais compete ao magistrado que a eles presida, o qual toma as providências necessárias contra quem perturbar a sua realização, podendo, nomeadamente, e consoante a gravidade da infracção, advertir com urbanidade o infractor, retirar-lhe a palavra quando se afaste do respeito devido ao tribunal ou às instituições vigentes, condená-lo em multa ou fazê-lo sair do local, sem prejuízo do procedimento criminal ou disciplinar que no caso couber”.
Todavia, sendo consabido que o diploma aludido apenas se aplica aos processos criminais relativamente aos casos omissos e, ainda assim, apenas quando se harmonize com os princípios que aí regem, por força da previsão do art. 4º, do Cód. Proc. Penal, cumpre agora verificar se tal é o caso.
Vimos já, que o Código de Processo Penal contempla expressamente a disciplina da audiência e direcção dos trabalhos, cometendo-os ao presidente e explicitando os poderes que os integram, tudo como melhor se apreende dos seus arts. 322º e 323º.
Todavia, a regulamentação da audiência não se resume a tais princípios sendo ainda complementada pela especificação dos deveres de conduta das pessoas que a ela assistem (art. 324º) e do arguido (art. 325º), bem como da conduta dos advogados e defensores (art. 326º), consagrando-se, nesta hipótese que:
“Se os advogados ou defensores, nas suas alegações ou requerimentos:
a) Se afastarem do respeito devido ao tribunal;
b) Procurarem, manifesta e abusivamente, protelar ou embaraçar o decurso normal dos trabalhos;
c) Usarem de expressões injuriosas ou difamatórias ou desnecessariamente violentas ou agressivas; ou
d) Fizerem, ou incitarem a que sejam feitos, comentários ou explanações sobre assuntos alheios ao processo e que de modo algum sirvam para esclarecê-lo;
são advertidos com urbanidade pelo presidente do tribunal; e se, depois de advertidos, continuarem, pode aquele retirar-lhes a palavra, sendo aplicável neste caso o disposto na lei do processo civil.
Cremos, pois, linear que o apelo ao Código de Processo Civil nesta sede, há-de limitar-se às consequências que decorrem da retirada de palavra, pois que, até aí, regula o preceito legal acabado de citar, não havendo lacuna que possibilite o apelo ao referenciado n.º 1, do art. 150º.
As diferenças de regime são, assim, substanciais o que bem se compreende pelos direitos e interesses em presença numa e noutra jurisdição.
Deste modo, tendo, in casu, ocorrido advertência e retirada de palavra ao Ex.mo Mandatário do assistente, Dr. D…, em circunstâncias capazes de integrar as hipóteses previstas nas alíneas b) e d), do citado art. 326º, a única consequência é a que resulta da previsão do n.º 4, do aludido art. 150º, do Cód. Proc. Civil, que estatui que: “Sempre que seja retirada a palavra a advogado, a advogado estagiário ou ao magistrado do Ministério Público, é, consoante os casos, dado conhecimento circunstanciado do facto à Ordem dos Advogados, para efeitos disciplinares, ou ao respectivo superior hierárquico”.
Resumindo e concluindo:
Considerando a específica disciplina dos actos e conduta dos advogados e defensores, em sede de audiência de processo criminal, resultantes, além do mais, dos arts. 85º, 322º, 323º e 326º, do Cód. Proc. Penal, que não contempla a aplicação de multa aos advogados ou defensores que nele intervenham, e não se verificando lacuna susceptível de suportar a aplicação aos mesmos das sanções previstas no n.º 1, do art. 150º, do Cód. Proc. Penal, não pode subsistir a condenação aplicada ao recorrente, embora por questões perfeitamente distintas das invocadas.
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III – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação:
1 – CONCEDER provimento ao recurso interlocutório e, embora por razões diversas das invocadas, revogar a condenação em multa aplicada ao Advogado do assistente, Dr. D…;
2 - NEGAR provimento ao recurso do assistente C… e manter nos precisos termos a decisão recorrida.
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Recurso Interlocutório – Sem tributação
Recurso da sentença - Custas pelo assistente C…, com 5 (cinco) UC de taxa de justiça – art. 515º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Penal, e Tabela III, anexa ao Reg. Custas Processuais.
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[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP]

Porto, 1 de Junho de 2016
Maria Deolinda Dionísio
Jorge Langweg