Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
481/11.7TTGMR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS OCASIONAIS DE CURTA DURAÇÃO
Nº do Documento: RP20140709481/11.7TTGMR.P1
Data do Acordão: 07/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O trabalho de poda de videiras, ainda que executado apenas em 3 ou 4 sábados por ano, que já vinha sendo feito há vários anos, não integra a causa de exclusão prevista no artigo 16º nº 1 da Lei 98/2009 de 04/09.
II - Provando-se que o sinistrado auferia 30 euros por cada um dos 3 ou 4 sábados em que trabalhava anualmente e que trabalhava como motorista duma empresa, de segunda a sexta-feira, a tempo inteiro, auferindo o vencimento mensal de 600 euros, está suficientemente demonstrado, assim, que não estava na dependência económica das pessoas para as quais prestou serviços de poda.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 481/11.7TTGMR.P1
Apelação

Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 370)
Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto
Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
Na presente acção especial emergente de acidente de trabalho, frustrada a tentativa de conciliação, e fixada pensão provisória a cargo do FAT, veio o sinistrado B…, nos autos melhor identificado, dar início à fase contenciosa, com o patrocínio do Ministério Público, apresentando petição inicial em que termina peticionando a condenação de C… e D…, ambos também nos autos melhor identificados, a pagarem-lhe:
- a pensão anual e vitalícia de € 9.147,20 com início em 27/2/2012;
- a quantia mensal de € 461,14 por 14 meses/ano, com início a 27/2/2012, relativa a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa;
- o subsídio de elevada incapacidade no valor de € 5.333,68;
- o subsídio para readaptação de habitação no valor de € 5.333,68;
- a indemnização no valor de € 8.114,96;
- a quantia de € 678,80 relativa a despesas médicas;
- a quantia de € 110 relativa a despesas de transporte;
- e os juros de mora, à taxa legal.
Em síntese, o autor alegou que desde 1983 prestava trabalhos agrícolas de poda e vindima para os RR, entre 15 a 30 dias por ano, em épocas regulares, determinadas e certas, pelo menos 10 horas por dia, contra retribuição diária de €30,00 acrescida da subsídio de alimentação, sendo que os RR. destinavam parte da produção de vinho ao comércio. Em 26.2.2011, quando o A. trabalhava como podador sob as ordens, direcção e fiscalização dos RR. num prédio rústico destes, sofreu uma queda, em resultado da qual esteve com ITA e, após a alta, ficou afectado de uma IPP considerada absoluta para toda e qualquer profissão, necessitando de assistência permanente de terceira pessoa, de readaptação do domicílio, para além de ter suportado despesas médicas e de transporte quer por causa dos tratamentos quer por causa deste processo e não tendo os réus pago nada nem transferido a responsabilidade de tal reparação para qualquer seguradora.

O Instituto da Segurança Social, I.P./Centro Distrital de Segurança Social de Braga deduziu, contra os mesmos réus, pedido de reembolso da quantia total de € 6.764,93 que havia sido paga ao autor a título de concessão provisória de subsídio de doença e de prestações compensatórias de subsídio de Natal.

Os réus contestaram, em suma, alegando que a actividade prestada pelo Autor o era de forma desinteressada, sem remuneração, sem dependência económica do Autor aos réus e sem qualquer tipo de determinação ou ordem dada por estes, sendo que a actividade de poda não excedia 3 dias por ano, não tinha data certa ou regular, antes correspondendo a auxílio ocasional de curta duração para o fim de exploração para consumo próprio, e no quadro das relações de amizade e apoio entre amigos e vizinhos. Não existiu pois acidente de trabalho, pelo que a acção deverá improceder.
Com os mesmos pressupostos, contestaram ainda o pedido deduzido pela Segurança Social.

Foi elaborado despacho saneador e fixadas as matérias de facto assente e controvertida, sem reclamações. Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, sendo proferido o despacho de resposta à matéria controvertida e respectiva fundamentação da convicção do tribunal, e seguidamente foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta:
Pelo exposto, julgo a presente acção provada e procedente nos termos sobreditos e, em consequência:
I - Condeno os réus, C… e D…, a pagarem ao autor, B…:
- a pensão anual e vitalícia de € 7.899,20 com início no dia 27/2/2012 (sem prejuízo das quantias já recebidas pelo autor a título de pensão provisória, paga pelo FAT e cujo valor respectivo será restituído ao FAT, a cargo dos réus, com a inerente desoneração do seu pagamento respectivo ao autor);
- a prestação suplementar de € 461,14 por 14 meses/ano, com início no dia 27/2/2012, para assistência permanente de terceira pessoa (sem prejuízo da actualização anual correspondente à percentagem em que o seja o indexante de apoios sociais);
- o subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, no valor único de € 5.533,68;
- o subsídio para readaptação da habitação no valor que venha a ser liquidado (sem prejuízo do limite máximo único de € 5.533,68);
- a indemnização no valor de € 7.007,80 pela incapacidade temporária;
- a quantia de € 678,80 relativa a despesas médicas;
- a quantia de € 110 relativa a despesas de transporte (durante as fases conciliatória e contenciosa deste processo);
- e os juros de mora, à taxa legal, desde a data do respectivo vencimento de cada uma daquelas quantias pecuniárias até integral e respectivo pagamento.
II - Condeno os réus, C… e D…, a pagarem ao Instituto da Segurança Social, I.P./Centro Distrital de Segurança Social de Braga a quantia total de € 6.764,93 paga ao autor, a título de subsídio de doença e prestação compensatória de subsídio de Natal, com a inerente desoneração do pagamento de tal quantia, por parte dos réus, ao autor.
Custas a cargo dos réus, sem prejuízo do apoio judiciário.
Valor da acção: € 102.554,06.
Registe e notifique.
Tenha-se em conta a pensão provisória fixada a cargo do FAT e os montantes já pagos ao sinistrado nos termos constantes de fls. 110 e 203-204 e outros que porventura tenham sido pagos posteriormente, cujo montante total será restituído ao FAT a cargo dos réus, com a inerente desoneração do pagamento desse montante respectivo pelos réus ao autor a título de pensão anual e vitalícia supra aludida”.

Inconformados, interpuseram os RR. o presente recurso, apresentando a final as seguintes conclusões:
1ª – O Tribunal a quo fez uma errada apreciação da matéria de facto, não valorando correctamente o conjunto da prova carreada para os autos, em especial a que resultou do depoimento de parte do A./recorrido e demais depoimentos testemunhais;
2ª – Por isso se impugna a decisão sobre a matéria de facto, que deverá ser objecto de reapreciação por este Tribunal superior;
3ª – A resposta dada aos quesitos 2º e 11º da matéria de facto controvertida deveria ser alterada no sentido de que:
- O quesito 2º: fosse considerado não provado;
- O quesito 11º: fosse considerado provado que os réus por sua iniciativa entregavam ao autor € 30 por cada dia completo de sábado, acrescido do fornecimento de alimentação a meio da manhã, ao almoço e ao lanche de valor não concretamente apurado, sem qualquer exigência por parte deste (com a alteração em conformidade da resposta conjunta dada aos quesitos 3º, 10º e 11º).
4ª – A resposta dada ao quesito 10º da matéria de facto controvertida deveria ser alterada no sentido de que:
- O quesito 10º: fosse considerado provado que o Autor participava nos serviços de poda apenas cerca de três ou quatro sábados por ano, sem data certa e conforme a sua disponibilidade, sem qualquer imposição por parte dos réus (com a alteração em conformidade da resposta conjunta aos quesitos 3º, 10º e 11º).
5ª – A resposta dada aos quesitos 12º e 13º da matéria de facto controvertida deveria ser alterada no sentido de que:
- O quesito 12º: fosse considerado provado que, aquando do descrito em A) e B) e desde cerca das 8 horas desse dia, o autor prestava em proveito dos réus e a pedido dos mesmos serviços de poda, usando uma escada destes e uma tesoura sua, sem horário pré-estabelecido, sem ordens, direcção, fiscalização e sem dependência económica (com alterações em conformidade da resposta conjunta dada aos quesitos 1º, 5º e 12º).
- O quesito 13º: fosse considerado provado que os réus destinavam a produção da vinha do terreno aludido em B) para consumo próprio e de familiares (com alterações em conformidade da resposta conjunta dada aos quesitos 4º e 13º).
6ª – Tendo havido, como se sustenta, erro na apreciação da prova, impõe-se a sua reapreciação, atento o disposto nos art.ºs 685º-B e 712º do CPC (art.ºs 640º e 662º do NCPC);
7ª – No caso sub judice não estão presentes os elementos característicos de uma relação de trabalho subordinado, atenta a matéria factual provada;
8ª - Daí assumir especial relevância a análise da verificação ou não, in casu, da dependência económica nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 4º, n.º 1, c) e 10º da Lei n.º 7/2009, de 12/02 (Cód. Trabalho) e do art.º 3º, n.º 1 e 2 da Lei n.º 98/2009, de 04/09, por um lado, e da causa de exclusão prevista no art. 16º, n.º 1, deste último diploma legal, por outro;
9ª - Atentos os factos provados, e pelas regras da experiência comum, deve concluir-se que o A./recorrido tinha uma profissão e rendimentos que lhe permitiam ser economicamente autónomo relativamente aos recorrentes dos quais, consequentemente, não dependia;
10ª – Os RR./recorrentes lograram, por tais motivos, ilidir a presunção legal que, nesta matéria, favorecia o R./recorrido, atento o disposto no art. 350º, n.º 2, do Cód. Civil, pelo que a situação dos autos não pode ser qualificada como acidente de trabalho, não havendo lugar a qualquer reparação;
11ª – Por outro lado, no caso em apreço, deveria ter-se decidido pelo preenchimento dos pressupostos da causa de exclusão de reparação que resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 4º e 16º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04/09, ainda pelo confronto da matéria factual assente;
12ª – Concretamente, os serviços em causa devem considerar-se como ocasionais e de curta duração, e prestados no âmbito de actividade que não tinha por objecto exploração lucrativa, neste caso pela ausência de prova que ao A./recorrido competia, de acordo com as respectivas regras do ónus da prova;
13ª – Assim, e também por esta via, deveria o Tribunal a quo determinar que inexistia acidente de trabalho e pela correspondente inexigibilidade de reparação;
14ª – A Sentença recorrida, bem como a motivação e fundamentação da fixação da matéria factual que foram simultâneas, não realizam qualquer menção ou simples referência ou comentário ao depoimento de parte realizado pelo A./recorrido.
15ª – Tal depoimento de parte, como meio de prova ao dispor do Tribunal a quo, afigura-se determinante relativamente a diversa factualidade controvertida, mas em especial quanto à questão da verificação ou não da dependência económica do A./recorrido em relação aos RR./recorrentes;
16ª – Impunha-se, por consequência, e ainda que de forma sucinta ou breve, uma análise crítica de tal meio de prova, atento o disposto nos art.ºs 653º, n.º 2 e 659º, n.º 4 do CPC (art. 607º do NCPC);
17ª – Não o fazendo incorreu a Sentença recorrida na nulidade prevista no art. 668º, n.º 1, b), do CPC (art. 615º, n.º 1, b), do NCPC);
18ª – Ou, se assim se não entender, sempre deverá ser determinada a devida fundamentação daquela Decisão, ao abrigo do disposto no art. 712º, n.º 5 do CPC (art. 662º, n.º 2, d), do NCPC);
19ª – São inconstitucionais as disposições legais citadas na Sentença recorrida, na interpretação conjugada que deles retira o Tribunal a quo, no sentido de fixar os montantes da reparação sem distinguir a natureza, periodicidade e duração dos serviços em causa, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, com referência aos art.ºs 13º, n.º 1 e art. 20º, n.ºs 1 e 4 da Constituição e, por consequência, e atento o interesse e ordem pública inerente ao presente processo, sejam as fixadas reparações revogadas e alteradas em conformidade.

Contra-alegou o MP pugnando pela manutenção da sentença, e alinhando em síntese que deve improceder a alteração da matéria de facto, e em conformidade nada há a alterar à decisão de direito, devendo ser rejeitado o conhecimento da nulidade de sentença e não havendo qualquer aplicação de normas inconstitucionais.
A Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação entendeu não dever emitir parecer.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:
a) - nulidade de sentença;
b) - da remessa ao tribunal recorrido para fundamentar a sua convicção, no que toca ao depoimento de parte do sinistrado autor.
c) - reapreciação da decisão sobre a matéria de facto;
d) - da inexistência de contrato de trabalho, de dependência económica do A. aos RR. e da causa de exclusão prevista nas disposições conjugadas dos art.ºs 4º e 16º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04/09, e em consequência da não responsabilização dos RR;
e) - da inconstitucionalidade das disposições legais citadas na Sentença recorrida, na interpretação conjugada que deles retira o Tribunal a quo, no sentido de fixar os montantes da reparação sem distinguir a natureza, periodicidade e duração dos serviços em causa, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade.

III. Matéria de facto
A matéria de facto dada como provada na 1ª instância é a seguinte:
1 - No dia 26/2/2011 (sábado), cerca das 14h. e 30m., o autor (B…) encontrava-se a podar videiras em cima de uma escada que se encontrava apoiada a um choupo quando um dos galhos do dito choupo se partiu, provocando a queda do autor ao solo, desde uma altura de cerca de 4 metros.
2 - Tal sucedeu num terreno rústico dos réus (C… e D…).
3 - Pelas 15h. e 46m. daquele dia, o autor deu entrada no Serviço de Urgência do Hospital Srª da Oliveira, em Guimarães, tendo sido transferido para o Hospital de S.João, no Porto, às 17h. e 15m. do mesmo dia, apresentando traumatismo toraco-abdominal e outras lesões constantes de fls. 15 a 59 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido
4 - O autor esteve afectado de incapacidade temporária absoluta desde 26/2/2011 até 26/2/2012, data da alta ou cura clínica e a partir da qual ficou com incapacidade permanente de 80% sendo considerada absoluta para todo e qualquer trabalho.
5 - O autor foi sujeito a exame médico, no Gabinete Médico-Legal de Guimarães, segundo o qual apresentava como sequelas paraplegia AIS A, nível neurológico D7, com força muscular nos membros superiores preservada bilateralmente e força muscular nos membros inferiores abolida bilateralmente, sensibilidade de grau 2 até D7, grau 1em D8, abolida inferiormente e sem sensibilidade ou contracção anal, necessitando de ajuda de terceira pessoa, de obras de adaptação na sua habitação, de ajudas técnicas, ajudas medicamentosas, consultas médicas e tratamentos complementares nos termos constantes de fls.
104 a 108, 94 e 96 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
6 - A fase conciliatória deste processo findou sem a conciliação das partes e pelas razões constantes do auto de fls. 114 a 116 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
7 - O autor nasceu no dia 11/8/1949.
8 - O autor é beneficiário nº 10291336442 do Centro Distrital de Braga do Instituto da Segurança Social, I.P.
9 - Aquando do descrito em A e B (actuais itens 1 e 2) e desde cerca das 8 horas desse dia, o autor prestava, em proveito dos réus e a pedido dos mesmos, serviços de poda das videiras daquele terreno dos réus, usando uma escada destes e uma tesoura sua.
10 - Mediante o pagamento pelos réus de € 30 por cada dia completo de sábado, acrescido do fornecimento de alimentação a meio da manhã, ao almoço e ao lanche de valor não concretamente apurado.
11 - Desde há mais de 15 anos que o autor prestava serviços agrícolas de poda e vindima para os réus, seus amigos, todos os anos, a pedido deles e conforme a disponibilidade do autor e do seu cunhado F…, nas respectivas épocas de poda e vindima, durante pelo menos 8 horas por dia, cerca de 7 sábados por ano durante os anos que os réus fabricavam um terreno rústico maior e cerca de 5 sábados por ano desde que, há cerca de 7 anos, adquiriram este menor terreno rústico, mediante o fornecimento de alimentação e o pagamento, pelos réus àqueles, de uma quantia pecuniária por cada um desses dias (salvo no dia vindima em que recebiam vinho) e cujo montante estipulado pelos réus foi sendo actualizado.
12 - Aquando do descrito em A e B (actuais itens 1 e 2), para além do autor e daquele seu familiar, também estava nessa poda um vizinho dos réus, um familiar destes e um amigo desse.
13 - À semelhança do que sucedera no ano anterior dada a doença do réu o impossibilitar de participar, estes dois últimos vieram ajudar e tendo aquele vizinho vindo desde há 3 anos ajudar pela mesma razão e, em contrapartida, recebendo dos réus o fornecimento de alimentação, incluindo o jantar, e aquele vizinho também recebendo água e ervas dos mesmos.
14 - Desde há cerca de 3 anos que o réu padecia de doença de Alzheimer que o incapacitava de participar na poda desse mesmo terreno.
15 - Os réus destinavam a produção da vinha do terreno aludido em B (actual item 2) designadamente para consumo próprio e de familiares.
16 - O autor exercia, mediante retribuição mensal de € 600, a actividade profissional de motorista a tempo inteiro, de 2ª a 6ª feira, por conta da sociedade “E…, Ldª”, sita na …, nº …, em Fafe.
17 - As incapacidade, sequelas e lesões aludidas em C, D e E (actuais itens 3, 4 e 5) resultaram do descrito em A (actual item 1).
18 - Em consequência disso, também adveio a necessidade de readaptação da habitação do autor e da assistência permanente de terceira pessoa ao mesmo.
19 - No tratamento das lesões aludidas em E (actual item 5) o autor despendeu € 678,80.
20 - Em transporte nas deslocações, quer para tratamentos dessas lesões quer por causa deste processo, o autor despendeu a quantia total de € 110.
21 - Em consequência das lesões aludidas em C), o autor esteve sem trabalhar, tendo recebido da Segurança Social no período entre 2/3/2011 e 5/6/2012 subsídio de doença no montante de € 6.512,93 e subsídio de Natal correspondente no valor de € 252.

Apreciando:
a) Os recorrentes não invocaram expressamente a nulidade de sentença que argúem no requerimento de interposição do recurso, não dando pois cumprimento ao disposto no artigo 77º do CPT. Por tal razão, rejeita-se o conhecimento da invocada nulidade, por extemporâneo. De todo o modo sempre se dirá que não lhes assiste razão, pois a falta de fundamentação só inquina a sentença com a nulidade quando é absoluta, e não apenas quando é deficiente.

b) Os recorrentes pedem que, na improcedência da nulidade por falta de fundamentação, consistente na falta de análise crítica do depoimento de parte, relevante para estabelecer a inexistência de dependência económica, seja então ordenado ao tribunal recorrido que realize tal fundamentação. Com o devido respeito, entendemos que apesar de não mencionar expressamente o depoimento de parte, o tribunal recorrido consignou na sua motivação ter atendido à conjugação de todos os depoimentos (não discriminando entre os testemunhais e o de parte) e seguidamente referiu mais pormenorizadamente os depoimentos que lhe pareciam mais fundamentais, sendo estes os das testemunhas: “(…) da apreciação conjugada e crítica, à luz das regras de experiência comum, de todos os depoimentos prestados, durante a audiência de discussão sendo de salientar os que revelaram conhecimento dos factos respectivos de uma forma segura, coerente, espontânea e merecedora de credibilidade: (…)”. Não muito pormenorizada que seja, há um mínimo de fundamentação que abrange o depoimento de parte. Como este tribunal de recurso vai reapreciar todos os depoimentos prestados em audiência, entendemos que não tem qualquer utilidade mandar fundamentar a decisão sobre a matéria de facto no que toca ao específico ponto do depoimento de parte.

c) Os recorrentes, tendo dado cumprimento aos ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não se conformam com as respostas dadas aos números 2º, 10º, 11º, 12º e 13º da matéria de facto controvertida. Para melhor compreensão, consignamos o teor dos quesitos, assim designados por facilidade de exposição, e das respostas dadas aos mesmos:
“1º Aquando do descrito em A) e B) e desde cerca das 8 horas, o autor trabalhava como podador sob as ordens, direcção e fiscalização dos Réus?
2º Mediante a retribuição de €30 diários (vezes 365 dias) e que deveria ser acrescida de €44 (vezes 11 meses) a título de subsídio de alimentação?
3º Desde pelo menos o ano de 1983 que o autor prestava trabalhos agrícolas de poda e de vindima para os réus, entre 15 a 30 dias todos os anos, em épocas certas e determinadas, aos sábados, domingos e feriados e durante pelo menos 10 horas por dia, naquele mesmo terreno dos réus?
4º Os réus destinavam uma parte da produção dessa vinha ao seu próprio consumo e da sua família, introduzindo o restante no circuito comercial e recebendo a respectiva contraprestação monetária?
5º (ou) Aquando do descrito em A) e B), o autor estava a ajudar na poda das videiras daquele terreno dos réus que confronta com a residência dos mesmos?
10º Esse auxílio acontecia apenas 3 sábados por ano, sem data certa e conforme a disponibilidade do autor, sem qualquer imposição por parte dos Réus?
11º Os réus, por sua própria iniciativa e porque tal ajuda do autor implicava deslocações desde Fafe (Rua …, …, …) até Guimarães (Rua …, …) entregavam a este €30 por forma a compensá-lo de tais despesas, sem qualquer exigência do autor que, em várias ocasiões, lhes transmitia nada querer receber e que estava ali não pelo dinheiro mas apenas para ajudar?
12º O Autor fazia-o com os seus próprios instrumentos, sem qualquer horário pré-estabelecido e sem qualquer ordem, instrução e fiscalização por parte dos réus e sem qualquer dependência económica relativamente aos mesmos?
13º Sendo a produção dessa vinha dos réus, destinada, exclusivamente, ao consumo destes e seu agregado familiar?”

As respostas foram dadas conjugadamente, do seguinte modo:
“1º, 5º e 12º - Provado que, aquando do descrito em A) e B) e desde cerca das 8 horas desse dia, o autor prestava, em proveito dos Réus e a pedido dos mesmos, serviços de poda das videiras daquele terreno dos réus, usando uma escada destes e uma tesoura sua.
2º Provado que mediante o pagamento de €30 por cada dia completo de sábado, acrescido do fornecimento de alimentação a meio da manhã, ao almoço e ao lanche de valor não concretamente apurado.
3º, 10º e 11º - Provado que desde há mais de 15 anos que o autor prestava serviços agrícolas de poda e vindima para os Réus, seus amigos, todos os anos, a pedido deles e conforme a disponibilidade do autor e do seu cunhado F…, nas respectivas épocas de poda e vindima, durante pelo menos 8 horas por dia, cerca de 7 sábados por ano durante os anos que os réus fabricavam um terreno rústico maior e cerca de 5 sábados por ano desde que, há cerca de 7 anos, adquiriram este menor terreno rústico, mediante o fornecimento de alimentação e o pagamento, pelos réus aqueles, de uma quantia pecuniária por cada um desses dias (salvo no dia vindima em que recebiam vinho) e cujo montante estipulado pelos réus foi sendo actualizado.
4º e 13º - Provado que os réus destinavam a produção da vinha do terreno aludido em B) designadamente para consumo próprio e de familiares”.

Os recorrentes pretendem:
- que o quesito 2º seja dado como não provado;
- que a resposta ao quesito 11º seja: “provado que os réus por sua iniciativa entregavam ao autor €30 por cada dia completo de sábado, acrescido do fornecimento de alimentação a meio da manhã, ao almoço e ao lanche de valor não concretamente apurado, sem qualquer exigência por parte deste (com a alteração em conformidade da resposta conjunta dada aos quesitos 3º, 10º e 11º);
- que a resposta ao quesito 10º seja: “Provado que o autor participava nos serviços de poda apenas cerca de três a quatro sábados por ano, sem data certa e conforme a sua disponibilidade, sem qualquer imposição por parte dos réus (com a alteração em conformidade da resposta conjunta dada aos quesitos 3º, 10º e 11º);
- que a resposta ao quesito 12º seja: “Provado que, aquando do descrito em A) e B) e desde cerca das 8 horas desse dia, o autor prestava em proveito dos réus e a pedido dos mesmos serviços de poda, usando uma escada destes e uma tesoura sua, sem horário pré-estabelecido, sem ordens, direcção e fiscalização e sem dependência económica (com a alteração, em conformidade, da resposta conjunta dada aos quesitos 1º, 5º e 12º);
- que a resposta ao quesito 13º seja “Provado que os réus destinavam a produção da vinha do terreno aludido em B) para consumo próprio e de familiares (com alteração, em conformidade, da resposta conjunta dada aos quesitos 4º e 13º).

Recordemos que, quer na pendência da anterior versão do CPC por força do artigo 646º nº 4, quer ainda na actualmente vigente desde a Lei 41/2013 de 26.9, por força do artigo 607º nº 3 e 4, não é possível ao tribunal dar como provado conceitos de direito nem conclusões jurídicas nem sequer conclusões de facto, salvo, quanto a estas últimas, se não colidirem com posições divergentes das partes e se o seu conteúdo for tal que tenha um significado inequívoco para um destinatário normal.
Ora, as alterações pretendidas têm em parte por objecto a vontade de consignar nos factos provados o que são conclusões de direito. Vejamos mais em pormenor:

Quanto à pretensão de alteração do quesito 2º conjugada com a pretensão de alteração ao quesito 11º, ela é afinal apenas a de dar como provado que os réus entregavam, por sua iniciativa, e sem o autor o exigir, os 30 euros (montante que não está em causa), contra o facto afirmando na resposta do tribunal de que tal entrega era um pagamento. Repare-se que o tribunal recorrido respondeu suprimindo a afirmação de que esse pagamento era uma retribuição. E bem. Repare-se ainda que o montante pago foi sendo actualizado e que o montante assim pago foi estipulado pelos réus. Isto não está em causa, e portanto também não está em causa que, relativamente ao montante, o autor não o exigisse concretamente, o que é coisa diferente de saber se exigia um qualquer montante. Em rigor, os recorrentes não pretendem que se dê como provado que o montante entregue o era para compensação das despesas de deslocação do autor, seu amigo, de Fafe a Guimarães. Por isso, ficamos apenas entre saber se era uma entrega sem exigência ou um pagamento, ou, dito de modo vulgar, se os réus davam ou pagavam. Quer numa ou noutra modalidade há entrega, mas é facto que pagamento tem o sentido de contrapartida de algo feito ou transmitido, que não apontando para a existência de contrato de trabalho aponta à existência de um contrato de prestação de serviços. Entendemos assim que é possível reapreciar a matéria de facto para verificar se a entrega dum montante pecuniário era só isso mesmo ou se era um pagamento.

Quanto à pretensão de alteração da resposta ao quesito 10º para: “Provado que o autor participava nos serviços de poda apenas cerca de três a quatro sábados por ano, sem data certa e conforme a sua disponibilidade, sem qualquer imposição por parte dos réus” a alteração pretendida é apenas a que se dê como provado que os serviços de poda eram feitos cerca de três a quatro sábados em vez de cerca de cinco sábados, pois em rigor não está posto em causa o historial relacionado com o terreno maior que os réus exploravam anteriormente a explorarem aquele em que se deu o acidente, e posto que o tribunal recorrido deu como provado que os sábados trabalhados, dentro da época de poda e vindima, o eram segundo a disponibilidade do autor e do seu cunhado. Como se vê da alteração pretendida para o quesito 12º, também não está em causa que o serviço de poda não fosse feito a pedido dos réus. Portanto, entre ser pedido e ser disponibilizado, nunca se poderia afirmar uma imposição dos réus, pelo que é manifestamente inútil – além de que é conclusivo dos termos concretos em que uma imposição é feita – estar a dar como provado que o serviço era feito sem qualquer imposição dos réus. Por outro lado, é manifesto que a disponibilidade do autor para o serviço de poda e vindima só podia ser feita na época em que se deve podar e vindimar, e dar como provado este limite temporal, digamos assim, também não colide com a afirmação da disponibilidade do autor. Portanto, tal como afirmámos no princípio, o que está em causa saber é se no terreno em que ocorreu o acidente, o serviço de poda era feito três ou quatro sábados por ano, ou se era feito cerca de cinco sábados. Este, o único facto a reapreciar.

A pretensão de alteração da resposta conjunta aos quesitos 1º 5º e 12º visa consignar que na data e local do acidente, o autor não estava sujeito a horário pré-estabelecido, e que desenvolvia o serviço de poda sem ordens, direcção e fiscalização e sem dependência económica. Não está em causa, para os recorrentes, que “aquando do descrito em A) e B) e desde cerca das 8 horas desse dia, o autor prestava em proveito dos réus e a pedido dos mesmos serviços de poda, usando uma escada destes e uma tesoura sua”. Perguntado no quesito 1º se o autor estava a trabalhar como podador sob as ordens, direcção e fiscalização dos réus e perguntado no quesito 5º, em alternativa ao quesito 1º, se não estava a trabalhar sob as ordens, mas apenas a ajudar, o tribunal entendeu não dar como provado que estivesse sob as ordens, direcção e fiscalização – no que fez muito bem, porque a matéria é controvertida e tal resposta seria uma resposta de direito – mas também entendeu não dar como provado que estivesse a ajudar, limitando-se a dizer que o autor estava a prestar, em proveito dos Réus e a pedido dos mesmos, serviços de poda. Ora, não pretendendo os recorrentes impugnar que o autor estava a prestar serviços de poda em seu proveito e a seu pedido, e não pretendendo que o tribunal de recurso dê como provado que o autor estava a ajudar os réus (facto, isto sim é que um facto), a sua pretensão é afinal a de que o tribunal de recurso dê como provado que o autor não tinha horário pré-estabelecido e que não estava a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização, e que não estava na dependência económica dos Réus o que tudo é conclusivo e de direito, tanto mais que assim, na sua perspectiva, ficavam imediatamente preenchidos os institutos jurídicos que levariam à sua desresponsabilização.
Não é pois possível proceder a esta alteração.

Quanto à pretensão de alteração da resposta dada ao nº 4 e 13º salvo o devido respeito, a resposta pretendida “Provado que os réus destinavam a produção da vinha do terreno aludido em B) para consumo próprio e de familiares” é igual à que está dada pelo tribunal recorrido: “Provado que os réus destinavam a produção da vinha do terreno aludido em B) designadamente para consumo próprio e de familiares”. Na verdade, designadamente não significa nada, isto é, não há prova que também a destinassem a qualquer outro fim. E os RR. não pugnam para que se dê como provado que destinavam “exclusivamente” como consta do próprio quesito. É por isso que “designadamente” ou a sua eliminação não têm significado. Nada há a alterar portanto. De resto, diga-se, ouvida a prova, também não vemos que tenha ficado claro qual era a produção de vinho, nem que a mesma excedesse ou não as necessidades do agregado dos RR, contando ainda com os referidos seis filhos.

Em suma, vamos reapreciar a decisão sobre a matéria de facto para saber se o montante que os réus entregavam ao autor não era um pagamento e se o autor realizava os serviços de poda três ou quatro sábados por ano em vez de cerca de cinco sábados.

O tribunal procedeu à audição integral de todos os depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento. Todas as testemunhas, excepção feita ao filho do autor e ao seu segundo cunhado, ouvido por último, não mereceram qualquer dúvida de isenção. Ouviram-se vizinhos e amigos e familiares de ambas as partes.
Ora, quanto às pretendidas alterações, é verdade que só o autor referiu que o trabalho de poda exigia 5 sábados, mesmo assim não sendo peremptório. Nem o seu cunhado que o acompanhava na poda o referiu. Considerando a generalidade dos depoimentos, considerando que com probabilidade conseguem determinar os dias de poda a partir da dimensão do terreno, cremos que podemos alterar a resposta para 3 a 4 sábados por ano.
Assim, alteramos a resposta aos quesitos 3º, 10º e 11º para “Provado que desde há mais de 15 anos que o autor prestava serviços agrícolas de poda e vindima para os Réus, seus amigos, todos os anos, a pedido deles e conforme a disponibilidade do autor e do seu cunhado F…, nas respectivas épocas de poda e vindima, durante pelo menos 8 horas por dia, cerca de 7 sábados por ano durante os anos que os réus fabricavam um terreno rústico maior e cerca de 3 a 4 sábados por ano desde que, há cerca de 7 anos, adquiriram este menor terreno rústico, mediante o fornecimento de alimentação e o pagamento, pelos réus aqueles, de uma quantia pecuniária por cada um desses dias (salvo no dia vindima em que recebiam vinho) e cujo montante estipulado pelos réus foi sendo actualizado”.
Quanto à questão do pagamento, por mais que o ilustre mandatário dos RR. tentasse que as testemunhas afirmassem que o trabalho era feito por amizade, para ajudar, que era uma ajuda e que a quantia dada era para compensar as despesas de gasolina, não encontramos qualquer firmeza, por parte das testemunhas, nessa afirmação. Primeiro, nesse aspecto, o depoimento do autor é muito importante: ele admitiu que se os RR. não lhe pagassem podia ir uma ou outra vez, deixando nesta sua afirmação claro, a nosso ver, que se os RR. não lhe pagassem sempre, então não iria. Porque o trabalho de poda era o mais difícil, porque há anos que fazia a poda, tanto que ia acompanhado do seu cunhado, porque viviam longe, apesar do autor poder passar lá por casa e petiscar alguma coisa, porque vinha na carrinha da empresa em que trabalhava, munida com o gasóleo do seu empregador, visto que era o homem de confiança e o patrão o deixava levar a carrinha para casa e pagava o gasóleo, visto que podia ser preciso trabalhar em qualquer altura para a empresa. Se os RR. sabiam disto não se sabe, é verdade, mas isto pelo menos diz-nos que, na perspectiva do Autor, o montante entregue pelos RR. não era compensar os custos de deslocação de Fafe para Guimarães. Que o Autor não precisasse do dinheiro também, salvo o devido respeito, o Autor não o disse. Disse o que toda a gente diz, não vivia disso, mas dava-lhe jeito para pagar uma casita que fez. E o mesmo afirmou o cunhado que também fazia a poda, não precisamos a expressão, mas o sentido é o de qualquer dinheiro extra que entra dá sempre jeito. Portanto, não nos convencemos que o Autor, apesar de ser amigo de infância do Réu, tivesse feito poda durante 15 anos, primeiro 7 sábados, depois 3 a 4 sábados por ano, que começasse às 8 da manhã e terminasse quando a luz já não permitisse ver o que estava a fazer, e que tudo fosse para ajudar o Réu, que só ficou doente a partir de 2009, sem pagamento. Repare-se ainda que, contrariamente ao vizinho de baixo, que recebia água e erva, ao irmão do R. e ao amigo do irmão do R. que nada receberam, e contrariamente à ideia aceitável de que os vizinhos se ajudam, porque o R. quando estava bom também ajudava os vizinhos, este autor, que tinha sido vizinho até se casar ou que pelo menos não vivia na terra, vivia longe, e o cunhado do autor, que também vivia longe, e que ambos não tinham terrenos seus ou terrenos que explorassem, não tinham condições de integrar o grupo dos familiares/vizinhos/amigos que se ajudam reciprocamente.
Em suma, quanto à questão de saber se a entrega de dinheiro pelos RR. ao Autor era uma simples entrega ou um pagamento, no sentido próprio de pagar o trabalho que o Autor fazia para eles, anualmente, repetidamente, a pedido dos RR, por telefonema da Ré mulher, ainda que sujeito à disponibilidade do Autor e do seu cunhado, aliás, entendemos que não há razão para alterar a decisão da primeira instância e assim mantemos a resposta ao quesito 2º e 11º.
Tirando pois a alteração assinalada à resposta aos quesitos 3º, 10º e 11º, nada mais alteramos na decisão da matéria de facto proferida na primeira instância.

d) - da inexistência de contrato de trabalho, de dependência económica do A. aos RR. e da causa de exclusão prevista nas disposições conjugadas dos art.ºs 4º e 16º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04/09, e em consequência da não responsabilização dos RR.
A sentença recorrida não afirmou a existência de um contrato de trabalho entre o A. e os RR., apesar de fazer referência à definição legal desse contrato.
Escreveu-se na sentença recorrida:
“Desde logo, importa referir que, atenta a data do sinistro ocorrido em 26/2/2011, é aplicável o regime jurídico constante da Lei nº 98/2009, de 4-9 [doravante designada, abreviadamente, como Lei], por força do disposto nos seus arts. 1º, nº1, 187º, nº 1, e 188º.
Segundo as definições contidas nos arts. 2º, 3º, nºs 1 e 2, e 8º da Lei [na parte com interesse para o caso em apreço]: “Os trabalhadores e seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho…”; “O regime previsto na presente lei abrange o trabalhador por conta de outrem de qualquer actividade, seja ou não explorada com fins lucrativos…Quando a lei não impuser entendimento diferente, presume-se que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços..”; É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a redução na capacidade de trabalho ou de ganho…”.
Por seu lado, o art. 4º, nº 1, da Lei nº 7/2009, de 12-2 que aprovou a revisão do Código de Trabalho (desde 17/2/2009) estipula [na parte com interesse para o caso em apreço] que: “O regime relativo a acidentes de trabalho...previsto nos arts. 283º e 284º do Código do Trabalho, com as necessárias adaptações, aplica-se igualmente...a prestador de trabalho, sem subordinação jurídica, que desenvolva a sua actividade na dependência económica, nos termos do artigo 10º do Código do Trabalho”.
E o art. 10º do mesmo Código do Trabalho prevê que: “As normas legais respeitantes a direitos de personalidade, igualdade e não discriminação e segurança e saúde no trabalho são aplicáveis a situações em que ocorra prestação de trabalho por uma pessoa a outra, sem subordinação jurídica, sempre que o prestador de trabalho deva considerar-se na dependência económica do beneficiário da actividade”.
A este propósito, importa referir que o regime jurídico dos acidentes de trabalho é uma forma especial (porque excepcional, à luz da ressalva contida na parte final do nº 2 do art. 483º do Código Civil) de responsabilização pelo risco inerente à actividade por conta de outrem ou, pelo menos, pelo risco inerente ao serviço prestado em proveito de outrem e mediante uma contrapartida económica.
E, por último, o art. 1154º do Código Civil estipula que: “Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual.”. (fim de citação).
Não há também dúvida de que a legislação aplicável – atenta a data do sinistro – é a indicada.
Como dizem os recorrentes, “8ª - Daí assumir especial relevância a análise da verificação ou não, in casu, da dependência económica nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 4º, n.º 1, c) e 10º da Lei n.º 7/2009, de 12/02 (Cód. Trabalho) e do art.º 3º, n.º 1 e 2 da Lei n.º 98/2009, de 04/09, por um lado, e da causa de exclusão prevista no art. 16º, n.º 1, deste último diploma legal, por outro”.
Defendem os recorrentes que, atentos “os factos provados, e pelas regras da experiência comum, deve concluir-se que o A./recorrido tinha uma profissão e rendimentos que lhe permitiam ser economicamente autónomo relativamente aos recorrentes dos quais, consequentemente, não dependia” e que por isso, lograram os RR. ilidir a presunção legal que, nesta matéria, favorecia o R./recorrido, atento o disposto no art. 350º, n.º 2, do Cód. Civil, pelo que a situação dos autos não pode ser qualificada como acidente de trabalho, não havendo lugar a qualquer reparação;
Defendem ainda os recorrentes que “11ª – Por outro lado, no caso em apreço, deveria ter-se decidido pelo preenchimento dos pressupostos da causa de exclusão de reparação que resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 4º e 16º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04/09, ainda pelo confronto da matéria factual assente;
12ª – Concretamente, os serviços em causa devem considerar-se como ocasionais e de curta duração, e prestados no âmbito de actividade que não tinha por objecto exploração lucrativa, neste caso pela ausência de prova que ao A./recorrido competia, de acordo com as respectivas regras do ónus da prova;
13ª – Assim, e também por esta via, deveria o Tribunal a quo determinar que inexistia acidente de trabalho e pela correspondente inexigibilidade de reparação;”.

Vejamos:
Fundamentalmente, a disciplina da lei nova não difere particularmente da lei anterior (Lei 100/97). No âmbito da mesma, a doutrina e a jurisprudência elaboraram sobre a exclusão a que se referia o artigo 8º nº 1 al. a) e que hoje é retomada pelo artigo 16º da Lei 98/2009, segundo o qual “1 - Não há igualmente obrigação de reparar o acidente ocorrido na prestação de serviços eventuais ou ocasionais, de curta duração, a pessoas singulares em actividades que não tenham por objecto exploração lucrativa”.
Por ser muito similar ao caso dos autos, citamos o acórdão desta Relação de 20.10.2008, relatado pela Exmª Senhora Desembargadora aqui segunda adjunta, e que se pode consultar em www.dgsi.pt sob o nº RP200810200844516:
A. A situação descrita na al. a) do nº1 do art.8º da L.A.T.
Nos termos da citada disposição legal são excluídos do âmbito da referida lei “os acidentes ocorridos na prestação de serviços eventuais ou ocasionais, de curta duração, a pessoas singulares em actividades que não tenham por objecto exploração lucrativa”. Por sua vez o art.4º do DL 143/99 de 30.4 prescreve que “não se consideram lucrativas, para efeito do disposto na lei e neste regulamento, as actividades cuja produção se destine exclusivamente ao consumo ou utilização do agregado familiar da entidade empregadora”.
A respeito do disposto no art. 8º nº 1 al.a) da LAT diz-nos Pedro Romano Martinez o seguinte: (…) “importa que se trate de uma actividade esporádica, que não seja nem periódica, nem contínua. Integra, nomeadamente, a noção de actividade fortuita o trabalho desenvolvido para impedir que a força das águas, em caso de precipitação torrencial, destrua os diques de protecção das casas de uma aldeia; mas já será uma prestação periódica, não obstante poder ser de curta duração, a poda das macieiras de um pomar, pois trata-se de uma actividade a realizar todos os anos” (Direito do Trabalho, página 760).
Também Carlos Alegre defende que “serviço eventual ou ocasional é aquele cuja necessidade surge, imprevista e excepcionalmente, em determinada ocasião, não sendo de exigir a sua periodicidade” (Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ªedição, página 66).
Tudo ponderando analisemos o caso dos autos.
O varejar da azeitona (actividade em que o Autor participava quando se acidentou), apesar de constituir uma tarefa de curta duração no caso concreto, não é uma actividade esporádica/ocasional, mas antes sazonal, cíclica e, portanto, periódica e perfeitamente previsível.
Logo, temos de concluir que no caso não se verifica a situação prevista no art.8º nº1 al. a) da LAT.”. (fim de citação).
No mesmo sentido e no mesmo sítio electrónico veja-se também o Acórdão da Relação de Coimbra de 31.1.2008, proferido no processo 14/05.4TTGRD.C1, com as variadas remissões para a doutrina e jurisprudência.
Não vendo razão para alterar este entendimento, não consideramos que o trabalho de poda, que nos autos comprovadamente vinha sendo feito pelo Autor há vários anos para os Réus, ainda que limitado, nos últimos 7 anos, a uma duração de 3 a 4 sábados por ano, à razão de 8 horas diárias, possa ser considerado uma actividade ocasional ou eventual, independentemente da sua curta duração. Improcedem pois as conclusões indicadas, 11ª a 13ª.

Quanto ao outro e primeiro argumento que os recorrentes esgrimem, e que é o de que demonstraram que o autor não estava na sua dependência económica:
Dispunha o artigo 2º nº 2 da Lei 100/97, depois de afirmar a regra geral de que têm direito à reparação os trabalhadores por conta de outrem de qualquer actividade, seja ou não explorada lucrativamente, que “Consideram-se trabalhadores por conta de outrem, para efeitos do presente diploma os que estejam vinculados por contrato de trabalho ou contrato legalmente equiparado e os praticantes, aprendizes, estagiários e demais situações que devam considerar-se de formação prática, e, ainda, os que, considerando-se na dependência económica da pessoa servida, prestem, em conjunto ou isoladamente, determinado serviço”. Por seu turno, o artigo 12º nº 3 do DL 143/99 de 30.4 regulamentava que “Quando a lei ou esta regulamentação não impuserem entendimento diferente, presumir-se-á que os trabalhadores estão na dependência económica da pessoa em proveito da qual prestam serviços”.
A lei actual (Lei 98/2009), e aplicável ao caso dos autos, integra as normas referidas no artigo 3º, com o seguinte teor:
“1 - O regime previsto na presente lei abrange o trabalhador por conta de outrem de qualquer actividade, seja ou não explorada com fins lucrativos.
2 - Quando a presente lei não impuser entendimento diferente, presume-se que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços.
3 - Para além da situação do praticante, aprendiz e estagiário, considera-se situação de formação profissional a que tem por finalidade a preparação, promoção e actualização profissional do trabalhador, necessária ao desempenho de funções inerentes à actividade do empregador”.
Por seu turno, a referência anterior aos que “considerando-se na dependência económica da pessoa servida, prestem, em conjunto ou isoladamente, determinado serviço” encontra-se agora na referência mais geral e abrangente do artigo 10º do Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009, com o seguinte teor: “As normas legais respeitantes a direitos de personalidade, igualdade e não discriminação e segurança e saúde no trabalho são aplicáveis a situações em que ocorra prestação de trabalho por uma pessoa a outra, sem subordinação jurídica, sempre que o prestador de trabalho deva considerar-se na dependência económica do beneficiário da actividade”, remetendo pois, em termos de inserção sistemática, para o capítulo IV do Título II, constituído pelos artigos 281º a 284º, que prevêem justamente a matéria dos acidentes de trabalho. E dizemos mais abrangente porque se reporta agora a todo o universo real, que o legislador não ignorava, dos inúmeros prestadores de serviços que estão na dependência económica dum empregador, não constituindo portanto verdadeiros trabalhadores independentes.
Sobre a dependência económica, a sentença recorrida considerou que não tinha sido ilidida a presunção pelos réus, como lhes incumbia, porque embora o autor trabalhasse a tempo inteiro, de segunda a sexta-feira, como motorista ao serviço duma empresa da qual auferia 600 euros mensais, não estava comprovado que isso, “por si só, não é de molde a poder concluir-se que o autor não precisava da remuneração dos réus para fazer face a alguma ou algumas das suas necessidades e/ou do seu agregado familiar (que não de todas já que também contava com aquela outra remuneração”).
Sobre a ilisão da presunção, citemos o acórdão desta Relação, consultável na dgsi sob o nº RP20101115640/06.4TUGMR.P1, relatado pelo Exmº Senhor Desembargador Ferreira da Costa:
“Ora, quanto a esta, o legislador presume que o trabalhador depende economicamente da pessoa a quem presta o serviço, para depois o equiparar ao trabalhador por conta de outrém, extrapolando destarte para o contrato de trabalho[4]. Trata-se de presunção ilidível, mediante prova do contrário[5], atento o disposto no Art.º 350.º n.º 2 do Cód. Civil, a cargo da entidade beneficiária do serviço prestado, como decorre das disposições combinadas dos Art.ºs 342.º e 344.º, n.º 1, ambos do mesmo diploma legal.
In casu, atentos os factos provados, cremos que a R. não ilidiu a presunção de que o A. se encontrava na sua dependência económica, pois não fez a prova do contrário, maxime, a R. não demonstrou que outros rendimentos auferia o A., de modo que fosse economicamente autónomo, assim efectuando a prova do contrário, atento o disposto no referido Art.º 350.º, n.º 2 do Cód. Civil. Recorde-se que a R. se limitou a contestar por impugnação e com fundamento na inexistência de contrato de trabalho entre as partes, não alegando qualquer facto com o qual pudesse vir a fazer a prova do contrário, de modo a destruir a referida presunção”. (fim de citação)
Diversamente pois, no caso destes autos, em que os RR. provaram os rendimentos auferidos pelo Autor.
E mais particularmente quanto ao conceito de dependência económica, recordemos os sumários dos acórdãos do STJ:
(SJ200705090003634)
V - Verifica-se dependência económica (art. 2.º, n.º 2 da LAT) quando a remuneração auferida pelo trabalhador constitui a totalidade ou a parte principal dos seus meios de subsistência e a respectiva actividade é utilizada integral e regularmente por quem o remunera, mostrando-se o prestador da actividade integrado no processo empresarial de outrem”.
(Ac. STJ de 04-04-2001)
III - A dependência económica existe quando a remuneração do trabalho represente para o trabalhador o seu exclusivo ou principal meio de subsistência”.
Ora bem, dum ponto de vista naturalístico, digamos, que é ao mesmo que o legislador laboral acomete excepcionalmente à responsabilização pelo risco, só pode falar-se em dependência económica quando exista efectiva dependência, ou seja, quando aquilo que é pago seja o principal rendimento, o principal modo de vida, ou quando se integre nesse modo de vida – pensemos naqueles que prestam serviços para diversas pessoas ou entidades, e seja da cumulação dos serviços prestados que obtêm o seu modo de vida. Ora, não é manifestamente o caso, em que temos alguém que tinha um emprego a tempo inteiro e do qual retirava um salário que, sendo obviamente baixo, também não permite afirmar imediatamente a sua insuficiência de modo a obrigar a pessoa a recorrer a outros modos de se financiar. De resto, e embora isso não tenha ficado provado, como poderia se tivesse sido usada a faculdade prevista no artigo 72º do CPC, o próprio autor disse no seu depoimento de parte que não fazia mais serviços de poda para ninguém. Por outro lado, se comparamos 90 a 120 euros por ano com 8400 euros por ano (600 euros x 14), aparece como evidente que o Autor não dependia dos Réus no seu modo de vida habitual. Por outro lado, apelar-se à necessidade de demonstrar que o sinistrado “não precisava da remuneração dos réus para fazer face a alguma ou algumas das suas necessidades e/ou do seu agregado familiar” tem o óbice de implicar a definição do que seja “necessidade”, tarefa particularmente difícil tanto quanto se sabe a sua natureza relativa, e ainda mais, evolutiva em função dos rendimentos que se conseguem obter, e obrigaria então quem pretendesse ilidir a presunção de dependência económica a uma prova quase impossível, demonstrando quais eram exactamente as necessidades do sinistrado e quais os rendimentos que as permitiam cobrir. No limite, levaria à pesquisa exaustiva da dimensão do agregado familiar e dos rendimentos não só do sinistrado mas dos restantes membros do agregado familiar, com o risco de confronto com matérias sigilosas. Ora, embora concordemos com a justeza da protecção aos sinistrados do trabalho, justeza e necessidade, aliás, valores que originam a própria presunção de dependência económica, não estamos já certos – porque há que sopesar evidentemente a natureza objectiva da responsabilização – que seja necessário tamanho rigor para a ilisão da presunção.
Alinhando pois com a jurisprudência acima citada, alargada aos casos em que o pagamento integra o modo de sobrevivência apenas como componente desse mesmo modo, como exemplificamos com o “pluriemprego”, entendemos que no caso dos autos os RR demonstraram, por via da prova da ocupação a tempo inteiro do Autor e do vencimento nela auferido, por comparação com o valor que lhe pagavam e até considerando o tempo de ocupação anual do serviço em que se acidentou, que o Autor não dependia economicamente deles.
Assim, inexistindo contrato de trabalho e não se podendo afirmar a dependência económica do autor relativamente aos RR enquanto pessoas servidas, haverá que concluir, diversamente do que fez a primeira instância, pela não aplicação do regime de reparação e responsabilidade previsto na Lei 98/2009 ao acidente sofrido pelo Autor, importando pois absolver os RR. de todos os pedidos formulados pelo A., e por consequência também do pedido formulado pela Segurança Social e da obrigação de restituição ao FAT da pensão provisória.
Fica prejudicado o conhecimento da questão da inconstitucionalidade.

Sem custas, atenta a isenção do sinistrado – artigo 4º nº 1 al. h) do RCP.

IV. Decisão
Nos termos supra expostos acordam conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida que substituem pelo presente acórdão que julga a acção interposta pelo Autor improcedente, absolvendo os RR. de todos os pedidos formulados, e, por consequência necessária, também do pedido deduzido pelo Instituto da Segurança Social, I.P./Centro Distrital de Segurança Social de Braga.
Sem custas.

Porto, 9.7.2014
Eduardo Petersen Silva
Paula Maria Roberto
Fernanda Soares
_______________
Sumário a que se refere o artigo 663º, nº 7 do actual CPC:
I. O trabalho de poda de videiras, ainda que executado apenas em 3 ou 4 sábados por ano, que já vinha sendo feito há vários anos, não integra a causa de exclusão prevista no artigo 16º nº 1 da Lei 98/2009 de 04/09.
II. Provando-se que o sinistrado auferia 30 euros por cada um dos 3 ou 4 sábados em que trabalhava anualmente e que trabalhava como motorista duma empresa, de segunda a sexta-feira, a tempo inteiro, auferindo o vencimento mensal de 600 euros, está suficientemente demonstrado, assim, que não estava na dependência económica das pessoas para as quais prestou serviços de poda.

Eduardo Petersen Silva
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil).