Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
18429/15.8T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA
CLÍNICA DENTÁRIA
REPARAÇÃO DEFEITUOSA
Nº do Documento: RP2021020818429/15.8T8PRT.P1
Data do Acordão: 02/08/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.
II - Não obstante no universo da odontologia não possa afirmar-se, em termos genéricos, que os médicos assumem obrigações de resultado, por existirem actividades dentárias mais complexas, dependentes de factores diversos do estrito cumprimento das leges artis, que, por isso, devem ser incluídas na categoria das obrigações de meios, a colocação de próteses e certas operações onde os objectivos a alcançar não dependem senão da competência técnica dos médicos, podem e devem configurar-se como obrigações de resultado.
III - A responsabilidade da clínica onde o médico praticou os actos susceptíveis de basear a sua responsabilidade radica no disposto no art.º 800.º do Código Civil e no que tiver sido acordado no contrato que o doente tenha celebrado com aqueles.
IV - Excluindo os casos em que a irregularidade ou deficiência da prestação a afastam de tal forma da prestação exigível (em que o interesse do credor fica inteiramente por preencher), em que existirá uma situação de incumprimento ou mora, casos haverá em que o credor, por analogia com o disposto no artigo 808.º, nº 1 do CCivil, poderá exigir do devedor que corrija ou substitua a prestação defeituosa dentro do prazo razoável que para o efeito lhe fixar, sob pena de considerar a prestação como definitivamente não cumprida.
V - Não pode assacar-se ilicitude à actuação da clínica ou incumprimento contratual quando ela se prontificou a proceder a todas as correcções necessárias e o doente torna impossível essa prestação, ao recorrer ao serviço de terceiros para a efectuar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 18429/15.8T8PRT.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
-Juízo Local Cível do Porto-J9-
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
5ª Secção
Sumário:
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I - RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B…, residente na Rua…, …, …, Porto, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra C… e Clínica D…, SA com residência e sede na Rua…, …, …, ….-… Porto, pedindo a sua no pagamento da quantia de €12.305,50 (doze mil, trezentos e cinco euros e cinquenta cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais”, das “quantias a liquidar em ampliação do pedido ou execução de sentença e referente aos danos patrimoniais incorridos pela aqui Autora com a conclusão do tratamento médico dentário a que a mesma se vem submetendo no Centro Médico Dentário E…” e da “quantia a título de juros de mora calculados à taxa legal e contabilizados desde a citação até efectivo e integral pagamento, relativamente a todos os pedidos formulados.
Fundamentou a sua pretensão nos termos constantes da sua petição inicial que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
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Os réus foram regular e pessoalmente citados, e, tendo contestado:
- invocam a excepção da ilegitimidade do 2º Réu;
- pugnam pela improcedência da pretensão da autora;
- deduzem pedido reconvencional pedindo a condenação da Autora no pagamento da quantia de €10.000,00 a título de danos não patrimoniais;
- bem como a sua condenação como litigante de má fé.
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A autora replicou pugnando pela improcedência da excepção dilatória invocada, bem como da reconvenção deduzida.
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Na audiência de julgamento a autora procedeu à liquidação do pedido ilíquido por si formulado, alegando ter liquidado ao Centro Médico Dentário E… a quantia global de 5.900,00 euros.
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Foi dispensada a realização da audiência prévia e admitida a reconvenção apresentada pelos réus.
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Foi proferido despacho saneador onde se julgou improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade invocada pelos réus, se enunciou o objecto do processo, se elencaram os temas da prova e se admitiu a prova arrolada por ambas as partes.
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Foi designada e realizada a audiência de discussão e julgamento a qual decorreu com estrita observância dos formalismos legais.
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A final foi proferida decisão que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência condenou os Réus, solidariamente, a pagarem à autora a quantia global de 8.330,00 euros (oito mil trezentos e trinta euros), acrescida dos juros de mora que se vencerem desde a citação até integral pagamento, contabilizados à taxa legal e julgou a reconvenção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a Autora/reconvinda do pedido reconvencional formulado pelos Réus/reconvintes.
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Não se conformando com o assim decidido vieram, os Réus interpor recurso o presente recurso concluindo da seguinte forma:
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Devidamente notificada contra-alegou a Autora concluindo pelo não provimento do recurso.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são as seguintes as questões a decidir em ambos os recursos:
a)- saber se a sentença padece de nulidade por falta de fundamentação;
b)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto;
c)- decidir em conformidade com a alteração factual propugnada pelos recorrentes e, mesmo não sofrendo esta qualquer alteração, se a sua subsunção jurídica se encontra, ou não, correctamente efectuada.
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A)-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O tribunal recorrido deu como assente a seguinte factualidade:
1. O 1.º réu é médico dentista e encontra-se inscrito na Ordem dos Médicos Dentistas sob o n.º 1037.
2. O 1.º réu exerce a sua actividade profissional na clínica médica propriedade da 2.ª ré.
3. A 2.ª ré é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços de saúde, sendo proprietária da clínica médica onde o 1.º réu exerce a sua actividade profissional.
4. No dia 10/10/2012 a autora recorreu aos serviços médicos da 2.ª ré no sentido de realizar tratamentos dentários, despendendo a quantia de 55,00 euros, aí foi-lhe prescrito Floxapen e Brufen, observado o estado geral da cavidade oral e informada, a seu pedido, dos tratamentos que se poderiam realizar ao nível do sector ântero-inferior dos dentes 4.2, 4.1, 3.1 e 3.2, os quais variariam em função dos trabalhos a executar e do preço–colocação de implantes ou prótese removível–mas sempre com a extracção dos dentes referidos.
5. O médico que realizou a sessão de tratamentos foi o 1.º réu, o qual desempenha as funções de director clínico da área de medicina dentária na 2.ª ré.
6. Nessa data e por a autora ter solicitado uma avaliação do estado da sua dentição, o 1.ª réu prescreveu à autora a realização de uma ortopantomografia, a qual a autora realizou no dia 11/10/2012, no SMIC, despendendo a quantia de 27,50 euros.
7. A autora foi novamente a uma consulta, nas instalações da 2.ª ré e realizada pelo 1.º réu no dia 19/10/2012, onde se sujeitou a novo tratamento dentário e exibiu ao 1.º réu a ortopantomografia realizada, despendendo com a consulta a quantia de 50,00 euros.
8. Em 26/10, 7/11, 16/11 e 23/11/2012 a autora foi a consultas, nas instalações da 2.ª ré e realizadas pelo 1.º réu, tendo sido sujeita a tratamentos dentários com restauração dos dentes 3.4, 3.5, 1.1 e 2.1, despendendo com tais consultas as quantias de 50,00 euros, 55,00 euros, 55,00 euros, 55,00 euros.
9. O 1.º réu sabia que a autora padecia de osteoporose.
10. Em 23/11/2012, na consulta, o 1.º réu apresentou à autora 2 orçamentos para o tratamento da sua dentição. O primeiro no valor de 5.560,00 euros, o qual incluía a colocação no maxilar superior de espigão em falso com coroa metalo-mecânica no dente 1.4 (500 euros) e de implante com coroa metalo-cerâmica no dente 2.5 (1.250,00 euros) e no maxilar inferior a extracção dos dentes 3.2, 3.1, 4.1 e 4.2 (200 euros), a colocação de uma prótese provisória de 4 dentes (210,00 euros) e a colocação de 2 implantes nos dentes 4.2 e 3.2 e ponte metalo-cerâmica de 4 elementos, dentes 3.2, 3.1, 4.1 e 4.2 (3.400,00euros). O segundo no valor de 1.910,00 euros, o qual incluía a colocação no maxilar superior de espigão em falso com coroa metalo-mecância no dente 1.4 e de prótese removível esquelética de 2 dentes e no maxilar superior a extracção dos dentes 3.2, 3.1, 4.1 e 4.2, a colocação de uma prótese provisória de 4 dentes e a colocação de prótese removível esquelética de 4 dentes (dentes 3.2, 3.1, 4.1 e 4.2).
11. A autora concordou com o tratamento proposto no primeiro orçamento apresentado.
12. Nessa sequência foram extraídos os dentes 3.2, 3.1, 4.1 e 4.2, sendo que em face da extracção a autora apresentava uma ferida cirúrgica com suturas
13. No dia 9/1/2013 a autora foi a uma consulta nas instalações da 2.ª ré, realizada pelo 1.º réu, na qual procedeu à colocação do implante no dente 3.2, à execução da regeneração óssea no dente 4.2 e 4.1 e à colocação da ponte provisória de 4 dentes.
14. Nessa mesma data entregou à 2.ª ré a quantia de 2.780,00 euros.
15. Em Janeiro de 2013 foi detectado à autora um nódulo na tiróide, tendo os tratamentos dentários sido suspensos.
16. A autora teve alta do IPO em agosto de 2013, sendo que em Julho de 2013, com autorização dos médicos do IPO, já havia reiniciado os tratamentos dentários.
17. Pelo que, em 22/7/2013, o 1.º réu, nas instalações da 2.ª ré, procedeu à restauração do dente 1.2 da autora, despendendo com a consulta a quantia de 55,00 euros.
18. Ulteriormente o 1.ª réu explicou que não poderia colocar o segundo implante orçamentado por, apesar do procedimento de regeneração óssea, o osso não suportava o segundo implante (o dente 4.2).
19. Após o 1.º réu colocou à autora um implante e coroa ao nível do maxilar superior.
20. No dia 24/2/2014 o 1.ª réu colocou à autora a ponte metalo-cerâmica no maxilar inferior definitiva, tendo nessa data a autora procedido à entrega à 2.ª ré da quantia de 2.780,00 euros.
21. Aí a autora constatou que, ao contrário do inicialmente proposto e acordado, a ponte metalo-cerâmcia não era constituída por 4 elementos mas apenas por 3 elementos, tendo o 1º réu referido que não havia espaço para a colocação da prótese com 4 elementos.
22. Numa consulta ulterior a autora chamou a atenção do 1.ª réu que a prótese colocada é composta por dentes que apresentavam uma cor mais clara do que a dos restantes, sendo evidente o desfasamento entre as arcadas superior e inferior, tendo o 1.º réu referido que a situação seria corrigida com o branqueamento dos restantes dentes.
23. Após a actuação do 1.º réu, verificou-se que o canino de apoio à prótese era maior e mais alto do que os restantes dentes.
24. A colocação da prótese provocou dores à autora, em especial na região do canino mandibular direito, as quais limitaram a sua capacidade de mastigação.
25. Os restos dos alimentos mastigados introduziam-se no interior da prótese, aproveitando o desnível verificado entre este elemento protésico e a gengiva, ficando alojados sob a prótese, na zona interior da boca.
26. Nas consultas que se sucederam a autora relatou ao 1.º réu o descrito o qual aconselhou que recorresse a escovilhões e, mais tarde, a jacto oral.
27. O 1.ª réu, com vista a eliminar as queixas da autora, procedeu a ajuste oclusal quer ao nível inferior, quer ao nível superior da boca, mas as queixas permaneceram.
28. A autora continuou com dores, com limitação na capacidade de mastigação, sendo visível o desconforto e a indisposição que sentia, tendo o réu agendado uma consulta para proceder à desvitalização do canino (4.3).
29. Desgastada com a situação em que se encontrava, a autora, em Abril de 2014, foi ao Centro Médico Dentário E…, onde foi determinado que as queixas apresentadas eram resultado do excesso de cola utilizada na fixação da prótese, na parte interna; que o canino mandibular inferior direito (4.3) se encontrava sob pressão e daí as dores contínuas e persistentes; que no implante realizado no 3.2 não estava completada a sua fixação ao osso, tendo-lhe sido recomendado como solução terapêutica a remoção do implante e da ponte fixa existente e a colocação de coroa cerâmica no dente 4.3 e a reabilitação dos dentes 3.2 e 4.2 através da colocação de implantes.
30. Tendo pelo Centro Médico Dentário E… sido apresentado um orçamento entre os valores de 5.000,00 euros e 5.900,00 euros para executar os seguintes tratamentos: destartarização, polimento, tratamento de cáries dos dentes 1.7, 1.3, 1.2, 2.2, 2.3, 2.8, 2.6 e 3.7, remoção de cola dos dentes 4.5 e 3.5, substituição do implante do dente 3.2 e remoção da ponte fixa existente e colocação de coroa cerâmica no dente 4.3 e reabilitação dos dentes 3.2. e 4.2 com implantes (reabilitação inferior).
31. A autora voltou, com a irmã, à consulta com a avaliação do Centro Médico Dentário e solicitou, por intermédio daquela, a devolução das quantias entregues à 2.ª ré, considerando ter sido quebrada a confiança com os réus, tendo o 1.º réu afirmado que não podia tomar tal decisão cabendo a mesma à direcção da clínica.
32. Ulteriormente a 2.ª ré informou, verbalmente, a autora que aceitaria proceder à substituição do implante em crise e à colocação de nova ponte metalo-cerâmica com 4 elementos com a cor correta, desde que realizado nas suas instalações.
33. Como a 2.ª ré não colocava por escrito a proposta referida em 32., a autora, através do seu advogado, remeteu, em 9/6/2014, uma carta à 2.ª ré, a solicitar a redução da proposta a escrito, no prazo de 8 dias.
34. Tendo a 2.ª ré respondido em 18/6/2014, o que levou a autora a remeter à 2.ª ré a carta datada de 24/7/2014 na qual relatava o sucedido com os serviços dentários prestados e sugeria “a realização urgente de uma avaliação médico-legal em direito civil, a ter lugar no INMLCF, IP, delegação do norte, na especialidade de estomatologia e ortodontia” e comunicava que “Seguidamente, e caso a mesma venha a revelar a existência de danos e, concomitantemente, venha a indicar a prática de factos passíveis de serem objecto de responsabilidade civil profissional, a n/constituinte irá promover todos os procedimentos médicos tidos por necessários para se proceder à imediata resolução das sequelas sofridas.
Tal situação, a verificar-se, importará a realização de tratamentos médicos os quais não poderão, por razões óbvias, ter lugar nas instalações da sua constituinte. Nessa altura, contactaremos a Exma. Colega no sentido de sabermos se será intenção da sua constituinte em assumir todas as suas responsabilidades de forma extrajudicial.”
35. Nessa sequência respondeu a 2.ª ré, por intermédio de advogado, declarando que “venho por este meio dar-lhe conhecimento, que a minha Constituinte está completamente de acordo com o exame médico-legal sugerido por V. Ex.as, para o apuramento da verdade, aliás achando tal exame necessário para repor a verdade factual e acabar em definitivo com esta querela.
Nesta conformidade, de certeza que a V.ª constituinte não ocultará o problema oncológico que lhe surgiu na altura do tratamento dentário, e onde o tal tumor se localizou, tendo sido submetida, como saberá a tratamentos oncológicos que a fizeram parar os tratamentos dentários.
(…) Fico a aguardar a data da realização do exame, dispondo-se, desde já a marcá-lo caso o caro colega assim o pretenda.”
36. O exame em causa veio a ser realizado no dia 19/9/2014 e concluído em 16/10/2014, tendo a autora despendido com a sua realização da quantia de 330,00 euros.
37. A autora deu conhecimento à 2.ª ré do relatório realizado mediante carta datada de 27/11/2014, tendo informado que caso não obtivesse resposta no prazo máximo de 10 dias esse silêncio seria interpretado como “uma anuência às conclusões da avaliação médico-legal em causa e, iremos realizar os tratamentos sugeridos no Centro Médico Dentário E…, atenta a sua urgência e necessidade.”
38. A 2.ª ré respondeu através de email datado de 6/3/2015 declarando que os réus não aceitavam as conclusões do relatório.
39. A autora, na sequência do afirmado em 37 e 38 e porque perdeu a confiança nos réus, iniciou os tratamentos de reabilitação oral, descritos em 30., no Centro Médico Dentário E… no dia 28/1/2015 e terminou em Novembro de 2015, tendo despendido a quantia global 5.900,00 euros.
40. Após os tratamentos realizados pelo 1.º réu nas instalações da 2.ª ré a autora apresentou:
- inviabilização do implante 3.2. causada ou agravada pela sobrecarga oclusal;
- dificuldade na função mastigatória na qual releva o impedimento desta acção para o lado direito e constrangimentos na mastigação do lado esquerdo com traumatização do lábio e da bochecha em consequência do trabalho de ajuste oclusal;
- desvio da linha média do rosto em consequência da redução do número de dentes colocados no maxilar inferior
- dentes com uma coloração diferente da cor natural da sua dentição.
41. O referido em 40., causou dor constante, incómodo e constrangimento à autora, passando a evitar sorrir e a estabelecer contactos com terceiros, tornando-se mais calada e nervosa, fixando-se o seu quantum doloris no grau 3 de 7.
42. A autora foi admitida em Fevereiro de 2013 no IPO por apresentar um nódulo turoideu, com citologia compatível com tumor folicular, tendo sido operada em 16/4/2013, realizando uma hemitiroidectomia direita. O exame histológico definitivo mostrou tratar-se de um bócio multinodular adenomatoso, sem sinais de malignidade; tendo tido alta do IPO em agosto de 2013.
43. O problema oncológico não afectou as estruturas ósseas da face da autora, incluindo a arcada dentária, nem contribuiu para as dores sofridas ou para a ocorrência do referido em 40.
44. O 1.º réu diagnosticou à autora uma sialoadinite aguda o que causa muitas dores.
45. Em 27/5/2013 a autora recorreu ao serviço de urgência do Hospital F… por complicação obstrutiva de sialolitíase da glândula submandibular direita onde terá sido tentada litotomia por via endobucal, com fragmentação do cálculo.
46. Em Outubro de 2013 realizou uma ecografia às glândulas salivares a qual foi considerada normal com ausência de litíase.
47. Em Janeiro de 2015 foi encaminhada para a consulta de estomatologia por aparecimento de novo cálculo no ducto excretor da submaxilar/submandibular direira–canal de Wharton direito.
48. Em 29/9/2015 a autora foi admitida no serviço de cirurgia 2 dos F… onde foi submetida a uma submandibulectomia direita, litotomia e marsupialização do canal de Warthon direito; a anatomia patológica confirmou tratar-se de sialoadenite crónica.
49. O retalho da regeneração óssea abriu, pelo que o 1.º réu procedeu novamente à sua sutura, tendo depois fechado.
50. O 1.º réu não colocou à autora o implante no dente 4.2.
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Factos não provados.
Não se provou que:
1. Os factos alegados nos art.ºs 10.º, 11.º (foi demonstrado apenas o que consta do ponto 5. dos factos provados) 12.º (foi demonstrado apenas o que consta do ponto 6 dos factos provados), 47.º, 138.º, 140.º da petição inicial.
2. Após os tratamentos realizados pelo 1.º réu nas instalações da 2.ª ré a autora apresentou:
- necrose do dente 1.2 causada pela desarmonia oclusal e consequente sobrecarga ou pressão oclusal; e
- necrose do dente 1.3. causada ou agravada elo deficiente trabalho de preparação protética do dente.
3. Os factos alegados nos art.ºs 5.º, 7.º, 8.º, 13.º, 17.º, 36.º, 37.º (quanto à proibição) e 39.º (quanto aos sentimentos vivenciados pelo 1.º réu), 42.º, 43.º, 45.º, 46.º, 62.º, 63.º, 64.º, 66.º (quanto à interrupção do nexo causal), 73.º, 74.º, 75.º, 79.º, 8.º, 81.º, 83.º, 94.º, 101.º, 110.º, 111.º, 112.º, 113.º, 114.º, 117.º, 119.º, 123.º, 126.º (foi demonstrado apenas o que consta dos factos provados), 131.º, 132.º, 133.º, 134.º, 135.º, 137.º, 138.º, 140.º, 141.º, 159.º, 168.º, 169.º (quanto ao desvio da linha média), ,171.º (quanto à linha média e à posição do canino inferior – dente 4.3), 176.º, 180.º, 183.º, 189.º, 191.º, 193.º, 196.º, 198.º, 213.º, 216.º, 231.º (quanto à dor no dente 4.4), 233.º, 235.º, 248.º, 252.º, 253.º, 259.º, 263.º, 266.º, 269.º, 271.º, 276.º, 280.º, 281.º, 282.º, 286.º, 290.º, 300.º (quanto à relação entre a sialoadinite e o nódulo na tiroide), 301.º, 303.º, 306.º, 307.º,308.º, 314.º (quanto à informação prestada pela autora ao 1.º réu), 315.º, 316.º, 37., 318.º, 319.º, 322.º (quanto às datas), 323.º, 327.º, 329.º, 33.º, 331.º, 334.º, 335.º, 340.º, 344.º, 345.º, 346.º, 348.º, 349.º, 350.º, 359.º, 370.º, 375.º, 387.º, 388.º, 389.º, 390.º, 391.º, 399.º, 400.º (quanto à pouca apetência e cuidado da autora na sua higiene oral), 401.º, 403.º 404.º, 405.º, 406.º, 410.º, 411.º, 422.º, 425.º, 466.º, 474.º, 474.º, 475.º, 500.º, 501.º, 508.º,528.º, 529.º, 530.º, 537.º (quanto à influência da sialoadinite nos tratamentos), 543.º, 544.º, 552.º, 554.º, 584.º, 586.º, 592.º, 600.º (quanto à obtenção pela autora do resultado por si pretendido), 602.º, 622.º, 677.º (quanto ao número de dentes da prótese provisória e da definitiva), 686.º, 687.º e 688.º da contestação.
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III- O DIREITO
Como supra se referiu a primeira questão que vem colocada no recurso do Autor é:
a)- saber se a sentença padece de nulidade por falta de fundamentação.
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas nas várias alíneas do no nº 1 do artigo 615.º do NCPC (Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, diploma a que pertencem os demais artigos a seguir referidos sem outra menção de origem).
Nas conclusões C) a I) referem os recorrentes que a sentença recorrida padece da nulidade da al. b) do nº 1 do artigo 615.º.
Nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 615.º a sentença é nula “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Parece-nos, porém, salvo o devido respeito, que existe por parte dos recorrentes alguma confusão na invocação deste vício.
Com efeito uma coisa é falta de fundamentação da decisão da matéria de facto, outra coisa é nulidade da sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão [al. b) do citado artigo 615.º].
A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do artigo 607.º, nº 3 que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
Como é entendimento pacífico da doutrina, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artigo 615º.
A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.[1]
Ora, para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e os não coloque na base da decisão[2], coisa que, manifestamente, no caso em apreço não acontece, pois que, a Srª. Juiz, como o evidência a sentença recorrida, aí descriminou os factos que resultaram provados e não provados e aí indicou, interpretou e aplicou as normas jurídicas correspondentes.
Portanto, ao contrário do que afirmam os recorrentes, a sentença recorrida não enferma da nulidade que lhe vem assacada e constante da alínea b) do nº 1 do artigo 615.º
Todavia, diferente deste vício, é a falta de fundamentação da decisão da matéria de facto.
Como estatui o artigo 607.º, nº 3
“1. (…)
2. (…)
3. (…)
4. Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
5 (…)
6 (…)”
Resulta deste normativo que a motivação não pode nem deve ser meramente formal, tabelar ou formatada, antes devendo expressar as verdadeiras razões que conduziram à decisão no culminar da audiência de discussão e julgamento.
O juízo probatório é a decisão judicativa pela qual se julgam provados ou não provados os factos relevantes, controvertidos e carecidos de prova, mediante a livre valoração dos meios probatórios apresentados pelas partes ou determinados oficiosamente.
Como refere Teixeira de Sousa “o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente”.[3]
Anote-se ainda o que diz Lebre de Freitas, para quem “o tribunal deve, por exemplo, explicitar porque acreditou em determinada testemunha e não em outra, porque se afastou das conclusões dum relatório pericial para se aproximar das de outro, por que razão o depoimento de uma testemunha com qualificações técnicas o convenceu mais do que um relatório pericial divergente ou por que é que, não obstante vários depoimentos produzidos sobre certo facto, não se convenceu de que ele se tivesse realmente verificado”[4].
Ou o que, também a este respeito, escreve Lopes do Rego quando refere que o juiz deve proceder à indicação dos fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, com especificação dos meios de prova e das razões ou motivos substanciais por que relevaram ou obtiveram credibilidade.[5]
Neste contexto, impondo-se, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, que se estabeleça o fio condutor entre os meios de prova usados na aquisição da convicção (fundamentos) e a decisão da matéria de facto (resultado), fazendo a apreciação crítica daqueles, nos seus aspectos mais relevantes, a decisão encontrar-se-á viciada quando não forem observadas as regras contidas no artigo 607.º, nº 3.[6]
Todavia, apesar do juiz dever efectuar o exame crítico das provas respectivas não é falta de tal exame que basta para preencher a nulidade prevista na al. b) do artigo 615.º, essa só se verifica nos termos atrás referidos.
Por sua vez a falta de motivação no julgamento da matéria de facto determina a remessa do processo ao tribunal da 1ª instância, nas circunstâncias previstas no artigo 662.º, nº 2 al. d) ou a anulação do julgamento, ao abrigo da alínea c) do mesmo normativo, ou seja, o vício também não gera, por isso, a nulidade da decisão.
Não obstante, não se poderá dizer que, ao contrário do que defendem os apelantes, a decisão exarada pelo tribunal recorrido, sobre o julgamento da matéria de facto, não esteja fundamentada e que a mesma não tenha feito a análise crítica da prova.
De facto, basta lê-la para ver que assim não é.
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Improcedem, desta forma as conclusões C) a I) formuladas pelos recorrentes.
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A segunda questão que no recurso vem colocada prende-se com:
a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.
Como resulta do corpo alegatório e das respectivas conclusões os réus recorrentes impugnam a decisão da matéria de facto alegando que não concordam com a mesma relativamente aos pontos 32., 39. e 40. da fundamentação factual.
Quid iuris?
O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º nº 5) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.[7]
Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”.[8]
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPCivil).
Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância.[9]
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”.[10]
Importa, porém, não esquecer que, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.[11]
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão aos Réus recorrentes neste segmento recursivo da impugnação da matéria de facto, nos termos por eles pretendidos.
Seguindo a ordem plasmada nas alegações recursivas analisemos a impugnação do ponto 39. do elenco dos factos provados.
Relativamente a este ponto factual não se divisa, em bom rigor, o que os recorrentes pretendem.
Este ponto factual tem a seguinte redacção:
A autora, na sequência do afirmado em 37. e 38. e porque perdeu a confiança nos Réus, iniciou os tratamentos de reabilitação oral, descritos em 30, no centro médico dentário E… no dia 28/01/2015 e terminou em Novembro de 2015, tendo despendido a quantia global de € 5.900,00 (cinco mil e novecentos euros)”.
Portanto este ponto factual o que encerra é o tratamento de reabilitação oral da Autora e o seu custo e, como tal, nada nos diz sobre se tal reabilitação efectuada na boca da Autora consubstanciou tratamentos correctivos dos anteriormente efectuados pelo 1º Réu.
Depois referem os recorrentes que já em audiência de julgamento a autora veio juntar uma nova factura, datada de 4/11/2015 no valor de €2.900,00 (a pare das que juntou com a petição inicial) novamente com um talão comprovativo de pagamento por multibanco pouco perceptível, pedindo o seu desentranhamento.
Como se evidencia da acta da sessão de julgamento do dia 02/12 a Autora impetrou requerimento deduzindo o incidente de liquidação, tendo aí junto o documento a que fazem referência os recorrentes.
Ora, sucede que nessa ocasião o ilustre mandatário dos recorrentes não se opôs a junção do referido documento, o que afirmou de forma expressa, e o tribunal recorrido ao ter exarado despacho de admissão do incidente de liquidação sancionou, de forma implícita, a sua junção.
Como assim, existe caso julgado formal (cfr. artigo 620.º, nº 1 do CPCivil) sobre a referida admissão.
Mas ainda que assim não fosse e, portanto, se se verificasse a nulidade do acto nos termos gerais do n.º 1 do artigo 195.º do CPCivil, a mesma há muito que ficou sanada tendo em conta o preceituado no artigo 199.º do citado diploma, pois que o mandatário estava presente quando o acto foi praticado tendo, aliás, intervindo posteriormente em 13/12 na conclusão da audiência de julgamento sem que tivesse arguido qualquer nulidade (cfr. 149.º, nº 1 do CPCivil).
Por outro lado e como resulta da motivação da decisão da matéria de facto, o tribunal recorrido, para além de ter valorado os facturas juntas pela autora quer em sede de petição inicial quer sem sede de audiência de julgamento, sopesou também o depoimento Dr. G….
No que se refere a este depoimento alegam os recorrentes que não merece qualquer credibilidade estribados na circunstância que não é credível que um médico dentista, passados cinco anos, ainda se recorde do preço que o cliente pagou pelo respectivo tratamento.
Ora, importa, desde logo, referir que a testemunha em causa diz que consultou, antes de prestar o depoimento, os elementos documentais e depois referiu que era uma questão de consultar os mesmos, ou seja, afirmou o que é normal em situações desta natureza.
Portanto, não vemos em que elementos objectivantes se apoiam os recorrentes para afirmarem que o depoimento em causa não é credível.
Inócua, sob este conspecto, é também a afirmação feita pelos recorrentes de que foi a irmã da autora a efectuar o pagamento dos tratamentos em causa, pois que, nos termos do artigo 767.º, nº 1 do CCivil a prestação pode ser feita tanto pelo devedor como por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação.
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Perante o exposto deve, pois, referido facto continuar a constar do elenco dos factos provados.
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Aludem depois os recorrentes ao ponto 32. da resenha dos factos provados.
Este ponto tem a seguinte redacção:
Ulteriormente a 2ª Ré informou, verbalmente, a autora que aceitaria proceder à substituição do implante em crise e à colocação de nova ponte metalo-cerâmica com 4 elementos com a cor correcta, desde que realizado nas suas instalações”.
Acontece que em nenhures das alegações recursivas e respectivas conclusões os réus recorrentes impugnam o facto em questão.
Com efeito, limitam-se a tecer uma série de considerandos já ao nível da subsunção jurídica, mas sem nunca impugnarem o mencionado facto.
Como assim, deve o referido facto continuar a constar do elenco dos factos provados.
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Impugnam depois os recorrentes o ponto 40. da resenha dos factos provados.
Este ponto tem a seguinte redacção:
Após os tratamentos realizados pelo 1.º réu nas instalações da 2.ª ré a autora apresentou:
- inviabilização do implante 3.2. causada ou agravada pela sobrecarga oclusal;
- dificuldade na função mastigatória na qual releva o impedimento desta ação para o lado direito e constrangimentos na mastigação do lado esquerdo com traumatização do lábio e da bochecha em consequência do trabalho de ajuste oclusal;
- desvio da linha média do rosto em consequência da redução do número de dentes colocados no maxilar inferior;
- dentes com uma coloração diferente da cor natural da sua dentição”.
Os recorrentes apenas impugnam, relativamente a este facto, o segmento que está a negrito.
E cremos, salvo o devido respeito, que lhe assiste razão.
No relatório pericial refere-se: “a nível extra-oral verificou-se a ausência de assimetrias faciais, cicatrizes e a normalidade da abertura máxima da boca”.
Isso mesmo é, aliás, referido pela Sr.ª juiz na motivação da decisão da matéria de facto:
À data da realização da perícia–30/10/2017-a autora não apresentava assimetria facial ou cicatrizes, existindo normalidade na abertura máxima da boca e dos movimentos de lateralidade”.
É claro que no citado ponto, o momento temporal dessa assimetria facial se situa logo após os tratamentos realizados pelo 1º réu, para o que se terá então socorrido o tribunal a quo do depoimento da testemunha Dr. G….
Todavia, o que essa testemunha refere é que havia um desvio da linha média dentária e não facial, como de resto é afirmado na referida motivação da decisão da matéria de facto.
Isso mesmo é, aliás, confirmado pela testemunha Prof. H…, quando a instâncias do mandatário dos Réus, sobre se a colocação dos 3 incisivos pode alterar a linha média facial, respondeu de forma peremptória que não, já que a linha média facial é dada por traços faciais e não por traços dentários.
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Destarte, elimina-se do citado ponto factual o segmento supra referido.
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Improcedem, desta forma, as conclusões J) a FF) formuladas pelos recorrentes e procedem as conclusões GG) a JJ).
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A terceira questão que no recurso vem colocada consiste em:
c)- decidir em conformidade com a alteração factual propugnada pelos recorrentes e, mesmo não sofrendo esta qualquer alteração, se a sua subsunção jurídica se encontra, ou não, correctamente efectuada.
Como supra se referiu apenas se procedeu, a nível factual, à eliminação de um dos segmentos do ponto 40.
E por assim ser, é apenas perante o restante quadro factual que o tribunal recorrido deu como provado, que importa analisar se a sua subsunção se mostra, ou não correcta, daí que se revelem perfeitamente inócuas as longas transcrições de excertos de depoimentos feitos pelos recorrentes nesse âmbito.
Dito isto, o que está aqui em causa é o apuramento da eventual responsabilidade civil dos réus: o 1º réu enquanto médico dentista e a 2ª ré enquanto sociedade/clínica onde aquele levou a cabo a intervenção que, na versão da autora/recorrente, lhe causou os danos que quer ver ressarcidos.
Por isso, ainda que sucintamente, importa começar por definir a modalidade da responsabilidade civil em que se enquadra a actividade médica e a do médico dentista em particular–se na contratual ou se na extracontratual-, a natureza da obrigação que estava a cargo da 2º ré–se uma obrigação de meios ou se uma obrigação de resultado–e a que título poderia a 1ª ré ser responsabilizada pela actuação daquele. Depois, tendo por base a factologia que foi dada como provada na douta sentença, haverá que indagar da verificação ou não, in casu, dos pressupostos da modalidade da responsabilidade civil aplicável e, se for o caso, que determinar os montantes indemnizatórios, por referência ao que foi peticionado.
Como se sabe durante muito tempo vigorou, nos casos de responsabilidade médica, a orientação que a enquadrava no âmbito da responsabilidade civil extracontratual.
Esta orientação tradicional foi abandonada a partir da adopção da dicotomia entre “obrigações de meios” e “obrigações de resultado”-nestas últimas, o devedor compromete-se a produzir um certo resultado em benefício do credor ou de terceiro, de tal modo que a obrigação apenas se considera cumprida se o resultado projectado pelas partes for alcançado; nas primeiras, o devedor, ao contrair a obrigação, não fica adstrito à produção de nenhum resultado, vinculando-se apenas a realizar determinado esforço ou diligência para que o resultado pretendido se obtenha.
As obrigações do médico perante o doente passaram, segundo alguma doutrina, a ser consideradas como obrigações de meios[12], outros, num registo não muito divergente, entendem que o médico assume uma obrigação de risco ou de resultado aleatório, na medida em que “não se obriga apenas a usar a sua melhor diligência para obter um diagnóstico ou conseguir uma terapia adequada, antes se vincula a fazer uso da sua ciência e aptidão profissional para a realização do diagnóstico e para a definição da terapia aconselhável”, pelo que “ainda que o médico não possa responder pela obtenção de um resultado, ele é responsável perante o paciente pelos meios que usa (ou deve usar) no diagnóstico ou no tratamento”[13] .
Hoje, doutrina e jurisprudência convergem no sentido de que a actuação do médico perante o doente/paciente pode, nuns casos, reconduzir-se às obrigações de meios e, noutros, às obrigações de resultado e que a respectiva responsabilidade deverá, umas vezes, ser aferida no quadro da responsabilidade extracontratual e, noutras, no da responsabilidade contratual.
Quanto a este último ponto, predomina o entendimento de que a regra é a da responsabilidade contratual do médico, constituindo a responsabilidade extracontratual a excepção e apenas possível nos casos em que o médico actue em situações de urgência, em que inexiste acordo/consentimento do doente à sua actuação/intervenção.
É de considerar que em especialidades como medicina interna, cirurgia geral, cardiologia, gastroenterologia, o especialista compromete-se com uma obrigação de meios–o contrato que o vincula ao paciente respeita apenas às legis artis na execução do acto médico; a um comportamento de acordo com a prudência, o cuidado, a perícia e actuação diligentes, não estando obrigado a curar o doente.
Mas especialidades há que visam não uma actuação directa sobre o corpo do doente, mas antes auxiliar na cura ou tentativa dela, como sejam os exames médicos realizados, por exemplo, nas áreas da bioquímica, radiologia e, sobretudo, nas análises clínicas.
Neste domínio é dificilmente aceitável que estejamos perante obrigações de meios, e, portanto, consideramos que se trata de obrigações de resultado.
No entanto, existem algumas áreas da medicina em que a menor influência de factores não controlados pelo profissional e o avançado grau de especialização técnica fazem reconduzir a obrigação do médico a uma obrigação de resultado, por ser quase nula a margem de incerteza deste. Pense-se, por exemplo, nas intervenções médico-dentárias com fins predominantemente estéticos, tais como colocação de próteses, restauração de dentes e até a realização de implantes. Aí, o resultado surge sempre como substrato imprescindível da obrigação.[14]
Menos controversa tem sido a solução da questão da responsabilidade da clínica onde o médico exerce a sua actividade e onde levou a cabo os actos que podem estar na base da sua responsabilidade.
A responsabilidade daquela [circunscrita à medicina exercida no sector privado] vem sendo radicada no disposto no artigo 800.º do CCivil, mais concretamente na parte final do seu nº 1, com referência ao concreto contrato que o doente/paciente em causa tenha celebrado com o médico e a clínica.
Ao falar de actos “das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação”, o legislador abarca quer os auxiliares, quer os substitutos, sendo que este “substitui o devedor, que não intervém no cumprimento”, havendo “então o cumprimento por terceiro”, ao passo que o auxiliar “coloca-se em plano secundário, pressupondo a intervenção principal do devedor como autor” do respectivo acto. É substituto [em sentido amplo] todo aquele que executa o acto “em vez do devedor, seja qual for a sua posição jurídica perante este: procurador, mandatário, subcontratante (em certos casos), autor de uma promessa de liberação, fiador, etc.”. Embora empregue em sentido amplo,há todavia que fazer uma restrição para os efeitos do artigo 800.º (…): a responsabilidade do devedor pelos actos do substituto só existe quando a intervenção deste decorre da iniciativa daquele”.[15]
Feitas estas considerações genéricas relativas à problemática da responsabilidade médica [em sentido amplo, compreendendo a responsabilidade do médico e da clínica onde o acto médico foi levado a cabo], é então tempo de nos debruçarmos sobre o caso sub judice.
Em 23/11/2012, na consulta, o 1.º réu apresentou à autora 2 orçamentos para o tratamento da sua dentição. O primeiro no valor de 5.560,00 euros, o qual incluía a colocação no maxilar superior de espigão em falso com coroa metalo-mecânica no dente 1.4 (500 euros) e de implante com coroa metalo-cerâmica no dente 2.5 (1.250,00 euros) e no maxilar inferior a extração dos dentes 3.2, 3.1, 4.1 e 4.2 (200 euros), a colocação de uma prótese provisória de 4 dentes (210,00 euros) e a colocação de 2 implantes nos dentes 4.2 e 3.2 e ponte metalo-cerâmica de 4 elementos, dentes 3.2, 3.1, 4.1 e 4.2 (3.400,00euros), o segundo no valor de 1.910,00 euros, o qual incluía a colocação no maxilar superior de espigão em falso com coroa metalo-mecância no dente 1.4 e de prótese removível esquelética de 2 dentes e no maxilar superior a extracção dos dentes 3.2, 3.1, 4.1 e 4.2, a colocação de uma prótese provisória de 4 dentes e a colocação de prótese removível esquelética de 4 dentes (dentes 3.2, 3.1, 4.1 e 4.2), sendo que a autora concordou com o tratamento proposto no primeiro orçamento apresentado (cfr. pontos 10. e 11. da fundamentação factual).
Daqui resulta que resulta que estamos, inequivocamente, perante um caso de responsabilidade contratual, que a obrigação assumida pelos réus se traduziu numa obrigação de resultado [ou numa obrigação fragmentária de resultado] e que a responsabilidade da 2ª ré se reconduz ao designado “contrato total”, pois que se responsabilizou também pelos danos que pudessem advir dos tratamentos que iriam ser realizados pelo 1º réu.
Importa, por isso, verificar se ocorrem, ou não, os pressupostos da responsabilidade civil contratual, que são, como na extracontratual, a ilicitude [facto ilícito], a culpa, o dano e o nexo causal entre o facto e o dano, sendo que, diversamente do que acontece nesta última [responsabilidade delitual ou aquiliana] em que cabe ao lesado a prova de todos estes pressupostos, naquela o lesado não tem que provar a culpa do agente-tem, no entanto, que fazer prova dos outros três pressupostos, em conformidade com o prescrito no nº 1 do artigo 342.º do CCivil-, pois a mesma presume-se, nos termos do nº 1 do artigo 799.º do mesmo diploma legal.
Na decisão recorrida propendeu-se para o entendimento de que no caso se verificavam todos os pressupostos supra enunciados.
Deste entendimento dissente os réus recorrentes.
Que dizer?
Não há dúvida de que a autora configurou a acção, com base na ilicitude da actuação do médico 1º réu e da 2ª ré decorrente do cumprimento defeituoso das suas prestações.
E tal cumprimento defeituoso está, efectivamente, provado nos autos (cfr. pontos 21. a 28. e 40. da fundamentação factual, este último com a eliminação do um dos seus segmentos conforme supra decidido).
A questão que agora importa dilucidar é se o referido cumprimento defeituoso legitimava a que a autora tivesse adoptado a conduta que adoptou quando, como vem descrito no ponto 39. da fundamentação factual, iniciou os tratamentos de reabilitação oral, descritos em 30., no Centro Médico Dentário E… no dia 28/1/2015 e terminou em Novembro de 2015, tendo despendido a quantia global 5.900,00 euros.
Vejamos o que no diz a esse respeito o quadro factual que nos autos se mostra assente.
Na sequência do quadro factos descrito em 21. a 28. da fundamentação factual a autora em Abril de 2014, foi ao Centro Médico Dentário E… onde lhe foi feito um diagnóstico das queixas que apresentava (cfr. ponto 29. da fundamentação factual) e apresentado um orçamento entre os valores de 5.000,00 euros e 5.900,00 euros para executar os seguintes tratamentos: destartarização, polimento, tratamento de cáries dos dentes 1.7, 1.3, 1.2, 2.2, 2.3, 2.8, 2.6 e 3.7, remoção de cola dos dentes 4.5 e 3.5, substituição do implante do dente 3.2 e remoção da ponte fixa existente e colocação de coroa cerâmica no dente 4.3 e reabilitação dos dentes 3.2. e 4.2 com implantes (reabilitação inferior) (cfr. ponto 30. da fundamentação factual).
Munida da avaliação feita pelo referido Centro Médico E…, a autora voltou, com a irmã, à consulta e solicitou, por intermédio daquela, a devolução das quantias entregues à 2.ª ré, considerando ter sido quebrada a confiança com os réus, tendo o 1.º réu afirmado que não podia tomar tal decisão cabendo a mesma à direcção da clínica, sendo que, ulteriormente, a 2.ª ré informou, verbalmente, a autora que aceitaria proceder à substituição do implante em crise e à colocação de nova ponte metalo-cerâmica com 4 elementos com a cor correta, desde que realizado nas suas instalações (cfr. pontos 31. e 32. da fundamentação factual).
Acontece que a autora queria que a 2ª ré coloca-se por escrito essa sua proposta tendo para o efeito enviado carta através do seu advogado (cfr. ponto 33. da fundamentação factual), ao que a 2ª ré não anuiu.
Respigando este segmento factual impõe-se concluir, num primeiro momento, que perante a proposta feita pela 2ª ré de que aceitaria resolver a situação nos moldes supra descritos, desde que fosse feita nas suas instalações, a autora não tinha fundamento legítimo para a recusar, pois que se destinava a correcção dos defeitos de que padecia o trabalho médico dentário anterior.
Com efeito, a 2ª ré não estava obrigada a apresentar por escrito essa sua proposta, pois que estando nós perante um contrato cuja validade das declarações negociais não dependia de forma especial, ou seja, perante um contrato consensual em que vigorava a liberdade de forma (cfr. artigo 219.º do CCivil), também esta proposta de correcção dos defeitos podia ser apresentada verbalmente pela 2ª ré como o foi (cfr. artigo 221.º, nº 2 do citado diploma).
Avançando.
Após troca de correspondência, as partes acordaram que se procedesse a uma avaliação médico-legal a ter lugar no INMLCF, IP, delegação do norte, na especialidade de estomatologia e ortodontia, o que veio a suceder no 19/9/2014 com conclusão em 16/10/2014 (cfr. pontos 34. a 36. da fundamentação factual).
Concluído o referido exame a autora deu conhecimento à 2.ª ré do relatório realizado mediante carta datada de 27/11/2014, tendo informado que caso não obtivesse resposta no prazo máximo de 10 dias esse silêncio seria interpretado como uma anuência às conclusões da avaliação médico-legal em causa, com a consequente realização dos tratamentos sugeridos no Centro Médico Dentário E…, atenta a sua urgência e necessidade, o que veio a acontecer tendo a autora iniciado os tratamentos de reabilitação oral, descritos em 30., no Centro Médico Dentário E… no dia 28/1/2015 (cfr. pontos 37. e 39. da fundamentação factual).
Importa, desde logo assinalar, que não obstante as partes tenham acordado na realização da referida avaliação no …, IP, não ficou acordado que aceitariam as suas conclusões e muito menos que, em momento posterior, a autora podia realizar, caso se concluísse pela existência de defeitos no trabalho realizado, os tratamentos sugeridos no Centro Médico Dentário E… recorrendo aos serviços de um terceiro, neste caso deste mesmo Centro Médico.
É que, o que está provado é que a 2ª ré aceitou a realização do exame e nada mais que isso, ou seja, não está provado que aceitou todo o conteúdo da missiva envida pelo advogado da autora datada de 27/07/20149.
Ora, dúvidas não existem, como noutro passo já se referiu, de que face ao quadro factual que nos autos resultou provado, a prestação contratual efectuada pela 2ª ré por intermédio do 1º réu foi feita de forma defeituosa.
Acontece que, o incumprimento defeituoso gera somente, segundo cremos, a obrigação de correcção dos defeitos e já não um incumprimento definitivo da obrigação.
Como refere Galvão Telles[16]“aquele que executa mal é obrigado, em princípio, a corrigir do defeito ou, se a correcção não se torna possível, a substituir a prestação imperfeita por outra perfeita”.
Também Antunes Varela[17], excluindo os casos em que a irregularidade ou deficiência da prestação a afastam de tal forma da prestação exigível (em que o interesse do credor fica inteiramente por preencher) em que existirá uma situação de incumprimento ou mora, existirão casos “em que o credor, por analogia com o disposto no art. 808º nº 1, poderá exigir do devedor que corrija ou substitua a prestação defeituosa dentro do prazo razoável que para o efeito lhe fixar, sob pena de considerar a como definitivamente não cumprida”.
Daqui resulta que, perante as conclusões do relatório pericial, a autora apenas podia exigir da 2ª ré a correcção dos defeitos do trabalho médico dentário primeiramente realizado, podendo para o efeito fixar-lhe um prazo razoável, sob pena de considerar o contrato não cumprido.
Todavia, a carta enviada a 2º ré com data de 27/11/2014 não configura qualquer interpelação admonitória, já que aí não se pede a correcção de qualquer defeito e não se assinala qualquer prazo esse fim, o que aí refere é que a autora irá realizar os tratamentos sugeridos no Centro Médico Dentário E….
Evidentemente que o estado de necessidade (artigo 339.º do CCivil) pode justificar o afastamento do citado procedimento, sendo legítimo à parte que realize a prestação que estava defeituosa por sua conta, com a possibilidade de ser reembolsado das despesas efectuadas.
Repare-se, porém, que nos autos não está provada um quadro factual donde se conclua a necessidade urgente dos tratamentos, pois que apenas no ponto 37. da fundamentação factual se faz alusão a um excerto da missiva de 27/11/2014 envida à 2ª ré onde, de forma conclusiva, se faz referência a essa urgência e necessidade.
Aliás, diga-se, que é a própria conduta da autora que leva precisamente à demonstração dessa não urgência, pois que só passados dois meses, após o envio da referida missiva, é que dá início aos tratamentos (cfr. ponto 39. da fundamentação factual).
E, fá-lo, não porque fosse urgente o referido tratamento, mas porque havia perdido a confiança nos réus (cfr. ponto 39. da fundamentação factual), que nada mais que é um conceito conclusivo e, por isso, sem qualquer relevância em termos de diferente solução jurídica.
Diante do exposto, a autora ao ter recorrido aos serviços de um terceiro para proceder à correcção dos defeitos do trabalho médico dentário, impossibilitou que a 2ª ré procedesse a essa mesma correcção e, portanto, ao cumprimento integral do acordado, tanto mais que, como resultou provado, a 2.ª ré se predispôs a proceder à substituição do implante em crise e à colocação de nova ponte metalo-cerâmica com 4 elementos e com a cor correta (cfr. ponto 32. da fundamentação factual).
Ou seja, com esta atitude, foi a autora que se colocou numa situação de incumprimento contratual, tornando impossível à ré a que procedesse aos acertos e rectificações que no caso se impusessem.
Destarte, do quadro factual que nos autos se mostra assente, não resulta que a actuação da ré tenha sido ilícita, nem que ela tenha incumprido definitivamente o contrato.
Como assim, não tendo a autora feito prova da ilicitude da conduta dos Réus, prejudicada fica a análise dos demais pressupostos da responsabilidade civil contratual, supra enunciados, não havendo lugar à correspondente obrigação de indemnizar.
*
Procedem, assim, as conclusões X) a FF) formuladas pelos recorrentes e, com elas, o respectivo recurso.
*
IV- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente por provada e, consequentemente, revogando a decisão recorrida absolvem os Réus dos pedidos contra si formuladas pela Autora.
*
Custas da apelação a cargo da Autora (artigo 527.º do CPCivil).
*
Porto, 8 de Fevereiro de 2021.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
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[1] Neste sentido, ver Alberto dos Reis, CPC Anotado, V, 140 e Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, pág. 669.
[2] Cfr. Antunes Varela, obra citada pág. 670.
[3] Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 348.
[4] CPC Anot., vol. II, pág. 628.
[5] Comentários ao C.P.Civil, pág. 434.
[6] Cfr. Lebre de Freitas, CPC Anot., vol. II, pág. 628.
[7] De facto, “é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.”-Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (Abrantes Geraldes in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 273).
[8] Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348.
[9] Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, processo n.º 3931/03.2TVPRT.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[11] Ac. Rel. Porto de 19 de Setembro de 2000, CJ XXV, 4, 186; Ac. Rel. Porto 12 de Dezembro de 2002, Proc. 0230722, www.dgsi.pt
[12] Assim, Manuel de Andrade, in “Teoria Geral das Obrigações”, 3ª ed. pg. 414,
[13] Cfr. Teixeira de Sousa, in “Sobre o Ónus da Prova nas Acções de Responsabilidade Civil Médica”, Direito da Saúde e Bioética, 1996, AAFDL, pgs. 136-137 e nota 26.
[14] Cfr. Acórdão desta Relação de 05/03/2013, proc. 3233/05.0TJPRT.P1, disponível in www.dgsi.pt/jtrp, que cita, no mesmo sentido, o ensinamento de Rute Teixeira Pedro, in “A Responsabilidade Civil do Médico”, Centro de Direito Biomédico da Universidade de Direito de Coimbra, vol. 15, pgs. 95-96.
[15] Cfr. Pessoa Jorge, in “Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, 1995, pgs. 139-141; idem, Vaz Serra, in “Responsabilidade do Devedor pelos Factos dos Auxiliares, dos Representantes Legais e dos Substitutos”, BMJ nº 72, pgs. 272-273; aludindo apenas aos auxiliares, Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. II, 3ª ed. rev. e act., pgs. 57-58.
[16] In Direito das Obrigações, 7ª edição, pág. 337.
[17] In Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª edição, págs.128 e 129.