Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
22106/19.2T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
CONTRADIÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RP2022071322106/19.2T8PRT.P1
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A nulidade da sentença prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC ocorre quando se patenteia que a sentença enferma de vício lógico que a compromete, ou seja, o juiz, escrevendo o que realmente quis escrever, fez todavia uma construção viciosa, já que os fundamentos que invocou conduziriam logicamente, não ao resultado expresso, mas ao oposto.
II - A nulidade por omissão de pronúncia, a que se alude na alínea d), tem a ver com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos no artigo 608.º, n.º2 do CPC, aí não se integrando, porém, os casos de eventual omissão indevida de factos na pronúncia do tribunal sobre a matéria de facto realizada na sentença, pois que, noutros termos, quanto a estes casos, colhem expressa cobertura no âmbito do regime previsto sobre a reapreciação da matéria de facto, a que alude expressamente o artigo 662.º do CPC.
III - A alínea b), do nº 1, do artigo 640.º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos ou pelo menos a factos diretamente relacionados e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos, não cumprindo esse ónus o recorrente que, nas alegações e nas conclusões, não faz tal concretização, o que justifica que o recurso seja nessa parte rejeitado.
IV - A Aplicação do direito a realizar na sentença tem como necessário pressuposto o quadro factual provado e não, pois, eventuais factos que desse não resultem.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 22106/19.2T8PRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto

Autor: AA
Ré: V..., Unipessoal, Lda.
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Relator: Nélson Fernandes
Adjuntos: Des. Rita Romeira
Des. Teresa Sá Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. AA propôs ação declarativa comum contra V..., Unipessoal, Lda., pedindo que se declare válido o pacto de não concorrência convencionado e assumido entre Autor e Ré constante do respetivo contrato de trabalho e, consequentemente, se condene a Ré a: a) Pagar ao autor a compensação integral no montante de € 12.000,00, prevista na cláusula 13.3, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento; b) Pagar ao autor uma justa e equitativa indemnização, no mesmo valor de € 12.000,00, pelo incumprimento do contrato de trabalho e pela violação dolosa e ilícita de direitos e deveres; c) Pagar ao autor as custas inerentes ao processo em contenda.

Realizada a audiência de partes, e frustrada que se mostrou a conciliação, a Ré veio apresentar contestação, pugnando pela improcedência da ação e pela condenação do Autor como litigante de má fé.

O Autor apresentou resposta, mas que não foi admitida.

Depois de fixado o valor da ação em € 24.000,00, foi proferido despacho saneador, após o que o Tribunal se absteve de proferir o despacho previsto no artigo 596.º do Código de Processo Civil (CPC).

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi depois proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Por tudo quanto se expôs, julga-se a presente ação improcedente, por não provada e, em consequência, absolve-se a ré do pedido.
Custas pelo autor.
Registe e notifique.”

2. Não se conformando com o assim decidido, apresentou o Autor requerimento de interposição de recurso, formulando no final das alegações as conclusões seguintes (transcrição):
………………………………
………………………………
………………………………

2.1. Após, apresentou o Autor novo requerimento, em que requereu a junção de novas alegações corrigidas.

2.2. Notificada, a Ré contra-alegou, apresentando também extensas conclusões.
Em síntese, começando por invocar a rejeição das segundas alegações juntas pelo Autor, sustentou a rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, por incumprimento dos ónus legais, e, por fim, pela improcedência do recurso, com confirmação na íntegra da sentença recorrida.

2.2.2. Apreciando, foi proferido pelo Tribunal a quo despacho, do qual resulta o seguinte:
“Da requerida rectificação: estabelece o artigo 146.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que “É admissível a rectificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada”.
Acrescenta o n.º 2 que “Deve ainda o juiz admitir, a requerimento da parte, o suprimento ou a correcção de vícios ou omissões puramente formais de actos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correcção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa”.
A primeira hipótese prevista neste artigo não é mais que a consagração na lei processual do regime (que já era observado nos tribunais) no Código Civil, nos artigos 249.º e 295.º.
A redacção do artigo 249.º do CC é bem mais ampla do que a do artigo 146.º, n.º 1 do CPC, ao referir-se ao erro de escrita revelado não apenas no contexto, mas também ao relevado através das circunstâncias em que é feita.
Ora, como é sabido, a reforma operada ao CPC em 2013 teve como objectivo fundamental a simplificação e desformalização dos procedimentos, por forma a tornar o processo mais célere e eficaz.
Não se me afigura, assim, que o legislador ao prever a admissibilidade de recertificação dos erros das peças processuais que fossem revelados no contexto das mesmas, tenha querido afastar a possibilidade da rectificação das peças processuais quando contivessem erros relevados através das circunstâncias em que a peça processual foi elaborada – corrigíveis, como vimos, mediante aplicação do artigo 249.º do CPC.
Foi o autor notificado para esclarecer quais os erros de escrita que pretendia corrigir, tendo esclarecido que, a final, os erros de escrita são irrelevantes, sendo que o que pretendeu com o requerimento em que junta novas alegações é resumir as conclusões das alegações.
Ora, considerando que o requerimento de 19/02 é apresentado já após o decurso do prazo para interposição de recurso, no mesmo podia o recorrente apenas proceder à rectificação de algum lapso de escrita nos termos do citado artigo 146º.
Não sendo esse o caso, não admito aquele requerimento.
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Por estar em tempo, ter legitimidade e a decisão ser recorrível, admito o recurso interposto pelo autor em 15/02, o qual é de apelação e sobe de imediato nestes autos – artigos 79.º, a) 79º-A, nº 1, 80.º e 83.º-A, n.º 1 do CPT.
Subam os autos ao Tribunal da Relação do Porto.”

3. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no parecer emitido, pronuncia-se no sentido: de que não se verifica a nulidade invocada; de que o Recorrente não dá correto cumprimento ao determinado pelo art.º 640º do CPC, indicando os factos mal julgados, os elementos de prova que determinavam julgamento diferente e o sentido em que deveriam ter sido julgados; quanto ao direito, que não merece censura a decisão recorrida, atentos os fundamentos de facto e de Direito que determinaram a decisão.
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Corridos os vistos legais, nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir:

II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635.º/4 e 639.º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do artigo 87.º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) saber se ocorre a nulidade da sentença invocada; (2) impugnação da matéria de facto / juízo de admissibilidade; (3) o direito do caso: (3.1) questão da (i) licitude da cláusula aposta no contrato; (3.2) demais questões.
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III – Fundamentação
A) Fundamentação de facto
O tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos:
“1 - No dia 29 de agosto de 2016, Autor e Ré, celebraram um contrato de trabalho por tempo indeterminado.
2 - A atividade profissional exercida pelo Autor, por conta e sob direção e autoridade da Ré, abrangia as funções elencadas na primeira parte da cláusula n.º 1.2 do Contrato: “… planeamento, implementação e gestão de projectos e operações, que correspondem às genericamente definidas pela Primeira Contratante para a classificação de engenheiro de projecto e operações, sem prejuízo de futuras adaptações, pela Primeira Contratante, do âmbito de funções dessa classificação ou de reorganização do sistema de classificações”.
3 - No mencionado contrato de trabalho existia a cláusula 13 com o seguinte teor:
“13. Pacto de Não Concorrência
13.1 Cessado por qualquer forma o vínculo com a Primeira Contratante, o Segundo Contratante obriga-se, durante o período a seguir indicado, a não laborar e a não prestar serviços para qualquer pessoa, organização ou empresa que concorra com a atividade exercida pela Primeira Contratante em qualquer das suas atividades comerciais, científicas e tecnológicas em termos que possa causar prejuízo sério à Primeira Contratante, nos termos melhor descritos no Acordo de Confidencialidade, Não-Solicitação e Atribuição de Propriedade de Invenção que se anexa e constitui o Anexo sendo parte integrante do presente contrato.
13.2 A obrigação referida no número anterior terá a duração de 2 anos, iniciados na data da respetiva cessação.
13.3 A título de compensação o Trabalhador terá direito a receber uma indemnização mensal enquanto durarem as obrigações, aqui assumidas em montante mensal de € 500 (Quinhentos Euros), nos termos do disposto no artigo 136º, nº2, alínea c) e nº 4 do Código do Trabalho.
(….)
13.5 Em caso de violação ao disposto na presente Cláusula o Segundo Contratante, constitui-se imediatamente no dever de compensar a Primeira Contratante através de montante fixo correspondente a € 50000 (Cinquenta Mil Euros).
4 - No dia 18 de fevereiro de 2019, o Autor foi convidado por uma funcionária do departamento administrativo da empresa para uma reunião informal e individual, entre aquele e um dos profissionais contratados pela Ré para lhe prestar serviços de cariz jurídico.
5 - A qual lhe apresentou um documento denominado “Acordo de Revogação de Pacto de Não Concorrência”, entregue ao Autor pela Ré, para a subscrição do mesmo.
Do “Acordo de Revogação de Pacto de Não Concorrência”, consta o seguinte: (…) “Considerando que:
A. Segundo Contraente foi admitido ao serviço da Primeira Contraente através da celebração de um contrato de trabalho em 29 de Agosto de 2016, para o desempenho das funções de Engenheiro de Projectos e Operações, (doravante abreviadamente referido por “Contrato”);
B. Por mero lapso de redacção, estabeleceu-se na cláusula n.º 13 do contrato um pacto de não concorrência, o qual não tinham as Partes vontade de celebrar, tratando-se de um erro de declaração, na medida em que os requisitos fixados no artigo 136º, n.º 2 do Código de Trabalho não se verificam na relação laboral que entrou em vigor entre as partes com a celebração do contrato.
C. As Partes acordam, assim, em proceder à revogação do pacto de não concorrência em vigor por força da execução do Contrato.
É revogado e reciprocamente aceite o presente Acordo de Revogação (o “Acordo”), nos termos da cláusula seguinte de que os anteriores fazem parte integrante:
PRIMEIRA
As Partes acordam em revogar o pacto de não concorrência em vigor entre ambas.
A Primeira Contraente renuncia totalmente aos direitos previstos no pacto de não concorrência constante da cláusula n.º 13 do Contrato de Trabalho celebrado entre as Partes em 29 de Agosto de 2016, ficando totalmente desonerada das obrigações pecuniárias previstas na cláusula n.º 13 do referido Contrato, o que o Segundo Contraente desde já aceita.
O Segundo Contraente renuncia totalmente aos direitos e efeitos decorrentes do pacto de não concorrência constante da cláusula n.º 13 do Contrato de Trabalho celebrado entre as Partes em 29 de Agosto de 2016, ficando totalmente desonerado das obrigações previstas na cláusula n.º 13 do referido Contrato, o que a Primeira Contraente desde já aceita.”.
6 - O Autor comunicou de imediato à Ré, ali representada pela sua mandatária forense, a sua decisão de renunciar à outorga daquele documento.
7 - O autor, aquando da sua contratação, assinou o “Confidentially, Non-Solicitation, Non-Competion, and Invention Assignment Agreement” redigido em língua Inglesa e cuja outorga a “Empresa-mãe”, a V..., Inc., sediada nos Estados Unidos da América, exigia.
8 - No dia 20 de fevereiro de 2019 o Autor notifica, pessoalmente, a Ré entregando-lhe, em mão, a comunicação da denúncia do seu Contrato, no prazo convencionado e legalmente estabelecido.
9 - Nessa notificação, o Autor solicita ainda, à Ré, o apuramento da retribuição que lhe é devida, designadamente, vencimentos, subsídios de férias e natal, e de férias não gozadas, invocando expressamente o direito à compensação previsto na Cláusula 13.3 do seu Contrato.
10 - No dia 18 de abril de 2019, o Autor é convocado pelo departamento de recursos humanos da Ré para, presencialmente, assinar a declaração de quitação decorrente da regularização da retribuição apurada no âmbito da Denúncia do Contrato, a qual não contemplava o valor compreendido para a compensação prevista na Cláusula atrás referida.
11 - Refere a dita “Declaração de Quitação”, a partir do segundo parágrafo, o seguinte: “Declara ainda que expressamente renúncia a todos e quaisquer eventuais créditos perante a V..., patrimoniais ou não patrimoniais, vencidos ou vincendos, atuais ou futuros, e considera integralmente remitida toda e qualquer dívida que esta pudesse ter perante a ora declarante, nada mais lhe sendo devido pela V..., por força da execução do contrato de trabalho, ou da sua cessação, nomeadamente a título de retribuição, diuturnidades, prémios, comissões, reembolso de despesas, trabalho suplementar, trabalho nocturno e/ou descanso compensatório, nada mais tendo a ora declarante a reclamar ou a receber, seja a que título for.
Mais reconhece que o contrato de trabalho cessou válida e licitamente, em virtude da denúncia por parte do trabalhador, no dia 21 de Abril de 2019 renunciando o ora declarante a reclamar judicialmente qualquer outro vínculo laboral com a V..., decorrente da execução e/ou cessação do referido contrato”.
12 - O Autor redigiu no próprio documento, que recebeu no dia 18 de abril de 2019 o recibo final de quitação do vencimento, subsídio de férias, o proporcional ao mês de férias, proporcional do subsídio de férias, proporcional do subsídio de natal e uma indemnização de férias não gozadas (…).
13 - Mais declarou o Autor no documento, a minha recusa assinar o mesmo documento, uma vez que não há qualquer referência à forma de pagamento do meu direito de receber o valor que consta da cláusula n.º 13.3 do meu Contrato de Trabalho (pacto de não concorrência). Até à presente data, não me foi dado o direito de resposta à minha reclamação pelo pagamento da cláusula 13 do meu contrato de trabalho, pelo que solicito com a maior brevidade nesta mesma resposta.
14 - A resposta ao pedido do Autor foi comunicada no dia 16 de julho de 2019.
15 - Refere a mesma fundamentação que consta do Acordo de Revogação, designadamente, a invalidade da Cláusula n.º 13 do contrato de trabalho, resultante de um lapso de redação por falta de vontade das partes; da violação dos requisitos previstos no artigo 136º, n.º 2 do CT e da falta de vontade das partes em celebrar aquele Contrato.
16 - Os primeiros trabalhadores que cessaram o contrato de trabalho, antes do Autor, foram recompensados pela limitação imposta na cláusula que estipula o pacto de não concorrência.
17 - Pelo menos os trabalhadores, BB, CC e DD, assinaram o Contrato não contendo a Cláusula respeitante ao pacto de não concorrência.
18 - A Ré é uma sociedade que se dedica, em traços gerais, à comercialização de tecnologias de redes sem fios para comunicação entre veículos, com especial enfoque em aplicações de mobilidade inteligente e na ligação de veículos à Internet.
19 - No âmbito da sua atividade, as principais tecnologias desenvolvidas pela Ré são: (i) interfaces sem fios para redes veiculares (pontos de acesso fixos e unidades móveis para veículos), (ii) arquiteturas de rede autoconfiguráveis e protocolos de comunicação para redes de veículos, e (iii) mecanismos de segurança de comunicação para veículos em rede.
20 - A Ré foi constituída em 14 de março de 2012, sendo uma empresa start-up com o propósito de se dedicar à atividade descrita nos artigos anteriores.
21 - A ideia inovadora que deu origem ao início da atividade da Ré foi conjeturada pelos seus fundadores EE, FF, GG e HH.
22 - Na altura da sua constituição, a Ré contratou alguns colaboradores recém-licenciados, nomeadamente II, JJ, KK, LL, MM, NN e OO.
23 - Mantendo-se, atualmente, ainda ao seu serviço, II, JJ e NN.
24 - Estes trabalhadores tiveram um papel fundamental no início de laboração da Ré, na medida em que colaboraram na investigação e desenvolvimento da plataforma que realizava, na prática, a ideia dos fundadores da Ré, tendo contribuído para a elaboração do portfolio de patentes da Ré e que constitui o segredo de negócio da Ré.
25 - No setor de atividade da ré, e por força do envolvimento de ideias sensíveis, o portfolio de patentes é um elemento essencial e importantíssimo que protege a propriedade intelectual inerente à atividade da Ré.
26 - A Ré, à data, destituída de uma estrutura organizativa interna formada, recorreu a serviços jurídicos por forma a ter o devido apoio na elaboração dos contratos de trabalho desses colaboradores.
27 - Dada a importância da atividade desenvolvida por estes colaboradores em concreto, a Ré negociou com eles, individual e diretamente, a aposição de uma cláusula alusiva a um pacto de não concorrência nos seus contratos de trabalho, tomando em consideração os conhecimentos sensíveis que esses colaboradores possuíam e os conhecimentos posteriores que iriam adquirir no decurso da sua relação laboral com a Ré, e dado o aconselhamento jurídico que lhe havia sido prestado, a Ré optou por celebrar um pacto de não concorrência com esses trabalhadores.
28 - A Ré não tinha a menor dúvida de que na hipótese de esses colaboradores prestarem a sua atividade, fosse por conta própria ou até para outra empresa concorrente, tal exercício poderia causar enormes prejuízos à Ré, que se dedicava a uma atividade pioneira com uma envolvência marcante de propriedade intelectual.
29 - Ao exercer funções ao serviço da Ré, estes trabalhadores em concreto adquiriram conhecimentos, competências e um elevado nível de know-how sobre a pedra basilar do negócio da Ré, tendo, no fundo, ajudado a Ré, desde o início, na conceção e respetivo desenvolvimento do seu produto.
30 - Por tal razão, o nível de concorrência diferencial inerente às funções por eles exercidas comportavam um potencial risco de causar prejuízos efetivos à Ré.
31 - Com o apoio dos advogados contratados, a Ré celebrou com esses trabalhadores um contrato de trabalho com um pacto de não concorrência ínsito na sua redação, com o objetivo de salvaguardar a vantagem competitiva da “V...” enquanto a propriedade intelectual inerente ao seu segredo de negócio não estivesse protegida por patente.
32 - Através do referido pacto de não concorrência, os trabalhadores estavam impedidos, por um período de dois anos após a cessação dos seus contratos de trabalho, de exercer a sua atividade para uma qualquer empresa concorrente da Ré.
33 - Em contrapartida, a Ré, a título de compensação por essa limitação à liberdade contratual, estava obrigada a pagar a cada um dos colaboradores uma indemnização mensal de € 500,00 (quinhentos euros), enquanto perdurasse essa obrigação de não concorrência, o que perfazia o montante global de € 12.000,00 (doze mil euros).
34 - Tendo os termos do pacto de não concorrência, quer a duração da obrigação de não concorrência quer o montante da compensação mensal, sido diretamente negociados entre a Ré e esses colaboradores.
35 - Aquando da cessação dos contratos de trabalho do KK, MM e OO, a Ré liquidou os montantes que eram devidos a estes colaboradores.
36 - Na altura, dado tratar-se de uma empresa start-up, em início de laboração, a Ré, numa ótica de contenção de custos, somente recorria a aconselhamento jurídico em casos muito excecionais.
37 - A par disso, não possuía ainda uma estrutura orgânica interna fundada, não existindo, sequer, um departamento de Recursos Humanos.
38 - As contratações da Ré estavam a cargo de uma consultora externa, PP (que posteriormente assumiu o cargo de Diretora-Geral da Ré) que contava apenas com o apoio dos colaboradores da área administrativa.
39 - Tendo deixado de se socorrer de serviços jurídicos, a Ré aproveitou a minuta e contrato de trabalho que havia sido formulada para a situação concreta dos seus primeiros colaboradores para as contratações posteriores.
40 - Nem PP, nem os administrativos que auxiliavam tinham consciência de que, ao usarem essa minuta de contrato de trabalho, estavam, implicitamente, a celebrar com todo e qualquer novo colaborador da Ré um pacto de não concorrência.
41 - Desde então, todas as pessoas que vieram a ser contratadas pela Ré, independentemente da sua função ou categoria profissional, e à exceção dos referidos em 17 supra, assinaram a minuta de contrato de trabalho que a Ré já tinha em sua posse.
42 - Em consequência, todos os referidos contratos de trabalho celebrados pela “V...”, na qualidade de entidade empregadora, tinham ínsitos na sua redação a cláusula referente ao pacto de não concorrência que havia sido negociada em concreto e diretamente com os seus primeiros colaboradores.
43 - A Ré, desconhecia as implicações inerentes à utilização indiferenciada da mesma minuta para todo e qualquer trabalhador e não tinha consciência da necessidade de se proceder à eliminação dessa cláusula para os restantes trabalhadores entretanto contratados.
44 - A Ré assinou mais de 80 contratos de trabalho, sem ter noção de que a cláusula referente à obrigação de não concorrência constava da redação daquela minuta de contrato de trabalho.
45 - O contrato de trabalho de um Engenheiro de Sistemas, que auferia uma retribuição mensal ilíquida de € 2.700,00 (dois mil e setecentos euros), acrescido do montante de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros) pago a título de retribuição por isenção de horário de trabalho e o contrato de trabalho de um Técnico de Eletricidade e Eletrónica, com uma retribuição mensal ilíquida de € 960,00 (novecentos e sessenta euros), acrescido do montante de € 160,00 (cento e sessenta euros) pago a título de retribuição por isenção de horário de trabalho, tinham a mesma cláusula.
46 - Todos os trabalhadores, quer fossem engenheiros, rececionistas, assistentes, técnicos possuem no seu contrato de trabalho uma cláusula relativa a um pacto de não concorrência.
47 - E para todos eles, independentemente das suas funções e da retribuição base que auferem, se encontra fixado uma compensação mensal de € 500,00 (quinhentos euros) e uma duração de dois anos para a obrigação de non facere do trabalhador.
48 - Fixava-se para todos, igualmente, uma cláusula penal cujo montante ascendia a € 50.000,00 (cinquenta mil euros), para os casos de incumprimento da obrigação de não concorrência.
49 - Tal aposição nunca foi com os trabalhadores pensada, assumida ou negociada.
50 - Ao longo de todos estes anos, nunca nenhum ex-trabalhador da Ré veio reclamar o pagamento de qualquer montante a título de compensação pela obrigação de não concorrência.
51 - O alerta soou junto da Ré no início do ano de 2019, quando um dos primeiros colaboradores, KK, veio reclamar o pagamento do montante que havia acordado com a Ré a título de compensação pela limitação da sua liberdade contratual, montante que a Ré liquidou.
52 - Desde que tal pagamento foi feito, a Ré passou a receber inúmeras cartas de ex-trabalhadores da “V...” a reclamar o pagamento dos € 12.000,00 alegadamente devidos pelo pacto de não concorrência.
53 - Nesse momento, a Ré, apercebendo-se da presença da cláusula nos contratos de trabalho, suprimiu-a de imediato da redação da minuta que sempre utilizou na celebração de todos os contratos de trabalho.
54 - A partir dessa data, mais nenhum contrato de trabalho celebrado pela Ré conteve a cláusula alusiva ao pacto de não concorrência.
55 - A Ré reuniu com todos os trabalhadores ao seu serviço, expondo-lhes a situação e pedindo a sua compreensão para o lapso. 56 - Nessa sequência, a Ré celebrou com cerca de 30 trabalhadores um acordo de revogação da cláusula de não concorrência.
57 - Através do referido acordo, as partes reconheciam que “[p]or mero lapso de redação, estabeleceu-se na cláusula n.º [x] do Contrato um pacto de não concorrência, o qual não tinham as Partes vontade de celebrar, tratando-se de um erro de declaração, na medida em que os requisitos legais fixados no artigo 136.º, n.º 2 do Código do Trabalho não se verificam na relação laboral que entrou em vigor entre as Partes com a celebração do Contrato” e, por consequência, acordavam na revogação do pacto de não concorrência.
58 - A grande maioria dos trabalhadores assinou, no imediato, o acordo de revogação.
59 - A grande maioria afirmou que até desconhecia a existência da cláusula alusiva ao pacto de não concorrência, reconhecendo que, dada a extensão do contrato de trabalho – em média de oito páginas –, tinham lido na diagonal o conteúdo do contrato no momento da sua celebração.
60 - Alguns trabalhadores admitiram que, apesar de terem reparado na existência da cláusula, preocuparam-se mais com as questões práticas da relação laboral, tal como os aspetos relativos às funções a exercer, o horário de trabalho e a retribuição mensal.
61 - Houve outros colaboradores que afirmaram ter questionado à PP, no momento da celebração do seu contrato de trabalho com a Ré, a razão de ser daquela cláusula, tendo aos mesmos sido dito, pela própria PP, que se tratava apenas de uma exigência formal dos investidores americanos da Ré.
62 - Os trabalhadores que procederam à revogação da cláusula sentiam um certo desconforto com a previsão da cláusula penal de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) nos seus contratos de trabalho.
63 - Para além da reclamação do autor, nos meses seguintes a estas reuniões, a Ré recebeu uma série de reclamações.
64 - Muitos dos ex-trabalhadores da Ré, independentemente da data de cessação dos seus contratos de trabalho, vieram só agora reclamar o pagamento do montante a título de compensação pela obrigação de não concorrência.
65 - No âmbito das suas funções, o Autor integrou, maioritariamente, as equipas da Ré que se dedicavam a projetos e a operações, tendo, ainda, no final da relação laboral, integrado a equipa de cloud da Ré.
66 - Não foram atribuídas ao Autor quaisquer tarefas ou responsabilidades particularmente relevantes que lhe permitissem ter acesso a informação sensível da Ré.
67 - O Autor, pelas funções que exercia, nunca acedeu a informações sensíveis nem adquiriu conhecimentos, no decurso do seu contrato de trabalho com a Ré, que pudessem implicar riscos particulares específicos para a empresa.
68 - Na altura em que se procedeu à admissão do Autor, em agosto de 2016, já a Ré possuía mais de quatro anos de laboração e, por conseguinte, já o seu segredo de negócio se encontrava fortemente sedimentado, com a correlativa patente registada.”
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Consta da sentença que não se provou o seguinte:
“a - Confrontado com o conteúdo do documento referido em 6), o Autor ficou petrificado.
b- Solicitou a clarificação dos argumentos constantes do Acordo e a fundamentação transmitida pela Ré, por não exprimirem coerência, nem se verificarem justas para o “grupo mais fraco”, o dos trabalhadores.
c - Tal reunião e a argumentação da Ré haviam sido previamente arquitetadas pela Empresa/Ré, para salvaguardar a sua “saúde” financeira.
d - Perante o referido 6, nada mais restaria ao Autor do que sair da Empresa/Ré.
e - A intervenção premeditada da Ré para impedir que os trabalhadores pudessem requerer da compensação prevista na Cláusula respeitante ao pacto de não concorrência provocaram ao Autor uma sensação de revolta que, foram determinantes para a sua decisão em denunciar o Contrato de Trabalho.
f - O Autor antes de assinar o Contrato leu-o atentamente e questionou a Ré, que naquele momento se encontrava representada pela ex-colaboradora PP, sobre o significado da Cláusula n.º 13 e ainda sobre o “Confidentially, Non-Solicitation, Non-Competion, and Invention Assignment Agreement”.
g - Foi neste sentido que, aquando a proposta de trabalho, o Autor ponderou se deveria ou não aceitar os termos expostos no Contrato de Trabalho, tendo decidido por sua livre vontade assiná-lo, assim como ao Acordo de Confidencialidade anexo.
h - A forma como a Ré conduziu o Autor, pressionando e coagindo-o a assinar o Acordo já analisado, provocaram no Autor sentimentos de uma grande revolta interior, mostrando-se perturbado, desconfiado e preocupado.
i - Quando o Autor saiu daquela reunião estava convencido de que a não aceitação do Acordo, implicaria o pagamento da compensação prevista na Cláusula n.º 13, tendo sido, posteriormente, trocado por uma simples carta onde a Ré assume a revogação, independentemente da vontade do trabalhador, deixaram o Autor atordoado e frustrando as suas legitimas expetativas.
j - As insónias geradas pela preocupação em obter uma resposta que só se mostrou concluída cinco meses após a reunião de 18 de fevereiro, e o teor da mesma, foram relevantes para desencorajar, humilhar e abater o Autor.
k - A falta de respostas para a atitude da Ré, sendo ele um trabalhador exemplar e diligente, agravou os danos morais sofridos.
l - O Autor aproveitou a reunião com a mandatária da Ré para a informar que já tinha outra proposta de emprego e que ia denunciar o contrato de trabalho ainda nessa semana, pelo que, não queria assinar nada sem antes falar com a sua advogada.
m - O autor não tinha consciência que a cláusula constava do seu contrato de trabalho.”
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B) Discussão
1. Questão da invocada nulidade da sentença
Muito embora de modo que temos como menos objetivo, como consideramos que se imporia, incluindo quanto à indicação da norma legal que dará cobertura a tal invocação, em face das extensas alegações e conclusões, extrai-se que o Recorrente imputa à sentença os vícios de nulidade a que se alude nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, assim, respetivamente, no primeiro caso (a que dirige nomeadamente as conclusões 30.ª a 48.ª) por oposição / contradição entre os fundamentos e a decisão, e, no segundo, por omissão de pronúncia (a que dirige nomeadamente as conclusões 49.ª a 70.ª).
Pronunciando-se a Apelada pela não ocorrência dos vícios invocados, apreciando diremos o seguinte:
Fazendo uma breve abordagem aos vícios invocados pelo Recorrente, pode dizer-se que a nulidade da sentença (despacho, no que ao caso importa) prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC – Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível –, lembrando Alberto dos Reis[1], o pretenso vício acontece quando se patenteia que a sentença enferma de vício lógico que a compromete. Ou seja, o juiz, escrevendo o que realmente quis escrever, fez todavia uma construção viciosa, já que os fundamentos que invocou conduziriam logicamente, não ao resultado expresso, mas ao oposto. A propósito refere-se no acórdão do STJ de 26 de Janeiro de 2021, processo 2350/17.8T8PRT.P1.S2[2], “O vício a que se reporta o apontado segmento normativo implica, por um lado, que haja uma contradição lógica no Aresto, o que significa, para a sua ocorrência, que a fundamentação siga um determinado caminho e a decisão opte por uma conclusão completamente diversa, e, por outro, que tal fundamentação inculque sentidos diversos e/ou seja pouco clara ou imperceptível.”
Neste considerando, vistos os argumentos do Recorrente não se deteta, salvo o devido respeito, a contradição / oposição que vislumbra, pois que, vista a pronúncia constante da sentença, podendo divergir-se da solução a que nessa se chegou, o que naturalmente é legítimo, tal não se traduz, porém, na existência do vício lógico a que antes se aludiu, assim, nomeadamente, que dessa resulte uma construção viciosa, pois que os fundamentos conduziriam logicamente, não ao resultado expresso, mas ao oposto. Na verdade, sendo ou não adequado o juízo e conclusão a que nessa se chegou, questão esta que, porém, já não colhe cobertura no âmbito do analisado vício e sim no âmbito de eventual erro na aplicação do direito, percebe-se o raciocínio seguido nessa sentença e as razões que conduziram àquela conclusão. Exemplificando o que se disse, não é da circunstância invocada na conclusão 33.ª de que teriam resultados provados os factos que aí se referem que resulta, sem mais, a afirmação, avançada pelo Recorrente, de que o Tribunal a quo, na sua fundamentação de direito, tenha feito “tábua rasa desses factos” e que fundamente “a sua convicção em total contradição com o teor dos mesmos, numa concepção ambivalentemente inexplicável, retirando conclusões que contrariam os próprios factos”. O mesmo se passa quanto ao mais invocado, assim nas demais conclusões, pois que, voltamos a repeti-lo, podendo divergir-se do entendimento seguido, seja na subsunção e consideração dos factos provados, seja depois na aplicação a esses do direito, tal juízo não tem assento no vício que se analisa e sim, sendo esse o caso, em eventual erro na aplicação do direito – questão que, pois, apenas analisaremos mais tarde, quando sobre essa questão nos pronunciarmos.
Por sua vez, agora a respeito da invocada omissão de pronúncia, a que se alude na alínea d) – O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento –, importa ter presente que se trata de vício que tem a ver com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos no artigo 608º, nº2 do CPC[3], sendo que, a esse respeito continuam mais uma vez plenamente válidos, ainda hoje, os ensinamentos de Alberto dos Reis: “(...) uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção” – “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”.[4] No mesmo sentido, Lebre de Freitas[5] ao referir que “Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação’ não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido. Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2014[6], o juiz “não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente”.
Importa, porém, esclarecer, pois que é disso que se trata quanto ao invocado pelo Recorrente, que não integram o seu âmbito os casos de eventual omissão indevida de factos na pronúncia do tribunal sobre a matéria de facto realizada na sentença, pois que, noutros termos, quanto a estes casos, como o temos afirmado, colhem os mesmos cobertura no âmbito do regime previsto sobre a reapreciação da matéria de facto, a que alude expressamente o artigo 662.º do CPC. Ou seja, em face dos argumentos invocados pelo Recorrente nesta parte, ainda que se verificassem os pressupostos que indica, não se enquadraria propriamente na previsão da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, e sim, diversamente, em erro de julgamento, no caso quanto à pronúncia em sede de matéria de facto, caso esse que, como o dissemos, pode ser sindicável em sede de recurso, podendo / devendo então o recorrente, tendo em vista afastar esse erro, dirigir o recurso à reapreciação da matéria de facto, como aliás o fez neste caso a Recorrente – sem prejuízo de se exigir nesse caso o cumprimento, por apelo ao disposto no artigo 640.º do CPC, dos ónus legais nesse estabelecidos. Dito de outro modo, o CPC prevê norma específica quanto a eventuais nulidades da sentença em sede de pronúncia matéria de facto, assim o regime previsto no n.º 2 do artigo 662.º do CPC, em particular as suas alíneas c) e d) – A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: (…) c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.”
Deste modo, apreciando aqui, pois, apenas, a questão dos vícios de nulidade invocados pelo Recorrente, importa concluir, sem necessidade de maiores considerações, que tais vícios não se verificam, o que decidimos.

2. Matéria de facto
2.1. Reapreciação da matéria de facto
Em sede de recurso, vem a Apelante impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto pelo tribunal de 1ª instância.
Nas contra-alegações, invoca a Recorrida que o recurso deve ser rejeitado nesta parte, por incumprimento dos ónus legais de impugnação estabelecidos no artigo 640.º do CPC.
Cumprindo-nos antes de mais apreciar esta questão levantada pela Recorrida, diremos o seguinte:
Dispõe o n.º 1 do artigo 662.º do CPC, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.
Nestes casos, deve porém o recorrente observar o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º, no qual se dispõe:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».
Nas palavras de Abrantes Geraldes, “(…) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”[7]. Contudo, como também sublinha o mesmo autor, “(..) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”[8].
Tendo por base os supra citados dispositivos legais, teremos de considerar que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[9] –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão dada, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPCivil[10].
Do exposto resulta, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação que se analisa, não se satisfazendo como se disse com a mera indicação genérica da prova que na perspectiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, impõe que o mesmo concretize quer os pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância quer, ainda, que especifique quais as provas produzidas que, por as ter como incorrectamente apreciadas, imporiam decisão diversa, sendo que, quando esse for o meio de prova, se torna também necessário que indique “com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição”.
Nas palavras de Abrantes Geraldes, “(…) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”[11]. Contudo, como também sublinha o mesmo Autor, “(...) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”[12]. Tendo por base os supra indicados dispositivos legais, teremos de considerar que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[13] –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão dada, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPCivil[14].
Discorrendo sobre a matéria, escreve-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de outubro de 2016[15] que, “como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPCivil, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto”, observando-se também no Acórdão do mesmo Tribunal de 7 de julho de 2016 que, “para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo artigo 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).” Por sua vez, agora no recente Acórdão de 5 de Setembro de 2018[16], incidindo sobre um caso em que o recorrente impugnara a factualidade apurada pela primeira instância fazendo-o em relação a blocos de factos, não individualizando os meios de prova que em relação a cada um dos factos impugnados impõem uma decisão diversa, que “esta forma de impugnação não satisfaz as exigências formais da alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, conforme doutrina emanada do acórdão desta Secção Social de 20.12.2017, no processo nº 299/13.2TTVRL.C1.S2 (Ribeiro Cardoso), onde se concluiu que: 1 - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos. 2 - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna. Por isso, e não tendo o recorrente concretizado os meios de prova que em relação a cada um dos factos impugnados impõem uma decisão diversa, temos de concluir que não cumpriu os ónus impostos pelo mencionado preceito.”
Cumprindo-nos pronúncia, tendo então em consideração o regime antes exposto, desde já avançamos que assiste razão à Recorrida quando sustenta a rejeição do recurso, por falta de adequado cumprimento por parte do Recorrente dos ónus legais, nos termos que melhor explicaremos de seguida.
É que, em particular no que se refere ao cumprimento do ónus estabelecido na alíneas b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC antes citadas, assim dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, é manifesto que esse não foi cumprido, pois que o Recorrente, quanto aos pontos de facto em relação aos quais se percebe pretender dirigir a impugnação (dizemos que se percebe pois que só com alguma dificuldade, como melhor explicaremos mais tarde, se extrai essa concretização), faz uma indicação genérica da prova, ou seja em bloco, e não, como lhe era imposto, a cada facto ou pelo menos, o que aceitamos que possa ser feito, em relação a mais do que um facto que tenha direta relação.
Na verdade, mesmo socorrendo-nos do corpo das alegações, local em que pode ser feita tal concretização, o Recorrente, ao indicar os concretos pontos de facto que refere inadequadamente julgados (provados ou não provados), bem como ainda outros que sustenta terem resultado da discussão da causa, limita-se a fazer, e nem sequer sempre, referência genérica a depoimentos, mas sem fazer, então, qualquer indicação em termos de cumprimento do disposto na alínea a) do n.º 2 do citado artigo 640.º – “a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” –, como também essa não fez quando se pronuncia sobre a motivação avançado pelo Tribunal na sentença, sendo que, noutros termos, quanto a essa concretização, optou por apenas a fazer mais tarde, mas em termos genéricos e sem sequer referir expressamente a que factos concretos impugnados se referem.
De facto, no único momento em que transcreve e localiza depoimentos, limita-se a fazer considerações genéricas sobre o que na sua ótica resultaria desses depoimentos, mas sem que em momento algum indique o facto ou factos provados ou não provados a que é dirigida essa prova.
São exemplo do que se referiu antes as transcrições seguintes:
- Depois de alegar consideração sobre o depoimento – “Nem sequer, o Tribunal a quo, retirou do depoimento desta testemunha, no que concerne às suas motivações, se o Recorrente poderia causar prejuízos sérios à Empresa Recorrida, em virtude do conhecimento técnico que foi adquirindo ao longo do contrato, da informação sensível e do código fonte a que tinha acesso e por sua vez à limitada protecção das patentes registadas, que, como já se disse, tinham uma abrangência insuficiente para assegurar que a ideia inovadora não pudesse ser divulgada pelo Recorrente em países distintos daqueles em que as patentes haviam sido registadas. Ora, a acrescer à incongruência ostensiva da motivação, surge a prova produzida pelos depoimentos de que não mereceram qualquer atenção por parte do Tribunal a quo” –, transcreve de seguida depoimento, para depois dizer: “Como se pode observar do depoimento de parte da Recorrida – depoimento este que, inexplicavelmente, não foi tido em consideração pelo Tribunal a quo – o CEO da Empresa, EE, tinha plena consciência e noção de que os contratos de trabalho continham uma cláusula respeitante ao pacto de não concorrência e que a inserção da mesma havia sido um requisito exigido pelos seus investidores. (…)”
- Depois de dizer “Pela testemunha MM, doravante designada apenas por ..., no âmbito da gravação identificada pela referência 2021011121554406_ 15585520_2871475, cujo teor, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 460º do Código de Processo Civil, aqui se transcreve nos concretos pontos que se entendem com relevância para a impugnação da matéria de facto”, transcreve de seguida o depoimento, fazendo depois considerações, mais uma vez sem indicação exata dos concretos pontos de facto, sobre o que resultaria desse depoimento;
- Depois de dizer “Pela testemunha QQ, doravante designada apenas por ..., no âmbito da gravação identificada pela referência 202101112161627_ 15585520_ 2871475, cujo teor, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 460º do Código de Processo Civil, aqui se transcreve nos concretos pontos que se entendem com relevância para a impugnação da matéria de facto”, transcreve de seguida o depoimento, após o que, mais uma vez, faz comentários genéricos sem referência expressa a pontos de facto, provados ou não provados;
- Quando refere “Quando o Tribunal a quo classifica como facto não provado que o Recorrente tenha ficado petrificado, angustiado e ansioso, está a por de parte o depoimento das testemunhas MM, anteriormente analisado, e de QQ”;
- Depois de referir “Pela testemunha RR e SS, doravante designada apenas por ..., no âmbito da gravação identificada pela referência 20210507092727_15585520_2871475, cujo teor, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 460º do Código de Processo Civil, aqui se transcreve nos concretos pontos que se entendem com relevância para a impugnação da matéria de facto”, faz de seguida a transcrição, após o que avança, mais uma vez, com considerações, sem expressa referência aos pontos de facto;
- Depois de referir “No momento em que finalizaram o processo de contratação, que se dá com a aceitação e assinatura de ambas as partes, já a sua vontade se encontrava formada, como à frente explicaremos melhor” e que “pela testemunha TT, doravante designada apenas por ..., no âmbito da gravação identificada pela referência 20210507101802_15585520_2871475, cujo teor, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 460º do Código de Processo Civil, aqui se transcreve nos concretos pontos que se entendem com relevância para a impugnação da matéria de facto”, faz após a transcrição, seguida do mesmo tipo de comentários genéricos;
- O mesmo ocorre quando refere “por último, importa fazer referência que mesmo estando a ideia inovadora patenteada, ela vai sofrendo alterações ao longo do percurso, sendo certo que há produtos que estão desenvolvidos, mas ainda não patenteados” e que “pela testemunha UU, doravante designada apenas por ..., no âmbito da gravação identificada pela referência 20210507111602_15585520_2871475, cujo teor, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 460º do Código de Processo Civil, aqui se transcreve nos concretos pontos que se entendem com relevância para a impugnação da matéria de facto”, afazendo de seguida a transcrição e e os correspondentes comentários.
Em face do exposto, assim o entendemos também, não deu o Recorrente adequado cumprimento ao analisado ónus legal de impugnação, sendo que, diga-se, dada a forma como estruturou as suas alegações e conclusões, evidenciando-se antes que pretenderá afinal o Recorrente que o Tribunal da Relação proceda de todo a um novo julgamento, como que desligado da pronúncia que ocorreu em 1.ª instância.
Aliás, acrescente-se por último, parece ser essa também a intenção quanto ao cumprimento dos ónus estabelecidos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do mesmo artigo 640.º, assim de indicação dos “concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” e da “decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”, pois que, apesar de considerarmos que esses foram suficientemente cumpridos, importa dizer que tal conclusão da nossa parte teve inerente alguma dificuldade de perceção, dado o modo como se estruturou a alegação e as conclusões – o que se admite já não ocorrer, numa visão mais formal das exigências legais, mas que, como se percebe, aqui afastamos.
Em face do antes exposto, rejeita-se o recurso na parte dirigida à matéria de facto.

2.2. Por decorrência do decidido anteriormente a base factual a atender na aplicação do direito é a mesma que como tal foi considerada em 1.ª instância.

3. O direito do caso
3.1. Introito delimitativo do recurso
Diversamente do aconselharia aquela que temos como sendo a melhor técnica processual, o Recorrente, assim nas conclusões que apresentou, nem sempre cuidou de separar, por forma a permitir que o tribunal de recurso melhor os pudesse apreciar, os argumentos de facto daqueles que se assumem como de direito.
Não obstante, percorrendo as suas conclusões, no que à aplicação do direito diz respeito, percebe-se que se dirige o recurso às questões seguintes:
- Podendo dizer-se que, pelos conhecimentos adquiridos, ao longo do trabalho desenvolvido, o know-how específico, entretanto obtido, o acesso a informações sensíveis da Empresa, ao conhecimento dos algoritmos, dos protocolos e ainda dos “truques e manhas” que foi ouvindo por parte dos trabalhadores das duas equipas, não esquecendo que uma dependia da outra para o desenvolvimento do produto, atendendo depois ao conceito de “segredo do negócio”, definido no artigo 2.º, n.º 1 da Diretiva da União Europeia 2016/943, que nos diz que existem três requisitos que devem ser cumpridos cumulativamente – designadamente, (i) serem secretas, (ii) terem valor comercial e (iii) terem sido objecto de diligências razoáveis para se manterem secretas por parte do seu detentor –, cumpridos estes três requisitos, a informação secreta é passível de ser protegida por intermédio da concorrência desleal.
- sendo o segredo de negócio é um conceito abrangente, que inclui outros dois conceitos, o segredo comercial e o segredo industrial, ele Recorrente contempla todos os requisitos para se tornar um concorrente diferencial, conforme decorre da jurisprudência e doutrina abrangidas na fundamentação de direito que o Tribunal a quo recolheu;
- sendo coisas distintas “o pacto de não concorrência” – que visa acautelar, por certo tempo, o prejuízo decorrente do exercício da actividade concorrencial e o risco de indefinição entre as situações ilícitas de utilização de informação reservada ou confidencial e o norma exercício dos conhecimentos profissionais e técnicos adquiridos pelo desempenho e experiência, constitutivos estes do chamado património profissional do trabalhador – e as chamadas “cláusulas de confidencialidade” – que visam apenas impedir a divulgação, no subsequente período pós-contratual, de factos que não fazem parte da experiência profissional do trabalhador” –, as funções por si exercidas, quer como gestor de clientes, quer no apoio à equipa dos iniciais na criação e desenvolvimento do produto, englobam atividades que podem prejudicar gravemente a Empresa numa situação concorrencial, razão pela qual não estamos perante a nulidade do pacto de não concorrência, uma vez que ele Recorrente se assume como um concorrente diferencial e que, portanto, é suscetível de causar prejuízos sérios à Recorrida, mostrando-se, assim, preenchido, quanto a ele, o requisito previsto na alínea b), do n.º 2 do artigo 136º do Código do Trabalho, não podendo o Tribunal a quo declarar a nulidade da cláusula de não concorrência aposta no contrato de trabalho;
- sem prescindir, ainda que não houvesse impugnação da fundamentação de facto produzida pelo Tribunal a quo, a consideração das funções que exercia que implicavam o acesso a informações sensíveis da empresa, ao desenvolvimento e criação do produto, ao conhecimento de códigos, algoritmos e protocolos, tais condições justificavam o pacto de não concorrência;
- não houve erro no uso de minuta, não houve desconhecimento da Recorrida nos termos da minuta, tendo sido totalmente intencional e, nas suas palavras uma exigência que não podia ser removida, não podendo o Tribunal entender que, por dar quitados créditos laborais até com e na decorrência da cessação do contrato, não conhecia do direito a reclamar a compensação do pacto de não concorrência, pois tal direito só existe na esfera do Recorrente após a cessação do contrato – só nesse momento é que ele pode ser/estar a ser limitado no seu direito constitucional ao trabalho, sendo que, danto o Tribunal como provado que a Recorrida recorreu a serviços jurídicos para a elaboração do contrato de trabalho de um grupo concreto de trabalhadores, tomando em consideração os conhecimentos sensíveis e as competências daqueles, se assim foi e é, sabia do teor da minuta e sabia que tal minuta previa a proteção do seu sigilo pela efetivação de uma cláusula que a obrigava a compensar o trabalhador, em caso de cessação do contrato, pela limitação do seu direito ao trabalho, pelo que, diz, e mesmo que inalterada a matéria de facto assente, nunca permitiria a interpretação das normas adjetivas (presunção e ónus de prova) nem das substantivas (pacto de não concorrência e erro/obstáculo na declaração) – ao contrário, inalterada a fundamentação de facto sempre imporia decisão totalmente inversa, a condenação da Recorrida no pedido do Recorrente.
- como a própria Recorrida sabe e não pode desconhecer, o Recorrente antes de assinar o contrato leu-o atentamente e questionou a Recorrida, que naquele momento se encontrava representada pela ex-colaboradora PP, sobre o significado da cláusula n.º 13 e ainda sobre o “Confidentially, Non-Solicitation, Non-Competion, and Invention Assignment Agreement” (o Acordo de Confidencialidade) redigido em língua Inglesa e cuja outorga a “Empresamãe”, a V..., Inc., sediada nos Estados Unidos da América, exigia, sendo que, depois de lhe ter sido explicitado o conteúdo da cláusula referente ao pacto de não concorrência aquando a apresentação do contrato de trabalho, que este teve a oportunidade de refletir e ponderar sobre se deveria ou não aceitar os termos expostos nesse contrato, tendo decidido por sua livre vontade assinar e comprometendo-se a cumprir todas as cláusulas dele constante, assim como do Acordo de Confidencialidade anexo, que faz parte integrante do Contrato;
- o pacto de não concorrência está incluído na cláusula n.º 13 do contrato de trabalho celebrado entre as partes, observando as exigências do artigo 136.º, n.º 2 do CT.
- com os conhecimentos técnicos e científicos adquiridos ao serviço da Recorrida, o Recorrente enquadra-se no campo dos trabalhadores que podem colocar em risco a produção da Recorrida, expondo a uma empresa concorrente os segredos do negócio ou usurpando a clientela da “V...”, a que acresce que, como o Recorrente mantém relações com toda a clientela da Recorrida, afigura-se uma tarefa fácil, querendo, criar a sua própria empresa, concorrente daquela, fazendo uso das relações que foi estabelecendo com os clientes da mesma, podendo assim causar-lhe um prejuízo sério.
Defendendo a Apelada o julgado, no que é acompanhada pelo Ministério Público junto desta Relação, constata-se que da sentença recorrida, no âmbito da aplicação do direito, se fez constar, na sua aplicação ao caso, designadamente o seguinte:
“(…) No caso em apreço, sustenta a ré que o pacto de não concorrência constante da cláusula 13 do contrato de trabalho do autor não poderá ser considerado válido, desde logo, porque a atividade que o autor desenvolveu enquanto trabalhador da ré não se traduz numa atividade cujo exercício pudesse efetivamente causar-lhe prejuízos. E assim é porque – contrariamente à situação dos primeiros trabalhadores da ré que contribuíram para o desenvolvimento do seu produto – pelas funções que exercia, o autor nunca acedeu a informações sensíveis, nem adquiriu conhecimentos que pudessem implicar riscos particulares específicos para a empresa. Nunca existiu, assim, o risco de uma concorrência diferencial, pois que quando o autor foi admitido, em 2016, já a ré possuía mais de quatro anos de laboração e, logo, já o seu segredo de negócio de encontrava fortemente sedimentado, com a correlativa patente registada.
Fundamenta, deste modo, a ré a sua defesa da nulidade do pacto de não concorrência celebrado com o autor na inverificação do requisito previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 136º do Código do Trabalho.
No que a este requisito concerne, nota Maria do Rosário Palma Ramalho (Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais) o seguinte: «… ser a atividade laboral, que é objeto da limitação, uma atividade cujo exercício pelo trabalhador, após a cessação do contrato, possa, efetivamente, causar prejuízo ao empregador. Ficam assim vedadas as limitações genéricas à atividade profissional do trabalhador, ainda que numa área determinada, uma vez que a lei não se basta com um mero conflito de interesses, mas exige a probabilidade de um prejuízo efetivo do empregador, decorrente, por exemplo, da transmissão de um Know how muito específico do trabalhador a outra empresa, ou do desvio de clientela para um concorrente. Numa palavra, este requisito deve ser interpretado em termos estritos, até porque estes pactos constituem uma restrição a um direito fundamental do trabalhador (a liberdade de trabalho)».
Também Júlio Gomes (Direito do Trabalho, 2007, Volume I, Coimbra editora, pág. 610) nota: «… o que se pretende afastar não é um qualquer concorrente, mas um concorrente «diferente» e particularmente perigoso...a cláusula de não concorrência será licita se visar afastar, durante certo período, não uma concorrência qualquer, mas o que se designa como concorrência diferencial».
Na jurisprudência podemos citar o AC STJ de 20.10.2010 (www.dgsi.pt): «mas, “este prejuízo não é um qualquer prejuízo, o prejuízo causado por qualquer concorrente, mas sim um prejuízo especial, um prejuízo causado por um concorrente diferente dos demais pelo seu especial contacto com a clientela e o acesso a informações confidenciais”, ou seja, “há-de estar em causa o risco daquilo que a doutrina designa por “concorrência diferencial”, isto é, a especificidade da concorrência que um ex-trabalhador está em condições de realizar relativamente ao seu antigo empregador por ter trabalhado para ele».
Ou seja, se os conhecimentos adquiridos pelo trabalhador em nada puderem causar prejuízo ao seu antigo empregador, não é legítima a celebração de qualquer pacto de não concorrência.
Descendo ao caso dos autos.
Como resultou demonstrado, no dia 29 de agosto de 2016, autor e ré celebraram um contrato de trabalho por tempo indeterminado, tendo aquele sido admitido ao serviço desta para exerce as funções de “… planeamento, implementação e gestão de projectos e operações, que correspondem às genericamente definidas pela Primeira Contratante para a classificação de engenheiro de projecto e operações, sem prejuízo de futuras adaptações, pela Primeira Contratante, do âmbito de funções dessa classificação ou de reorganização do sistema de classificações”.
Mais se provou que nesse mesmo contrato de trabalho foi aposta uma cláusula com o seguinte teor:
“13. Pacto de Não Concorrência
13.1 Cessado por qualquer forma o vínculo com a Primeira Contratante, o Segundo Contratante obriga-se, durante o período a seguir indicado, a não laborar e a não prestar serviços para qualquer pessoa, organização ou empresa que concorra com a atividade exercida pela Primeira Contratante em qualquer das suas atividades comerciais, científicas e tecnológicas em termos que possa causar prejuízo sério à Primeira Contratante, nos termos melhor descritos no Acordo de Confidencialidade,
Não-Solicitação e Atribuição de Propriedade de Invenção que se anexa e constitui o Anexo sendo parte integrante do presente contrato.
13.2 A obrigação referida no número anterior terá a duração de 2 anos, iniciados na data da respetiva cessação.
13.3 A título de compensação o Trabalhador terá direito a receber uma indemnização mensal enquanto durarem as obrigações, aqui assumidas em montante mensal de € 500 (Quinhentos Euros), nos termos do disposto no artigo 136º, nº2, alínea c) e nº 4 do Código do Trabalho.
(….)
13.5 Em caso de violação ao disposto na presente Cláusula o Segundo Contratante, constitui-se imediatamente no dever de compensar a Primeira
Contratante através de montante fixo correspondente a € 50000 (Cinquenta Mil Euros).
Face ao que se deixou dito supra sobre a admissibilidade da celebração de pactos de não concorrência e, mais especificamente, sobre a interpretação da exigência contida na al. b) do n.º2 do artigo 136.º do Código do Trabalho – o prejuízo exigido pela norma deve ser entendido como sendo apenas o decorre diretamente da colocação ao serviço de empresas concorrentes dos segredos e conhecimentos especificamente adquiridos ao serviço da antiga empresa – determinar esse risco específico depende diretamente das funções anteriormente exercidas pelo trabalhador na empresa.
Ora, no caso dos autos, e como vimos, consta do contrato de trabalho celebrado entre as partes que o autor foi admitido serviço da ré para exercer as funções de “… planeamento, implementação e gestão de projectos e operações, que correspondem às genericamente definidas pela Primeira Contratante para a classificação de engenheiro de projecto e operações, sem prejuízo de futuras adaptações, pela Primeira Contratante, do âmbito de funções dessa classificação ou de reorganização do sistema de classificações”.
Mais se provou que a ré foi constituída em março de 2012, sendo uma empresa “star-up”, com o propósito de desenvolver uma ideia inovadora de tecnologias de redes sem fios para comunicação entre veículos, com especial enfoque em aplicações de mobilidade inteligente e na ligação de veículos à Internet. No âmbito da sua atividade, as principais tecnologias desenvolvidas pela ré são: (i) interfaces sem fios para redes veiculares (pontos de acesso fixos e unidades móveis para veículos), (ii) arquiteturas de rede autoconfiguráveis e protocolos de comunicação para redes de veículos, e (iii) mecanismos de segurança de comunicação para veículos em rede.
Ainda em relação à ré, ficou apurado que na altura da sua constituição, a mesma contratou alguns colaboradores recém-licenciados, nomeadamente II, JJ, KK, LL, MM, NN e OO, os quais tiveram um papel fundamental no início de laboração, na medida em que colaboraram na investigação e desenvolvimento da plataforma que realizava, na prática, a ideia dos fundadores da ré, tendo contribuído para a elaboração do portfolio de patentes, que constitui o seu segredo de negócio, na medida em que é um elemento que protege a propriedade intelectual inerente à atividade desenvolvida.
Por tal circunstância, a ré com tais trabalhadores iniciais (de forma individual e diretamente), negociou a aposição de uma cláusula alusiva a um pacto de não concorrência nos seus contratos de trabalho, tomando em consideração os conhecimentos sensíveis que esses colaboradores possuíam e os conhecimentos posteriores que iriam adquirir no decurso da sua relação laboral, numa área pioneira e com uma envolvência marcante de propriedade intelectual.
E, efetivamente, como igualmente se demonstrou, estes trabalhadores em concreto, ajudaram a ré, desde o seu início, na conceção e desenvolvimento do seu produto e, assim, adquiriram conhecimentos, competências e um elevado nível de know-how sobre a pedra basilar do negócio da ré. Note-se que aquando da cessação dos contratos de trabalho de KK, MM e OO, a ré liquidou os montantes que eram devidos a estes colaboradores, a título de pacto de não concorrência.
No que ao autor respeito, importa desde logo referir não ter ficado provado que o pacto de não concorrência tivesse sido negociado entre as partes, ou mesmo que o autor tivesse consciência da sua existência.
Depois, e face ao quando factológico demonstrado, o autor foi contratado em agosto de 2016, altura em que a ré já possuía mais de quatro anos de laboração e, por conseguinte, já o seu segredo de negócio se encontrava fortemente sedimentado, com a correlativa patente registada. Acresce que no âmbito das suas funções, o autor integrou, maioritariamente, as equipas da ré que se dedicavam a projetos e a operações, tendo, ainda, no final da relação laboral, integrado a equipa de cloud da ré. Ou seja, as funções exercidas pelo autor não contribuíram para o desenvolvimento da propriedade intelectual da ré, não criaram, nem desenvolveram produtos, antes foram exercidas na parte operacional, de aplicação e desenvolvimento da atividade. Numa palavra, o autor não contribuía para a criação e desenvolvimento do produto, antes assegurava o processo da sua instalação junto dos clientes, detetando erros e fazendo correções.
Assim sendo, sempre com a salvaguarda de outro e melhor entendimento, afigura-se-nos que não podemos afirmar o autor detenha conhecimentos, competências e um elevado nível de know how sobre a pedra basial do negócio da ré.
Ou seja, o autor não pode ser considerado como um concorrente de tal forma especial, que constitua um risco específico de “concorrência diferencial”, capaz de causar prejuízo à ré por conhecimentos adquiridos enquanto trabalhou ao seu serviço. E isto porque considerando aquilo que são os conhecimentos dos que exercem a atividade exercida pelo autor, naquele concreto mercado, nada haverá que distinga a concorrência que ele exerce daquela que os demais exercem. E, sendo assim, com a ré, também a nós nos parece que não existe um interesse legítimo da entidade empregadora em limitar a liberdade de trabalho do trabalhador através da celebração de um pacto de não concorrência.
Como tal, a cláusula de não concorrência, em causa nos autos, não é uma cláusula licita, estando ferida de nulidade, nos termos previstos no artigo 136.º/1 do Código do Trabalho.
A nulidade desta cláusula é invocável nos termos gerais do artigo 286.º do Código Civil, o qual dispõe que «a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal».
Julgada nula tal cláusula improcede o pedido formulado pelo autor de que “… se declare válido o pacto de não concorrência convencionado e assumido entre Autor e a Ré constante do respetivo Contrato de Trabalho e, consequentemente, se condene a Ré a pagar ao Autor a compensação integral, no montante de € 12.000,00, prevista na cláusula 13.3 …”, ficando a demais defesa apresentada pela ré – erro-declaração ou obstáculo – prejudicada, face ao disposto no artigo 608.º/2 do Código de Processo Civil. (…)”

Em face da citada fundamentação, na consideração apenas, como nos é imposto, do quadro factual tido como provado – e não, pois, tudo o que o Recorrente invoca, em particular no pressuposto de que lograria obter sucesso no recurso no que diz respeito à alteração da matéria de facto por que aí pugnou, mas que, como o vimos antes, não conseguiu alcançar –, desde já avançamos que não nos merece censura o decidido nesta parte.
De facto, foi na pretendida alteração da base factual que o Recorrente fez assentar em primeira linha o entendimento que defende, assim os argumentos jurídicos, desde logo quando, depois de fazer alusão à distinção entre o “pacto de não concorrência” e as chamadas “cláusulas de confidencialidade, conclui que “as funções por si exercidas, quer como gestor de clientes, quer no apoio à equipa dos iniciais na criação e desenvolvimento do produto, englobam atividades que podem prejudicar gravemente a Empresa numa situação concorrencial” (causar-lhe prejuízos sérios) – como ainda a afirmação de que, com os conhecimentos técnicos e científicos adquiridos ao serviço da Recorrida, se enquadra ele no campo dos trabalhadores que podem colocar em risco a produção da Recorrida, expondo a uma empresa concorrente os segredos do negócio ou usurpando a clientela da “V...”, ou também que mantém relações com toda a clientela da Recorrida, para daí retirar a conclusão de que se afigura uma tarefa fácil, querendo, criar a sua própria empresa, concorrente daquela, fazendo uso das relações que foi estabelecendo com os clientes da mesma, podendo assim causar-lhe um prejuízo sério. Na verdade, salvo o devido respeito, tais afirmações ou ilações não encontram adequado suporte na factualidade provada, para o que bastará ter presente, para além do mais, dos pontos 65.º a 68.º da factualidade provada, assim: “65 - No âmbito das suas funções, o Autor integrou, maioritariamente, as equipas da Ré que se dedicavam a projetos e a operações, tendo, ainda, no final da relação laboral, integrado a equipa de cloud da Ré”; “66 - Não foram atribuídas ao Autor quaisquer tarefas ou responsabilidades particularmente relevantes que lhe permitissem ter acesso a informação sensível da Ré”; “67 - O Autor, pelas funções que exercia, nunca acedeu a informações sensíveis nem adquiriu conhecimentos, no decurso do seu contrato de trabalho com a Ré, que pudessem implicar riscos particulares específicos para a empresa”; “68 - Na altura em que se procedeu à admissão do Autor, em agosto de 2016, já a Ré possuía mais de quatro anos de laboração e, por conseguinte, já o seu segredo de negócio se encontrava fortemente sedimentado, com a correlativa patente registada.”
Como também na mesma factualidade provada não encontra apoio a sua afirmação de que não houve erro no uso de minuta, não houve desconhecimento da Recorrida nos termos da minuta, tendo sido totalmente intencional e, nas suas palavras uma exigência que não podia ser removida, ou ainda de que, como a própria Recorrida sabe e não pode desconhecer, o Recorrente antes de assinar o contrato leu-o atentamente e questionou a Recorrida, que naquele momento se encontrava representada pela ex-colaboradora PP, sobre o significado da cláusula n.º 13 e ainda sobre o “Confidentially, Non-Solicitation, Non-Competion, and Invention Assignment Agreement” (o Acordo de Confidencialidade) redigido em língua Inglesa e cuja outorga a “Empresamãe”, a V..., Inc., sediada nos Estados Unidos da América, exigia, e que, depois de lhe ter sido explicitado o conteúdo da cláusula referente ao pacto de não concorrência aquando a apresentação do contrato de trabalho, que teve ele a oportunidade de refletir e ponderar sobre se deveria ou não aceitar os termos expostos nesse contrato, tendo decidido por sua livre vontade assinar e comprometendo-se a cumprir todas as cláusulas dele constante, assim como do Acordo de Confidencialidade anexo, que faz parte integrante do Contrato.
Sendo assim, mais uma vez por necessária referência, e apenas, à mesma factualidade provada, nessa não encontra afinal qualquer apoio a sua afirmação no sentido de que, como o diz, ainda que não houvesse impugnação da fundamentação de facto produzida pelo Tribunal a quo, as funções que exercia implicavam o acesso a informações sensíveis da empresa, ao desenvolvimento e criação do produto, ao conhecimento de códigos, algoritmos e protocolos, tais condições justificavam o pacto de não concorrência.
Diversamente, em face do que se provou, não nos merece censura o entendimento do Tribunal recorrido no sentido de que, citando-se a sentença: não pode o autor / aqui recorrente «(…) ser considerado como um concorrente de tal forma especial, que constitua um risco específico de “concorrência diferencial”, capaz de causar prejuízo à ré por conhecimentos adquiridos enquanto trabalhou ao seu serviço»; “E isto porque considerando aquilo que são os conhecimentos dos que exercem a atividade exercida pelo autor, naquele concreto mercado, nada haverá que distinga a concorrência que ele exerce daquela que os demais exercem”; “E, sendo assim, com a ré, também a nós nos parece que não existe um interesse legítimo da entidade empregadora em limitar a liberdade de trabalho do trabalhador através da celebração de um pacto de não concorrência”; “Como tal, a cláusula de não concorrência, em causa nos autos, não é uma cláusula licita, estando ferida de nulidade, nos termos previstos no artigo 136.º/1 do Código do Trabalho.”
Por decorrência do exposto, afastados como ficam todos os argumentos do Recorrente em contrário, porque outros não invocou nas suas conclusões quanto ao mais decidido na sentença no âmbito da aplicação do direito, improcede, em conformidade, o presente recurso.

Improcedendo o recurso, a responsabilidade pelas custas impende sobre o Recorrente.
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Sumário – a que alude o artigo 663º, nº 7, do CPC:
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IV - DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que integram esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, rejeitando-o na parte dirigida à reapreciação da matéria de facto, em declarar no mais improcedente o recurso, confirmando-se, por decorrência, a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
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Porto, 13 de julho de 2022
(assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] Código de Processo Civil Anotado, 5º, pág. 143.
[2] acessível em www.dgsi.pt.
[3] “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”
Também na instância recursiva, nesse caso por referência às conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objeto do recurso, conforme resulta dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal.
[4] Código de Processo Civil Anotado, cit., 5º, pág. 143.
[5] No mesmo sentido, Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil” de 2013, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 320, e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, Alm. Coimbra, 1982 – Págs. 142,143
[6] In www.dgsi.pt.
[7] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222
[8] Op. cit., p. 235/236
[9] cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt
[10] cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt
[11] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222
[12] Op. cit., p. 235/236
[13] cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt
[14] cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt
[15] Também em www.dgsi.pt
[16] Mais uma vez em www.dgsi.pt