Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1204/17.2T8PVZ-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ CARVALHO
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
DISPENSA DE PAGAMENTO DE TAXA DE JUSTIÇA
CONTESTAÇÃO
LITISCONSÓRCIO
Nº do Documento: RP201905221204/17.2T8PVZ-A.P1
Data do Acordão: 05/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º893, FLS.122-125)
Área Temática: .
Sumário: Apresentada uma contestação conjunta por três réus, demandados em litisconsórcio, dos quais o último não beneficiava de dispensa do pagamento de taxa de justiça, sem ter sido paga taxa de justiça por qualquer deles, deverá considerar-se não apresentada a contestação em nome deste e aproveitar-se a contestação em nome dos dois primeiros.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 1204/17.2T8PVZ-A.P1
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
B… instaurou uma acção com processo comum contra C…, D… e E…, alegando ser credor dos co-Réus C… e D… e peticionando a declaração de ineficácia em relação ao Autor da doação da fração autónoma designada pelas letras AH e, subsidiariamente, a declaração de nulidade da doação, por simulação.
A mencionada fração foi doada pelos co-Réus C… e D… ao seu filho menor e também co-Réu E….
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Os Réus apresentaram uma única contestação, em 06-10-2017.
Os co-Réus C… e D… beneficiam de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Ao co-Réu E… foi concedido o benefício de apoio judiciário, na modalidade de «dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo». O requerimento de apoio judiciário do co-Réu E… foi apresentado em 31/10/2017, ou seja, após a apresentação da contestação. Por isso, foi proferido despacho (fls. 248), no qual se afirmou que o benefício do apoio judiciário não abrange a taxa de justiça já vencida em data anterior à data da apresentação do respetivo requerimento de proteção jurídica; e que o benefício do apoio judiciário não abrange as multas processuais.
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O co-Réu E… foi notificado, nos termos e para os efeitos do art. 570.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
Não tendo sido realizado o pagamento da taxa de justiça devida e da multa, foi o co-Réu E… convidado a proceder, no prazo de 10 (dez) dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa de valor igual ao da taxa de justiça, com o limite mínimo de 5 UCs e máximo de 15 UCs (nos termos do art. 570.º, n.º 5 do Código de Processo Civil).
Mesmo após as notificações ora referidas, não foi paga a taxa de justiça nem a multa.
Foi então proferido despacho, do qual se transcreve:
“Estamos perante uma situação de litisconsórcio necessário passivo, pelas razões acima expostas.
Havendo litisconsórcio, como é o caso, e tendo os co-Réus C… e D… requerido apoio judiciário, na modalidade de «dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo», o disposto no art. 530.º, n.º 4 do Código de Processo Civil deve ser interpretado no sentido de que quem deveria ter procedido ao pagamento da totalidade da taxa de justiça era o primeiro dos litisconsortes que não beneficiava ou não tinha requerido apoio judiciário, in casu, o co-Réu E….
Tendo os Réus optado por apresentar uma única contestação, a aplicação do regime do art. 570.º implica o desentranhamento dessa contestação, o que terá repercussão sobre a posição processual de todos os Réus que apresentaram a sua defesa nessa contestação, incluindo os que, quando foi apresentada a contestação, beneficiavam/tinham requerido apoio judiciário. Não há que fazer ressalvas, porque qualquer um dos co-Réus poderia ter pago a taxa de justiça, mas não o fez. E também não colhe o argumento de que os Réus que beneficiam de apoio judiciário podem não ter disponibilidade económica para procederem ao pagamento, porque do que se trata é de os Réus terem de suportar as consequências da opção que fizeram de apresentar uma única contestação.
(…)
Atendendo a que foi dado cumprimento ao estabelecido no art. 570.º, n.ºs 3 e 5 do Código de Processo Civil; e a que não foi realizado o pagamento da taxa de justiça devida e da multa; nos termos do art. 570.º, n.º 6 do Código de Processo Civil, determina-se o desentranhamento da contestação apresentada pelos Réus C…, D… e E….
Condena-se o Réu E… a pagar as custas do incidente a que deu causa, fixando a taxa de justiça em 1 UC (art. 527.º do Código de Processo Civil e art. 7.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais), sem prejuízo para o apoio judiciário de que beneficia.”
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Os Réus interpuseram recurso daquele segmento do despacho, rematando as alegações com as seguintes conclusões:
1ª – O presente recurso vem interposto do douto despacho que ordenou o desentranhamento da contestação interposta pelos apelantes;
2ª – Os apelantes interpuseram contestação por si e em representação de seu filho menor E…, em cumprimento do dever de representação imposto pelo artigo 16º, nº 2 do Código de Processo Civil;
3ª – Não dispondo de meios financeiros para o pagamento dos encargos processuais, os apelantes requereram apoio judiciário, identificando a globalidade do agregado familiar e respetivo património;
4ª – O Réu E… não representa um interessado autónomo, para os efeitos do artigo 6º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais e a sua representação em Juízo imposta aos apelantes não deve determinar o pagamento de taxa de justiça por parte destes;
5ª – A própria secretaria judicial assim o entendeu, uma vez que não notificou os apelantes, na sequência da interposição da contestação, nos termos e para os efeitos do artigo 570º, nº 3 do Código de Processo Civil;
6ª – O apelado veio, a destempo e sem legitimidade para o efeito, requerer, catorze dias depois de notificado da contestação, que fosse tida como não apresentada a contestação do Réu E…;
7ª – Surpreendido com o dito requerimento, o apelante C… apresentou requerimento de apoio judiciário também em nome de seu filho menor E…, que foi imediatamente deferido;
8ª – Por despacho judicial de março de 2018, mais de cinco meses após a interposição da contestação, foi o Réu E… notificado para proceder ao pagamento de taxa de justiça e multa, tudo em clara violação do estatuído no artigo 570º, nº 3 do Código de Processo Civil;
9ª – A factualidade jurídica alegada pelos Apelantes é adequada e suficiente para inviabilizar a ação e pedido de Impugnação Pauliana, á luz dos artigos 611º e 612º do Código Civil;
10ª – Se é certo que nos casos de Litisconsórcio, o dispositivo do artigo 530º, nº 4 do Código de Processo Civil impõe o dever de pagamento, por qualquer dos litisconsortes, da taxa de justiça global, não o é menos que o nosso ordenamento jurídico não prevê que a falta de pagamento da taxa por um litisconsorte sem esse benefício possa prejudicar um outro com apoio judiciário;
11ª – O normativo do artigo 570º, nº 6 do Código de Processo Civil interpretado no sentido de determinar o desentranhamento da contestação interposta por todos os Réus, mesmo os que beneficiam de dispensa de taxa de justiça por insuficiência económica, porque um deles, sem esse benefício, não pagou taxa de justiça, padece de flagrante inconstitucionalidade, por violação do princípio fundamental do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, garantido no artigo 20º, nº 1 da Constituição da República;
12ª – A garantia de acesso ao direito dos litisconsortes com o benefício de apoio judiciário é, obviamente, inquestionável, quer hajam interposto contestações diversas e autónomas das do litisconsorte que não pagou a taxa devida ou uma única contestação em nome de todos, bastando, neste último caso, que a mesma seja desconsiderada na parte relativa à defesa do litisconsorte incumpridor;
13ª – Assim não entendendo, o douto despacho recorrido viola os já citados princípio e preceito constitucional, para além de configurar uma interpretação jurídica claramente desfasada do pensamento legislativo e unidade do sistema jurídico, em manifesto desrespeito pelo dispositivo do artigo 9º do Código Civil;
14ª – O despacho impugnado não respeita, pelo menos na sua plenitude, o princípio do contraditório consagrado no artigo 3º do Código de Processo Civil, desconsiderando, em absoluto, a sua associação ao princípio constitucional da proibição da indefesa;
Termos em que,
E nos mais de Direito,
Concedendo provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogando o douto despacho recorrido, substituindo-a por outro que considere o menor E… dispensado de pagar taxa de justiça nos presentes ou, sem prescindir, que seja desconsiderada a contestação apenas na parte respeitante á defesa deste,
V. Excelências farão a habitual JUSTIÇA!
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O recorrido respondeu às alegações, pronunciando-se pela improcedência do recurso.
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Os factos
Os factos relevantes para a apreciação do recurso são os acima enunciados.
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O direito
Questão a decidir: se a sanção para a falta do pagamento de preparo por parte do Réu que não gozava de apoio judiciário era o desentranhamento da contestação apresentada conjuntamente por todos os Réus, dois dos quais tinham apoio judiciário.
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A procedência do peticionado pelo Autor – seja o pedido principal, seja o pedido subsidiário – tem implicações na doação da fracção autónoma feita pelos Réus C… e D… a E…, uma vez que em tal hipótese o credor (Autor) tem, direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição (art. 616º, nº 1, do C. Civil). Para que a decisão produza o seu efeito útil normal torna-se necessário que sejam demandados os doadores e o donatário, tendo ambos interesse em contradizer. Estamos assim perante uma situação de litisconsórcio necessário passivo (art. Art. 33º, nº 2, do CPC).
Tendo sido apresentada contestação, devia ser paga taxa de justiça (art. 530º, nº 1, do CPC). Foi apresentada uma contestação única pelos três Réus. A dois destes foi concedido apoio judiciário, pelo que não tinham que pagar taxa de justiça.
Ao Réu E… foi concedido apoio judiciário. Mas essa concessão ocorreu após ter sido apresentada a contestação e depois de ter expirado o respectivo prazo para a apresentação daquela peça processual.
Suscita-se a questão de saber qual a sanção a aplicar ao Réu litisconsorte que contestou e que não pagou a taxa de justiça e a multa, previstos no nº 5 do artigo 570º.
O Réu E…, apesar de ser menor não se encontrava dispensado de pagar taxa de justiça. Neste ponto concordamos com o decidido no despacho impugnado. O apoio judiciário inicial foi concedido aos Réus C… e D…, pelo que apenas estes beneficiam da faculdade de apresentarem contestação sem realizar o preparo correspondente.
O nº 4 do artigo 530º do CPC estatui: “Havendo litisconsórcio, o litisconsorte que figurar como parte primeira na petição inicial, reconvenção ou requerimento deve proceder ao pagamento da totalidade da taxa de justiça, salvaguardando-se o direito de regresso sobre os litisconsortes.”
Esta norma não é no caso aplicável, uma vez que o litisconsorte que figura como parte primeira na contestação – C… – goza de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo. Seria contraditório, por um lado, considera-lo dispensado de pagar taxa de justiça e encargos e por outro lado obriga-lo a pagar taxa de justiça como forma de não ser desentranhada a contestação que apresentou em conjunto com os demais Réus.
O nº 6 do art. 570º do CPC dispõe que se no termo do prazo concedido no número anterior, o réu persistir na omissão, o tribunal determina o desentranhamento da contestação. Foi esta a sanção aplicada no despacho recorrido. Mas recaindo a obrigação der pagar taxa de justiça apenas sobre o Réu E…, apenas relativamente a este se pode considerar ter ocorrido omissão.
Com o desentranhamento da contestação estaria a ser aplicada uma sanção pela falta de pagamento de taxa de justiça, a quem estava dispensado de pagar essa taxa.
Beneficiando de apoio judiciário na apontada modalidade, o desentranhamento da contestação conjunta, por falta do pagamento da taxa de justiça por parte do único Réu que não beneficia de apoio judiciário atentaria contra aquele apoio. Seria violado o acesso ao direito (art. 20º da CRP) e limitado de um modo que não encontra qualquer justificação razoável o princípio do contraditório exercido pelos demandados que gozam de apoio judiciário desde o início. Aquela limitação ofende o princípio da proporcionalidade (art. 18º, nº 2, da CRP), o qual impede “a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP anotada, I, 4ª ed., 2007, pág. 393, anotação XII ao artigo 18º).
O princípio da proporcionalidade reclama uma solução que respeite o direito de os Réus a quem foi concedido apoio judiciário desde o início não serem prejudicados e poderem litigar na acção nos termos daquele apoio – sem terem que pagar taxa de justiça.
Como apenas o R. E… não gozava de apoio judiciário, para não serem afectados os direitos de defesa dos outros Réus, que apresentaram contestação, a solução adequada, para respeitar os princípios de aceso ao direito e da proporcionalidade, consiste em sancionar apenas quem não estava dispensado do pagamento da taxa de justiça e não realizou tal pagamento.
A solução que sanciona quem não pagou e devia ter pago consiste em considerar não apresentada a contestação do R. E…. Procedendo deste modo sanciona-se quem devia ter pago e não pagou a taxa de justiça e não se impede o exercício do contraditório aos Réus que beneficiam desde o início de apoio judiciário.
O fim visado pela lei – o sancionamento da parte que não pagou a multa nem a taxa de justiça que devia ter pago – alcança-se considerando não apresentada contestação pelo Réu E…, mas subsistindo a contestação relativamente aos Réus C… e D….
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Decisão
Pelos fundamentos expostos, julga-se a apelação procedente, revogando o despacho recorrido no segmento em que ordenou o desentranhamento da contestação apresentada pelos três Réus, determinando-se que se considere como não apresentada a contestação pelo Réu E….
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Custas pelo Autor.
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Porto, 22.05.2019
José Carvalho
Rodrigues Pires
Márcia Portela