Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
14775/16.1TJPRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: INCIDENTE DE HABILITAÇÃO DE CESSIONÁRIO
CRÉDITO EXEQUENDO
INEXIGIBILIDADE
Nº do Documento: RP2018100814775/16.1TJPRT-B.P1
Data do Acordão: 10/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º681, FLS.157-159)
Área Temática: .
Sumário: Não obstante, nos termos do disposto no nº 1, do artigo 587º do Código Civil, o cedente garanta ao cessionário a existência e a exigibilidade do crédito cedido, a exigibilidade em causa neste preceito não tem a ver com o vencimento da obrigação (artigos 777º a 782º do Código Civil), mas sim com a acionabilidade do crédito cedido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 14.775/16.1T8PRT-B.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 14775/16.1T8PRT-B.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório
Em 16 de janeiro de 2018, por apenso ao processo nº 14775/16.1T8PRT, pendente no Juízo de Execução, Juiz 9, da Comarca do Porto, B..., S.A. instaurou contra C…, D… e E… incidente de habilitação de herdeiros, requerendo que na procedência do incidente deduzido seja julgada habilitada no lugar da cedente E….
Em 24 de janeiro de 2018 ordenou-se o cumprimento do disposto no artigo 356º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil.
Os requeridos foram notificados nos termos ordenados.
Em 06 de fevereiro de 2018, C… e D… vieram opor-se à habilitação negando que a habilitanda seja titular do crédito cuja titularidade se arroga, continuando na esfera jurídica do cedente, inexigível e sujeito a renegociação nos termos do disposto no decreto-lei nº 227/2012 de 25 de outubro.
B…, S.A. respondeu à contestação oferecida pelos requeridos C… e D… alegando que a oposição oferecida não se integra nos fundamentos previstos no artigo 356º do Código de Processo Civil, o que deveria ter determinado o seu indeferimento liminar.
Em 18 de abril de 2018 foi proferida decisão[1] a julgar procedente o incidente de habilitação.
Em 07 de maio de 2018, inconformados com a sentença de habilitação, C… e D… interpuseram recurso de apelação, pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por decisão que julgue improcedente a habilitação da recorrida, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª- Consta da escritura pública junta aos autos pela Habilitante/Cessionária que a Cedente E… era titular de alguns (muitos) créditos vencidos, entre os quais se contariam os créditos dos Executados;
2ª- E que esses créditos assim vencidos eram cedidos à Habilitante;
3ª- Sucede, porém, que já foi apurado nos autos de Embargos nº 14653/16.4T8PRT-A que o crédito concedido aos Executados F… e mulher G…, crédito aquele garantido também por fiança dos ora Recorrentes, ainda não se encontra vencido;
4ª- Tendo sido julgados procedentes aqueles Embargos de Executado e julgada extinta a execução contra aqueles devedores principais F… e G…;
5ª- Pelo que o crédito que a E… ainda detém sobre os Executados não poderia fazer parte dos créditos cobertos pela cessão à Habilitante;
6ª- Já que tal crédito não se encontra vencido, insusceptível, por isso, de ter sido transmitido à Cessionária, conforme ficou exarado na escritura de cedência de créditos;
7ª- Sendo uma obrigação para a Cedente E… cumprir os procedimentos extrajudiciais de Regularização das Situações de Incumprimento estabelecidas no Decreto-Lei 227/2012 de 15/10, conforme foi assinalado naquela sentença que julgou procedentes os Embargos e determinou a extinção da execução;
8ª- Pelo que só a Cedente E… está em condições de poder cumprir aqueles procedimentos de regularização do crédito em causa;
9ª- E não a Habilitante que não foi condenada no que quer que seja;
10ª- Pelo que a transmissão para a Habilitante do crédito em causa tornaria difícil, senão mesmo impossível a posição dos Executados no presente processo;
11ª- Já que apenas podem fazer valor os seus direitos contra o E… e não contra a Habilitante;
12ª- A sentença proferida viola, por isso, o disposto no artigo 356º do CPC.
A recorrida contra-alegou pugnando pela sua rejeição em virtude de os recorrentes não indicarem os factos incorrectamente julgados, nem os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, tendo omitido o pagamento da taxa de justiça devida, o que determina o desentranhamento da alegação, sendo certo, além disso, que os recorrentes não instruíram devidamente o seu recurso, nem indicaram a base legal do recurso, o modo de subida ou o efeito, nem indicaram as peças do processo de que pretendem certidão para instrução do recurso; além disso, não têm os recorridos fundamento para alegar que a Habilitante não tem legitimidade para ceder os créditos, não estando provado que a cessão do crédito exequendo foi realizada com o intuito de tornar mais difícil a posição dos recorridos nos autos.
O recurso foi admitido como de apelação a subir nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.
Atenta a natureza estritamente jurídica das questões decidendas, com o acordo dos restantes membros do coletivo, dispensaram-se os vistos, cumprindo agora apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
Da incedibilidade do crédito exequendo por inexigibilidade e por a cessão tornar mais difícil a posição dos recorrentes no processo.
3. Fundamentos de facto exarados na decisão recorrida com reprodução do essencial da prova documental para que remete
3.1
Em 02 de novembro de 2017 foi celebrado entre a E… e a B…, S.A, sociedade de titularização de créditos, respetivamente na qualidade de cedente e de cessionário, o contrato cuja cópia se mostra junta de fls 6 a 10 dos autos e nos termos do qual aquela vende a esta os créditos identificados no documento complementar e seus anexos.
3.2
No referido documento complementar consta, para além do mais, sob a verba 1649.2, a identificação do contrato de crédito dado à execução.
4. Fundamentos de direito
Da incedibilidade do crédito exequendo por inexigibilidade e por a cessão tornar mais difícil a posição dos recorrentes no processo
Os recorrentes pugnam pela revogação da decisão recorrida em virtude dos créditos cedidos serem inexigíveis, invocando para tanto a decisão proferida nos embargos de executado nº 14653/16.4T8PRT-A, em que foi embargante G… e ainda a circunstância da cessão dos créditos exequendos tornar mais difícil a sua posição no processo.
Cumpre apreciar e decidir.
Antes ainda de entrar no conhecimento direto do objeto do recurso, detenhamo-nos sobre as objeções ao conhecimento do recurso suscitadas pela recorrida.
A recorrida pugna pela rejeição do recurso em virtude de os recorrentes não indicarem os factos incorrectamente julgados, nem os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida total improcedência do recurso, tendo omitido o pagamento da taxa de justiça devida, o que determina o desentranhamento da alegação, sendo certo, além disso, que os recorrentes não instruíram devidamente o seu recurso, nem indicaram a base legal do recurso, o modo de subida ou o efeito, nem indicaram as peças do processo de que pretendem certidão para instrução do recurso.
A primeira objeção da recorrida atinente à inobservância dos ónus que recaem sobre o recorrente que impugna a decisão da matéria de facto é ostensivamente improcedente pois que os recorrentes não impugnam a decisão da matéria de facto.
A segunda objeção – omissão de pagamento da taxa de justiça devida – olvida que os aqui recorrentes formularam pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e outros encargos com o processo nos embargos de executado, não havendo notícia de que tal pretensão haja sido objeto de indeferimento e correndo estes autos por apenso aos embargos de executado e à acção executiva, estende-se aos mesmos esse benefício ex vi artigo 18º, nº 4, da Lei nº 34/2004, de 29 de julho.
A terceira objeção – omissão de instrução do recurso, falta de indicação de base legal do recurso, do modo de subida e do efeito – é, no que respeita à omissão de instrução do recurso, destituída de sentido, pois estamos perante um recurso que sobe nos próprios autos e esse ónus de instrução só existe para os recursos em separado (veja-se o artigo 646º do Código de Processo Civil) e, relativamente à falta de indicação da base legal do recurso, bem como da indicação do modo de subida e respetivo efeito, não constitui qualquer obstáculo ao conhecimento do objeto do recurso, já que a previsão do nº 1, do artigo 637º do Código de Processo Civil é uma norma sem sanção.
Debrucemo-nos agora sobre o objeto do recurso.
Os recorrentes invocam a inexigibilidade do crédito exequendo como fundamento para a incedibilidade do crédito exequendo e, consequentemente, para a improcedência do presente incidente.
Embora nos termos do disposto no nº 1, do artigo 587º do Código Civil, o cedente garanta ao cessionário a existência e a exigibilidade do crédito cedido, a exigibilidade em causa neste preceito não tem a ver com o vencimento da obrigação (artigos 777º a 782º do Código Civil), mas sim com a acionabilidade do crédito cedido[2].
Assim, podem obrigações ainda não vencidas ser objecto de cessão de créditos (veja-se o nº 1, do artigo 577º do Código Civil).
A decisão judicial que os recorrentes invocam para firmar a inexigibilidade da obrigação exequenda e que foi junta nestes autos incompleta, porque proferida em embargos de executado, não aproveita aos aqui recorrentes que não são parte nesses autos e, em todo o caso, contendendo com o vencimento da obrigação exequenda não impedem a cessão do crédito exequendo.
Os recorrentes não invocaram factos integradores da previsão do artigo 18º, nº 1, alínea c), do decreto-lei nº 227/2012, de 25 de outubro, sendo certo, em todo o caso, que dada a natureza da sociedade cessionária, tudo indica que sempre estaria preenchida a exceção à incedibilidade prevista na alínea b), do nº 2, do citado artigo.
Finalmente, os recorrentes alegam que a cessão de créditos torna mais difícil a sua posição no processo, não curando de concretizar por que razão isso sucede.
Ora, nos termos do disposto no artigo 585º do Código Civil, o “devedor pode opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão”, pelo que não se entende que por si só a cessão do crédito exequendo torne mais difícil a posição no processo.
Independentemente do que se acaba de referir, certo é também que a alínea a), do nº 1, do artigo 356º do Código de Processo Civil exige que seja alegado que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a posição do devedor no processo, factualidade que os recorrentes não alegaram na altura própria.
Assim, face a quanto precede, conclui-se pela total improcedência do recurso, sendo as custas do mesmo da responsabilidade dos recorrentes, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que possam beneficiar (artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por C… e D… e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida proferida em 18 de abril de 2018, nos segmentos impugnados.
Custas a cargo dos recorrentes, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que possam beneficiar.
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O presente acórdão compõe-se de seis páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.
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Porto, 08 de outubro de 2018
Carlos Gil
Carlos Querido
Correia Pinto
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[1] Notificada às partes por via eletrónica mediante expediente elaborado em 20 de abril de 2018.
[2] Neste sentido veja-se, por todos, Cessão de Créditos, Almedina 2005, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, páginas 352 a 355.