Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1703/12.2TBPRD-G.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO LIMA COSTA
Descritores: AUTO LIQUIDAÇÃO DA REMUNERAÇÃO E DESPESAS
ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RP201407031703/12.2TBPRD-G.P1
Data do Acordão: 07/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O art. 29 nº 1, nº 5 e nº 9 da Lei 22/2013, de 26/2, faculta ao administrador de insolvência que por decisão própria e auto-liquidação, retire da massa insolvente os montantes relativos à sua remuneração e despesas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 1703/12.2TBPRD-G.P1
Juiz Relator: Pedro Lima da Costa
Primeiro Adjunto: Araújo Barros
Segundo Adjunto: Pedro Martins

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.
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O ora apelante B… exerce a função de administrador de insolvência no âmbito de processo em que foi declarada a insolvência de C…, tendo apelado do seguinte trecho do despacho de 2/4/2014:
“Na sequência da prolação do despacho de fls. 245 e, bem assim, na sequência da inércia e conduta imprópria do Senhor Administrador de Insolvência, condeno-o na soma de dez unidades de conta processual”.
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Especificam-se a seguir, em termos sumariados, alguns dos antecedentes relevantes do despacho apelado, finalizando-se com a reprodução integral do dito despacho de 2/4/2014.
- O despacho de 30/10/2013 tem o seguinte teor:
“Compulsados os autos, urge esclarecer: Não foi fixada qualquer remuneração variável ao Sr. Administrador da Insolvência. Aliás, já foi proferido despacho que considerou prematuro a apresentação de qualquer cálculo relativo a tal remuneração (dado que ainda não se apurou o resultado da liquidação para efeito desse cômputo). Assim, não se entende a razão pela qual, em Outubro de 2012, o Sr. AI procedeu a uma transferência de 6.449,91€ da conta da massa (dado que o Tribunal o não autorizou, nem fixou qualquer remuneração, nem aprovou o valor inicialmente indicado por ele). Notifique-o para, em dez dias, improrrogáveis, esclarecer a razão pela qual procedeu ao levantamento da aludida importância e para a repor na conta da massa. Mais deverá esclarecer a razão pela qual procedeu à transferência de 284,13€, quando tal não foi autorizado (por lhe ter sido entregue provisão para despesas superior ao montante alcançado a título de encargos). Esse valor deverá, também, ser reposto, em 10 dias. Notifique-o, também, para esclarecer a razão pela qual a conta da massa não produziu quaisquer juros (isto é, se nenhum montante foi colocado em conta que permitisse esse ganho para o saldo da massa insolvente). O prazo é improrrogável e importará a condenação do Sr. Administrador da Insolvência em multa, em caso de inércia. Notifique os credores do teor deste despacho e de fls. 206/207”;
- Em 5/11/2013 o apelante devolveu a segunda prestação da sua remuneração, a qual tinha sido paga pelo IGF, entregando à massa insolvente a verba de 1.015€. O apelante ainda informou que já tinha devolvido a primeira prestação da sua remuneração paga pelo IGF e alegou que tais valores foram por ele recebidos directamente da massa insolvente, ao abrigo do disposto no art. 26 nº 1 e nº 7 do Estatuto do Administrador de Insolvência estabelecido pela Lei 32/2004, de 22/7, e ao abrigo do disposto no art. 29 nº 1 e nº 9 do novo Estatuto do Administrador de Insolvência estabelecido pela Lei 22/2013, de 26/2. O apelante invocou que os montantes que retirou da massa insolvente não estão sujeitos a margem alguma de arbitrariedade quanto ao seu cálculo, pelo que decorrendo da lei a autorização do seu levantamento, entende como inútil requerer ao juiz autorização para reembolsar despesa que deve ser suportada directamente pela massa insolvente. O apelante termina esclarecendo a matéria da não obtenção de juros com a conta bancária da massa insolvente;
- Em 14/11/2013 o apelante solicitou ao processo o pagamento de provisão para remuneração e despesas “correspondentes ao caso”;
- O despacho de 20/11/2013 tem o seguinte teor:
“O Sr. Administrador da Insolvência fez tábua rasa do despacho proferido pelo Tribunal. Reiteramos que não lhe foi fixada qualquer remuneração variável (por prematuro) – sendo certo que o mesmo não se refere a tal valor no requerimento que juntou aos autos –, nem foi autorizada qualquer levantamento a título de despesas, por lhe ter sido oportunamente entregue provisão para o efeito. O Sr. Administrador tem cinco dias para cumprir o despacho proferido”;
- Em 27/11/2013 o apelante reiterou as suas alegações de 5/11/2013 e afirmou que concorda não ter o tribunal ainda fixado a sua remuneração variável, por ser prematura essa fixação, mas entende tratar-se de remuneração calculada nos termos de critérios legais não discricionários. Para sustentar a retirada de 6.449,91€ estabelece o seguinte cálculo:
Remuneração fixa - 2.000€
Remuneração variável paga a final, vencendo-se na data do encerramento do processo. Apuro da massa insolvente de 67.300€ menos dívidas da massa insolvente de 382,34€ equivale a 66.917,66€. Taxa marginal de 5,95% para o escalão até 50.000€ equivale a 2.975€. Taxa base de 3% para o excedente de 16.917,66€ equivale a 507,53€. A soma daqueles 2.975€ com estes 507,53€ - 3.482,53€
Majoração - 669,17€
Total - 6.151,70€
Reembolso de despesas - 98,21€
Provisão - 200€
Total - 6.449,91€;
- Em 5/12/2013 foi informado que as quantias pagas ao apelante foram:
Primeira prestação de honorários, com IVA - 1.230€
Segunda prestação de honorários, com IVA - 1.230€
Despesas - 500€
Total - 2.960€.
Mais se informou que o apelante devolveu ao processo 1.015€ daquela segunda prestação de honorários, quando o IGF tinha despendido 1.230€;
- O subsequente despacho de 5/12/2013 tem o seguinte teor:
“Dos autos não resulta que o Sr. Administrador da Insolvência tenha procedido à devolução de todas as quantias entregues pelo IGF, tal [como] alega. Notifique-o para esclarecer. No mais, não tendo o processo ido à conta, nunca poderia ter sido alcançado o valor da liquidação e, consequentemente, da remuneração variável. Notifique o Sr. Administrador da Insolvência para repor nos autos os valores indevidamente levantados sem autorização do Tribunal”;
- Em 17/12/2013 o apelante reiterou que tinha procedido à devolução de todas as quantias entregues pelo IGF, sendo certo que desse instituto só tinha recebido a verba de 1.015€, com a diferença de 215€ retida e entregue à administração fiscal. O apelante reiterou que já tinha recebido da massa insolvente os valores a que tinha direito. O apelante ainda reiterou o entendimento que já tinha expressado sobre o aspecto jurídico do assunto e reafirmou as contas que tinha apresentado, concluindo que nada deve repor;
- O despacho de 19/12/2013 está inserto a fls. 245 dos autos principais e tem o seguinte teor:
“Deverá o Sr. Administrador da Insolvência abster-se de fazer considerandos jurídicos nos autos. Notifique o Sr. Administrador da Insolvência para juntar aos autos novo extracto de conta de onde resulte terem sido repostos os valores erradamente levantados a título de remuneração variável – 6.449,91€ – e os 284,13€ já referidos no despacho de 30 de Outubro. Prazo: 10 dias. Tudo sob pena de condenação em multa no valor de cinco unidades de conta processual, em caso de inércia ou de incumprimento do determinado (dado que há meses que a actuação do Sr. Administrador da Insolvência tem vindo a prejudicar o interesse dos credores e da massa insolvente)”;
- Em 14/1/2014 o apelante reiterou que tinha devolvido todas as provisões recebidas do IGF e reiterou entendimentos e contas que já tinha apresentado, tal como informou que o saldo da conta bancária da massa insolvente era de 6.807,26€, verba essa suficiente para pagar as custas. Alegou que se fosse detectado algum erro de cálculo nas contas por si apresentadas se propunha repor o que porventura teria recebido a mais, sendo certo que nada impede o cálculo das custas;
- O despacho de 21/1/2014 está inserto a fls. 251 dos autos principais e tem o seguinte teor:
“Os autos precisam de prosseguir, a bem dos credores. O Sr. Administrador da Insolvência continua a recusar-se a cumprir o determinado. Em 17/10/2012, o Sr. Administrador da Insolvência procedeu a uma transferência para si próprio no valor de 6.449,91€. Apenas em 1/2/2013 deu conhecimento ao apenso B que a liquidação estaria encerrada. Só aí seriam apresentadas as contas, aprovadas e, depois, os autos iriam à conta. Depois, as custas seriam pagas e, por fim, só aí, se encontraria o resultado da liquidação nos termos do então artigo 20 n° 3 [nº 2?] da Lei 32/2004. Só aí seria possível fixar a remuneração variável do Sr. Administrador da Insolvência. Essa é a determinação legal. Que o Sr. Administrador da Insolvência não cumpriu. E não cumpre. Notifique. Extraia certidão de todo o apenso de liquidação, do de prestação de contas e dos despachos, documentos e requerimentos do Sr. Administrador da Insolvência juntos aos autos principais desde 13/11/2012 e remeta ao Ministério Público para os efeitos tidos por convenientes. Os autos não podem esperar. À conta. Oportunamente, far-se-ão os acertos devidos”;
- O teor completo do despacho ora apelado, proferido em 2/4/2014, é o seguinte:
“Na sequência da prolação do despacho de fls. 245 e, bem assim, na sequência da inércia e conduta imprópria do Senhor Administrador de Insolvência, condeno-o na soma de dez unidades de conta processual.
Notifique.
Foram pagas as custas do processo.
Regularizando a instância (para além do procedimento criminal que correrá termos contra o Sr. Administrador de Insolvência):
O resultado da liquidação realizada no apenso B ascendeu a 67.300€+81,30€, num total de 67.381,30€.
Importa que nos debrucemos e esquematizemos o regime legal aplicável:
Remuneração fixa: 1.230€+1.230€, num total de 2.460€.
O Sr. Administrador de Insolvência recebeu, ainda, 500€ a título de provisão para despesas, as quais demonstraram ser inferiores ao valor gasto, tendo sido aprovadas as contas.
Remuneração Variável:
a) Resultado da liquidação 67.381,30€-2.939,71€=64.441,59€
b) Montante da liquidação a considerar para efeitos da taxa legalmente estabelecidas (já deduzidas as custas pagas): 64.441,59€
c) Taxas constantes do anexo I da Portaria 51/2005, de 20/1, a considerar:
- ao montante de 50.000€ aplica-se uma taxa marginal de 5,95%: 2.975€;
- ao remanescente de 14.441,59€ aplica-se uma taxa base de 3%: 433,247€;
Num total de 3.408,247€.
Tendo em conta o valor total de créditos admitidos (123.819,40€) e o valor da liquidação (64.441,59€), a percentagem de créditos satisfeita é de 52,04%, pelo que a taxa de majoração aplicável, ao abrigo do anexo II da Portaria 51/2005, de 20/1, é de 1,4.
De onde a remuneração variável a fixar ao Sr. Administrador da Insolvência será de 4.771,54€, acrescido de IVA à taxa de 23%, num total de 5.868,99€, que se determina e fixa.
Notifique.
O Sr. Administrador da Insolvência retirou, prematuramente, indevidamente e sem autorização do tribunal, 6.734,04€ [6.449,91€+284,13€], apenas tendo devolvido 1.015€. Assim, mantém-se na posse indevida de 5.719,04€.
Ser-lhe-iam devidos 5.868,99€ a título de honorários, pelo que o autorizo a proceder, agora, ao levantamento de 149,95€.
Notifique-o para juntar novo saldo actualizado da conta da massa.
Extraia certidão deste despacho, dando nota da continuada inércia do Sr. Administrador da Insolvência, e remeta ao processo crime que terá sido instaurado na sequência do despacho de fls. 251.
Junto tal comprovativo, proceda a secretaria à elaboração do mapa de rateio, nos termos do artigo 182 do CIRE”.
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O Senhor Administrador de Insolvência apelou do supra transcrito trecho inicial do despacho de 2/4/2014, a fim de ser revogada a sua condenação a pagar dez unidades de conta processual, para o que apresenta as seguintes conclusões:
1. Por decisão de 2/4/2014, da qual se recorre, veio o Mmº Juiz condenar o AI em multa/coima no valor de 10 UC’s, o que equivale a € 1.020,00, na sequência da inércia e conduta imprópria do AI.
2. O Mmº Juiz não fundamentou a sua posição, a nosso ver, porquanto, na decisão invoca factos que não foram interpretados correctamente, no contexto processual e legal;
3. Não identifica os factos que levaram o Mmº Juiz a concluir pela inércia e a conduta imprópria do AI, e consequentemente na aplicação de multa;
4. Justifica o Mmº Juiz que o AI “retirou” indevidamente e sem autorização do tribunal o valor de € 6.734,04, apenas tendo devolvido € 1.015,00, mantendo-se na posse indevida de € 5.719,00, mas não refere quais as normas violadas;
5. Porém, a douta sentença não o diz, e seria mister que o dissesse, para se aquilatar da bondade do raciocínio lógico que conduziu à decisão, quais as normas legais que se aplicam a este caso concreto, remetendo para o despacho de fls. 251 e fls. 245;
6. Ora a fls. 251, encontra-se o despacho de 21/01/2014, que menciona a L. 32/2004.
7. E nesta, no seu artigo 26/6 pode-se ler expressamente “Nos casos em que a administração da massa insolvente ou a liquidação fiquem a cargo do administrador da insolvência e a massa insolvente tenha liquidez, os montantes referidos nos números anteriores são directamente retirados por este da massa”.
8. Pelo que houve violação do artigo 26/7 da L. 32/2004, com as alterações da Lei n.º 282/2007, de 7 de Agosto.
9. Pelo que o AI nunca procedeu indevidamente, nem nunca prejudicou os credores.
10. Mas a L. 32/2004 foi revogada pela L. 22/2013 de 26/2 que estabelece o estatuto do administrador judicial, e é esta a determinação legal actualmente em vigor.
11. Assim, e tendo em atenção a legislação em vigor, o AI pode retirar da massa insolvente, desde que esta tenha liquidez, a remuneração variável e outras verbas, conforme se encontra previsto no artigo 29/9 da L. 22/2013 de 26/2.
12. Como aliás é costume entre os administradores de insolvência.
13. Pelo que houve erro na determinação da norma aplicável pelo Mmº Juiz, que deveria ter aplicado a L. 22/2013 de 26/2 e não a L. 32/2004, conforme fls. 251.
14. E caso fosse a Lei 22/2013 de 26/2 a lei a ser aplicada e a ter em conta no despacho recorrido, teria havido violação do artigo 29/9 da L. 22/2013 de 26/2.
15. Ora se o Mmº Juiz tivesse aplicado a legislação em vigor a este caso concreto, nunca o AI teria sido condenado no pagamento de 10 UC’s e nunca teria sido posto em causa o seu bom nome e brio profissional.
16. No douto despacho agora recorrido não existe nenhum raciocínio dedutivo que aponte para os factos ou que suportem a decisão de condenar o AI no pagamento de 10 UC’s;
17. Qualquer despacho, qualquer acto decisório tem que ser devidamente fundamentado, conforme artigo 154/1 CPC, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
18. Já a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 205, diz que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
19. A necessidade de motivar a decisão é uma exigência do processo equitativo, um dos direitos do Homem, consagrado no artigo 6/1 da Convenção Europeia.
20. O despacho aqui recorrido é manifestamente nulo por erro na determinação da norma aplicável, e, caso assim não se entenda, por violação da norma jurídica, L. 22/2013 de 26/2 que estabelece o estatuto do administrador judicial, nomeadamente no seu artigo 29/9.
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Por despacho de 16/5/2014 sustentou-se que o despacho apelado não é nulo.
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Foram colhidos os vistos legais.
As questões a dirimir prendem-se com a nulidade do trecho do despacho que condena o apelante a pagar 1.020€ e com o acerto da condenação do apelante em sanção por ter retirado as verbas de 284,13€ e de 6.449,91€.
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Na parte em que condena o apelante a pagar 1.020€, o despacho de 2/4/2014 tem fundamentos retirados de todos os outros despachos que vão transcritos.
Pode-se divisar nesse despacho, por apelo aos respectivos despachos interlocutórios e por raciocínio dedutivo, uma fundamentação daquela condenação com base na recusa de colaboração com o tribunal, o que faculta a condenação em multa ao abrigo do art. 417 nº 1 e nº 2 do Código de Processo Civil, art. 27 nº 2 e nº 4 do Regulamento das Custas Processuais (modalidade de recusa de colaboração excepcionalmente grave) e art. 17 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Em todo o caso, nem podia ter sido omitida a enunciação dessas normas na fundamentação do despacho, ou na fundamentação dos despachos interlocutórios, nem, sobretudo poderia ter sido omitida a pronúncia sobre as causas de justificação que o apelante tinha invocado nos requerimentos supra sumariados para contraditar a tese de que teria procedido ao embolso prematuro e ilegal de remunerações e de despesas.
A essência do assunto da condenação na multa de 1.020€ radica nas normas do art. 29 nº 1, nº 5 e nº 9 da Lei 22/2013, de 26/2, adiante transcritas, num contexto em que o ora apelante tinha invocado repetidamente esse dispositivo legal para justificar a licitude da retirada, em pagamento a ele próprio, das verbas de 284,13€ e de 6.449,91€ em Outubro de 2012.
O despacho de 2/4/2014 tem fundamentos nos despachos anteriores supra transcritos, mas acaba por ser nulo, seja por não indicar o fundamento directo da condenação nas citadas normas dos arts. 417 nº 1 e nº 2 do Código de Processo Civil, 27 nº 2 e nº 4 do Regulamento das Custas Processuais e 17 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, seja, sobretudo, por nada rebater quanto às causas de justificação que o apelante tinha repetidamente invocado para sustentar a licitude da sua actuação quanto à retirada de 284,13€ e de 6.449,91€. Os despachos interlocutórios também não rebatem o acerto da invocação do disposto daquele art. 29 e não redimem, por antecipação, a omissão correspondente do despacho de 2/4/2014.
Ocorreu omissão dos fundamentos de direito que justificariam a condenação em 1.020€ e omissão de pronúncia sobre a questão de licitude do acto, questão essa que foi oportuna, repetida e regularmente suscitada pelo apelante e que deveria ter sido apreciada.
A nulidade do despacho apelado radica nos arts. 615 nº 1 als. b) e d) (primeira parte) e 613 nº 3 do Código de Processo Civil.
Claro que este Tribunal da Relação não deixará de apreciar o mérito da apelação na parte em que se discute se o apelante poderia ter sido condenado em sanção, uma vez que o art. 665 nº 1 do Código de Processo Civil estabelece que mesmo declarando a nulidade da decisão impugnada o tribunal de recurso deve conhecer o objecto da apelação.
Como se passará a conhecer.
O art. 33 da dita Lei 22/2013 revogou a Lei 32/2004, de 22/7, e a actuação do apelante, na condição de administrador de insolvência, rege-se por aquela primeira lei.
O art. 29 nº 1, nº 5 e nº 9 da Lei 22/2013 tem o seguinte teor:
“1- Sem prejuízo do disposto no nº 4 do art. 52 e do nº 7 do art. 55 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração do administrador de insolvência e o reembolso das despesas são suportadas pela massa insolvente, salvo o disposto no artigo seguinte.
5- A remuneração variável relativa ao produto da liquidação da massa insolvente é paga a final, vencendo-se na data de encerramento do processo.
9- Nos casos em que a administração da massa insolvente ou a liquidação fiquem a cargo do administrador de insolvência e a massa insolvente tenha liquidez, os montantes referidos nos números anteriores são directamente retirados por este da massa”.
Este último trecho “são directamente retirados por este da massa” sustenta a tese do apelante no sentido de ser ele próprio quem tem competência para calcular a sua remuneração e despesas e quem as retira, por autoridade própria, do activo fiduciário da massa insolvente.
O transcrito nº 5, reportado à “remuneração variável” prevista no nº 2 do art. 23 da mesma lei para a liquidação da massa insolvente, não faculta ao administrador que retire tal remuneração do activo fiduciário da massa insolvente antes do fim da liquidação.
Sucede que no apenso B, em 4/10/2012 decidiu-se julgar encerrada a liquidação do activo.
Foi em 17/10/2012 que o apelante retirou da massa insolvente a verba de 6.449,91€.
Mesmo que então faltasse ao apelante apresentar as contas finais previstas no art. 62 nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, não se entende como precoce essa retirada de 17/10/2012, uma vez que já há 13 dias se entendia que a liquidação do activo estava encerrada.
Conclui-se que não há infracção ao disposto no transcrito nº 5 por retirada precoce da remuneração variável.
O radical do fundamento do despacho apelado reside na retirada precoce da remuneração variável e despesa de 284,13€ (relativa a um anúncio no jornal O Primeiro de Janeiro), não no excesso da verba retirada, uma vez que se veio a determinar, no mesmo despacho e em fim de contas com o apelante, que este tinha retirado menos 149,95€ do que a verba que lhe foi então reconhecida (o apelante retirou esses 149,95€ à massa insolvente em 8/4/2014, conformando-se com a liquidação final das verbas que lhe são devidas, a que também se procedeu no despacho de 2/4/2014).
O entendimento de ausência de infracção ao disposto no transcrito nº 5 do art. 29 não é prejudicado pela circunstância de se ter vindo a entender, depois daquela decisão de 4/10/2012, que ainda faltavam liquidar alguns bens móveis, os quais vieram a redundar em benefício líquido para a massa de 81,30€, sendo só em 8/7/2013 que veio a ser proferido aquele que foi o definitivo despacho a julgar encerrada a liquidação do activo.
Não existe norma geral na Lei 22/2013 ou no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, nomeadamente no art. 60 deste código, que reserve ao juiz a determinação do concreto montante que o administrador receberá a título de remuneração variável e de despesas, nunca se devendo olvidar que, na maior parte dos casos, se tratam de montantes directamente determinados por critérios matemáticos, na forma de indexantes a valores que são, eles próprios, determinados em termos incontroversos no processo, tudo conforme índices regressivos previstos no anexo I da Portaria 51/2005, de 20/1, e conforme com outros critérios puramente matemáticos enunciados nessa Portaria.
Por outro lado, o transcrito nº 9 do art. 29 também não se deve interpretar no sentido de que é o juiz quem fixa o montante da remuneração variável e das despesas para que o administrador de insolvência vá retirar tais montantes em benefício próprio à massa insolvente.
A Portaria 51/2005 estabelece os índices matemáticos e valores fixos que, a um tempo, retiram totalmente ao juiz autonomia para fixar os valores de remuneração e despesas que, no seu único critério, entendesse ajustados, e, a outro tempo, facultam ciência ao administrador para que liquide, ele próprio, as remunerações e despesas a que tem direito.
As excepções ao que vai dito confirmam a regra geral de não ter de ser o juiz a fixar a remuneração variável e as despesas, nem de que só depois de o juiz ter fixado essa remuneração e despesas é que o administrador as pode retirar directamente da massa insolvente.
Aquelas excepções em que ocorre necessária intervenção do juiz verificam-se quando os critérios matemáticos da Portaria 51/2005 conduzem a remuneração total superior a 50.000€ – o caso do art. 23 nº 6 da Lei 22/2013 –, quando o administrador da insolvência procede à gestão de um estabelecimento em actividade, estabelecimento esse compreendido na massa insolvente – o caso do art. 25 da Lei 22/2013, embora reportado a momento anterior àquele em que esse específico administrador vir a sua remuneração fixada pela assembleia de credores –, e o caso do administrador judicial provisório nomeado nos termos dos arts. 31 a 33 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – o caso do art. 27 da Lei 22/2013.
O assunto dos autos nada tem a ver com as situações especiais daqueles arts. 23 nº 6, 25 e 27, redundando na situação geral em que o administrador da insolvência tem, a um tempo, ciência própria para liquidar correctamente a remuneração e despesas a que tem direito, e, a outro tempo tem autoridade própria para retirar, para si, o montante daquelas remuneração e despesas do activo fiduciário da massa insolvente, conforme previsão das transcritas normas do art. 29.
Não se deve perder de vista que a condição de administrador de insolvência se baseia em exigentes pressupostos de idoneidade, de integração na função e de responsabilização durante e após o exercício da função, justificativos da extensíssima confiança conferida pelo legislador naquele art. 29 nº 9, ou seja permitindo-se-lhe que se pague a si próprio, segundo decisão dele próprio e por meio de alcance próprio dos correspondentes meios económicos.
Importa não esquecer que tais actos do administrador são, em perfeito rigor, julgados pelo juiz, nas contas finais a que o administrador está obrigado, contas estas previstas no art. 62 nº 1 e nº 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e julgamento de contas aquele previsto no art. 64 nº 2 do mesmo código.
Mesmo em momento posterior a pagamentos consumados, a lei estabelece escrutínio jurisdicional dos actos em que o administrador se paga a si próprio, com verba que ele exclusivamente definiu e teve poder próprio para alcançar.
Nem foi precoce, nem foi injustificada, nem foi em montante excessivo, as retiradas das verbas de 284,13€ e de 6.449,91€, as quais foram feitas em pagamento próprio pelo apelante, à custa da massa insolvente, tratando-se de retiradas legitimadas pelas transcritas normas do art. 29 nº 1, nº 5 e nº 9 da Lei 22/2013.
O apelante não pode ser sancionado por tais retiradas, pelo que a apelação procede.
Sumário previsto no art. 663 nº 7 do Código de Processo Civil:
O art. 29 nº 1, nº 5 e nº 9 da Lei 22/2013, de 26/2, faculta ao administrador de insolvência que por decisão própria e auto-liquidação, retire da massa insolvente os montantes relativos à sua remuneração e despesas.
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Em face do exposto, acordam os Juízes em julgar totalmente procedente a apelação, pelo que declaram nulo o despacho de 2/4/2014 na parte em que condenou o apelante a pagar 1.020€ e determinam que o apelante não é sancionada pela retirada, em pagamento próprio, dos montantes de 284,13€ e de 6.449,91€.
Não são devidas custas.

Porto, 3/7/2014
Pedro Lima Costa
José Manuel de Araújo Barros
Pedro Martins