Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
75/08.4TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: CONTRATOS DE INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
OMISSÃO DO DESPACHO
IDENTIFICAR O OBJECTO DO LITÍGIO
TEMAS DE PROVA
FALTA DE INDICAÇÃO DOS FACTOS
DEPOIMENTO DE CADA TESTEMUNHA
NULIDADE
Nº do Documento: RP2018071175/08.4TVPRT.P1
Data do Acordão: 07/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º838, FLS.147-157)
Área Temática: .
Sumário: I – Para a aplicação no tempo da lei processual civil, na transição entre o Código de 95/96, nas suas várias versões, e o Código de 2013, é aplicável o princípio tempus regit actum, do artºs 136º nº1 CPCiv e 12º CCiv, ou seja, a forma dos diversos actos é regulada pela lei que vigore no momento em que são praticados, o que vale para a apreciação dos factos efectuada pelo juiz, na decisão final.
II No actual esquema da fixação dos factos, o Juiz encontra-se apenas obrigado à fixação como provados ou não provados de factos essenciais (principais ou complementares), de entre os alegados pelas partes – assumindo como base de trabalho a anterior “Base Instrutória”, elaborada com fundamento na alegação das partes, e assumindo os factos instrumentais relevância apenas enquanto concorram á prova de factos essenciais, designadamente quando estes mesmos factos essenciais sejam susceptíveis de prova directa.
III Por aplicação do disposto no artº 195º nº1 CPCiv, se a actividade instrutória se processa agora dentro dos limites resultantes da causa de pedir e das excepções deduzidas, sem constrições e com a consideração de toda a matéria de facto com relevo para a decisão da causa, a omissão do despacho a identificar o objecto do litígio e os temas da prova não vem a influir no exame ou na decisão da causa, uma vez que a instrução sempre terá de recair sobre toda a factualidade alegada e necessitada de prova.
IV - A eventual limitação não respeitada do número de testemunhas a cada um dos factos a provar, à luz do disposto no artº 633º CPCiv 95/96 – posto que inexistiu, em audiência, a indicação dos factos a que depunha cada uma das testemunhas, podendo ter influído no exame ou na decisão da causa, apenas relevaria enquanto nulidade secundária, dependente de arguição, a formular no próprio acto do julgamento realizado – artº 199º nº1 1ª parte CPCiv.
V - Na responsabilidade bancária, demonstrada a inexecução, presume-se a ilicitude e a culpa, nos termos do disposto no artº 314º nº1 CVM (lei do tempo do contrato).
VI No investimento da Autora em obrigações, efectuado junto de um Banco português, mas colocado numa filial do Banco em “paraíso fiscal”, conjugado com um empréstimo para aquisição de outras obrigações que majorariam o rendimento das primeiras, a expectativa da Autora, eventualmente corroborada pela “previsão” inicial do Réu, em determinado montante de juro não podia razoavelmente ser aceite pela Autora, ex-corretora da Bolsa de Valores, como um compromisso inabalável, um contrato não sujeito às vicissitudes próprias dos mercados financeiros e da própria evolução da conta-corrente entre Autora e Réu, relativamente à qual cumpria à Autora o reconhecimento de que, ao proceder a levantamentos de montante superior ao do juro das obrigações subscritas, estava a encarecer o preço para si resultante da totalidade da operação bancária em causa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ● Rec.75/08.4TVPRT.P1.
Relator – Vieira e Cunha
Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. João Proença Costa.
Decisão recorrida de 2/2/2018.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Súmula do Processo
Recurso de apelação interposto na acção com processo declarativo e forma ordinária nº75/08.4TVPRT, do Juízo Central Cível do Porto.
Autora – B….
Réu – Banco C…, S.A.
Pedido
Que o Réu seja condenado a pagar à Autora a quantia de €137.966,90 (cento e trinta e sete mim novecentos e sessenta e seis euros e noventa cêntimos), acrescidos de juros de mora vencidos desde 7 de Julho de 2005, e vincendos, calculados à taxa legal aplicável até efectivo e integral pagamento.
Tese do Autor
O Réu incumpriu perante a Autora, por falta de zelo e diligência, os contratos de investimento que celebrou com a mesma Autora, o que determinou que a percentagem de rendimento acordada (9,4%) não tivesse sido atribuída.
Tese do Réu
Nega, por um lado, ter celebrado qualquer contrato com a Autora (quem o fez foi a outra entidade com sede nas …) e, por outro lado, nega a actuação pouco diligente que lhe é imputada.
Sentença Recorrida
Na decisão final, a Mmª Juiz “a quo” julgou a acção improcedente, por não provada, absolvendo o Réu do pedido.
Conclusões do Recurso de Apelação da Autora:
1.Verifica-se uma desconformidade entre a desconformidade entre a selecção da matéria de facto constante do despacho saneador e os factos julgados provados e não provados constantes da sentença.
2. Foi proferido despacho saneador, ao abrigo do Código de Processo Civil anterior, e nos termos do seu artigo 511º, no qual foram indicados os factos assentes e definida a base instrutória.
3. Não foi dado cumprimento ao artigo 596º do Código de Processo Civil vigente, pelo que não foi definido o objecto do litígio, nem enunciados os temas da prova.
4. Na sentença recorrida, a decisão sobre a matéria de facto teve apenas parcialmente em conta a selecção da matéria de facto constante do Despacho Saneador.
5. Por um lado, a sentença reproduz os factos dados como assentes nos factos provados 1 a 27.
6. No entanto, altera a redacção de três factos assentes, a saber: facto assente J, parcialmente alterado no facto provado 9); facto assente Q, parcialmente alterado no facto provado 15); facto assente U, parcialmente alterado no facto provado 19).
7. Após o facto 28 (inclusive) deixa de existir qualquer indicação por referência ao despacho saneador, em concreto para a base instrutória dele constante.
8. Os restantes 19 factos julgados provados (entre o facto provado 28 e 47) como os 15 julgados não provados, os quais representam em conjunto 34 factos, quando a Base Instrutória tem 55 artigos, surgem desgarrados do despacho saneador.
9. Em face do exposto, desconhece a A. quais os factos seleccionados na Base Instrutória que se encontram provados e não provados.
10. Como também desconhece em que circunstâncias surgem factos provados que não têm qualquer respaldo na Base Instrutória, como são, e nomeadamente, os factos não provados 4), 6) e 7).
11. A resposta à matéria de facto constante da sentença deixa a A. sem qualquer referência a partir da qual possa fazer a sua necessária análise crítica.
12. Por um lado, e pressupondo que o Tribunal manteve o regime do anterior CPC, não encontramos na decisão sobre a matéria de facto qualquer referência à base instrutória, sendo também manifesto que os factos julgados provados e não provados não coincidem (no número e no conteúdo) com a base instrutória.
13. Por outro lado, não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 596º do CPC vigente, o qual se aplicaria imediatamente ao presente processo. Não só não foi definido o objecto do litígio, como também não se enunciaram os temas da prova.
14. No entanto, veja-se o facto não provado 4), resultam da decisão factos que, pela sua formulação, apenas podem ser reconduzidos a temas de prova.
15. Quanto a estes factos, ou melhor, quanto a estes temas de prova, não exerceu a A. qualquer contraditório nem pôde adequar a sua conduta processual, nomeadamente para os efeitos do artigo 598º CPC.
16. Em suma, e em face da sentença, verifica-se uma desconformidade entre a representação da A. sobre a matéria de facto objecto de prova, escorada na Base Instrutória, e a matéria de facto tida em conta pelo Tribunal recorrido para efeitos de decisão.
17. Em face deste paradoxo, resultante entre o entrecruzar o velho e do novo regime, mas sem se dar cumprimento pleno a nenhum deles, a A. vê o seu direito de recurso limitado, o qual enquanto integrante do seu direito de acesso à Justiça, tem tutela constitucional (artigo 20º nº 4 CRP).
18. Acresce que a sentença não dá sequer cumprimento pleno ao disposto no nº 2 e 3 do artigo 607º, pelo que nem sequer é possível na sentença discernir o objecto do litígio e os temas de prova que se encontrariam eventualmente subjacente à decisão sobre a matéria de facto.
19. Pelo exposto, viola o Tribunal recorrido o disposto no artigo 3º nº 3, 5º nº 1, 596º nº 1 e nº 2, 607º nº 2, todos do CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, e aplicável ao presente processo por força do artigo 5º nº 1 desta.
20. Qualquer interpretação dos artigos referidos que permita ao Tribunal seleccionar factos ou temas de prova sem prévia audiência das partes viola o disposto no artigo 20º nº CRP.
21. A sentença recorrida, pelo exposto, encontra-se viciada da nulidade prevista na al. d) do nº 1 do artigo 615º CPC, o que expressamente se invoca.
22. Ao não ter respondido à matéria seleccionada na base instrutória, o Tribunal não se pronunciou sobre questões que devia apreciar.
23. Ao não ter previamente enunciado temas da prova, que surgem em primeira vez na própria sentença, não podia aos mesmos ter respondido, o que faz com que o tribunal conheça questões de que não podia tomar conhecimento.
24. Nos termos do disposto do artigo 662º nº 2 al. c) CPC deverá a decisão proferida na 1ª instância ser anulada, determinando-se que o Tribunal recorrido responda à base instrutória constante do despacho saneador.
25. Alternativamente deverá ser ordenada a enunciação dos temas da prova e definição do objecto do litígio, reabrindo-se a audiência de julgamento para os efeitos considerados pertinentes pelas partes.
26. Sem conceder, entende a A. que na decisão sobre a matéria de facto deviam ter sido considerados provados os factos julgados não provados 10, 12 e 13, bem como devia ter sido mantida a redacção provinda do Despacho Saneador quanto ao facto provado 19.
27. Para uma decisão justa e informada quanto aos referidos factos e ainda como enquadramento da ponderação global dos factos provados deverão ser tidos em conta os movimentos ocorridos na carteira de títulos da A. bem assim como as características dos títulos e as virtualidades da operação de alavancagem a que foram sujeitos.
28. Considerando os documentos junto aos autos, os factos provados, e os depoimentos das testemunhas, podemos concluir o seguinte:
29. 1) Os títulos adquiridos com capitais próprios garantiam um rendimento fixo a rondar os 6,25%;
30. 2) A alavancagem, de 83% num primeiro período e de 216% no segundo, garantiria um rendimento adicional, a acrescentar aos 6,25%,
31. 3) A coincidência de taxas de juros credores entre os empréstimos e as taxas de juro dos títulos adquiridos com recurso a crédito garantiam que o diferencial entre ambos se mantivesse inalterado;
32. 4) Não houve qualquer evento de crédito que impedisse a frutificação dos investimento e o pagamento de dividendos/juros;
33. 5) Não se alcança a razão que justifica a obtenção de rentabilidades de 5,442% e 3,793% ao ano.
34. 6) Para o cálculo desta rentabilidade não concorreram os levantamento da A., referidos, nomeadamente no facto provado 35 e 46.
35. O facto provado 19 provém do facto assente U, ao qual foi acrescentada a expressão «no C1…, Ltd».
36. Tal expressão não faz qualquer sentido sendo certo que os capitais foram investidos em valores mobiliários e não num banco.
37. Deve por isso ser mantida a redacção do facto assente U ou alternativamente ser substituída a expressão supra referida por «em acções preferenciais C2… (…) 6.2500% 6/30/49 Series; acções preferenciais D… (……) 6.2400% € Series B, acções preferenciais C2… (…) 0,0000% Series e Obrigações E… (Eur)».
38. O facto não provado 10 decorre de quesito constante da Base Instrutória. Pela sua formulação negativa cabia ao R. o ónus de provar que teria comunicado à A. que a rentabilidade esperada nunca seria atingida e que os levantamentos periódicos não tinham respaldo nos dividendos obtidos.
39. Não só o R. não produziu qualquer prova destinada a satisfação do seu ónus de prova, como resulta da prova produzida, conforme circunstanciadamente referido na motivação do recurso, que efectivamente tal comunicação nunca ocorreu.
40. Deve por isso o facto não provado 10 ser julgado provado.
41.Em face da prova testemunhal produzida, circunstanciadamente referida nas motivações supra, deviam ter sido julgados provados os factos não provados 12 e 13, definindo-se como valor razoável e médio o valor de 9% ao ano para a rentabilidade de uma carteira com as características e montantes daquela detida pela A.
42. Em matéria de Direito, o Tribunal deveria ter aplicado o disposto o disposto nos artigos 73º, 74º, 75º, 76º do RGICSF e nos artigos 304º, 304º-A, 305º, e 312º do C.V.M.
43. O Tribunal configurou a relação jurídica entre a A. e o R. de uma forma puramente civilística, olvidando que a actividade do R. e as obrigações deste para com a A. não só são de natureza contratual mas também legal.
44. Assim, embarcando no facto (irrelevante) de que a A. teria conhecimentos em matéria de mercado de capitais, o Tribunal fez equivaler a A. e o R., como se um banco e intermediário financeiro tivesse os mesmos deveres e obrigações de um seu cliente!
45. Resulta do RGICSF e do CVM que entidades desta natureza devem assegurar aos clientes, em todas as actividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência – artigo 73º do RGICSF e 305º do CVM.
46. E que nas relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados - artigo 74º e 76º do RGICSF e 304º do CVM.
47. Existe ainda um rigoroso regime de prestação de informação, constante dos artigos 75º do RGICSF e 312º do CVM.
48. Finalmente, no que tange aos intermediários financeiros, a lei estatui um regime especial de responsabilidade civil, sendo que a culpa do intermediário financeiro se presume quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação – artigo 304º A do CVM.
49. Algo que já na verdade é a regra em sede de responsabilidade contratual, nos termos do Código Civil.
50. Atenta a matéria provada e ainda a que foi objecto de impugnação, resulta claro que a rentabilidade da carteira não atingiu as percentagens médias ou mesmo mínimas reportadas aos anos de 2000 a 2005.
51. Não resulta dos autos qualquer explicação para esse facto – incontroverso -, sendo certo que não foi imputado à A. qualquer comportamento que tenha contribuído para tal desfecho.
52. Aliás, não constam dos autos quaisquer ordens de compra ou de venda dos títulos.
53. Não cabendo certamente à A. descortinar as causas de rentabilidades tão baixas parece razoavelmente certo que a causa, pelo menos no período de 15/02/2002 a 07/07/2005, se deverá ao facto de os títulos adquiridos com capitais próprios terem sido convertidos (como explica a testemunha F… ao minuto 01:18:08), tendo ficado o respectivo capital depositado, sem qualquer rendimento durante mais de um ano.
54. Ora, tal conversão, cuja comunicação à A. não se encontra nos autos, os quais também nada referem quanto ao conhecimento desta sobre tal facto, será certamente a razão fundamental para a rentabilidade diminuta da carteira.
55. Todavia, alicerçando-nos na rentabilidade esperada (9%), que corresponde a uma rentabilidade média ou razoável no período em causa, e no valor da rentabilidade mínima (6,25%), tudo num quadro de elevada alavancagem (que chegou no segundo período ao 216%), é incontornável, na falta de satisfação do ónus de elisão que cabia ao R., que as rentabilidades obtidas resultam da actuação do R.
56. Tal actuação constitui uma violação culposa das obrigações contratuais e legais do R., sendo, em consequência, ilícita.
57. Presumindo-se a culpa do R. C…, nos termos do 304.º-A, n.º 2 do CVM.
58. E provocaram danos porquanto privaram a A. do rendimento esperado (9%), a que corresponde o rendimento médio resultante de uma carteira com estas características.
59. Deve, pois, o R. vir compensar a A., nos termos dos artigos acima mencionados e ainda nos termos dos artigos 798º e 562º e ss do Código Civil, pelo diferencial entre a rentabilidade de 9% ao ano e as rentabilidades obtidas no período entre 31 de Maio de 2000 e 7 de Julho de 2005.
60. Tal decisão é a única compaginável com o estatuto especial do R., com as suas obrigações legais, económicas e sociais, e com a protecção devida a todos os investidores.

Por contra - alegações, o Réu defende a confirmação da sentença recorrida, para além de, como matéria prévia, invocar a extemporaneidade do recurso.
Factos Apurados
1).O Réu é um Banco e intermediário financeiro (anterior al. A da factualidade assente).
2). A Autora é cliente do Réu desde 1989, diretamente ou pela relação de clientela mantida com o Banco G… entretanto incorporado no Réu tendo aquela, naquela altura, aberto diversas contas junto do Réu (anterior al. B da factualidade assente).
3). Desde o início da relação referida em 2), foi a Autora integrada pelo Réu no seu departamento C4… que se dedica à prestação de serviços bancários exclusivos aos melhores clientes do Réu (anterior al. C da factualidade assente).
4). No ano de 1999, H… e I… exerciam as funções de gerente de conta da Autora e de Diretor do C4… Internacional do Réu, respectivamente (anterior al. D da factualidade assente).
5). Enquanto cliente do C4… nacional, a Autora tinha investido o seu capital em valores imobiliários que lhe garantiam uma taxa de juro fixa de 6,25% ao ano (anterior al. E da factualidade assente).
6). A Autora, no ano de 1999, passou para o C4… International tornando-se o seu gerente de conta o J… (anterior al. F da factualidade assente) sendo que em 2002 o gerente de conta da Autora passou a ser F… e a partir de 2004, K… (anterior al. G da factualidade assente).
7). Não obstante o referido em 6), a Autora contactava pessoalmente com os seus gerentes de conta em estabelecimentos do Réu situados em Portugal, na Avenida … ou Avenida …, em Lisboa (anterior al. H da factualidade assente).
8). Em data anterior à passagem para o C4… International foi constituída uma sociedade com sede no … denominada L…, da qual a Autora foi a única sócia e beneficiária dos rendimentos obtidos por essa sociedade (anterior al. I da factualidade assente).
9). Foi celebrado um denominado «Acordo de prestação de serviços fiduciários - Constituição e Administração de sociedades e serviços conexos» em 07/06/1999, no qual figuram como outorgantes a Autora ali identificada como cliente proveniente do «G…», sendo seu gerente de conta «J…» e «C1…, Ltd.», filial do Réu, neste acordo em diante designado como «C…», representado no ato pelo Réu, com vista à criação e administração da sociedade referida em 8) para efeitos de investimento do capital da Autora conforme fls. 19 a 25 (parcialmente anterior al. J da factualidade assente).
10). Nos termos do acordo referido em 9) constando que a Autora requereu ao Banco ali identificado a criação e administração de uma sociedade, a ser constituída sob a jurisdição do … e com a denominação de «L…», tendo por principal actividade a «Bancária», sendo única sócia a aqui Autora, tendo sido concedidos poderes para abertura e movimentação de conta bancária da sociedade, incluindo pedido de financiamento e prestação de garantias ao «C…». Mais foi indicado que a forma de pagamento da sociedade ou no momento da constituição ou prestação inicial seria por débito em conta, sendo que toda a correspondência deveria ser retida no «C…» (anterior al. L da factualidade assente)
11). A Autora entregou 601 224,97 EUR em 31/05/2000, os quais foram aplicados através da L…, LTD na compra de valores mobiliários - ações preferenciais do D… e C… (anterior al. M da factualidade assente).
12). A Autora através da sociedade referida em 8) - «L…» - contraiu em 28/09/2000 empréstimo no valor de 500.000 EUR junto do «C1… LTD.", dos quais 498.800 EUR foram aplicados na aquisição de valores mobiliários (anterior al. N da factualidade assente).
13). Os dividendos gerados pelos valores mobiliários adquiridos eram aplicados no pagamento dos juros e capital mutuado, sendo o remanescente transferido para a Autora (anterior al. O da factualidade assente).
14). A sociedade referida em 8) -« L…» - foi encerrada e constituída uma outra - «M…», igualmente com sede no Belize, da qual a Autora era a única sócia e beneficiária (anterior al. P da factualidade assente).
15). Foi celebrado um denominado "Acordo de prestação de serviços fiduciários - Constituição e Administração de sociedades e serviços conexos» em 09/11/2001, no qual figuram como outorgantes a aqui Autora ali identificada como cliente proveniente do «G…», sendo seu gerente de conta «J…» e «C1…, Ltd», filial do Réu, neste acordo em diante designado como «C…», representado no ato pelo Réu, com vista à criação e administração da sociedade referida em 14) para efeitos de investimento do capital da Autora (fls. 30 verso a 33 verso) – parcialmente anterior al. Q da factualidade assente -.
16). Nos termos do acordo referido em 15) constando que a Autora requereu ao Banco ali identificado a criação e administração de uma sociedade, a ser constituída sob a jurisdição do Belize e com a denominação de "M…", tendo por principal actividade a «Bancária», sendo única sócia a aqui Autora, tendo sido concedidos poderes para abertura e movimentação de conta bancária da sociedade, incluindo pedido de financiamento e prestação de garantias ao «C…». Mais tendo sido indicado que a forma de pagamento da sociedade ou no momento da constituição ou prestação inicial seria por débito em conta, sendo que toda a correspondência deveria ser retida no «C…» (anterior al. R da factualidade assente).
17). Em 15/02/2002, foi transferido da L… para a M… o montante de 590.000 EUR para os aplicar em benefício da Autora, agora através da sociedade M… (anterior al. S da factualidade assente).
18). Em 15/11/2001 e 07/02/2002 tinham sido contraídos através da sociedade M… dois empréstimos junto do C1…, materialmente efetuados pelo Réu, para aplicar o capital mutuado na aquisição de valores mobiliários (parcialmente anterior al. T da factualidade assente).
19). Entre o capital próprio investido (590.000 EUR) e o capital mutuado (1.296.800 EUR), a Autora tinha aplicado no C1… LTD, através da sociedade M…, o montante de 1.886.800 EUR (parcialmente anterior al. U da factualidade assente).
20). Os dividendos gerados pelos valores mobiliários adquiridos eram aplicados no pagamento dos juros e capital mutuado, sendo o remanescente transferido para a Autora, periodicamente, por acordo com o Réu que agia em nome de C1… LTD (anterior al. V da factualidade assente).
21). Em 25/05/2002, J… teve uma última reunião com a Autora antes de deixar de ser gerente de conta desta, tendo-lhe entregue os extratos juntos a fls. 34 verso a 36 verso de onde resulta que os dividendos não estavam a ser suficientes para suportar o pagamento dos juros devedores e levantamentos efetuados pela Autora (anterior al. X da factualidade assente).
22). Os empréstimos referidos em 18) começaram imediatamente a gerar juros (anterior al. Z da factualidade assente).
23). As aplicações financeiras de base - Acç Pref D…, Acç Pref C…, Acç Pref SFE C… e Obrig. E… - tinham um retorno da ordem dos 6,25% (anterior al. AA da factualidade assente).
24). As rentabilidades dos investimentos levados a cabo através da L… e M… foram os seguintes:
. entre 31 de maio de 2000 e 14 de fevereiro de 2002, sobre um capital de 601 224,97 EUR, foi obtida uma rentabilidade de 5,442% ao ano;
. entre 15 de fevereiro de 2002 e 7 de julho de 2005, sobre um capital de 590.000 EUR foi obtida uma rentabilidade de 3,793% ao ano (anterior al. AB da factualidade assente).
25). A sociedade «M…» celebrou em 31/01/2003 contrato de abertura de crédito sob a forma de conta corrente caucionada, destinada a «Aquisição de ativos financeiros» no valor de 498.800 EUR junto do «C1…, LTD.» (fls. 92 a 94) -. Com a entrega do valor referido em 11) – 601.224,97 EUR - e aplicações efectuadas através da «L…» a Autora obteve um retorno de 660.418,97 EUR no período compreendido entre 31/05/2000 e 14/02/2002 (anterior al. AC da factualidade assente).
26). O C1… Ltd. e o Réu integram o Agrupamento Complementar de Empresas denominado C5…, ACE (anteriormente denominado C6…), o qual tem por objeto a prestação de serviços informáticos, operacionais, administrativos e de aprovisionamento, a fim de melhorar as condições e meios de exercício ou de resultados da atividade dos membros deste agrupamento, complementando desse modo a actividade desenvolvida pelos mesmos (fls. 97 a 136) - anterior al. AD da factualidade assente.
27). Com a entrega do valor referido em 17) – 590.000 EUR - e aplicações efectuadas através da «M…» a Autora obteve um retorno de 677.564,94 EUR no período compreendido entre 15/02/2002 e 07/07/2005 anterior al. AF da factualidade assente -.
28). A Autora passou a ter a sua carteira no C4… Internacional por acordo com o Réu para assim melhor desenvolver os investimentos no estrangeiro que aquela pretendia e ter maior retorno a nível de rendimentos dos mesmos.
29). Tais rendimentos, de acordo com as previsões apresentadas à Autora, seriam da ordem de uma taxa de juro de 9%.
30). Tal ordem de grandeza a nível de taxa de juros seria conseguida mediante a concessão de crédito pela instituição bancária ou financeira à Autora que serviria para aplicação na compra de valores imobiliários, efectuada por essa mesma instituição sendo o retorno destas aplicações mobilizado para pagar os custos do empréstimo e garantir uma rentabilidade adicional à Autora ao que viria a decorrer de um investimento de capitais próprios do cliente/Autora.
31). É pressuposto deste tipo de investimento que o cliente tenha capital próprio inicial, o qual investido garante os empréstimos e permite o acesso a condições de crédito favoráveis.
32). A Autora passou para o C4… Internacional também por ficar agradada com a possibilidade de obter o rendimento mencionado em 29).
33). O Réu, em nome de C1…, Ltd., constituiu a sociedade L….
34). A Autora acordou entregar o valor de 601 224,97 EUR referido em 11) ao Réu, este por conta de C1…, Ltd. que solicitou a entrega de tal quantia para se efetivar o investimento.
35). Foi acordado entre Autora e Réu, que atuou sempre em nome da sua filial, que àquela seria entregue, por transferência bancária, uma parte mensal fixa do valor que, nesse mês, se entenderia como previsível que seria o rendimento do investimento, sem se reduzir o capital investido, num montante aproximando de 3.000 EUR por trimestre.
36). O encerramento referido em 14) foi efetuado por indicação do Réu em nome de C1…, Ltd.
37). A sociedade M… foi constituída pelo Réu em nome de C1…, Ltd.
38). Foi o Réu, em nome de C1…, Ltd. que efetuou a transferência de 590.000 EUR referida em 17).
39.) A Autora entendeu que poderia efetuar os levantamentos indicados a fls. 27 verso a 29 verso.
40). Em 28/11/2005 o Réu entregou à Autora os extrato da conta n.º ………. de «M…» dos meses de março de 2004 a outubro de 2005 – fls. 37 e 38 -.
41). Os documentos que formalizam os empréstimos foram assinados segundo orientações do Réu.
42). O Réu escolheu, segundo o seu critério, os valores mobiliários a adquirir e a alienar, a gerir os dividendos gerados e a articular os empréstimos e respetivos juros com os levantamentos da Autora para atingir os propósitos pretendidos por esta.
43). As sociedades «L…» e «M…» foram constituídas unicamente para estarem ao serviço dos investimentos da Autora, nunca sendo as efetivas titulares do capital investido nem as efetivas beneficiárias dos dividendos gerados pelos investimentos realizados através de tais empresas.
44). Pelo C1…, Ltd., através do aqui Réu, foram cobrados honorários pelos serviços que eram realizados com o nome das duas empresas mencionadas em 43).
45). A Autora, já em 1999, como na atualidade, era conhecedora dos mercados com possibilidades de obtenção potencial de maiores rentabilidades nomeadamente de investimentos em off-shores e menor tributação, maior rentabilidade, confidencialidade, segurança e flexibilidade que estão inerentes a tais investimentos o que contribuiu para a sua decisão de investir como referido em 10) e 16).
46). Entre 12/11/2001 e 04/02/2002 a Autora levantou verbas da conta de «M…», em montantes sucessivos de 9 975,95 EUR, 1 823,78 EUR, 19 500 EUR, 21 000 EUR, sem que estes tivessem cobertura em dividendos obtidos.
47). No âmbito do ACE referido em 26) e relativamente aos contratos em que é parte o «C1…» e quando seja da conveniência do cliente, pode ocorrer a outorga ou eventual entrega de documentação aos clientes deste banco, pelo C4… do Réu, conforme pedido e instruções específicas do «Banco Cayman», tratando-se de atos de expediente, administrativo ou operacional, subsequente ou derivado de operações aprovadas pelo «Banco Cayman», podendo o Réu, na mesma qualidade, prestar informações no âmbito de reclamações de clientes do os clientes de «C1…».
Factos Não Provados
1). I…, em nome do C4… International do Réu tenha prometido à Autora que os seus investimentos nas ilhas Caimão teriam sempre uma taxa de juro de 9,4%.
2). Tendo em conta a rentabilidade de base de 6,25% referida em 23), dos factos provados, a atuação referida em 30) e 31) da mesma factualidade fosse permitir atingir a rentabilidade de 9,4%.
3). Na reunião referida em 21), dos factos provados, J… tenha informado a Autora que iria instruir o F… no sentido de se corrigir a situação para a Autora ver atingida a rentabilidade de 9,4% ano do seu investimento.
4). Os motivos concretos por que se atingiu o valor de descoberto referido em 21), dos factos provados.
5). O Réu tenha mantido a Autora na convicção de que podia fazer os levantamentos referidos em 39) nos termos aí mencionados.
6). A última data em que foram entregues pelo Réu, desde maio de 2002 a novembro de 2005, extratos de conta à Autora e se os mesmos eram timbrados.
7). A Autora tenha solicitado ao Réu o envio de extratos bancários do período referido em 6) desta factualidade antes de 28/11/2005.
8). Após a saída de J… do Réu, a Autora tenha deixado de poder acompanhar a evolução dos seus investimentos e controlar a conta-corrente à ordem e que desde maio de 2002 a novembro de 2005 o Réu tenha geriu tal carteira, sem prévia consultar ou prévia autorização da Autora para adquirir ou alienar valores ou contrair empréstimos.
9). O Réu dispusesse de documentos assinados em branco pela Autora e seu procurador que lhe permitiriam movimentar com inteira liberdade as contas de valores mobiliários e à ordem.
10). O Réu nunca tenha informado a Autora de que a rentabilidade esperada nunca seria atingida e que os levantamentos periódicos não tinham respaldo nos dividendos obtidos.
11). A Ré tenha entendido que podia efetuar os levantamentos mencionados em 39), dos factos provados sem que o capital fosse afetado.
12). As rentabilidades obtidas pelo Réu referidas em 24), dos factos provados, estejam bastante abaixo das médias de mercado dos anos de 2000 a 2005, para o montante de capital aplicado e para o perfil de cliente correspondente à Autora.
13). Tal média de rentabilidade no mesmo período e tendo em conta o montante do investimento, perfil de cliente e estrutura de investimento nunca pudesse ser inferior a 9%.
14). Tenha sido a Autora quem procurou H… e I….
15). A informação referida em 21), dos factos provados, tenha sido transmitida por J….
Fundamentos
Os tópicos recursórios postos, nos presentes autos, à consideração deste Tribunal da Relação são os seguintes:
- saber da relevância da alteração dos factos assentes J), Q) e U), face ao que constava da primitiva Base Instrutória, fixada esta na vigência do Código de Processo Civil anterior, proveniente da reforma de 95/96;
- da relevância de os 19 factos julgados provados (entre 28 e 47) e os 15 julgados não provados (34 factos, no total) surgirem desgarrados do despacho saneador, com 55 factos;
- da relevância de terem surgido factos provados sem respaldo na BI – os factos não provados 4, 6 e 7, matérias sobre as quais a Autora não tenha exercido qualquer contraditório – artº 598º CPCiv, com limitação do direito de acesso à justiça – artº 20º nº4 CRP;
- saber se, ao não ter respondido à matéria seleccionada na BI, e ao não ter previamente enunciado temas de prova, a sentença incorre na nulidade do artº 615º nº1 al.d) CPCiv, bem como incorrendo em deficiência, com as consequências do artº 662º nº2 al.c) CPCiv;
- saber se deveriam ter sido considerados provados os factos não provados sob 10, 12 e 13, bem como se deveria ter sido mantida a redacção provinda da Especificação (U), quanto ao facto 19;
- saber se, em matéria de Direito, o Tribunal deveria ter aplicado o disposto o disposto nos artigos 73º, 74º, 75º, 76º do RGICSF e nos artigos 304º, 304º-A, 305º, e 312º do C.V.M., concluindo que a rentabilidade da carteira não atingiu as percentagens médias ou mínimas reportadas aos anos de 2000 a 2005, num quadro de elevada alavancagem (216%), daí a violação ilícita e culposa das obrigações a cargo do Réu – artº 304º-A nº2 CVM, com o dano correspondente ao diferencial entre a rentabilidade de 9% ao ano e as rentabilidades obtidas entre 31/5/2000 e 7/7/2005.
Vejamos então.
I
Para a análise das questões suscitadas nas doutas alegações de recurso, partiremos de um pressuposto primordial, qual seja o do artº 5º nº1 Lei nº41/2003 de 26/6, que estabelece a regra de que o novo Código de Processo Civil é imediatamente aplicável às acções declarativas pendentes à data da respectiva entrada em vigor.
E assim, no que diz respeito às genéricas normas reguladoras dos actos processuais, é aplicável o princípio tempus regit actum, do artºs 136º nº1 CPCiv e 12º CCiv, ou seja, a forma dos diversos actos é regulada pela lei que vigore no momento em que são praticados, o que vale, no caso que nos ocupa, para a apreciação dos factos efectuada pelo juiz, na decisão final.
Sendo assim, ao juiz do processo competia julgar discriminadamente provados e não provados, por um lado, os factos principais da causa cuja verificação se encontrava sujeita à livre apreciação do julgador, por outro lado, os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito (artº 607º nºs 4 e 5 CPCiv).
Para este conspecto, a decisão judicial traduzida na especificação e questionário com base na lei processual de 95/96, que consta do processo, constituía uma base de trabalho, porventura inultrapassável na sua relevância, mas não postergatória do dever de aplicação ao processo da lei processual nova, nomeadamente no que respeita à apreciação dos factos na sentença.
E, diga-se também, por atinente, que desde o Ac.Jurispª STJ 26/5/94 (D.R., Iªs-A, nº230, de 4/10/94), passou a ser pacífico que a Especificação (também literalmente chamada “Matéria de Facto Assente”, a partir de 1/1/97 – artº 508º-A al.e) CPCiv95/96), tivesse ou não havido reclamações (no âmbito do Código de 61), e tivesse ou não existido impugnação do despacho que as decidiu, poderia sempre ser alterada, mesmo na ausência de causas supervenientes, até ao trânsito em julgado da decisão final do litígio (no mesmo sentido, veja-se o Ac.R.C. 18/3/2014, pº 3721/11.9TBLRA.C1, relatado pelo Des. Henrique Antunes).
Tendo por base os conceitos expostos, verificamos que, de facto, os factos provados 9) e 15) acrescentam às anteriores als.J) e Q) a ideia de que o C1… é uma filial do Réu C…, S.A., e que o dito “C1…” foi representado pelo Réu, no “acordo de prestação de serviços fiduciários”, celebrado entre a Autora e o Banco. Estas ideias acrescentadas são inequívocas no processo, resultando não contraditadas dos depoimentos dos quadros do C… ouvidos em audiência, desde logo o seu legal representante N…. Para além do mais revelam-se úteis na determinação da responsabilidade substantiva do Réu, na respectiva demanda nos presentes autos.
Por outro lado, o esclarecimento em 19) de que os capitais próprios e mutuados à Autora foram aplicados no C1… correspondem à materialidade apurada e à noção de que, pese embora a aquisição de títulos fosse efectuada a entidades terceiras, existia uma guarda dos mesmos, a cargo do Banco, bem como operações de empréstimo bancário conexas com a aquisição e guarda dos títulos, tudo envolvendo o Banco que operava off-shore, mas representado em Portugal pelos colaboradores do Réu – mais uma vez sublinhamos que se trata de matéria de facto consensual nos autos e que contribui para o esclarecimento possível das questões em discussão.
Também se questiona a relevância de os 19 factos julgados provados (entre 28 e 47) e os 15 julgados não provados (34 factos, no total), enquanto surgem “desgarrados” do despacho saneador, com 55 factos.
Também aqui entendemos que a douta impugnação não colhe, isto na medida em que, como referem os Profs. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código Anotado, 2º/707, “a deslocação da decisão de facto e da sua fundamentação para a sentença não afasta a distinção entre o que interessa à fundamentação da decisão final – os factos principais que hajam sido provados, os quais têm de ser discriminadamente descritos – e o que interessa à fundamentação da logicamente anterior decisão de facto – as razões da íntima convicção judicial, com a explicação da inerente passagem da prova dos factos instrumentais à prova dos factos principais da causa, bem como a justificação da falta de prova dos factos não provados, sem necessidade de os referir discriminadamente”.
Ou seja: no actual esquema da fixação dos factos, o Juiz encontrava-se apenas obrigado à fixação como provados ou não provados de factos essenciais (principais ou complementares), de entre os alegados pelas partes – e, naturalmente, de entre os constantes da Base Instrutória, pois esta elaborada que havia sido com fundamento na alegação das partes.
Os factos instrumentais assumem relevância apenas enquanto concorrentes á prova de factos essenciais, designadamente quando estes mesmos factos essenciais não sejam susceptíveis de prova directa.
De qualquer forma, devem estes factos instrumentais ser objecto de discussão na motivação da sentença em matéria de facto.
Neste quadro, analisados os factos fixados, enquanto provados e não provados, verifica-se que foram ponderados, dos factos alegados, todos os factos principais relevantes para a solução do litígio, tendo-se porventura postergado factos instrumentais, mas sem relevância para a solução da causa, vistos os ângulos possíveis da mesma. E as doutas alegações também não invocam expressamente quais dos factos não abordados, e constantes da Base Instrutória, eram essenciais para a solução do litígio.
II
Invocam as doutas alegações, após, que existem factos provados sem respaldo na BI – os factos não provados 4, 6 e 7, matérias sobre as quais a Autora não tenha exercido qualquer contraditório – artº 598º CPCiv, facto que acarreta limitação do direito de acesso à justiça – artº 20º nº4 CRP.
Diga-se porém que a matéria em causa nos factos não provados 4 e 6 não redunda em verdadeiros factos – trata-se de afirmações genéricas e/ou conclusivas, que melhor quadrariam, v.g. com a fixação de um tema de prova.
Como assim, ou resultariam relevantes pela prova (ou não prova) de outros factos mais concretamente especificados, ou, na enunciação que possuem, são de todo irrelevantes – e irrelevantes enquanto inócuos para o acesso à justiça da Autora e para a decisão da presente causa.
Quanto ao facto não provado 7 (“que a Autora tenha solicitado ao Réu o envio de extractos bancários do período de Maio de 2002 a Novembro de 2005, antes de 28/11/2005”), trata-se de um facto cuja não prova em nada afecta também a Autora, posto que não integrando a alegação dela Autora (que apenas afirma que nesse período temporal não lhe foram remetidos extractos da conta).
O facto é contante da alegação do Réu, mas na negativa, como decorria do artº 51º da Base Instrutória e do teor da Contestação apresentada.
Mas invoca-se ainda que ao não ter respondido à matéria seleccionada na BI, e ao não ter previamente enunciado temas de prova, a sentença incorre na nulidade do artº 615º nº1 al.d) CPCiv, bem como incorrendo em deficiência, com as consequências do artº 662º nº2 al.c) CPCiv.
Todavia, a matéria não poderia configurar uma nulidade da sentença - já no domínio da anterior lei processual civil, se determinado quesito não tivesse sido efectivamente respondido, a matéria não configurava omissão de pronúncia (artº 615º nº1 al.d) CPCiv), posto que esta nulidade era e é configurada apenas para a falta absoluta de fundamentação, seja de facto, seja de direito (por todos, S.T.J. 1/3/90 Bol.395/479, S.T.J. 11/11/87 Bol.371/374, Ac.R.E. 22/10/87 Bol.370/638, Ac.R.L. 1/10/92 Col.IV/168 ou Ac.R.L. 10/3/94 Col.II/83).
O evento em causa deveria ser tratado no âmbito da deficiência da matéria de facto fixada, a qual poderia determinar, maxime, a anulação da decisão proferida em 1ª instância, por deficiente (Ac.R.C. 2/12/86 Bol.362/609 ou Ac.R.C. 17/11/87 Bol.371/560) – matéria esta que tratámos acima, para o caso dos autos.
Quanto à não fixação de temas da prova.
Como vimos, no domínio processual é aplicável a doutrina estabelecida, em termos genéricos, no artº 12º CCiv, com as necessárias adaptações. Daí deriva que a validade e regularidade dos actos processuais anteriores se aferem pela lei antiga, na vigência da qual foram praticados.
Ora, o momento da fixação seja da Base Instrutória, seja dos temas da prova, na lei processual vigente, era já decorrido, pelo que ao Tribunal se impunha em decorrência efectuar o julgamento dos factos por obediência à Base Instrutória já constante do processo, e muito embora, no caso concreto, como acima explicitámos, a omissão da resposta a determinados factos instrumentais não tornasse por força a matéria de facto “deficiente”, para a análise da pretensão da Autora.
Por outro lado, a omissão de um acto que a lei prescreve só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa – artº 195º nº1 CPCiv.
Ora, a actual lei nada diz quanto às consequências da omissão do despacho a identificar o objecto do litígio e os temas da prova.
E se a actividade instrutória se processa agora dentro dos limites resultantes da causa de pedir e das excepções deduzidas, sem constrições e com a consideração de toda a matéria de facto com relevo para a decisão da causa – Ac.R.P. 27/9/2017 Col.IV/174, relatado pelo Des. Rodrigues Pires, então a omissão do despacho a identificar o objecto do litígio e os temas da prova não vem a influir no exame ou na decisão da causa, uma vez que a instrução sempre terá de recair sobre toda a factualidade alegada e necessitada de prova.
Constata-se porém a eventual limitação não respeitada do número de testemunhas a cada um dos factos a provar, à luz do disposto no artº 633º CPCiv 95/96 – posto que inexistiu, em audiência, a indicação dos factos a que depunha cada uma das testemunhas.
Mas ainda que se considerasse a necessidade “aplicação da lei antiga mesmo a actos posteriores à entrada em vigor da nova lei, se tal fosse necessário para que os actos anteriormente realizados não perdessem a utilidade que tinham” – neste sentido, Prof. Antunes Varela e Drs. José Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual, 1ª ed., pg. 47 (contra esta opinião, advogando a aplicação imediata da lei nova em qualquer circunstância, Prof. Anselmo de Castro, Dtº Processual Civil Declaratório, I – 1981 – pg. 59), essa eventual limitação não respeitada do número de testemunhas a cada um dos factos a provar, podendo ter influído no exame ou na decisão da causa, mas apenas enquanto nulidade secundária, encontrava-se dependente de arguição, a formular no próprio acto do julgamento realizado – artº 199º nº1 1ª parte CPCiv.
A eventual nulidade, a seguir-se o primeiro dos citados entendimentos doutrinais, ficou assim completamente sanada.
III
Vejamos agora a impugnada matéria de facto – para o efeito foi ouvido na íntegra o julgamento realizado.
Questiona-se se deveriam ter sido considerados provados os factos não provados sob 10, 12 e 13, bem como se deveria ter sido mantida a redacção provinda da Especificação (U), quanto ao facto 19.
Em primeiro lugar, no facto provado 19 existe de facto um acrescento relativamente à al.U) da Especificação, relativamente à aplicação de capital ser efectuada no “C1… Ltd, através da sociedade M…” – é indesmentível que o referido acrescento corresponde à prova efectuada, à totalidade dos depoimentos testemunhais sobre a matéria e à prova documental constante do processo, pelo que não vemos razão para alterar o sentido decisório quanto ao facto fixado, que contribui, para além do mais, para o cabal esclarecimento das relações entre as partes.
No facto não provado 10) exarou-se que: “o Réu nunca informou a Autora de que a rentabilidade esperada nunca seria atingida e que os levantamentos periódicos não tinham respaldo nos dividendos obtidos”.
Ora, demonstra-se do processo que existiram extractos de conta da Autora, no C1…, a ela enviados até ao ano de 2002; após, as relações processavam-se por contacto pessoal na agência C4…, como resultou dos depoimentos do representante do Réu, N…, e do gestor da conta após 2002, F…. Portanto, a questão colocar-se-ia, sobretudo, após 2002.
Do depoimento do último gestor referenciado resultou igualmente que a Autora mencionava regularmente ao Banco (através do gestor) a questão dos rendimentos que pretendia atingir, pelo que resulta improvável que Autora e representante do Réu, para este efeito, não tivessem trocado impressões sobre rentabilidades e levantamentos – para além de que falamos de uma elevada aplicação de capital, ainda por cima alavancado, isto é, com uma operação de risco a cobri-lo (empréstimos bancários – veja-se o depoimento de H…, gestor de conta de 2000 a 2002), sendo a Autora pessoa experiente no funcionamento dos mercados financeiros, ex-corretora da bolsa.
Confirma-se a não prova do facto em questão.
Nos pontos de facto não provados 12 e 13 mencionou-se: “12) As rentabilidades obtidas pelo Réu referidas em 24), dos factos provados, estavam bastante abaixo das médias de mercado dos anos de 2000 a 2005, para o montante de capital aplicado e para o perfil de cliente correspondente à Autora”, “13) média de rentabilidade essa que, no mesmo período e tendo em conta o montante do investimento, perfil de cliente e estrutura de investimento, nunca podia ser inferior a 9%”.
Concordamos porém com a não prova dos factos em causa.
Na verdade, e sem prejuízo de as obrigações subscritas pela Autora concederem um juro fixo por cupão, juro mencionado por aproximação no facto provado 23), a prova dos factos em causa passaria por inconsiderar (de acordo com os depoimentos testemunhais dos funcionários do Banco Réu, designadamente os já indicados):
- que a operação de alavancagem (empréstimo) corre o risco de fazer perder capital, sendo o juro de 9% o melhor dos cenários (“extraordinário” – consoante depoimento do gestor H…);
- que não se tratavam de operações simples, mas complexas, por ambas as partes;
- que a transferência de valores da própria carteira afectavam a rentabilidade global (geravam descoberto, que originava custos) e que a Autora realizou levantamentos regulares dos montantes que necessitava para o seu passadio de vida, pressupondo um juro que não se demonstrou lhe tivesse sido “garantido”;
- que a crise internacional relativa ao “11 de Setembro” originou cenários diferenciados para as aplicações anteriores, designadamente nos comummente designados “paraísos fiscais”;
- que os créditos concedidos foram renovados e, no caso, de abertura de crédito passou-se a uma conta corrente caucionada com custos acrescidos (facto 25 e depoimento de F…);
- que existiu um período de cerca de seis meses em que o empréstimo se mostrava concedido, mas ainda se não havia registado a aplicação nos produtos financeiros em causa (por razões não apuradas);
- e finalmente que o Banco Réu justifica, quer de acordo com a conta corrente junta com o douto petitório, quer com os resultados da auditoria interna que realizou, o resultado das rentabilidades efectivas e mencionadas no facto provado 24 – até 2002 de 5,442% anuais, após, de 3,793%.
Este conjunto de razões concorre para confirmarmos a não prova dos factos em questão.
IV
Saber por fim se, em matéria de Direito, o Tribunal deveria ter aplicado o disposto o disposto nos artºs 73º, 74º, 75º e 76º RGICSF e nos artºs 304º, 304º-A, 305º e 312º CVM, concluindo que a rentabilidade da carteira não atingiu as percentagens médias ou mínimas reportadas aos anos de 2000 a 2005, num quadro de elevada alavancagem (216%), daí a violação ilícita e culposa das obrigações a cargo do Réu – artº 304º-A nº2 CVM, com o dano correspondente ao diferencial entre a rentabilidade de 9% ao ano e as rentabilidades obtidas entre 31/5/2000 e 7/7/2005.
A este propósito diga-se que a presunção de culpa citada nas doutas alegações de recurso deveria ser reportada ao artº 314º nº2 CVM, essa a norma vigente ao tempo das ocorrências dos autos, decorridas entre os anos de 2000 e de 2005.
Em quadro geral, nos termos do artº 314º nº1 CVM (na redacção de 99), “os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública”.
Enquanto obrigações dos intermediários financeiros, avulta o disposto no artº 304º nºs 1 e 2 CVM, no sentido de que “os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado” e, “nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência”.
Nos termos da redacção original do artº 75º nº1 Regime Jurídico das Instituições Bancárias (RGICSF – D-L nº298/92 de 31/12) “as instituições de crédito devem informar os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos suportados por aqueles”.
Segundo o disposto no artº 7º nº1 CVM, a informação disponibilizada pelo intermediário financeiro, designadamente sobre produtos financeiros, deev ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, de forma a tornar possível ao interessado investidor uma decisão esclarecida e fundamentada.
Nesse dever de informação enquadra-se o risco especial envolvido na operação financeira a realizar, as características do produto financeiro, bem como a necessidade de suprimento dos conhecimentos e experiência, eventualmente insuficientes, por parte do cliente – artº 312º CVM.
Como esclarece o Prof. Menezes Cordeiro, Manual de Dtº Bancário, 2014, pgs. 431 a 433, na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente, “a falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade”.
Tem este Autor em vista a norma do artº 799º CCiv, aplicável à responsabilidade bancária, no sentido de que “perante a falta de cumprimento, presume-se que o devedor não cumpriu, violando as normas jurídicas que mandam cumprir – ilicitude, incorrendo no correspondente juízo jurídico de censura – culpa”.
Ora, reconduzidos ao caso dos autos, a operação de aplicação de capitais próprios da Autora em obrigações de entidades bancárias com sede no estrangeiro, ainda que algumas delas detidas pelo Réu, enquanto entidade bancária portuguesa, com a majoração fiscal decorrente da aplicação de tais fundos ser efectuada num paraíso fiscal, “alavancados” ainda por um empréstimo de montante que ascendia sensivelmente ao dobro dos capitais próprios da Autora, permitiu efectuar uma previsão, no início das aplicações, no ano de 2000, de um retorno em juro de aproximadamente 9%.
Tal não se traduziu porém num compromisso do Réu em garantir à Autora um retorno de juro dessa ordem, nem isso era possível de ser assim compreendido pela Autora, uma experiente ex-corretora da bolsa de valores portuguesa.
O que se verificou foi que, por circunstâncias várias ligadas ao juro devedor que, para a Autora, resultava da “alavancagem”, e das vicissitudes ocorridas com este empréstimo, já supra referenciadas, o retorno das aplicações da Autora foi efectivamente inferior ao que era por ela esperado.
Todavia, esta expectativa da Autora, eventualmente corroborada pela “previsão” inicial do Réu, não podia razoavelmente ser aceite pela Autora como um compromisso inabalável, um contrato não sujeito às vicissitudes próprias dos mercados financeiros e da própria evolução da conta-corrente entre Autora e Réu, relativamente à qual cumpria à Autora perceber, salvo o devido respeito, que ao proceder a levantamentos de montante superior ao do juro das obrigações subscritas estava a encarecer o preço para si resultante da totalidade da operação bancária em causa – como resulta, para além do mais, meridianamente da conta corrente de fls. 27 e v. do processo e dos demais documentos juntos.
É assim que, seja no quadro dos contratos de intermediação financeira celebrados com a Autora, seja no quadro mais geral dos deveres de informação a cargo do Banco Réu, o incumprimento das obrigações assumidas pelo Réu, prévio a qualquer juízo sobre ilicitude ou culpa, não resulta demonstrado, tornando, dessa forma, inevitável a improcedência da acção, com a consequente confirmação da sentença recorrida.
Concluindo:
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Deliberação (artº 202º nº1 CRP):
Na improcedência da apelação, confirma-se a douta sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
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Porto, 11/VII/2018
Vieira e Cunha
Maria Eiró
João Proença