Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4280/17.4T8MTS.P3
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: PRESUNÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE SERVIÇO DOMÉSTICO
MODALIDADES
TRABALHADORA ALOJADA A TEMPO INTEIRO
PERÍODOS NORMAIS DE TRABALHO
DIREITO A REPOUSO NOTURNO
FERIADOS OBRIGATÓRIOS
FORMAÇÃO CONTÍNUA
Nº do Documento: RP202111154280/17.4T8MTS.P3
Data do Acordão: 11/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos estabelecidos no art.º 12.º do CT, presume-se a existência de um contrato de trabalho sempre que ocorram alguns dos indícios ali mencionados nas alíneas a) a e), cuja enunciação é meramente exemplificativa, sendo bastante que se verifiquem apenas dois desses indícios para que possa ser presumida a existência de um contrato de trabalho.
II - Não estabelecendo a norma qualquer proibição, a presunção legal aí contida é ilidível, como é de regra, significando isso que a qualificação laboral por efeito da presunção pode ser afastada [art.º 350.º n.º2, do CC], passando a recair sobre o empregador o encargo de provar a existência de uma situação de trabalho autónoma ou por conta própria, para afastar a presunção.
III - Decorrendo dos factos provados, que mediante o contrato celebrado, a autora obrigou-se perante a Ré, em contrapartida do pagamento de retribuição, a prestar cuidados à mãe desta que é doente, com carácter de regularidade, sujeita às ordens e instruções da Ré, designadamente, os compreendidos nas tarefas enunciadas no facto 4, prestando essa actividade em casa delas, onde também residia permanentemente, pernoitando sempre no quarto ao lado da mãe da ré, dormindo perto dela, de quem cuidava, a relação de trabalho subordinada já reconhecida subsume-se à noção de contrato de serviço doméstico para satisfação das necessidades próprias ou específicas de vigilância e assistência a pessoa idosa e doente [art.º 2.º/1/d), do DL 235/92, de 24 -10].
IV - O contrato de serviço doméstico pode assumir duas modalidades distintas, consoante seja celebrado “com ou sem alojamento e com ou sem alimentação” [art.º7/1, do DL 235/92].
V - Os distintos regimes reflectem-se em várias matérias, prevendo o DL 235/92 regras diferentes relativamente ao contrato de trabalho doméstico com alojamento e/ou alimentação, designadamente, quanto à retribuição – art.ºs 9.º/2 e 17.º/2 -, duração e organização do tempo de trabalho – art.ºs 13.º/2, 14.º/1 e 2, 15.º/1 e 24.º – e cessação do contrato – art.ºs 8.º 1 e 28.º/4.
VI - Decorrendo dos factos que Autora e Ré acordaram, logo inicialmente, a prestação de trabalho seis dias por semana, 8 horas por dia, com descanso semanal ao domingo, a ser realizada mediante a execução das tarefas referidas no ponto 4, em casa da ré e de sua mãe, e concomitantemente, que residiria ali permanentemente, obedecendo a um horário de 24 horas diárias, pernoitando sempre no quarto ao lado da mãe da ré, dormindo perto dela, de quem cuidava, daí resultando o dever de obediência a um horário que na parte excedente às 8 horas diárias de trabalho acordadas se traduz em disponibilidade para dela cuidar, o contrato de serviço doméstico já reconhecido, deve ser considerado na modalidade de trabalhador alojado e a tempo inteiro [art.º 7.ºdo DL 235/92].
VII - Tendo-se concluído estar-se perante uma situação de contrato de serviço doméstico de trabalhadora alojada, haverá que atentar no regime específico estabelecido no n.º2, do art.º 13.º e nos n.ºs 1, 2 e 3, do art.º 14.º, aplicando-se à autora os períodos normais de trabalho efectivo semanal e diário, respectivamente, de quarenta e quatro horas e oito horas.
VIII - Estando provado que o período de trabalho efectivo semanal acordado excede o estabelecido na lei, visto que 6 dias à razão de 8 horas diárias totaliza 48 horas, ou seja, ultrapassando em 4 horas semana o limite de 44 horas fixado nos ternos do n.º1, do art.º 13.º, a autora tem direito ao pagamento dessas horas como trabalho suplementar, nos termos do art.º 226.º/1 do CT.
IX - De acordo com o disposto no n.º2, do artigo 14.º, a autora tinha direito “a um repouso nocturno de, pelo menos, oito horas consecutivas, que não dev[ia]ser interrompido, salvo por motivos graves, imprevistos ou de força maior, ou quando tenha sido contratado para assistir a doentes (..)”. Dai que, ainda que tivesse “os seus momentos de descanso interrompidos diversas vezes, sem discriminação nem previsão de horário”, pelo facto da mãe da Ré sofrer de doença de Alzheimer – o que nem alegou em termos concretos na acção – sempre essas interrupções estariam a coberto da previsão desta norma, visto que foi contratada para cuidar de pessoa doente.
X - O regime especial relativo ao direito ao gozo de feriados obrigatórios, estabelecido no art.º 24.º do DL 235/92, para trabalhador alojado e o não alojado a tempo inteiro, pressupõe o acordo do trabalhador em prestar trabalho no dia de feriado obrigatório, o que vale por dizer que não se verificando esse pressuposto, a prestação de trabalho nessas circunstâncias cai no âmbito do regime geral do contrato individual de trabalho.
XI - De acordo com as regras de repartição do ónus de prova, sobre a Autora recaía o ónus, que cumpriu, de alegar e provar a prestação de trabalho em dia de feriado obrigatório (art.º 342.º /1, do CC). Em contraponto, cabia à recorrente demonstrar, desde logo, que o trabalho em dia feriado obrigatório foi prestado com o acordo da autora (art.º 342.º/2, do CC), o que não acontece.
XII - O regime jurídico das relações de trabalho emergentes do contrato de serviço doméstico, constante do DL n.º 235/92, de 24 de Outubro, não prevê que o empregador deva proporcionar formação contínua ao trabalhador por si contratado e não é aplicável o disposto no art.º 131.º do CT, por via do art.º 9.º do mesmo diploma, por incompatível com a especificidade desses contratos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 4280/17.4T8MTS.P3
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
I.1 B… instaurou a presente acção declarativa com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra C…, pedindo que julgada a acção procedente seja esta Ré condenada no seguinte:
A. A reconhecer o vínculo laboral que manteve com a Autora, assumindo e tomando todos os actos contundentes à assunção da autora como trabalhadora no período de 1 de Setembro de 2014 a 19 de Junho de 2017;
B. A pagar à Autora a quantia de 133.065,04€ (cento e trinta e três mil, sessenta e cinco euros e quatro cêntimos), das horas de trabalho suplementar realizadas em dias úteis;
C. A pagar à Autora a quantia de 5.188,80€ (cinco mil, cento e oitenta e oito euros e oitenta cêntimos), das horas de trabalho suplementar realizadas em dias de feriado;
D. A pagar à Autora a quantia de 3.865,33€ (três mil, oitocentos e sessenta e cinco euros e trinta e três cêntimos), correspondente aos dias de férias vencidos e não gozados;
E. A pagar à Autora a quantia de 8.400,00€ (oito mil e quatrocentos euros), correspondente aos proporcionais de subsídio de Férias e de Natal referentes ao tempo de prestação de trabalho;
F. A pagar à A., a título de horas de formação profissional, a quantia de €544,36 (quinhentos e quarenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos), referentes ao tempo de prestação de trabalho, com os devidos acertos;
G. A pagar à Autora a quantia que se vier a apurar a título de indemnização devida em função do consagrado no artigo 391.º, nº 1 do Código do Trabalho, aplicável aos presentes autos;
H. A pagar à Autora a quantia de 1.000,00€ (mil euros), a título de ressarcimento dos danos morais e não patrimoniais causados.
I. A pagar à Autora juros de mora, calculados à taxa legal em vigor, desde a data do vencimento até efectivo e integral pagamento.
Alegou, no essencial, que foi admitida ao serviço da ré para cuidar da mãe desta como auxiliar de geriatria, mediante o pagamento de um salário mensal de € 1.500,00, trabalhando a autora 6 dias por semana, 24 horas por dia, com folga de 24 horas por semana, tendo sempre trabalhado aos sábados e feriados e nunca lhe tendo sido pago subsídio de férias ou de Natal, ou qualquer remuneração por horas extra e tendo apenas gozado 7 dias de férias em setembro de 2015.
Mais alega que no dia 18 de Junho de 2017, depois de em meados de Junho do mesmo ano a autora ter recusado uma proposta de redução do salário, a ré a despediu verbalmente argumentando que a mãe, no dia 19 ia, como foi para um lar.
Citada a ré, e frustrada a conciliação em sede de audiência de partes, foi a mesma regularmente notificada para contestar, não tendo apresentado tempestivamente contestação.
I.2 Subsequentemente, o Tribunal a quo proferiu sentença, com o conteúdo, no que aqui interessa, seguinte:
-« (…)
…não tendo apresentado tempestivamente contestação, pelo que nos termos do art. 57º do Código de Processo do Trabalho se consideram confessados os factos alegados pela autora na petição inicial, os quais se dão por reproduzidos.
[..]
DECISÃO
Por todo o exposto julgo a acção parcialmente procedente e em consequência decido:
I – condenar a ré a reconhecer o vínculo laboral que manteve com a autora no período de 1 de Setembro de 2014 a 19 de Junho de 2017;
II - condenar a ré a pagar à autora:
a) a quantia de € 15.293,02 (quinze mil duzentos e noventa e três euros e dois cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados no ano de 2014, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2014 até integral pagamento;
b) a quantia de € 345,92 (trezentos e quarenta e cinco euros e noventa e dois cêntimos) a título de remuneração do trabalho prestado em dia feriado no ano de 2014, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2014 até integral pagamento;
c) a quantia de € 1.002,74 (mil e dois euros e setenta e quatro cêntimos) a título de subsídios de férias e de Natal respeitantes ao ano de 2014, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2014 até integral pagamento;
d) a quantia de € 47.613,32 (quarenta e sete mil seiscentos e treze euros e trinta e dois cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados no ano de 2015, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento;
e) a quantia de € 1.326,87 (mil trezentos e vinte e seis euros e oitenta e set cêntimos) a título de remuneração das férias não gozadas referentes ao ano da contratação e das vencidas em 01/01/2015 e não gozadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento;
f) a quantia de € 1.383,68 (mil trezentos e oitenta e três euros e sessenta e oito cêntimos), a título de remuneração do trabalho prestado em dia feriado no ano de 2015, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento;
g) a quantia de € 3.000,00 (três mil euros) a título de subsídios de férias e de Natal do ano de 2015, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento;
h) a quantia de € 47.928,64 (quarenta e sete mil novecentos e vinte e oito euros e sessenta e quatro cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados no ano de 2016, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2016 até integral pagamento;
i) a quantia de € 1.269,23 (mil duzentos e sessenta e nove euros e vinte e três cêntimos) a título de férias vencidas em 01/01/2016 e não gozadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2016 até integral pagamento;
j) a quantia de € 1.729,60 (mil setecentos e vinte e nove euros e sessenta cêntimos) a título de remuneração do trabalho prestado em dia feriado no ano de 2016, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2016 até integral pagamento;
l) a quantia de € 3.000,00 (três mil euros) a título de subsídios de férias e de Natal do ano de 2016, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2016 até integral pagamento;
m) a quantia de € 22.230,06 (vinte e dois mil duzentos e trinta euros e seis cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados no ano de 2017, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 19/06/2017 até integral pagamento;
n) a quantia de € 1.269,23 (mil duzentos e sessenta e nove euros e vinte e três cêntimos) a título de remuneração das férias vencidas em 01/01/2017 e não gozadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 19/06/2017 até integral pagamento;
o) a quantia de € 864,80 (oitocentos e sessenta e quatro euros e oitenta cêntimos) a título de remuneração do trabalho prestado em dia feriado no ano de 2017, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 19/06/2017 até integral pagamento;
p) a quantia de € 1.397,26 (mil trezentos e noventa e sete euros e vinte e seis cêntimos) a título de subsídios de férias e de Natal proporcionais à duração do contrato no ano da cessação, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 19/06/2017 até integral pagamento;
q) a quantia de € 544,36 (quinhentos e quarenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos) a título de formação não ministrada, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 19/06/2017 até integral pagamento.
III – absolver a ré da parte restante do pedido.
Custas pela autora e pela ré na proporção dos respectivos decaimentos (cfr. art. 527º do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga a autora.
*
Valor da causa: € 152.063,53 (cento e cinquenta e dois mil e sessenta e três cêntimos).
(..)».
I.3 Inconformada com esta sentença, a Ré interpôs recurso de apelação, ao qual respondeu a autora apresentando contra-alegações.
O recurso foi admitido e, após cumprida a normal tramitação, decidido por acórdão de 14 de Julho de 2020, no qual foi delimitado como objecto saber se o tribunal a quo errou quanto ao seguinte:
i) Ao considerar provados os artigos 5, 9, 12, 17, 24, 28, 29, 30, 31 e 32 da petição inicial;
ii) Na aplicação do direito aos factos, ao condenar a Ré no pagamento de trabalho suplementar nos termos pedidos sem existência de factos alegados suficiente; em subsídio de férias e de Natal nos valores fixados; e, na quantia a título de formação não ministrada.
O acórdão culminou com a decisão seguinte:
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em anular a sentença, nos termos previstos no art.º 662.º n.º 2 al. c), do CPC, para se determinar que a 1.ª instância profira nova sentença, fixando os factos que considera provados, para depois determinar e interpretar o direito aplicável, julgando a causa conforme for de direito».
I.4 Tendo os autos baixado à 1.ª instância, o Tribunal a quo deu cumprimento ao determinado, vindo a proferir nova sentença concluída com o dispositivo seguinte:
Por todo o exposto julgo a acção parcialmente procedente e em consequência decido:
I – condenar a ré a reconhecer o vínculo laboral que manteve com a autora no período de 1 de Setembro de 2014 a 19 de Junho de 2017;
II - condenar a ré a pagar à autora:
a) a quantia de € 15.293,02 (quinze mil duzentos e noventa e três euros e dois cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados no ano de 2014, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2014 até integral pagamento;
b) a quantia de € 345,92 (trezentos e quarenta e cinco euros e noventa e dois cêntimos) a título de remuneração do trabalho prestado em dia feriado no ano de 2014, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2014 até integral pagamento;
c) a quantia de € 1.002,74 (mil e dois euros e setenta e quatro cêntimos) a título de subsídios de férias e de Natal respeitantes ao ano de 2014, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2014 até integral pagamento;
d) a quantia de € 47.613,32 (quarenta e sete mil seiscentos e treze euros e trinta e dois cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados no ano de 2015, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento;
e) a quantia de € 1.383,68 (mil trezentos e oitenta e três euros e sessenta e oito cêntimos), a título de remuneração do trabalho prestado em dia feriado no ano de 2015, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento;
f) a quantia de € 1.326,87 (mil trezentos e vinte e seis euros e oitenta e sete cêntimos) a título de remuneração das férias não gozadas referentes ao ano da contratação e das vencidas em 01/01/2015 e não gozadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento;
g) a quantia de € 3.000,00 (três mil euros) a título de subsídios de férias e de Natal do ano de 2015, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento;
h) a quantia de € 47.928,64 (quarenta e sete mil novecentos e vinte e oito euros e sessenta e quatro cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados no ano de 2016, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2016 até integral pagamento;
i) a quantia de € 1.729,60 (mil setecentos e vinte e nove euros e sessenta cêntimos) a título de remuneração do trabalho prestado em dia feriado no ano de 2016, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2016 até integral pagamento;
j) a quantia de € 1.269,23 (mil duzentos e sessenta e nove euros e vinte e três cêntimos) a título de férias vencidas em 01/01/2016 e não gozadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2016 até integral pagamento;
l) a quantia de € 3.000,00 (três mil euros) a título de subsídios de férias e de Natal do ano de 2016, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2016 até integral pagamento;
m) a quantia de € 22.230,06 (vinte e dois mil duzentos e trinta euros e seis cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados no ano de 2017, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 19/06/2017 até integral pagamento;
n) a quantia de € 864,80 (oitocentos e sessenta e quatro euros e oitenta cêntimos) a título de remuneração do trabalho prestado em dia feriado no ano de 2017, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 19/06/2017 até integral pagamento;
o) a quantia de € 1.269,23 (mil duzentos e sessenta e nove euros e vinte e três cêntimos) a título de remuneração das férias vencidas em 01/01/2017 e não gozadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 19/06/2017 até integral pagamento;
p) a quantia de € 1.397,26 (mil trezentos e noventa e sete euros e vinte e seis cêntimos) a título de subsídios de férias e de Natal proporcionais à duração do contrato no ano da cessação, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 19/06/2017 até integral pagamento;
q) a quantia de € 537,15 (quinhentos e trinta e sete euros e quinze cêntimos) a título de formação não ministrada, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 19/06/2017 até integral pagamento.
III – absolver a ré da parte restante do pedido.
*
Custas pela autora e pela ré na proporção dos respectivos decaimentos (cfr. art. 527º do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga a autora.
*
Valor da causa: € 152.063,53 (cento e cinquenta e dois mil e sessenta e três cêntimos).
*
Notifique».
I.5 Discordando da sentença a R. interpôs recurso de apelação, o qual admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações apresentadas foram encerradas com as conclusões seguintes:
………………………………
………………………………
………………………………
Conclui pedindo a procedência do recurso, revogando-se a sentença recorrida e absolvendo-a pedido.
I.6 A autora contra-alegou, encerrando as contra-alegações com as conclusões seguintes.
………………………………
………………………………
………………………………
Conclui pugnando pela improcedência do recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
I.7 O Ministério Público junto desta Relação teve visto nos autos, nos termos do art.º 87.º3, do CPT, tendo-se pronunciado no sentido da procedência do recurso, referindo, no essencial, o seguinte:
-«[..]
Quanto à matéria da impugnação da decisão sobre a matéria de facto merece a nossa concordância a apreciação quanto aos dois primeiros factos.
Com efeito, o primeiro facto é singelamente conclusivo e como tal deve ser expurgado, para além de que a recorrida não alegou e nem provou qualquer habilitação, certificação ou formação legalmente reconhecida e / ou desempenho profissional que lhe permita invocar tal qualidade de “auxiliar de geriatria”, de acordo com o brocardo “quod non est in actis non est in mundo”.
Daí que, por arrastamento, tal menção tenha de ser excluída do facto Nº. 2.
[..]
Quanto aos factos nºs 3, 13, 17, 18, 19 e 20, devem ser interpretados conjuntamente com os demais que não vem impugnados, sendo que o constante deste quatro últimos conduz-nos a uma prestação física e humanamente impossível, tal como a recorrente o demonstra, face ao preceituado no artº. 354º. Al C) do Código Civil, que deve ser atendido.
Ocorre aqui um manifesto equívoco quanto ao conceito de “trabalho[u]”, quando o que se pretende dizer é que, dada a finalidade do objecto da contratação da recorrida, esta manifestou disponibilidade para prestar a assistência, que a cada momento lhe era reclamada, para com a mãe da ré, por via de doença incapacitante que esta afectou e no demais contexto dos factos nº.s 2 (admissão ao seu serviço para prestação de cuidados à mãe da ré) e 5 (residência permanente com pernoita na casa da ré).
Ainda quanto ao facto nº. 13 merece ser suprimido, por redundante, face ao anterior nº. 2. e em relação ao qual nada acrescenta.
[..]
Isto posto, quanto à impugnação em matéria de direito, em função dos factos dados como provados e a serem corrigidos nos sobreditos termos, haverá que ser feita uma correcta subsunção ao que se mostra aplicável, para o que deverá ser tido em consideração o que foi acordado verbalmente pelas intervenientes para o mencionado acompanhamento na pessoa da mãe da ré, enquanto pessoa cuidada.
[..]
Com efeito, a factualidade fixada e a fixar permite-nos concluir, salvo melhor opinião, que a actividade desenvolvida pela recorrida conforme os pontos 2 e 4 a 7 da factualidade assente, configura um contrato de serviço doméstico.
Este serviço, pela sua natureza tem de ser respeitado, enquanto relação laboral especial que foi delineada pela situação em que se concretizou a prestação de trabalho, sujeita ao regime jurídico do Decreto-Lei nº 235/92, de 24 de Outubro, o que possibilita compreender a especificidade invocada e o regime legal que se pretende realizar e tal como a recorrente o impetra nas conclusões BB) e segs. – [..]”.
Ficou demonstrada a verificação de uma prestação de serviços de forma pessoal, contínua, subordinada e onerosa, à mãe da ré e no seu âmbito residencial – cfr. Joana da Silva Patrício, in O Contrato de Serviço Doméstico / Alguns problemas em torno da respetiva cessação, Faculdade de Direito | Escola do Porto, 2019.
[..]
Releva, “in casu”, a proximidade estabelecida entre a recorrida e a mãe da recorrente, num quadro de co-residência necessário para a prestação dos cuidados que fossem indispensáveis.
Quanto ao horário de trabalho, tem de ser fixado pelas partes dentro dos limites máximos legais, nos termos dos artº.s 203º, n.º 1, do Código do Trabalho (com respeito pelo Art. 10º, n.º 3, da Convenção n.º 189 da OIT, de 2011, relativa ao Trabalho Digno para as Trabalhadoras e Trabalhadores do Serviço Doméstico, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 42/2015, de 27-4) e 13º. n.ºs 1 e 2, do DL n.º 235/92, de 24-10). o qual não pode ser alterado, unilateralmente, pela recorrente, sob pena de modificação quantitativa do contrato – cfr. Ac. STJ de 05-09-2018 (arestos consultáveis in www.dgsi.pt).
Daí que à recorrida, no momento da cessação do contrato, sejam devidos os créditos salariais que a recorrente reconhece nas conclusões das alíneas EE), II) a QQ) e que se concretizam.
Procedem, pois, as mencionadas conclusões e nos sobreditos termos.
A sentença recorrida merece ser expurgada da ordem jurídica.
[..]».
I.8 Cumpriram-se os vistos legais e foi determinado que o processo fosse submetido à conferência para julgamento.
I.9 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso, a questão colocada para apreciação pela recorrente consiste em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento quanto ao seguinte:
i) Ao considerar provados os factos 1, 2 e, a referência a “trabalho durante 24 horas” nos factos 3, 17, 18, 19 e 20; e, ao considerar provado no facto 13, 17, 18, 19 e 20, a referência a trabalho aos sábados.
ii) Na aplicação do direito aos factos, ao qualificar o contrato celebrado entre Autora e Ré como contrato de trabalho; ao condenar a Ré no pagamento de trabalho suplementar, em subsídio de férias e de Natal e na quantia a título de formação profissional não ministrada.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou o elenco factual seguinte:
1)A autora é auxiliar de geriatria.
2) A ré, verbalmente, admitiu a autora ao seu serviço para, com efeitos a partir de 1 de Setembro de 2014, prestar cuidados à sua mãe, que padece de doença de Alzheimer, como auxiliar de geriatria, em casa da ré, mediante a retribuição mensal de € 1500,00, por seis dias de trabalho por semana, 8 horas por dias, com descanso semanal ao domingo.
3) A autora trabalhava seis dias por semana, 24 horas diárias, tendo uma folga de 24 horas por semana, gozadas de forma intermitente conforme as suas necessidades.
4) No exercício daquela actividade a autora desempenhava as seguintes tarefas:
- acompanhamento da idosa à fisioterapia, centro de saúde e hospitais;
- administração de medicação;
- banho e higiene diária da idosa;
- tratamento de cabelo e unhas;
- tratamento da roupa da idosa;
- tratamento da alimentação da idosa;
- pequenos cuidados de enfermagem (pensos).
5) A autora exercia aquelas funções em casa da ré e de sua mãe, onde também residia permanentemente, pernoitando sempre no quarto ao lado da mãe da ré.
6) A autora obedecia às ordens e instruções que a ré lhe dava e utilizava os equipamentos e instrumentos pertencentes à ré.
7) A autora apenas confecionava as refeições para a Sra. E… que, por razões de saúde, tinha algumas limitações e especialidades na comida.
8) A autora não tratava das roupas, limpeza e arrumo da casa, tarefas que eram desempenhadas por outras empregadas da ré.
9) A folga da autora, era ao domingo, e embora fosse de 24 horas, nunca era gozada de forma contínua, utilizando a autora essas 24 horas distribuídas durante a semana, de forma a poder gerir os seus assuntos pessoais.
10) Nessas horas de folga a ré contratava uma terceira pessoa para cuidar da sua mãe.
11) Face a esta forma irregular de gozo da folga, a ré, por facilidade, acordou entregar à autora o montante equivalente às ditas 24h e, por sua vez, a autora pagava directamente à terceira pessoa que a substituía na sua folga.
12) Assim, semanalmente a ré entregava em numerário a quantia de € 510,00, sendo que € 375,00 correspondiam ao salário mensal repartido pelas quatro semanas e € 135,00 correspondiam ao valor que a ré entregava à autora para esta pagar a quem a viesse substituir nas suas 24 horas de folga.
13) A autora sempre trabalhou sábados e feriados.
14) Durante a vigência do contrato a autora apenas gozou férias de 18 a 28 de Setembro de 2015.
15) No dia 18 de Junho de 2017 a ré comunicou verbalmente à autora que teria de ir embora uma vez que a sua mãe iria para um lar, tendo a autora desempenhado funções até ao dia 19 de Junho de 2017, dia em que a mãe da ré foi para o lar.
17) No ano de 2014 a autora trabalhou durante 24 horas 83 dias úteis e 14 sábados, bem como nos feriados de 8 de Dezembro e 25 de Dezembro.
18) No ano 2015 a autora trabalhou durante 24 horas 252 dias úteis e 50 sábados, bem como nos feriados 1 de Janeiro, 3 de Abril, 25 de Abril, 1 de Maio, 10 de Junho, 15 de Agosto, 8 de Dezembro e 25 de Dezembro.
19) No ano de 2016 a autora trabalhou durante 24 horas 251 dias úteis e 53 sábados, bem como nos feriados de 1 de janeiro, 25 de Março, 25 de Abril, 26 de Maio, 10 de Junho, 15 de Agosto, 5 de Outubro, 1 de Novembro, 1 de Dezembro e 8 de Dezembro.
20) No ano de 2017 a autora trabalhou durante 24 horas, 117 dias úteis e 24 sábados, bem como nos feriados de 14 de Abril, 25 de Abril, 1 de Maio, 10 de Junho e 15 de Junho.
21) Durante toda a vigência do contrato a autora apenas realizou, no ano de 12 horas de formação profissional, no ano de 2015.
*
Não se provou que:
a) A autora trabalhou nos feriados de 01/11/2014, 1/12/2014, 04/06/2015, 05/10/2015 e 01/12/2015 (dias que por aplicação da Lei 47/2012 de 29/08, naqueles anos não foram feriado).
II.2 IMPUGNAÇÃO da DECISÃO SOBRE a MATÉRIA DE FACTO
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, [Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt].
No que concerne às conclusões conclui-se que a recorrente cumpriu com o que se entende suficiente, dado ter indicado quais os factos que impugna, para depois expressar o que pretende seja decidido.
O mesmo é de dizer quanto aos demais ónus de impugnação, verificando-se que a recorrente põe em causa os factos provados alegando ter sido violado o art.º 568.º al. d), do CPC e fazendo apelo às regras da experiência, para depois formular uma apreciação crítica dirigida a justificar as alterações que pretende sejam introduzidas.
II.2.1 Os factos fixados foram considerados provados nos termos do disposto no art.º 57.º do CPT, com a epígrafe “Efeitos da revelia”, dispondo o seguinte:
- «1 - Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito.
[..]».
O artigo corresponde, no essencial, ao n.ºs 1 e 3, do art.º 567.º do CPC.
Diz-se que há revelia quando o R. omite qualquer conduta reactiva, isto é, como dizem as normas em causa, se o réu não contestar, desde que deva “considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação”.
A revelia é operante quando implica a confissão dos factos articulados pelo autor, significando isso que o R. – mesmo nada tendo declarado - reconhece ou admite todos os factos alegados pelo autor na petição inicial.
A propósito dos efeitos da revelia, observa José Lebre de Freitas [A acção Declarativa Comum, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2013, p. 89, nota9], o seguinte
-«[..] Tradicionalmente, fala-se de ficta confessio (confissão ficta) para designar o efeito probatório extraído do silêncio da parte sobre a realidade de um facto alegado pela parte contrária (por todos, mas preferindo a denominação confissão presumida: JOÃO ANTUNES VARELA, Manual cit, ps. 543-545), seja mediante a puta omissão de contestar, seja mediante a não impugnação desse facto, em contestação ou outro articulado apresentado [..]. Mas o regime da admissão, distingue-se em vários pontos do da confissão (declaração expressa do reconhecimento da realidade dum facto desfavorável ao declarante ..), constituindo uma figura autónoma desta: não exige que o facto seja desfavorável ao declarante [..]; não joga quanto a facto para cuja mera prova a lei exija documento escrito (arts. 568 –d e 574-2), relativamente aos quais a confissão é admitida (art. 364-2CC); não se produz, contra o réu não contestante, quanto aos factos que o outro réu conteste, nos casos de litisconsórcio voluntário e de coligação (art. 568-a), em que o efeito de prova plena de confissão se produz, ainda que no primeiro caso restringido ao interesse do confitente (art.353-2CC); não é impugnável, como a confissão, nos termos do art. 359 CC; só é eficaz no processo em que é produzida, não tendo a eficácia extraprocessual da confissão judicial (arts. 421-1 e 355-3 CC). [..]».
Neste breve apontamento, parafraseando o Ac. STJ de 22-06-2006 [Proc.º 06B1638, Conselheiro Ferreira Girão, disponível em www.dgsi.pt], importa ainda referir que “A confissão ficta, prevista no n.º 1 do art. 484.º do CPC para a falta de contestação de réu citado, incide apenas sobre factos e não sobre enunciações ou conclusões”.
A Recorrente começa por impugnar os pontos nºs 1 e 2 dos Factos provados, onde consta provado o seguinte:
1) A autora é auxiliar de geriatria.
2) A ré, verbalmente, admitiu a autora ao seu serviço para, com efeitos a partir de 1 de Setembro de 2014, prestar cuidados à sua mãe, que padece de doença de Alzheimer, como auxiliar de geriatria, em casa da ré, mediante a retribuição mensal de € 1500,00, por seis dias de trabalho por semana, 8 horas por dias, com descanso semanal ao domingo.
Quanto ao primeiro deles, em primeira linha defende que a prova de que a autora “é” auxiliar de geriatria, e que tem habilitações profissionais para ser como tal considerada, teria de ter sido feita por documento, pelo que foi violado o disposto na al. d) do art.º 568º do C.P.C, devendo ser eliminado. No que concerne ao segundo, pretende seja eliminada a referência a “como auxiliar de geriatria” por a Autora não ter feito prova dessa habilitação profissional e tratar-se, além disso, de um facto conclusivo.
Vejamos.
Importa assinalar não estarmos no âmbito de uma situação em que seja aplicável um determinado instrumento de regulação colectiva de trabalho que preveja a categoria de “auxiliar de geriatria”.
Assim, a afirmação “é auxiliar de geriatria” assenta no pressuposto de que a Autora tem essa habilitação profissional e quando utilizada no facto 2 - “como auxiliar de geriatria” - traduz a ideia de que a autora foi contratada para prestar cuidados próprios dessa competência profissional à mãe da Ré.
O Decreto-Lei n.º 396/2007, de 31 de Dezembro, que aprovou o regime jurídico do Sistema Nacional de Qualificações e define as estruturas que asseguram o seu funcionamento (art.º 1.º n.º1), estabelece no art.º 4.º, o seguinte:
1- A qualificação pode ser obtida através de formação inserida no Catálogo Nacional de Qualificações, desenvolvida no âmbito do sistema de educação e formação.
2 - A qualificação pode resultar do reconhecimento, validação e certificação de competências adquiridas noutras formações e noutros contextos da vida profissional e pessoal.
3 - A qualificação pode ainda resultar do reconhecimento de títulos adquiridos noutros países.
O Catálogo Nacional de Qualificações, a que se refere o art.º 6.º, é um instrumento de gestão estratégica das qualificações de nível não superior - níveis 2, 4 e 5 do Quadro Nacional de Qualificações (QNQ) - e de regulação das respetivas modalidades de dupla certificação e dos processos de reconhecimento, validação e certificação de competências que existem, em Portugal, no âmbito do Sistema Nacional de Qualificações.
Mais decorre do art.º 7.º que a obtenção de uma qualificação prevista no Catálogo Nacional de Qualificações é comprovada por diploma de qualificação (n.º1), sendo os diplomas e certificados emitidos pelas entidades que integram a rede de entidades formadoras do Sistema Nacional de Qualificações (n.º2).
Acedendo ao Catálogo Nacional de Qualificações [disponível em https://catalogo.anqep.gov.pt/qualificacoesPesquisa], não consta qualquer uma que surja denominada como “auxiliar de geriatria”, mas encontram-se duas qualificações da “ÁREA DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO: 762 - Trabalho Social e Orientação” que respeitam à geriatria, nomeadamente, as seguintes:
i) Agente em Geriatria; Nível QNQ/QEQ 2; Código 762191; PONTOS DE CRÉDITO: 141,00
Descrição da qualificação: “Prestar cuidados de apoio direto a idosos, no domicílio e em contexto institucional, nomeadamente, lares e centros de dia, zelando pelo seu bem-estar físico, psicológico e social, de acordo com as indicações da equipa técnica e os princípios deontológicos”.
ii) Técnico de Geriatria; Nível QNQ/QEQ 4; Código 762335; PONTOS DE CRÉDITO: 193,50
Descrição da qualificação: “Prestar cuidados de apoio direto ao idoso, em contexto domiciliar e institucional, contribuindo para o seu bem-estar biopsicossocial, tendo em consideração os objetivos definidos pela equipa técnica local e os princípios deontológicos de atuação”.
Para além de não constar do Catálogo Nacional de Qualificações a qualificação “auxiliar de geriatria”, ponto é que qualquer qualificação profissional, seja obtida por via de formação, ou resulte “do reconhecimento, validação e certificação de competências adquiridas noutras formações e noutros contextos da vida profissional e pessoal”, ou ainda do reconhecimento títulos adquiridos noutros países, é comprovada por documento emitido por entidades certificadas que integram o Sistema Nacional de Qualificações (art.º 7.º, do DL 396/2007).
Vale isto por dizer, que a prova da titularidade de uma dessas qualificações profissionais faz-se por documento.
Acresce dizer que a Autora nem sequer alegou ter qualquer formação em geriatria, alegou sim, no art.º 17.º da PI, que “A A. tinha diversos cursos e diversa formação quanto ao tratamento de idosos, tais como "Curso de Formação Profissional para Exercícios para Pessoas em Cadeiras de Rodas" e ainda "Curso de Formação Profissional de Cuidados a Pessoas Acamadas". E, juntou 2 certificados de formação profissional, mas nenhum deles corresponde à alegada qualificação de “auxiliar de geriatria”: um respeita a Formação Profissional de Exercícios para Pessoas em Cadeira de Rodas, está datado de 07-11-2015 e teve a duração de 4 horas; o outro, refere-se a Formação Profissional de Cuidados a Pessoas Acamadas, está datado de 19-12-2015 e teve a duração de 8 horas. Ambos os certificados foram emitidos pela sociedade “D…, lda”.
Assim, no que concerne ao facto 1, entende-se que não deve ser considerado admitido por efeito da revelia operante, em virtude da situação se enquadrar na excepção prevista no art.º 568.º al. d), por se tratar de facto cuja para cuja prova a lei exige documento escrito.
Quanto ao facto 2, como se disse, o uso da expressão “como auxiliar de geriatria” traduz a ideia de que a autora foi contratada para prestar e prestava cuidados próprios dessa competência profissional à mãe da Ré, significando isso que a expressão assume natureza conclusiva.
Acresce, que no caso é controvertida a qualificação da relação contratual que foi estabelecida entre a Autora e a Ré, para além do mais defendendo esta última estar-se perante um de contrato de serviço doméstico, regulado pelo Decreto-Lei n.º 235/92, de 24 de Outubro.
Assim, a alegada qualificação profissional é relevante para a apreciação dessa questão.
Ora, como é entendido pela jurisprudência, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, António Leones Dantas, www.dgsi.pt.].
Neste quadro, também nesta parte deve ser reconhecida razão à recorrente, expurgando-se o facto 2 da expressão “como auxiliar de geriatria”, passando o facto a ter a redacção seguinte:
[2] A ré, verbalmente, admitiu a autora ao seu serviço para, com efeitos a partir de 1 de Setembro de 2014, prestar cuidados à sua mãe, que padece de doença de Alzheimer, em casa da ré, mediante a retribuição mensal de € 1500,00, por seis dias de trabalho por semana, 8 horas por dias, com descanso semanal ao domingo.
Segue-se a impugnação dirigida aos factos 3, 17, 18, 19 e 20, insurgindo-se a recorrente por deles constar que a autora “trabalhou” nos dias neles mencionados durante “24 horas”.
Alega que é absolutamente impossível que um trabalhador trabalhe 24 horas durante todos os dias úteis da semana e ainda aos Sábados e dias feriados, pelo que o Tribunal a quo deu como provado – por confissão, dada a falta de impugnação - um facto impossível, violando assim o disposto no art.º 354.º do CC, dispondo que “A confissão não faz prova contra o confitente (…) c) se o facto confessado for impossível ou notoriamente inexistente.”
No factos em causa consta o seguinte:
[3] A autora trabalhava seis dias por semana, 24 horas diárias, tendo uma folga de 24 horas por semana, gozadas de forma intermitente conforme as suas necessidades.
[17] No ano de 2014 a autora trabalhou durante 24 horas 83 dias úteis e 14 sábados, bem como nos feriados de 8 de Dezembro e 25 de Dezembro.
[18] No ano 2015 a autora trabalhou durante 24 horas 252 dias úteis e 50 sábados, bem como nos feriados 1 de Janeiro, 3 de Abril, 25 de Abril, 1 de Maio, 10 de Junho, 15 de Agosto, 8 de Dezembro e 25 de Dezembro.
[19] No ano de 2016 a autora trabalhou durante 24 horas 251 dias úteis e 53 sábados, bem como nos feriados de 1 de janeiro, 25 de Março, 25 de Abril, 26 de Maio, 10 de Junho, 15 de Agosto, 5 de Outubro, 1 de Novembro, 1 de Dezembro e 8 de Dezembro.
[20] No ano de 2017 a autora trabalhou durante 24 horas, 117 dias úteis e 24 sábados, bem como nos feriados de 14 de Abril, 25 de Abril, 1 de Maio, 10 de Junho e 15 de Junho.
Pretende a recorrente que seja eliminada a referência a “trabalho durante 24 horas por dia nos dias úteis, sábados e feriados”, passando os mesmos a ter a redacção seguinte:
[3] “A autora trabalhava seis dias por semana, tendo folga ao domingo”.
[17] “No ano de 2014 a autora trabalhou 83 dias úteis e 14 sábados, bem como nos feriados de 8 de Dezembro e 25 de Dezembro.”
[18) “No ano 2015 a autora trabalhou 252 dias úteis e 50 sábados, bem como nos feriados 1 de Janeiro, 3 de Abril, 25 de Abril, 1 de Maio, 10 de Junho, 15 de Agosto, 8 de Dezembro e 25 de Dezembro”. [19]“No ano de 2016 a autora trabalhou 251 dias úteis e 53 sábados, bem como nos feriados de 1 de janeiro, 25 de Março, 25 de Abril, 26 de Maio, 10 de Junho, 15 de Agosto, 5 de Outubro, 1 de Novembro, 1 de Dezembro e 8 de Dezembro.”
[20] “No ano de 2017 a autora trabalhou, 117 dias úteis e 24 sábados, bem como nos feriados de 14 de Abril, 25 de Abril, 1 de Maio, 10 de Junho e 15 de Junho.”
Sendo certo que ao Tribunal a quo cumpria considerar confessados os factos articulado pela autora, comecemos por atentar no que consta da petição inicial, mais precisamente, sob o título “A. Dos Factos”, que compreende os artigos 1 a 34, no que respeita a esta questão. Assim:
«[..]
6. [..] no dia 1 de Setembro de 2014, iniciou o seu trabalho como auxiliar de geriatria em casa da 1ª R, prestando cuidados à sua mãe
7. A A. foi contratada, verbalmente, para cuidar da mãe da 1ª R., que padece de doença de Alzheimer.
9. A A. trabalhava seis dias por semana, 24 horas diárias, tendo uma folga de 24h horas por semana.
10. No exercício dessa atividade, a A. trabalhou para a 1ª R. sob as suas ordens, direcção, autoridade e fiscalização, mediante a retribuição mensal acima referida.
11. A A. realizava as suas tarefas próprias da sua categoria profissional, nomeadamente:
. Acompanhamento da idosa à fisioterapia, centro de saúde e hospitais;
. Administração de medicação
.Banho e higiene diária da idosa
. Tratamento de cabelo e unhas
.Tratamento da roupa da idosa
.Tratamento da alimentação da idosa
. Pequenos cuidados de enfermagem (pensos)
12. Pelo exposto,
. A A. exercia as suas funções em casa da 1ª R. e de sua mãe, onde também residia permanentemente, pernoitando sempre no quarto ao lado da mãe da 1ª R.
. [..]
. [..]
. A A. obedecia a um horário de 24 horas diárias, com folga de 24 horas semanais, gozadas de forma intermitente, conforme as suas necessidades.
. A A. tinha um vencimento de mensal €1500,00 (mil e quinhentos euros) líquidos.
. A A., inclusive, dormia perto da Sra. E…, de quem cuidava.
. [..].
13. [..]
14. A A. apenas confeccionava as refeições para a Sra. E… que, por razões de saúde, tinha algumas limitações e especialidades na comida.
15. A A. não lavava nem tratava das roupas, limpeza e arrumo da casa.
16. Para todas estas tarefas, a 1ª R. tinha outras empregadas.
17 [..]
18 [..]
19. Acresce ainda que não tratava de animais domésticos, nem executava serviços de jardinagem e/ou costuma.
20. [..].
21. Para toda essa realização, a 1ª R. tinha outras empregadas.
22. [..]
23. [..]
24. Na folga da A., embora fosse de 24h, nunca era gozada de forma continua.
25. A A. utilizava essas 24h de folga distribuídas durante a semana, de forma a puder gerir os seus assuntos pessoais.
26. [..].
27. [..]
28. [..]
29. A A. sempre trabalhou sábados e feriados.
30. Nunca recebeu subsídio de férias e subsídio de Natal.
31. Trabalhava 24 horas sem receber horas extras.
32. Durante a vigência do contrato, apenas gozou 07 dias de férias, quando fez uma viagem ao Brasil a 18 de Setembro de 2015.
Percorrendo esses artigos, percebe-se que o conteúdo do ponto provado 3 resulta do alegado no artigo 9.º - A A. trabalhava seis dias por semana, 24 horas diárias, tendo uma folga de 24h horas por semana.- acrescentado da parte final do parágrafo 4.º do art.º 12.º - gozadas de forma intermitente, conforme as suas necessidades.
Como refere a recorrente, se entendida no sentido do exercício efectivo das tarefas que integravam a actividade contratada, designadamente, as referidas no art.º 11.º da PI, consecutiva e ininterruptamente, dia após dia e semana após semana, reconduzir-se-ia à prova de um facto manifestamente contrário ao que é aceitável à luz da lógica e das regras da experiência comum. Por outras palavras, não só não seria viável para qualquer trabalhador manter-se a executar ininterruptamente aquele tipo de tarefas, como para além disso nem tão pouco seria razoável realizar parte das mesmas a qualquer hora do dia, dia após dia.
O que poderia acontecer, era a autora estar disponível para prestar a sua actividade, se necessário executando algumas das tarefas que descreve no art.º12, inclusive dormindo “perto da Sra. E…, de quem cuidava durante as 24 horas diárias”.
Ora, essa conclusão há-de retirar-se dos factos alegados em termos concretos, desde logo dos já apontados, mas do 4.º parágrafo do art.º 12.º, que como já referimos foi parcialmente usado para fixar o ponto 3, mas agora na parte inicial, onde se afirma que “ A A. obedecia a um horário de 24 horas diárias [..]».
Como bem refere o Digno Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, os factos devem ser interpretados conjuntamente com os demais não impugnados e há um claro equívoco quanto ao conceito “trabalho” e disponibilidade para a prestação da actividade contratada.
O uso da expressão “trabalhava (..) 24 horas diárias”, constante deste ponto 3, mas também transversal aos demais impugnados, é susceptível de criar equívocos quanto à interpretação para aplicação do direito, nomeadamente no que tange aos créditos reclamados por trabalho suplementar e falta de descanso compensatório, nessa medida sendo de a considerar conclusiva e referente a uma das questões jurídicas controvertidas, como tal devendo ser eliminada.
No entanto, a alternativa proposta pela recorrente, quer para o ponto 3 quer para os demais pontos, não pode ser atendida, pois equivaleria a fazer tábua rasa da alegação da autora, vista globalmente e não impugnada por falta de contestação, para se passar a dar como provada uma versão dos factos diversa, como se aquela os tivesse alegado e demonstrado.
No artigo 10.º da PI a A. usa a expressão “No exercício dessa atividade [..]” e, como se disse, no 4.º parágrafo do art.º 12.º, afirma que “ A A. obedecia a um horário de 24 horas diárias [..]». Assim, altera-se o ponto 3, para passar a constar provado o seguinte:
3) A autora exercia a actividade seis dias por semana e obedecia a um horário de 24 horas diárias, tendo uma folga de 24 horas por semana, gozadas de forma intermitente conforme as suas necessidades.
Avançando para os pontos 13, 17, 18, 19 e 20, para que melhor se perceba, o Tribunal a quo considerou provado o que aí consta tendo por base o alegado no artigo 45.º da Pi, onde consta, no que aqui releva, o seguinte:
«[..]
45. Desta forma:
Do ano de 2014:
Os meses de Setembro a Dezembro de 2014, correspondem a 122 dias.
A A. trabalhou 83 (úteis) acrescidos de 14 (sábados) com trabalho suplementar.
[..]
Dos 5 feriados constantes desse período, trabalhou a A. quatro deles, já que o outro era a um domingo, dia do seu descanso semanal
Os cinco feriados:
05 de Outubro (dom.)
01 de Novembro (sáb.)
01 de Dezembro (seg.)
08 de Dezembro (seg.)
25 de Dezembro (qui).
[..]
Do ano de 2015:
Dos 365 dias, esteve ao serviço a A. 252 dias (úteis) e 50 sábados, em que realizou trabalho suplementar, perfazendo um total de 302 dias.
[..]
Dos 13 feriados constantes desse período, trabalhou a A. 11 deles, já que os restantes eram ao domingo, dia do seu descanso semanal.
Os 13 feriados:
01 de Janeiro (qui.)
03 de Abril (sex.)
05 de Abril (dom.)
25 de Abril (sáb.)
01 de Maio (sex.)
04 de Junho (qui.)
10 de Junho (qua.)
15 de Agosto (sáb).
05 de Outubro (seg.)
01 de Novembro (dom.)
01 de Dezembro (ter.)
08 de Dezembro (ter.)
25 de Dezembro (sex.)
[…]
Do ano de 2016:
Dos 366 dias, a A. esteve ao serviço 251 dias (úteis) e 53 sábados, em que realizou trabalho suplementar, perfazendo um total de 304 dias.
[…]
Dos 13 feriados constantes desse período, trabalhou a A. 10 deles, já que os restantes eram ao domingo, dia do seu descanso semanal.
Os 13 feriados são:
01 de Janeiro (sex.)
25 de Março (sex.)
27 de Março (dom.)
25 de Abril (seg.)
01 de Maio (dom.)
26 de Maio (qui.)
10 de Junho (sex.)
15 de Agosto (seg.).
05 de Outubro (qua.)
01 de Novembro (ter.)
01 de Dezembro (qui.)
08 de Dezembro (qui.)
25 de Dezembro (dom.)
[…]
Do ano de 2017:
O período entre 1 de Janeiro e 19 de Junho de 2017, corresponde a 170 dias.
A A. esteve ao serviço 117 dias (úteis) e 24 sábados, em que realizou trabalho suplementar, perfazendo um total de 141 dias.
[…]
Dos 7 feriados constantes desse período, trabalhou a A. 5 deles, já que os restantes eram ao domingo, dia do seu descanso semanal.
Os 7 feriados são:
01 de Janeiro (dom.)
14 de Abril (sex.)
16 de Abril (dom.)
25 de Abril (ter.)
01 de Maio (seg.)
10 de Junho (sab.)
15 de Junho (qui.)
[..]»
Pelas mesmas razões e em coerência com o decidido quanto ao ponto 3, nos pontos 17, 18, 19 e 20, elimina-se a expressão “trabalhou durante 24 horas” e substitui-se pela expressão “exerceu a actividade”. Faz-se notar a desnecessidade de referir o horário, dado já constar do ponto 3.
Quanto a esses mesmos pontos, mas também quanto ao ponto 13, pretende a recorrente que se elimine a referência a trabalho prestado ao sábado, alegando que “Sábado não era trabalho suplementar pois o Sábado era um dia normal de trabalho para a Autora e esta não alegou que trabalhou aos Sábados mais horas do que o seu período normal de trabalho diário” [conclusão N]., estando assente que a autora “foi admitida para trabalhar durante seis dias por semana, incluindo o Sábado, e que a sua folga era ao Domingo” [conclusão M].
Como devido respeito, esta alegação está descontextualizada, pois saber se o trabalho prestado aos sábados era, ou não, qualificável como trabalho suplementar é questão de direito e não de facto. Constar nos factos em causa – 13, 17, 18, 19 e 20 – não significa que se esteja a considerar provado que a Autora prestou trabalho suplementar aos sábados.
Por conseguinte, se porventura a recorrente está a argumentar no pressuposto de haver uma contradição entre os factos provados, a resposta é claramente negativa. O que está aqui em causa é simplesmente a prestação da actividade ao sábado enquanto facto.
Não existe, pois, qualquer fundamento para eliminar essa referência dos pontos impugnados.
Assim, a redacção do ponto 13 mantém-se inalterada. Quanto aos demais pontos – 17, 18, 19 e 20, pelas razões expressas acima, passa a ser a seguinte:
[17] No ano de 2014 a autora exerceu a actividade em 83 dias úteis e 14 sábados, bem como nos feriados de 8 de Dezembro e 25 de Dezembro.
[18] No ano 2015 a autora exerceu a actividade em 252 dias úteis e 50 sábados, bem como nos feriados 1 de Janeiro, 3 de Abril, 25 de Abril, 1 de Maio, 10 de Junho, 15 de Agosto, 8 de Dezembro e 25 de Dezembro.
[19] No ano de 2016 a autora exerceu a actividade em 251 dias úteis e 53 sábados, bem como nos feriados de 1 de janeiro, 25 de Março, 25 de Abril, 26 de Maio, 10 de Junho, 15 de Agosto, 5 de Outubro, 1 de Novembro, 1 de Dezembro e 8 de Dezembro.
[20] No ano de 2017 a autora exerceu a actividade em 117 dias úteis e 24 sábados, bem como nos feriados de 14 de Abril, 25 de Abril, 1 de Maio, 10 de Junho e 15 de Junho.
II.2.2 Como já afirmámos, em face do disposto no art.º 57.º do CPT, ao Tribunal a quo cumpria considerar confessados os factos articulado pela autora.
Ora, como se constata pela leitura do artigo 12 da PI, acima transcrito, a Autora alegou ai, para além do mais, que “dormia perto da Sra. E…, de quem cuidava”.
No facto 5, o Tribunal a quo considerou provado que “A autora exercia aquelas funções em casa da ré e de sua mãe, onde também residia permanentemente, pernoitando sempre no quarto ao lado da mãe da ré”.
Embora a parte final do facto - que também é retirado do alegado no art.º 12, mas logo no início-, sugira que a autora pernoitava “sempre no quarto ao lado da mãe da ré” para cuidar dela, o certo é que mais adiante consta outra alegação, que consubstancia um facto, e que justificava tivesse sido considerada, integrando-a no facto 5, de modo a garantir o maios rigor possível e desejável na fixação dos factos concretos a considerar confessados por falta de contestação.
Assim, no âmbito dos poderes oficiosos de que dispõe este tribunal de recurso (art.º 662.º n.º1, do CPC), procede-se à alteração da redacção do facto 5, que passa a ser a seguinte:
A autora exercia aquelas funções em casa da ré e de sua mãe, onde também residia permanentemente, pernoitando sempre no quarto ao lado da mãe da ré, dormindo perto dela, de quem cuidava».
II.3 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
Na vertente da impugnação da sentença por erro na aplicação do direito aos factos, a recorrente, numa primeira linha de argumentação, questiona a qualificação do “contrato celebrado entre Autora e Ré como contrato de trabalho por aplicação da presunção prevista no artº 12º do Código do Trabalho”, defendendo que o Tribunal a quo “ignorou outros elementos que [..] implicam a descaraterização do contrato como um contrato de trabalho”.
Na fundamentação da sentença, quanto a esta questão fulcral, encontra-se o seguinte;
-[..]
No que respeita ao vínculo estabelecido entre as partes importa considerar que na data a que a autora reporta o início dos contratos vigorava o Código de Trabalho aprovado pela Lei 7/2009 de 12/02, à luz do qual importa, pois, analisar a enunciada questão.
Nos termos do art. 11º do dito Código (doravante C.T.), “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”.
Por sua vez o art. 1152º do Código Civil define o contrato de trabalho como aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direção destas.
A relação jurídica laboral caracteriza-se, pois, essencialmente, pela existência de subordinação jurídica, a qual se reconduz à possibilidade de determinação da atividade do trabalhador, mediante ordens, diretivas e instruções e ao dever de obediência deste no que concerne à execução e disciplina da prestação de trabalho fixadas pelo empregador, titular do poder diretivo e disciplinador dessa prestação.
O que distingue verdadeiramente o contrato de trabalho é o estado de sujeição do trabalhador relativamente ao empregador, consubstanciado na possibilidade de aquele, a cada momento, poder ver ser concretizada por este a sua prestação em determinado sentido (v. A. Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, pág. 535).
Reconhecendo-se a dificuldade de, em concreto, traçar uma fronteira completamente definida entre o contrato de trabalho e algumas das figuras que lhe são afins, tem-se optado pelo recurso à verificação, em cada caso, de um conjunto de indícios da existência ou inexistência de subordinação jurídica, particularmente, nas situações, de interpretação divergente do sentido das declarações de vontade na celebração do contrato.
Na verdade, quando o contrato tiver revestido forma solene, o “nomen juris” que as partes lhe deram não pode ser menosprezado e, muito menos, o teor das respetivas cláusulas. Sem serem decisivos para a qualificação do contrato, pois o que realmente releva, para esse efeito, não é a designação escolhida pelas partes nem os termos em que foi redigido, mas sim os termos em que o mesmo foi executado, aqueles elementos são naturalmente importantes para ajuizar da vontade das partes no que toca ao regime jurídico que elegeram para regular a relação, sobretudo se os outorgantes forem pessoas cultas e esclarecidas. – Ac. STJ de 17/10/2007, www.dgsi.pt.
Antes de mais, a distinção deverá, afinal, ser feita em função do modo concreto de execução da prestação, ainda que o contrato tenha sido reduzido a escrito.
Os indícios normalmente apontados no sentido da existência de subordinação são o de o lugar do trabalho pertencer ao empregador ou ser por ele determinado, o horário de trabalho ser o definido pelo empregador, a existência de poder disciplinar, a organização do trabalho depender estritamente da vontade o empregador, serem os instrumentos de trabalho pertencentes ao empregador, a existência de outros trabalhadores subordinados no exercício da mesma atividade, a opção pela modalidade de retribuição certa, o aumento periódico da retribuição, o pagamento de subsídios de férias e de Natal, a exclusividade da atividade laboral por conta do empregador, a sindicalização e a observância do regime fiscal e de segurança social próprios do trabalho por conta de outrem.
As dificuldades que se colocam na prova dos indícios relevantes e o uso abusivo da figura do contrato de prestação de serviços para evitar os encargos que para o empregador resultam da celebração dos contratos de trabalho, levaram o legislador a consagrar, presunções de contrato de trabalho que oneram a entidade empregadora com o esforço da prova da inexistência de contrato de trabalho.
Assim, de acordo com o art. 12º nº 1 do C.T. “Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador da actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou de chefia na estrutura orgânica da empresa”.
Existindo tal presunção legal de contrato de trabalho, face ao disposto pelos arts. 344º, nº 1 e 350º, do Código Civil, ao autor compete o ónus da prova das condições da presunção e não já o ónus da prova dos factos constitutivos do direito invocado, impendendo sobre a ré o ónus de provar os factos demonstrativos da inexistência do contrato de trabalho, com vista a ilidir da presunção.
No caso concreto, ficou demonstrado que a autora foi admitida ao serviço da ré para prestar cuidados mãe desta, que padece de doença de Alzheimer, como auxiliar de geriatria, em casa da ré, mediante a retribuição mensal de € 1 500,00, por seis dias de trabalho por semana, 8 horas por dias e que, obedecendo às ordens e instruções que a ré lhe dava, desempenhava as seguintes tarefas, acompanhamento da idosa à fisioterapia, centro de saúde e hospitais; administração de medicação; banho e higiene diária da idosa; tratamento de cabelo e unhas; tratamento da roupa da idosa; tratamento da alimentação da idosa; pequenos cuidados de enfermagem (pensos), pernoitando sempre no quarto ao lado da mãe da ré e utilizando os equipamentos e instrumentos pertencentes à ré.
Tanto basta para se considerarem verificados os pressupostos da presunção de contrato de trabalho prevista pelo citado artigo 12º do Código do Trabalho, já que a autora exercia funções em local pertencente à ré e por esta determinado (art. 12º, nº 1, al. a) do Código do Trabalho), executando as tarefas contratadas em benefício da ré (art, 12º, nº 1 do Código do Trabalho), mediante o pagamento de uma quantia certa e periódica, como contrapartida da actividade exercida (art, 12º, nº 1, al. d) do Código do Trabalho) e utilizando instrumentos e equipamentos pertencentes à ré (art. 12º, nº 1, al. b) do Código do Trabalho).
Tal presunção não foi por qualquer forma ilidida pela ré, pelo que, impõe-se o reconhecimento de que a autora esteve vinculada a ré por contrato de trabalho desde 1 de Setembro de 2014 até 19 de Junho de 2017, data em que produziu efeitos a comunicação da cessação do contrato efectuada pela ré».
Começaremos por dizer que concordamos com as considerações de ordem jurídica tecidas na transcrita fundamentação sobre a noção de contrato de trabalho e a presunção legal estabelecida no art.º 12.º do CT.
Para colocar em causa o decidido sobre este ponto, a recorrente começa por defender que o contrato não foi celebrado pela pessoa a quem a trabalhadora ia prestar a sua actividade, mas antes por si, para prestação de serviços a “terceiro”, sua Mãe, não tendo sido alegado pela Autora que esta estivesse incapaz ou que a Ré tivesse actuado em representação dela, o que bastaria para afastar a qualificação dado que a pessoa que a contratou não é a beneficiária da prestação de trabalho.
O argumento é engenhoso, mas claramente falacioso. Como é evidente, apesar da actividade contratada ter em vista o acompanhamento e prestação de cuidados à mãe da recorrente, esta última não deixa de ser beneficiária daquela actividade, na medida em que, no seu interesse, foi quem contratou a autora para que esta nas condições acertadas e mediante a contrapartida retributiva acordada, assegurasse aquele objecto contratual.
Prossegue a recorrente, alegando que “[..] que era a Autora quem geria as suas folgas, de acordo com os seus interesses pessoais – cfr- Facto provado nº 9 – e, mais do que isso, [..] contratava uma terceira pessoa para cuidar da Mãe da Ré nas horas de folga – facto provado nº 11 [..]”.
O argumento assenta numa construção que distorce o que se encontra provado nos factos 9 e 11.
Do facto 9 resulta, em primeiro lugar - e em consonância com o facto 2-, que a autora tinha 24 horas de folga semanais, sendo o dia de descanso semanal ao Domingo, nos termos fixados no contrato celebrado. Esse é o aspecto essencial, não assumindo particular relevância o facto da autora utilizar “essas 24 horas distribuídas durante a semana, de forma a poder gerir os seus assuntos pessoais”, ou seja, contendo-se naquele limite de 24 horas que foi acordado. Para além disso, sendo certo estar também provado que a autora obedecia às ordens e instruções da Ré (facto 6), só pode entender-se que esta concordava com essa prática, tanto mais que de acordo com o provado foi transversal a toda a relação contratual.
No que respeita ao facto 11, contrariamente ao que a Recorrente quer sugerir, dele não resulta de todo que a Autora “[..] contratava uma terceira pessoa para cuidar da Mãe da Ré nas horas de folga”, mas apenas que pagava directamente à terceira pessoa que a substituía na sua folga, com o dinheiro que lhe era entregue pela Ré. Para além disso, esse facto tem que ser conjugado com o que consta do ponto 10, onde está provado que “Nessas horas de folga a ré contratava uma terceira pessoa para cuidar da sua mãe”.
Em seguida, defende a recorrente que “A Autora obrigou-se, para com a Ré, a um determinado resultado: assegurar a prestação de cuidados à Mãe desta, seja directamente, seja através de outra pessoa por si (sub)contratada” e que a “Autora prestava as suas funções com autonomia e independência (como pode ver-se dos emails e facturas juntos com a” P.I.)”. Prossegue, na mesma linha, alegando que a “A natureza do contrato celebrado entre Autora e Ré como contrato de prestação de serviços resulta ainda da forma com a Autora se dirige à Ré nos emails juntos com a P.I.: com arrogância, utilizando maiúsculas (nas afirmações de que “não aceita” nem “permite” “rigorosamente” nenhuma alteração ao contrato), e sem o mínimo sinal de “subordinação jurídica”.
Esta construção não tem apoio nos factos provados, antes pelo contrário, faz tábua rasa deles, desde logo, dos já referidos pontos 6 e 10. O apelo às facturas e ao teor dos e-mails – documentos apresentados pela autora para prova das suas alegações, mormente da subordinação às ordens e instruções da Recorrente - é descabido, na medida em que não se encontram provados quaisquer factos que minimamente indicie que a autora “obrigou-se, para com a Ré, a um determinado resultado” ou que “prestava as suas funções com autonomia e independência”.
Na verdade, como refere o Tribunal a quo dos factos provados decorre - diga-se, até com exuberância - estarem “verificados os pressupostos da presunção de contrato de trabalho prevista pelo citado artigo 12º do Código do Trabalho, já que a autora exercia funções em local pertencente à ré e por esta determinado (art. 12º, nº 1, al. a) do Código do Trabalho), executando as tarefas contratadas em benefício da ré (art, 12º, nº 1 do Código do Trabalho), mediante o pagamento de uma quantia certa e periódica, como contrapartida da actividade exercida (art, 12º, nº 1, al. d) do Código do Trabalho) e utilizando instrumentos e equipamentos pertencentes à ré (art. 12º, nº 1, al. b) do Código do Trabalho)”.
Com efeito, nos termos estabelecidos no art.º 12.º do CT, presume-se a existência de um contrato de trabalho sempre que ocorram alguns dos indícios ali mencionados nas alíneas a) a e), cuja enunciação é meramente exemplificativa, sendo bastante que se verifiquem apenas dois desses indícios para que possa ser presumida a existência de um contrato de trabalho.
Não estabelecendo a norma qualquer proibição, a presunção legal aí contida é ilidível, como é de regra, significando isso que a qualificação laboral por efeito da presunção pode ser afastada [art.º 350.º n.º2, do CC], passando a recair sobre o empregador o encargo de provar a existência de uma situação de trabalho autónoma ou por conta própria, para afastar a presunção.
No caso, os factos permitem concluir pela demonstração de todos os indícios de laboralidade enunciados na sentença, mas como também bem ajuizou o Tribunal a quo “Tal presunção não foi por qualquer forma ilidida pela ré, pelo que, impõe-se o reconhecimento de que a autora esteve vinculada a ré por contrato de trabalho desde 1 de Setembro de 2014 até 19 de Junho de 2017, data em que produziu efeitos a comunicação da cessação do contrato efectuada pela ré”.
II.3.1 Numa segunda linha de argumentação, para o caso de não se entender pela alegada prestação de serviços, defende a Recorrente que “o contrato celebrado entre Autora e Ré para prestar cuidados à sua Mãe, pessoa idosa, é um contrato de serviço doméstico, caracterizado essencialmente pela inerência da prestação de trabalho à satisfação directa de necessidades pessoais de um agregado familiar ou equiparado, sujeito ao regime jurídico especial estabelecido no Decreto-Lei nº 235/92, de 24 de Outubro”.
No seu entender, os factos julgados provados sob os nºs 4, 5, 6, 7 e 8 demonstram que o tipo contratual é um contrato de serviço doméstico, a tempo inteiro, e com fornecimento de alojamento e alimentação, com o gozo de um dia de descanso semanal (artºs 2º, nº1, 7º, 15º do Decreto-Lei nº 235/92, de 24 de Outubro).
Contrapõe a recorrida autora que esta pretensão da recorrente está desprovida de fundamento “(..) uma vez que, desde logo, foi alegado na P.I. e não contestado, que a A. foi contratada para prestar cuidados única e exclusivamente à mãe da R. – [..] – e que a R. tinha outras empregadas que realizavam as tarefas domésticas. Acrescenta, ainda, que o trabalho por si prestado “[..] não se enquadrava as funções domésticas do agregado familiar, quer pelo tipo de trabalho desempenhado quer pelo conhecimento envolvido [..] (nomeadamente aos pequenos atos de enfermagem, às especificidades alimentares e à administração da variada medicação).
Mais refere, não ser verdade que “estava alojada em casa da R. nem que a retribuição acordada entre ambas contemplava a permanência da A. em casa da R (..); “(..) tinha a sua casa e a sua família, e tempo que permanecia ao serviço mantinha-se no mesmo quarto que a mãe da R., sempre ao seu lado”.
Para apreciação deste ponto, além dos factos invocados pela recorrente, relevam também os factos 2 e 3, cujas redacções foram alteradas nos termos acima mencionados. Assim, os factos a considerar são os seguintes:
[2] A ré, verbalmente, admitiu a autora ao seu serviço para, com efeitos a partir de 1 de Setembro de 2014, prestar cuidados à sua mãe, que padece de doença de Alzheimer, em casa da ré, mediante a retribuição mensal de € 1500,00, por seis dias de trabalho por semana, 8 horas por dias, com descanso semanal ao domingo.
3) A autora exercia a actividade seis dias por semana e obedecia a um horário de 24 horas diárias, tendo uma folga de 24 horas por semana, gozadas de forma intermitente conforme as suas necessidades.
4) No exercício daquela actividade a autora desempenhava as seguintes tarefas:
- acompanhamento da idosa à fisioterapia, centro de saúde e hospitais;
- administração de medicação;
- banho e higiene diária da idosa;
- tratamento de cabelo e unhas;
- tratamento da roupa da idosa;
- tratamento da alimentação da idosa;
- pequenos cuidados de enfermagem (pensos).
5) A autora exercia aquelas funções em casa da ré e de sua mãe, onde também residia permanentemente, pernoitando sempre no quarto ao lado da mãe da ré, dormindo perto dela, de quem cuidava.
6) A autora obedecia às ordens e instruções que a ré lhe dava e utilizava os equipamentos e instrumentos pertencentes à ré.
7) A autora apenas confecionava as refeições para a Sra. E… que, por razões de saúde, tinha algumas limitações e especialidades na comida.
8) A autora não tratava das roupas, limpeza e arrumo da casa, tarefas que eram desempenhadas por outras empregadas da ré.
Passemos à apreciação, para tanto cumprindo atender ao regime jurídico das relações de trabalho emergentes do contrato de serviço doméstico consta estabelecido no DL n.º 235/92, de 24 de Outubro (art.º 1.º).
Justifica o legislador, no preâmbulo do diploma, que “A circunstância de o trabalho doméstico ser prestado a agregados familiares, e, por isso, gerar relações profissionais com acentuado carácter pessoal que postulam um permanente clima de confiança, exige, a par da consideração da especificidade económica daqueles, que o seu regime se continue a configurar como especial em certas matérias”.
Contudo, por força do art.º 9.º do Código do Trabalho, em tudo o mais que não conste expressamente previsto neste regime especial, a esse tipo de contratos aplicam-se as regras gerais do Código do Trabalho que não sejam incompatíveis com a sua especificidade.
A definição do contrato de serviço doméstico é dada pelo art.º 2.º, dispondo o seguinte:
1 - Contrato de serviço doméstico é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a outrem, com carácter regular, sob a sua direcção e autoridade, actividades destinadas à satisfação das necessidades próprias ou específicas de um agregado familiar, ou equiparado, e dos respectivos membros, nomeadamente:
a) Confecção de refeições;
b) Lavagem e tratamento de roupas;
c) Limpeza e arrumo de casa;
d) Vigilância e assistência a crianças, pessoas idosas e doentes;
e) Tratamento de animais domésticos;
f) Execução de serviços de jardinagem;
g) Execução de serviços de costura;
h) Outras actividades consagradas pelos usos e costumes;
i) Coordenação e supervisão de tarefas do tipo das mencionadas neste número;
j) Execução de tarefas externas relacionadas com as anteriores.
2 – […]
3 – […]».
Atentos aqueles factos, decorrentes da própria alegação da recorrida, pode asseverar-se que a relação de trabalho subordinada já reconhecida se subsume à noção de contrato de serviço doméstico, em concreto, para satisfação das necessidades próprias ou específicas de vigilância e assistência a pessoa idosa e doente [n.º1, al. d)].
Com efeito, deles decorre que mediante o contrato celebrado, a autora obrigou-se perante a Ré, em contrapartida do pagamento de retribuição, a prestar cuidados à mãe desta, que é doente, com carácter de regularidade, sujeita às ordens e instruções da Ré, designadamente, os compreendidos nas tarefas enunciadas no facto 4 prestando essa actividade em casa delas, onde também residia permanentemente, pernoitando sempre no quarto ao lado da mãe da ré, dormindo perto dela, de quem cuidava.
Os argumentos contrapostos pela recorrida não têm a relevância que esta pretende. Por um lado, contrariamente à ideia subjacente a essa argumentação, para que uma relação de trabalho subordinado seja qualificável como contrato de serviço doméstico, não decorre do art.º 2.º a necessidade de prestação da actividade para satisfação das necessidades próprias ou específicas de todo o agregado familiar, sendo bastante que seja dirigida à satisfação de qualquer um ou algum dos erviços enunciados nas alíneas do n.º1. De resto, com o propósito de facilitar a interpretação do art.º 2.º, nomeadamente, para determinação do sentido e alcance da expressão “actividades destinadas à satisfação das necessidades próprias ou específicas de um agregado familiar”, o legislador cuidou de enunciar um conjunto de actividades, a título meramente exemplificativo, entre elas mencionando as situações dirigidas à “Vigilância e assistência a crianças, pessoas idosas e doentes” [al. l. d)].
É justamente o que ocorre no caso, ou seja, a recorrida foi contratada para prestar a sua actividade, realizando aquele conjunto de tarefas com o objectivo de assegurar as necessidades próprias de um membro do agregado familiar, em concreto, prestar cuidados à mãe da Ré, que será pessoa idosa e é doente, padecendo de doença de Alzheimer
É por isso irrelevante que a Ré tivesse outras empregas que tratavam das tarefas relacionadas com roupas, limpeza e arrumo da casa das roupas [facto 8].
Por outro lado, contrariamente à ideia que a A. pretende sugerir, as tarefas por si desempenhadas não exigem especiais competências, muito menos de enfermagem, que afastem a qualificação em causa, pelo facto de confecionar as refeições para a mãe da Ré “que, por razões de saúde, tinha algumas limitações e especialidades na comida” [facto 7], ou de lhe administrar medicação e fazer pensos [facto 4].
A A. não alegou que medicação administrava à mãe da Ré, nem que tipo de pensos fazia, não podendo assumir-se estar-se para além da mera gestão da toma de medicamentos diária e a hora certa, bem assim de fazer pensos simples, tarefas ao alcance de qualquer pessoa de normal diligência. De resto, não está sequer provado que a autora seja titular de qualificações que a habilitassem a realizar tarefas que implicassem graus de exigência mais elevados e exigissem qualificação técnica adequada para a sua execução.
Por conseguinte, quanto a este primeiro ponto cumpre reconhecer razão à recorrente, devendo considerar-se que a relação contratual em causa se enquadra no regime jurídico das relações de trabalho emergentes do contrato de serviço doméstico.
Esta conclusão permite já assinalar que, como regra, nos termos do 15.º, [n.º1] “O trabalhador não alojado a tempo inteiro e o trabalhador alojado têm direito, sem prejuízo da retribuição, ao gozo de um dia de descanso semanal”, o qual [n.º3] “(..) deve coincidir com o domingo, podendo recair em outro dia da semana, quando motivos sérios e não regulares da vida do agregado familiar o justifiquem”.
Coloca-se agora a questão de saber se estamos perante um contrato de serviço doméstico, a tempo inteiro, e com fornecimento de alojamento e alimentação, com o gozo de um dia de descanso semanal.
Dispõe o art.º 7.º, do DL 235/92, com a epígrafe “Modalidades”, o seguinte:
1 - O contrato de serviço doméstico pode ser celebrado com ou sem alojamento e com ou sem alimentação.
2 - Entende-se por alojado, para os efeitos deste diploma, o trabalhador doméstico cuja retribuição em espécie compreenda a prestação de alojamento ou de alojamento e alimentação.
3 - O contrato de serviço doméstico pode ser celebrado a tempo inteiro ou a tempo parcial.
Retira-se deste artigo que o contrato de serviço doméstico pode assumir duas modalidades distintas, consoante seja celebrado “com ou sem alojamento e com ou sem alimentação” [n.º 1].
Para se saber qual dos regimes é aplicável há que atentar no n.º2, do art.º 7.º, de onde decorre que se entende “por alojado”, o trabalhador contratado para prestar serviço doméstico cuja retribuição acordada compreenda uma prestação em espécie de alojamento ou de alojamento e de alimentação.
Os distintos regimes reflectem-se em várias matérias, prevendo o DL 235/92 regras diferentes relativamente ao contrato de trabalho doméstico com alojamento e/ou alimentação, designadamente, quanto à retribuição – art.ºs 9.º/2 e 17.º/2 -, duração e organização do tempo de trabalho – art.ºs 13.º/2, 14.º/1 e 2, 15.º/1 e 24.º/1 – e cessação do contrato – art.ºs 8.º 1 e 28.º/4.
No que aqui releva, reportando-se ao contrato de trabalho doméstico com alojamento e/ou alimentação, elucida o STJ em acórdão de 21-03-2012 [Proc.º 1298/08, Conselheiro Sampaio Gomes, CJSTJ -2012, I, p. 266-273], “ Ou seja, o trabalhador para além de exercer funções na habitação do agregado familiar que assiste, passa a residir no mesmo, aí fazendo os seus períodos de descanso e tomando as refeições”.
É esse o regime que a recorrente pretende seja aplicável, para defender [conclusões EE a LL], que nos feriados em que prestou trabalho a Autora tem direito à retribuição equivalente à auferida por um dia normal de trabalho e não a “trabalho suplementar”, com um acréscimo remuneratório (artº 24º, nº1 do DL nº 235/92, de 24 de Outubro). Alega, que a Autora obrigou-se a um “período de permanência” em casa da Ré, que não corresponde, nem coincide com o período normal de trabalho, não prestando trabalho efectivo durante todo o tempo em que estava em casa da Ré e da Mãe, desde logo porque ali fazia todas as refeições e dormia lá.
Alega, ainda, que “a Autora dispunha de alojamento e dormia durante o período em que estava presente em casa da Ré, mas não prestava trabalho efectivo 24 horas por dia; tinha direito a gozar de intervalos para refeições e descanso e gozava ainda de repouso nocturno, sem prejuízo da necessária assistência à Mãe da Ré (artº 14º do DL nº 235/92), que, aliás, não alegou que tenha ocorrido em momento algum”.
Contrapõe a recorrida Autora, no essencial, não ser verdade que estava alojada em casa da R, nem que a retribuição acordada entre ambas contemplava a sua permanência em casa da R, tinha a sua casa e a sua família, e o tempo que permanecia ao serviço mantinha-se no mesmo quarto que a mãe da R., sempre ao seu lado. Mais refere, que o tempo que permanecia ao serviço mantinha-se no mesmo quarto que a mãe da R., sempre ao seu lado não tendo a sua privacidade nem os seus momentos de lazer, não podendo a R. afirmar que estava lá alojada.
Resultou provado, conforme alegado pela Autora, que foi contratada para prestar cuidados à mãe da Ré, em casa de ambas, “(..) por seis dias de trabalho por semana, 8 horas por dia, com descanso semanal ao domingo” [facto 2], bem assim que “obedecia a um horário de 24 horas diárias, tendo uma folga de 24 horas por semana, gozadas de forma intermitente conforme as suas necessidades” e, ainda, “que exercia aquelas funções em casa da ré e de sua mãe, onde também residia permanentemente, pernoitando sempre no quarto ao lado da mãe da ré, dormindo perto dela, de quem cuidava”
Ou seja, decorre destes factos que Autora e Ré acordaram a prestação de trabalho seis dias por semana, 8 horas por dia, com descanso semanal ao domingo, a ser realizada mediante a execução das tarefas referidas no facto 4, em casa da ré e de sua mãe; e, concomitantemente, que residiria ali permanentemente, obedecendo a um horário de 24 horas diárias, pernoitando sempre no quarto ao lado da mãe da ré, dormindo perto dela, de quem cuidava.
Retira-se também desses factos alegados pela autora e provados, que esse acordo contratual, abrangendo todos esses aspectos, foi firmado inicialmente, ou seja, logo à partida ficou acordado entre as partes os dias e horas de trabalho efectivo, a retribuição pecuniária paga em contrapartida, mas também que a A. residiria em permanência na habitação da Ré e de sua mãe, pernoitando no quarto ao lado desta e dormindo perto dela, daí resultando o dever de obediência a um horário de 24 horas, que na parte excedente às 8 horas diárias de trabalho acordadas se traduz em disponibilidade para dela cuidar.
Para além disso, embora tal não tenha sido alegado pela autora, em termos lógicos, se esta tinha o dever de obediência a um horário de 24 horas, residindo em permanência na habitação da Ré e de sua mãe, tal significa necessariamente que tomava as refeições diárias no agregado familiar da Ré e de sua mãe. Note-se que a A. também não alegou que suportasse, de algum modo, os custos da sua alimentação.
Argumenta a autora não ser verdade que estava alojada em casa da R, nem que a retribuição acordada entre ambas contemplava a sua permanência em casa da R, referindo que tinha a sua casa e a sua família. Porém, esta afirmação final não deve ser considerada, dado que não foi alegada e não consta provada.
Quanto à primeira parte daquela alegação, não pode a A. dizer que não estava alojada, quando na celebração do contrato foi acordado - e por si aceite e cumprido ao longo da sua duração – que residia em permanência em casa da Ré e de sua mãe, 24 horas por dia, consecutivamente, excepto no dia de descanso acordado. É certo que não foi alegado e, logo, não consta do elenco da matéria provada, que a retribuição acordada entre ambas contemplava a sua permanência em casa da R, mas também não o é menos, vistas as coisas objectivamente, que a autora beneficiava de alojamento e alimentação.
É verdade que o facto da autora pernoitar na casa da Ré e de sua mãe assegurava que esta estivesse disponível para cuidar desta última, indo ao encontro do interesse da contratante Ré. Porém, o trato inicial, abrangendo todos os aspectos que se referiram, foi aceite pela autora nesses termos, não alegando esta que tivesse sido acordada qualquer outra contrapartida para o facto de assegurar a sua disponibilidade para além das 8 horas diárias, residindo em permanência na casa da R e de sua mãe ali pernoitando, o que em termos lógicos faria sentido se o alojamento e a alimentação não fossem também uma contrapartida da prestação da actividade nos termos acordados.
Para além disso, como se referiu, objectivamente há uma vantagem com expressão económica para a autora, pois a não ser assim sempre teria que suportar os custos de alojamento e alimentação.
Cremos, pois, não ser defensável, por contrariar a lógica e as regras da experiência, que o alojamento e alimentação não devam ser considerados como uma componente da retribuição, ou seja, uma parte da contrapartida da prestação da actividade, aqui assegurada em espécie.
Assim sendo, afigura-se-nos ser de concluir que o contrato de serviço doméstico já reconhecido, deve ser considerado na modalidade de trabalhador alojado e a tempo inteiro [art.º 7.ºdo DL 235/92].
Procede, pois, esta linha de argumentação da recorrente.
II.3.2 No pressuposto de ver atendida essa posição, sustenta a recorrente que sendo o período normal de trabalho semanal para os trabalhadores do serviço doméstico de 44 horas, para efeitos de cálculo do período normal de trabalho semanal para os trabalhadores alojados só podem ser considerados os tempos de trabalho efectivo (artº 13º do DL nº 235/92, de 24 de Outubro).
Nessa consideração defende que a A. não ultrapassou aquele limite e nem sequer alegou a efectiva execução de tarefas no período que excedia as 8 horas diárias para que disse ter sido contratada, nem alegou também uma “disponibilidade permanente”. A A. não especificou os concretos períodos de tempo prestados em execução efectiva da sua actividade para além dos limites diário e semanal legalmente estabelecidos, sendo que tinha o dever de descriminar, um a um, os dias e as horas em que o alegado trabalho suplementar foi prestado, tendo-se limitado, “de uma forma fácil, vaga e conclusiva a afirmar que trabalhou X dias úteis em cada ano (durante 24 horas!), sem individualizar ou concretizar os dias e horas em que tal trabalho foi prestado. Não alegou, assim, factos suficientes para poder vir a demonstrar a prestação de trabalho suplementar, (..)”.E, além disso, que reclama trabalho prestado para além de 40 horas semanais, quando deveriam ser 44 horas por o seu contrato ser de serviço doméstico.
Na fundamentação do Tribunal a quo, no que a esta questão concerne - mas devendo ter-se presente que não qualificou a relação de trabalho subordinado como contrato de serviço doméstico -, dela constando o seguinte:
[..]
A autora reclama da ré o pagamento de trabalho suplementar prestado nos dias úteis, sábados e feriados desde 2014 a 2017.
Ficou provado que a autora foi admitida para desempenhar funções seis dias por semana, oito horas por dia, o que perfaz um período semanal de trabalho de 48h semanais, superior ao limite legalmente previsto de 40 horas semanais (art. 203º, nº 1 do Código do Trabalho).
Por outro lado, ficou provado que a autora trabalhava, afinal, 24 horas por dia, excedendo manifestamente o horário contratado de 8 horas diárias. De referir que, releva para os efeitos em causa nos autos que a autora pernoitava em casa da ré, no quarto ao lado da mãe desta, pelo que, se mantinha na disponibilidade da ré, em local pertencente a esta. Veja-se a este respeito o Ac. STJ de 19/11/2008, acessível em www.dgsi.pt em cujo sumário se pode ler “O direito comunitário, como o nosso direito interno, dividem o tempo de cada trabalhador por conta de outrem, em duas grandes categorias dicotómicas: tempo de trabalho e tempo de descanso. II – O tempo de trabalho corresponde ao período em que o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade empregadora e no exercício da sua actividade ou das suas funções; o tempo de descanso obtém-se por exclusão, de onde decorre que o respectivo conceito pressupõe a prévia e necessária integração da primeira modalidade (tempo de trabalho). III – A disponibilidade relevante, para efeitos da sua qualificação como tempo de trabalho, pressupõe que o trabalhador permaneça no seu local de trabalho. IV – Assim, se o trabalhador permanece no seu local de trabalho e se encontra disponível para trabalhar, esse período de tempo deve considerar-se como tempo de trabalho; se o trabalhador permanece disponível ou acessível para trabalhar, mas fora do seu local de trabalho ou do local controlado pelo empregador (por exemplo, no seu domicílio), esse período de tempo deve considerar-se como tempo de repouso”.
Assim, todo o trabalho prestado pela autora para além das 8 horas diárias e das 40 horas semanais, bem como aos feriados, terá de ser considerado como trabalho suplementar (art. 226º, nº 1 do Código do Trabalho) e como tal deve ser remunerado (art. 268º, nº 1 e 2 do Código do Trabalho), com o acréscimo de 25% na primeira hora, com o acréscimo de 37,5% nas horas subsequentes e com acréscimo de 50% por cada hora em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar ou em feriado.
Com vista a determinar a quantia que a autora tem direito a haver da ré a título de retribuição de trabalho suplementar importa, pois, apurar qual a sua retribuição horária, nos termos do art. 271º do Código do Trabalho.
Do ponto de vista do tribunal tal retribuição horária deveria ser de € 8,65 [(€ 1.500,00 x 12 meses) : (40 horas x 52 semanas)]. Contudo, verifica-se que a autora peticiona a retribuição de trabalho suplementar com base numa retribuição horária de € 7,21 [(€ 1.500,00 x 12 meses) : 48 horas x 52)].
Ota, tendo ficado provadas todas as horas de trabalho suplementar reclamado, sob pena de o tribunal exceder o limite imposto pelo art. 609º, nº 1 do Código de Processo Civil, será o valor horário de € 7,21 que servirá de ase de cálculo às retribuições devidas a título de trabalho suplementar.
Assim, ficou demonstrado que no ano de 2014 a autora trabalhou durante 24 horas, em 83 dias úteis e 14 sábados, bem como em 2 feriados. A respeito dos feriados importa considerar que dos quatro reclamados apenas foram feriados (08/12 e 25/12) já que, como referido supra, por aplicação da Lei 47/2012 de 29/08, naquele ano os dias 1/11 e 1/12 não foram feriado.
Nestes pressupostos a 1ª hora de trabalho suplementar em dia útil e aos sábados (relativamente a estes não se apurou que tivessem sido convencionados como dia de descanso complementar) deverá ser remunerada à razão de € 9,01 (€ 7,21 + 25%), as horas subsequentes deverão ser remuneradas à razão de € 9,91 (€ 7,21 + 37,5%) e as horas de trabalho nos feriados deverão ser remuneradas á razão de € 10,82 (€ 7,21 + 50%).
Por isso, no ano de 2014 a autora prestou trabalho suplementar em 97 1ª horas (83 em dia útil e 14 ao sábado), 1 455 horas em horas subsequentes (15 horas diárias x 97 dias) e 32 horas em feriados (16 horas x 2 feriados), o que lhe confere o direito à quantia de € 15.293,02 [(€ 9,01 x 97 horas) + (€ 9,91x 1455 horas)] referente ao trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados e à quantia de € 345,92 (€ 10,81 x 32 horas) referente ao trabalho prestado nos feriados.
No ano de 2015 a autora prestou trabalho suplementar em 302 1ª horas (252 em dia útil e 50 ao sábado), 4. 530 horas em horas subsequentes (15 horas diárias x 302 dias) e 128 horas em feriados (16 horas x 8 feriados), o que lhe confere o direito à quantia de € 47.613,32 [(€ 9,01 x 302 horas) + (€ 9,91 x 4530 horas)] referente ao trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados e à quantia de € 1 383,68 (€ 10,81 x 128 horas) referente ao trabalho prestado nos feriados.
No ano de 2016 a autora prestou trabalho suplementar em 304 1ª horas (251 em dia útil e 53 ao sábado), 4 560 horas em horas subsequentes (15 horas diárias x 304 dias) e 160 horas em feriados (16 horas x 10 feriados), o que lhe confere o direito à quantia de € 47.918,54 [(€ 9,01 x 304 horas) + (€ 9,91 x 4560 horas)] referente ao trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados e à quantia de € 1 729,60 (€ 10,81 x 160 horas) referente ao trabalho prestado nos feriados.
No ano de 2017 a autora prestou trabalho suplementar em 141 1ª horas (117 em dia útil e 24 ao sábado), 2 115 horas em horas subsequentes (15 horas diárias x 141 dias) e 80 horas em feriados (16 horas x 5 feriados), o que lhe confere o direito à quantia de € 22.230,06 [(€ 9,01 x 141 horas) + (€ 9,91 x 2115 horas)] referente ao trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados e à quantia de € 864,80 (€ 10,81 x 80 horas) referente ao trabalho prestado nos feriados.
[..]».
Vejamos se assiste razão à recorrente, para tanto importando começar por atentar no art.º 13.º do DL 235/92, com a epígrafe “Duração do trabalho”, estabelece o seguinte:
1 - O período normal de trabalho semanal não pode ser superior a quarenta e quatro horas.
2 - No caso dos trabalhadores alojados apenas são considerados, para efeitos do número anterior, os tempos de trabalho efectivo.
3 - A organização dos intervalos para refeições e descanso é estabelecida por acordo ou, na falta deste, fixada pelo empregador dentro dos períodos consagrados para o efeito pelos usos.
Como se retira com clareza das normas transcritas, o número 1 aplica-se a qualquer dos regimes previstos no diploma, ou seja, quer a trabalhadores de serviço doméstico “não alojados”, quer aos alojados, enquanto o n.º 2 apenas se aplica aos trabalhadores alojados.
Para melhor se perceber a diferenciação de regimes, releva ainda atentar no art.º 14.º, com a epígrafe “Intervalos para refeições e descanso”, que como logo se perceberá tem aplicação apenas às situações de “trabalhador alojado”, dispondo, no que aqui agora releva, o seguinte:
1 - O trabalhador alojado tem direito, em cada dia, a gozar de intervalos para refeições e descanso, sem prejuízo das funções de vigilância e assistência a prestar ao agregado familiar.
2 - O trabalhador alojado tem direito a um repouso nocturno de, pelo menos, oito horas consecutivas, que não deve ser interrompido, salvo por motivos graves, imprevistos ou de força maior, ou quando tenha sido contratado para assistir a doentes ou crianças até aos 3 anos.
A propósito destes normativos, no citado acórdão de 21-03-2012, do STJ, observa-se o seguinte:
Decorre das citadas normas legais que o legislador teve a preocupação de definir expressamente o tempo de trabalho e o tempo de descaso do trabalhador alojado atendendo às particulares condições em que presta a sua actividade – habita no local onde trabalha e por isso ai permanece parte do dia. E no que respeita ao tempo de trabalho, e pelas mesmas razões, considerou que só o tempo efectivo de trabalho conta para efeitos do cálculo do período normal de trabalho semanal. [..]».
Subscreve-se este entendimento, o que vale por dizer que no caso em apreço, tendo-se concluído estar-se perante uma situação de contrato de serviço doméstico de trabalhadora alojada, haverá que atentar no regime específico estabelecido no n.º2, do art.º 13.º e nos n.ºs 1, 2 e 3, do art.º 14.º, imediatamente acima transcritos.
Estabelecendo o n.º1, do art.º 13.º, que “O período normal de trabalho semanal não pode ser superior a quarenta e quatro horas”, quanto a esse limite não é aplicável a segunda parte do n.º1 do art.º 203.º do CT, nos termos do qual “O período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia e quarenta horas por semana”. Mas diversamente ocorre quanto à primeira parte, na medida em que aquele diploma já não contém previsão no que concerne ao limite de horas diário do período normal de trabalho.
Por outro lado, nos termos do n.º2, do art.º 13.º, o que releva para este efeito são os tempos de trabalho efectivo.
Assim sendo, deve concluir-se que à Autora aplicavam-se os períodos normais de trabalho efectivo semanal e diário, respectivamente, de quarenta e quatro horas e oito horas.
Recorde-se estar provado que a autora foi contratada para prestar cuidados à mãe da Ré “[..] mediante a retribuição mensal de € 1500,00, por seis dias de trabalho por semana, 8 horas por dias, com descanso semanal ao domingo”.
Na perspectiva da recorrente, a Autora não especificou os concretos períodos de tempo prestados em execução efectiva da sua actividade para além dos limites diário e semanal legalmente estabelecido, não sendo por isso devido o pagamento de trabalho suplementar por falta de alegação e prova dos necessários factos concretizadores dessa prestação.
É certo que a autora não concretizou se além do período diário de oito horas, desempenhava diariamente, ou tal verificou-se em determinados dias, alguma das tarefas que integram o conjunto daquelas que alegou e constam provadas que executava, nomeadamente, as seguintes: acompanhamento da idosa à fisioterapia, centro de saúde e hospitais; administração de medicação; banho e higiene diária da idosa; tratamento de cabelo e unhas; tratamento da roupa da idosa; tratamento da alimentação da idosa; pequenos cuidados de enfermagem (pensos); e, confecção de refeições para a mãe da Ré.
Contudo, do que está provado resulta que o período de trabalho efectivo semanal acordado excede o estabelecido na lei, visto que 6 dias à razão de 8 horas diárias totaliza 48 horas, ou seja, ultrapassando em 4 horas semana o limite de 44 horas fixado nos ternos do n.º1, do art.º 13.º. Como adiante melhor veremos, nos termos do art.º 226.º/1 do CT, a autora tem direito ao pagamento dessas horas como trabalho suplementar.
Quanto às demais horas, ou seja, as que vão para além das 8 horas diárias de trabalho até às 24 horas diárias que a autora se obrigou a assegurar, concordando com a recorrente, a autora não concretizou se desempenhava diariamente alguma das tarefas integram o conjunto daquelas que alegou e constam provadas que executava, ou se tal ocorreu em determinados dias. Apenas decorre do alegado e provado que permanecia 24 horas na residência da Ré e de sua mãe, pernoitando sempre no quarto ao lado desta, dormindo perto dela, de quem cuidava.
Contrapõe a Autora que estava disponível a qualquer hora para assistir a mãe da Ré, mais referindo que padecendo esta da doença de Alzheimer, há “Motivos suficientes para se aferir que a A. tinha os seus momentos de descanso interrompidos diversas vezes, sem discriminação nem previsão de horário”. Mais alega, que por permanecer 24 horas junto à mãe da R., não adquiriu nesse tempo o domínio absoluto e livre da gestão da sua vida privada, abdicando de estar em sua casa, junto dos seus familiares e dos seus pertences, privada do seu tempo de descanso e do seu tempo de lazer.
Significa isso, que o fulcro da questão não é o cumprimento efectivo de trabalho para além daqueles limites de período normal de trabalho diário e semanal, que a autora não alegou, mas antes a sujeição a um horário que os ultrapassa, ou seja, em que releva a disponibilidade contínua, durante 24 horas, seis dias por semana. De resto, a Ré tem essa noção, por isso vindo dizer que a autora «nem alegou também uma “disponibilidade permanente”» [conclusão LL].
O art.º 197.º do CT, com a epígrafe “Tempo de trabalho”, estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
1 - Considera-se tempo de trabalho qualquer período durante o qual o trabalhador exerce a actividade ou permanece adstrito à realização da prestação, bem como as interrupções e os intervalos previstos no número seguinte.
2 - Consideram-se compreendidos no tempo de trabalho:
[..]
d) O intervalo para refeição em que o trabalhador tenha de permanecer no espaço habitual de trabalho ou próximo dele, para poder ser chamado a prestar trabalho normal em caso de necessidade;
[..]».
Recorrendo mais uma vez ao acórdão do STJ de 21-3-2012, a propósito desta regra - que no Código do Trabalho de 2003 constava do artigo 155.º -, na respeciva fundamentação refere-se o seguinte
-«[..]
Importa aqui citar a posição de Francisco Liberal Fernandes a respeito do art.º 155.º do CT/2003: (..) “a noção consagrada no art. 155.º compreende dois módulos temporais diferentes: o tempo de trabalho efectivo e os períodos de inactividade equiparados a tempo de trabalho por lei ou por instrumento de regulamentação colectiva. Por sua vez, o tempo de trabalho efectivo é definido por meio de dois critérios: o do desempenho da prestação – que compreende o período durante o qual o trabalhador executa efectivamente a sua actividade – e o critério da disponibilidade para o trabalho – que engloba os períodos em que embora em situação de inactividade, o trabalhador permanece adstrito ao cumprimento da respectiva prestação laboral e, portanto, sob a autoridade da entidade patronal. Se a determinação do tempo de trabalho efectivo não apresenta dificuldades do ponto de vista jurídico, dada a identidade existente entre o conceito legal e a realidade empírica, já quanto à aferição do critério da disponibilidade para trabalhar poderão surgir alguns problemas de qualificação. O trabalhador permanece adstrito ao exercício da sua actividade quando não desfruta de um estatuto (legal ou convencional) de indisponibilidade para trabalhar: não obstante verificar-se uma situação de inactividade por facto não imputável ao trabalhador, há disponibilidade para o trabalho sempre que, a todo o tempo, se mantém a obrigação de aquele se conformar com as ordens que sejam emanadas da entidade patronal. Segundo o critério da disponibilidade enunciado, considera-se tempo de trabalho o período em que o trabalhador fica obrigado a estar presente no seu posto de trabalho ou a estar, de modo permanente, à disposição do empregador”. E refere que (..) “é e concluir que a formulação adoptada pelo legislador compreende também o período em que o trabalhador está à disposição do empregado em regime de localização ou prevenção” Questões Laborais, ano 2006, n.º 27, páginas 136/137”.
A talhe de foice, refira-se que aquele citado autor, reafirmando aquele entendimento numa outra intervenção, subordinada ao título “Tempo de Trabalho e Tempo de Descanso” [Tempo de Trabalho e Tempos de não Trabalho, O Regime Nacional do Tempo de Trabalho à luz do Direito Europeu e Internacional – Estudos APODIT 4 – Reimpressão, AAFDL – 2018, p. 15], defende que “(..) no actual quadro normativo, é de considerar tempo de trabalho o período em que o trabalhador se mantém, de modo permanente, à disposição do empregador, seja no seu posto de trabalho ou noutro local indicado pela entidade patronal (ou escolhido pelo trabalhador, se for esse o caso). Dada a dicotomia tempo de trabalho/tempo de descanso, o legislador exclui qualquer outra qualificação intermédia ou específica (tertium non datur)…”. Mais adiante, agora reportando-se ao art.º 199.º, onde se dispõe que “Entende-se por período de descanso o que não seja tempo de trabalho”, prossegue, assinalando que «Tal como acontece no art.º 2.º, n.º2, da Directiva n.º 2003/99 (que define tempo de descanso como “qualquer período que não seja de trabalho”), também o CT concebe a noção de tempo de descanso por contraposição a tempo de trabalho, o que significa que não estão previstas categorias intermédias ou mistas”.
Também pronunciando-se sobre esta temática, João Zenha Martins, em intervenção com o título “Tempo de Trabalho e Tempo de Repouso: Qualificação e Delimitação de Conceitos” [Tempo de Trabalho e Tempos de não Trabalho, O Regime Nacional do Tempo de Trabalho à luz do Direito Europeu e Internacional – Estudos APODIT 4 – Reimpressão, AAFDL – 2018, p. 67], conclui o seguinte:
Tratando-se de um momento exegeticamente angular, a relação lógica entre o artigo 197.º e o artigo 199.º do CT operará, assim, em metalepse: se o trabalhador, em razão de um contrato de trabalho, não tiver a possibilidade de gerir de forma livre a sua vida privada então está adstrito à realização da prestação. Essa desadstrição apenas se verifica quando o trabalhador retoma a absolutidade desse domínio. Logo, a não verificação da possibilidade de gestão livre da sua vida por razões conexas com a situação laboral faz presumir que esse tempo não é de descanso. E, num sistema binário, o que não é tempo de descanso, será, necessariamente, tempo de trabalho. Sendo a partir da exclusão que se logra recortar a inclusão, o conceito de tempo de trabalho só é, por isso, nitidamente delimitável depois de se encontrar estabelecido o sentido do artigo 199.º do CT».
Um último olhar sobre a doutrina a propósito desta temática, agora pela palavra de António Monteiro Fernandes, que na intervenção subordinada ao tema “Notas Sobre o Regime do Trabalho Suplementar” [Tempo de Trabalho e Tempos de não Trabalho, O Regime Nacional do Tempo de Trabalho à luz do Direito Europeu e Internacional – Estudos APODIT 4 – Reimpressão, AAFDL – 2018, p. 157/159], observa o seguinte:
O aspecto crucial da noção de trabalho suplementar – que envolve não só consequências económicas, mas também condicionamentos regulamentares – reside na própria definição de tempo de trabalho. [..]
A noção de “tempo de trabalho está, como se sabe, legalmente estabelecida no art. 197º do CT: trata-se, em primeiro lugar de “qualquer período durante o qual o trabalhador exerce a actividade ou permanece adstrito à realização da prestação”; e, para além disso, de certas “interrupções” ou “intervalos” que são englobados por equivalência. O cerne da noção legal encontra-se na primeira parte: exercício da actividade ou adstrição à sua realização.
[..]
Na raiz dessa definição da nossa lei encontra-se uma formulação constante, por último, na Directiva 2003/88/CE, de 4 novembro, que é menos sucinta, mas nem por isso menos problemátiva. No entanto, ela tem que servir – em si mesma e nos desenvolvimentos interpretativos realizados pelo Tribunal de Justiça – como chave de leitura da noção oferecida pelo legislador português.
Recordemos a definição de “tempo de trabalho” desenhada na Directiva: “qualquer período durante o qual o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade patronal e no exercício da sua actividade e das suas funções, de acordo com a legislação e/ou a prática nacional” (art. 2º/1).
A esta luz, a adstrição à realização da prestação deve ser lida como equivalente à ideia de disponibilidade do trabalhador, ainda que inactivo, para ocorrer a qualquer necessidade dos sues serviços. Repare-se, contudo, no facto de que esta equivalência é perturbada pela copulativa que, na definição europeia, une o “estar à disposição” e o “exercício de actividade ou de funções”, excluindo aparentemente, a hipótese de inactividade do trabalhador.
[..]
há que não perder de vista duas considerações: em primeiro lugar, que nem a Directiva citada nem o art. 197 do CT cingem o tempo de trabalho ao local de trabalho; depois, que não está aqui em jogo apenas o direito (constitucionalmente consagrado) ao repouso ou descanso, no sentido de recuperação de energias, mas também, em paralelo, o direito (também constitucional) ao lazer, isto é, ao tempo livre, ou seja, à plena auto-disponibilidade pessoal do trabalhador.
[..]
Tenha-se presente, com efeito, que a jurisprudência do TJUE é constante no sentido de reconhecer uma evidência que a nossa lei também reflecte: a de que as noções de tempo de trabalho e de tempo de descanso se excluem mutuamente, não cabendo no regime geral nenhum tertium genus. Ora, como foi já sustentado pelo Prof. ZENHA MARTINS, essa lógica binária parece insuficiente para enquadrar devidamente todas as situações reais. A própria jurisprudência di TJUE o evidencia. Há tempo de disponibilidade que não é, verdadeiramente, tempo de trabalho, mas muito menos é tempo de descanso. Tais situações merecem tratamento próprio.
[..]».
Revertendo ao caso, está provado o seguinte:
- A autora foi contratada “mediante a retribuição mensal de € 1.500,00, por seis dias de trabalho por semana, 8 horas por dias, com descanso semanal ao domingo” [facto 2];
- A autora exercia a actividade seis dias por semana e obedecia a um horário de 24 horas diárias, tendo uma folga de 24 horas por semana, gozadas de forma intermitente conforme as suas necessidades” [facto 3]
- “A autora exercia aquelas funções em casa da ré e de sua mãe, onde também residia permanentemente, pernoitando sempre no quarto ao lado da mãe da ré, dormindo perto dela, de quem cuidava” [facto 5].
Em face destes factos pode afirmar-se, com segurança, que a autora, ainda que não desempenhasse efectivamente as tarefas ou parte delas para além das 8 horas diárias do horário acordado, tinha que estar disponível 24 horas por dia - obedecia a um horário de 24 horas -, dia após dia, com excepção do domingo, em casa da ré e de sua mãe, onde também residia permanentemente, para acudir a qualquer necessidade que surgisse para cuidar daquela última, para o efeito, inclusive, pernoitando sempre no quarto dela, perto dela, o que pressupõe, como bem se vê, estar vigilante à ocorrência de qualquer situação que demandasse a sua intervenção.
É certo que ao longo das 24 horas de cada dia a autora, necessariamente, tomaria as suas refeições, teria períodos em que estaria mais liberta das tarefas que lhe competia realizar e, naturalmente, dormiria. No entanto, não o é menos que durante todo essas horas estava sempre sujeita ao eventual cumprimento de qualquer tarefa e cingida à residência da Ré e de sua mãe, disponível e vigilante, o que em contraponto se traduzia numa clara compressão da sua disponibilidade pessoal, que só era recuperada nas 24 horas de folga semanais, gozadas de forma intermitente conforme as suas necessidades.
Neste quadro, caso fosse aplicável o regime do art.º 197.º, do CT, cremos que seria de concluir que todas as 24 horas de cada dia, dia após dia, em que autora estava disponível, na habitação da Ré e de sua mãe, para assegurar o acompanhamento que fosse necessário para cuidar daquela, seria de considerar tempo de trabalho.
Acontece, como ficou acima dito, ter-se concluído que a relação contratual em presença deve ser qualificada como contrato de prestação de serviço doméstico de trabalhadora alojada, a tempo inteiro, logo, sendo aplicável o regime específico estabelecido no n.º2, do art.º 13.º e nos n.ºs 1, 2 e 3, do art.º 14.º.
Nos termos do n.º1, desse último artigo, a autora tinha o direito a gozar intervalos para refeições e descanso, sem prejuízo das funções de vigilância e assistência a prestar ao agregado familiar. E, conforme estabelecido no n.º3, do mesmo artigo, a organização dos intervalos para refeições e descanso é estabelecida por acordo ou, na falta deste, fixada pelo empregador dentro dos períodos consagrados para o efeito pelos usos.
Não tendo a autora sequer alegado, logo, não estando provado, que tenha havido qualquer violação desse direito ao longo de toda a relação contratual, por esta via não lhe assiste o direito a qualquer crédito. De resto, nem tão puco foi reclamado e pedido.
Por seu turno, de acordo com o disposto no n.º2, do mesmo artigo, a autora tinha direito “a um repouso nocturno de, pelo menos, oito horas consecutivas, que não dev[ia]ser interrompido, salvo por motivos graves, imprevistos ou de força maior, ou quando tenha sido contratado para assistir a doentes (..).
Vale isto por dizer, que ainda que a autora tivesse “os seus momentos de descanso interrompidos diversas vezes, sem discriminação nem previsão de horário”, pelo facto da mãe da Ré sofrer de doença de Alzheimer – o que nem alegou em termos concretos na acção – sempre essas interrupções estariam a coberto da previsão desta norma, visto foi contratada para cuidar de pessoa doente.
Nos termos do art.º 226.º/1 do CT, considera-se trabalho suplementar o prestado fora do horário de trabalho.
Ora, pese embora a disponibilidade da autora para assegurar o acompanhamento que fosse necessário para cuidar da mãe da Ré para além das 8 horas de trabalho efectivo, face ao disposto no n.º2, do art.º 14.º do DL 235/92, está arredada a qualificação como tempo de trabalho das horas excedentes para além daquelas, ou seja, não pode concluir-se que esse tempo de disponibilidade deva considerar-se como prestação de trabalho suplementar.
Aqui chegados, cabe relembrar que a autora foi contratada “mediante a retribuição mensal de € 1500,00, por seis dias de trabalho por semana, 8 horas por dias, com descanso semanal ao domingo”, o que se traduz num período semanal de 48 horas, para além do limite de 44 horas definido no art.º 13.º/1 do DL 253/92, logo inválido.
Por conseguinte, o direito da autora a ser paga pela prestação de trabalho suplementar só se verifica relativamente às 4 horas de trabalho semanais que sistematicamente excederam aquele limite do período de trabalho semanal.
Defende também a recorrente que, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, nos feriados em que prestou trabalho a Autora tem direito à retribuição equivalente à auferida por um dia normal de trabalho e não a “trabalho suplementar” com um acréscimo remuneratório (artº 24º, nº1 do DL nº 235/92, de 24 de Outubro)
Estabelece o art.º 24.º, na parte que aqui interessa, o seguinte:
1 - O trabalhador alojado e o não alojado a tempo inteiro têm direito, sem prejuízo da retribuição, ao gozo dos feriados obrigatórios previstos no regime geral do contrato individual de trabalho.
2 - Com o acordo do trabalhador pode haver prestação de trabalho de duração normal nos feriados obrigatórios, que deve ser compensado com tempo livre, por um período correspondente, a gozar na mesma semana ou na seguinte.
3 - Quando, por razões de atendível interesse do agregado familiar, não seja viável a compensação com tempo livre, o trabalhador tem direito à remuneração correspondente.
4 –[..].
Do n.º1, decorre claramente que os trabalhadores de serviço doméstico, alojado ou não alojado a tempo inteiro, têm direito ao gozo de feriados obrigatórios, sem prejuízo da retribuição, em termos paralelos aos trabalhadores do regime geral do contrato individual de trabalho.
Mas já os n.º2 e 3, estabelecem um regime especial. No primeiro deles, dependendo do acordo do trabalhador, admite-se a possibilidade de “prestação de trabalho de duração normal nos feriados obrigatórios, que deve ser compensado com tempo livre, por um período correspondente, a gozar na mesma semana ou na seguinte”. No segundo, previne-se a hipótese de não ser viável a compensação com tempo livre “por razões de atendível interesse do agregado familiar”, caso em que o trabalhador tem direito à remuneração correspondente ao descanso compensatório não gozado.
Como flui do n.º2, este regime especial pressupõe o acordo do trabalhador em prestar trabalho no dia de feriado obrigatório, o que vale por dizer que não se verificando esse pressuposto, a prestação de trabalho nessas circunstâncias cai no âmbito do regime geral do contrato individual de trabalho. Mas mesmo que haja acordo, se não for concedida a compensação nos termos enunciados no n.º2, ou existem comprovadamente “razões de atendível interesse do agregado familiar” e o trabalhador tem direito (apenas) à remuneração correspondente ao descanso compensatório não gozado, nos termos previstos no n.º3; ou, então, não as havendo, a situação será tratada como prestação de trabalho suplementar.
De acordo com as regras de repartição do ónus de prova, sobre a Autora recaía o ónus, que cumpriu, de alegar e provar a prestação de trabalho em dia de feriado obrigatório (art.º 342.º /1, do CC)., Em contraponto, cabia à recorrente demonstrar, desde logo, que o trabalho em dia feriado obrigatório foi prestado com o acordo da autora (art.º 342.º/2, do CC).
Essa prova não foi feita e, logo, os dias de trabalho prestado pela autora em dias feriados obrigatórios estão sujeitos às regras gerais do Código do Trabalho relativamente à prestação de trabalho suplementar.
Embora por razões não coincidentes, foi essa a solução seguida pelo tribunal a quo e, logo, a decisão deve manter-se, neste ponto improcedendo o recurso.
Ainda no âmbito desta questão relativa ao trabalho suplementar, defende a recorrente que a “A actuação da Autora excede manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes e ainda pelo fim social e económico do direito, pelo que configura abuso de direito (artº 334º do Código Civil), que é do conhecimento oficioso” [conclusão SS].
Como melhor se retira das alegações, refere que a Autora peticionou valores exorbitantes de trabalho suplementar – que alegou de forma vaga e genérica – de uma forma que é claramente abusiva.
O princípio do abuso de direito constitui um expediente técnico, ditado por razões de justiça e equidade, para obstar que a aplicação de um preceito legal, certo e justo em circunstância normais, venha a revelar-se injusto numa situação concreta, em razão das particularidades ou circunstâncias especiais que nela concorram. Ocorrerá a figura de abuso “quando um certo direito – em si mesmo válido – seja exercido em temos que ofendam o sentimento de justiça dominante na comunidade social” [Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, Atlândida Editora, Coimbra, 1968, pp. 26/27].
O Código Civil consagra este princípio no art.º 334.º, estabelecendo que «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Acolhe-se a concepção objectiva do abuso de direito defendida por parte da doutrina, por contraposição à corrente subjectiva defendida por outra parte. O que interessa averiguar não é a intenção do agente titular, isto é, se ele agiu com o único propósito de prejudicar o lesado, mas antes os dados de facto, o alcance objectivo da sua conduta, de acordo com o critério da consciência pública. Como igualmente elucida Almeida Costa, “Não é preciso que o agente tenha consciência da contrariedade do seu acto à boa fé, aos bons costumes ou ao fim social ou económico do direito exercido. Basta que na realidade esse acto se mostre contrário [Op. Cit., pp. 29].
Porém, como notam Pires de Lima e Antunes Varela, “isto não significa, no entanto, que ao conceito de abuso do direito consagrado no art.º 334.º sejam alheios factores subjectivos, como, por exemplo, a intenção com que o titular tenha agido. A consideração destes factores pode interessar, quer para determinar se houve ofensa da boa fé ou dos bons costumes, quer para decidir se se exorbitou do fim social ou económico do direito”. Contudo, exige-se um abuso nítido, isto é o titular do direito deve ter excedido manifestamente esses limites impostos ao seu exercício. Por isso mesmo, “os tribunais só podem, pois, fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimaram, se houver manifesto abuso. É esta a lição de todos os autores e de todas as legislações” [Op. cit. pp. 299/300; no mesmo sentido, também Almeida e Costa, Op. cit., pp. 29].
O abuso de direito, consumado por actuação que exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, não é exclusivo do direito substantivo, podendo também resultar no exercício do direito de acção, numa perspectiva da actuação processual, nomeadamente, pelo recurso a juízo através de acções ou procedimentos cautelares.
A esse propósito, Menezes Cordeiro escreve o seguinte:
- “O instituto do abuso do direito traduz a aplicação, nas diversas situações jurídicas, do princípio da boa fé.
E o princípio da boa fé equivale à capacidade que o sistema jurídico tem de, mesmo nas decisões mais periféricas, reproduzir os seus valores fundamentais.
A boa fé age através de dois princípios mediantes já expostos: a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente.
Ambos se concretizam numa constelação de situações típicas, acima ponderadas: desde o venire ao desequilíbrio no exercício”.
E, mais adiante:
As acções judiciais intentadas em grave desequilíbrio de modo a provocar danos máximos a troco de vantagens mínimas, são abusivas: há abuso do direito”.
[Litigância de Má-Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa “in agendo”, Coimbra, Almedina, 2006, pp. 91/92]
Para ocorrer abuso de direito é imperioso que o modo concreto do seu exercício, objectivamente considerado, se apresente ostensivamente contrário “à boa fé, (a)os bons costumes ou (a)o fim social ou económico” do direito em causa (artigo 334º do Código Civil).
No caso, se é verdade que a autora peticionou valores de trabalho suplementar que ascendem a valores elevados, também não o é menos que justificou as suas pretensões com base numa construção jurídica que não exorbita o fim dos direitos reclamados e fundando-se no regime de trabalho a que esteve sujeita durante toda a duração da relação de contrato de serviço doméstico. Pode não ter inteiramente razão, mas isso não pode de todo significar, só por si, que actue em abuso de direito.
Nesta parte, não se reconhece, pois, razão à recorrente.
Concluindo, quanto a este ponto – trabalho suplementar - o recurso procede, mas parcialmente, nos termos que acima se deixaram indicados, ou seja, apenas assistindo à autora o direito a ser remunerada pela prestação de trabalho suplementar decorrente de ter prestado efectivamente trabalho, ao longo de toda a relação contratual, cumprindo um período semanal de 48 horas que excede em 4 horas o limite previsto no art.º 13.º 1, do DL 235/92.
Significa isso, que a sentença deve ser alterada quanto a esta questão do trabalho suplementar, na medida em partiu da consideração que o limite do período de trabalho semanal a aplicar era o estabelecido no art.º 203.º 1 do CT (40 horas semanais), bem assim que a autora trabalhava 24 horas por dia, nessa base concluindo que “todo o trabalho prestado pela autora para além das 8 horas diárias e das 40 horas semanais, bem como aos feriados, terá de ser considerado como trabalho suplementar (art. 226º, nº 1 do Código do Trabalho) e como tal deve ser remunerado”, deve ser alterada.
II.3.2.1 Aqui chegados, importa retirar as consequências do decidido no que concerne ao valor do trabalho suplementar devido à autora.
Como flui do que se deixou dito, o trabalho suplementar a considerar será o que foi prestado pela autora para além das 44 horas semanais, ou seja 4 horas em cada semana de trabalho.
A relação contratual de prestação de serviço doméstico entre a autora e a Ré iniciou-se a 1 de Setembro de 2014 (facto2) e cessou a 19 de Junho de 2017 (facto 15), logo, decorreu ao longo de 150 semanas: 52 entre 1 de Setembro de 2014 e 31 de Agosto de 2015; 52 entre 1 de Setembro de 2015 e 31 de Agosto de 2016; e, 46 entre 1 de Setembro de 2016 e 19 de Junho de 2017.
Logo, a autora prestou trabalho para além do limite de 44 horas semanais, num total de 600 horas [150 semanas x 4 h].
O Tribunal a quo afirma que do seu” ponto de vista [..] tal retribuição horária deveria ser de € 8,65 [..]. Contudo, verifica-se que a autora peticiona a retribuição de trabalho suplementar com base numa retribuição horária de € 7,21 [(€ 1 500,00 x 12 meses) : 48 horas x 52)]. Depois refere, que, tendo ficado provadas todas as horas de trabalho suplementar reclamado, sob pena de o tribunal exceder o limite imposto pelo art. 609º, nº 1 do Código de Processo Civil, será o valor horário de € 7,21 que servirá de ase de cálculo às retribuições devidas a título de trabalho suplementar”.
Em suma, tribunal a quo serviu-se do valor indicado pela trabalhadora nos seus cálculos.
Não vimos razão para nos desviarmos desse entendimento. O art.º 11.º do DL 253/92, estabelece que ”A determinação do valor diário da retribuição deve efectuar-se dividindo o montante desta por 30, por 15 ou por 7, consoante tenha sido fixada com referência ao mês, à quinzena ou à semana, respectivamente”, mas aqui o que releva é o valor hora, não contendo o diploma norma para esse efeito, mormente, para o cálculo dos acréscimos legais devidos pela prestação de trabalho suplementar.
Para evitar qualquer eventual equívoco, assinala-se ainda que o tribunal a quo refere os sábados, mas tratando-os como dias de normal prestação de trabalho, dizendo que “relativamente a estes não se apurou que tivessem sido convencionados como dia de descanso complementar”. Significa isto, que os sábados apenas foram tidos em conta para contabilizar o número de horas totais trabalhadas pela autora.
Por último, importa fazer notar que a recorrente não impugnou as percentagens usadas pelo Tribunal a quo para o cálculo do acréscimo devido por trabalho suplementar, nomeadamente, 25% para as primeiras horas, 37,5% para as horas subsequentes e 50% para as horas de trabalho em dia feriado, pelo que quanto a esse segmento da fundamentação a decisão transitou em julgado.
Feitas estas notas passemos ao cálculo do valor devido pelas 600 horas de trabalho suplementar, para o efeito considerando-se a percentagem de 25%, dado que tratando-se de um acréscimo de 4 horas ao longo da semana, a sua divisão de 2.ª a sábado leva a que todos os períodos em excesso se enquadrem nas primeiras horas.
Assim, sendo de € 9,01 (€ 7,21 + 25%) o valor devido por cada uma daquelas horas de prestação de trabalho suplementar, conclui-se que os valores devidos à autora a este título são os seguintes:
i) 52 x 9,01 €, entre 1 de Setembro de 2014 e 31 de Agosto de 2015, perfazendo € 468,52;
ii) 52 x 9,01 €, entre 1 de Setembro de 2015 e 31 de Agosto de 2016, perfazendo € 468,52;
iii) 46 x 9,01 €, entre 1 de Setembro de 2016 e 19 de Junho de 2017, perfazendo € 414,46.
Ou seja, o montante de global de € 5.406,00 (600h x € 9,01), acrescido do juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos sobre aqueles valores parcelares, respectivamente, desde 1 de Setembro de 2015, 1 de Setembro de 2016 e 20 de Junho de 2017.
Procedendo o recurso parcialmente e nos termos indicados, caberá revogar a sentença na parte sob o título II e alíneas a), d), h), e m).
Para que fique claro, no que concerne aos feriados, pelas razões que acima se deixaram o recurso improcede e, logo, mantém-se a condenação da Ré no pagamento dos valores fixado nas alíneas b), e), i) e n).
II.3.3 Prosseguindo, alega a recorrente que mesmo que se entenda estar-se um contrato de serviço doméstico, a Autora não tem direito a formação profissional, posto que esse dever não está previsto no regime especial aprovado pelo DL nº 352/92, de 24 de Outubro, nem a sua natureza permite qualquer equiparação [conclusões TT e UU].
Quanto a este ponto, na fundamentação da sentença recorrida consta o seguinte:
-«No que respeita à formação profissional, dispõe o art. 131º, nº 1, al. b) que «No âmbito da formação contínua, o empregador deve: b) Assegurar a cada trabalhador o direito individual à formação, através de um número mínimo anual de horas de formação, mediante ações desenvolvidas na empresa ou a concessão de tempo para frequência de formação por iniciativa do trabalhador; (…).
Por sua vez no nº 2 do mesmo preceito estabelece-se que «O trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de trinta e cinco horas de formação contínua (…)», a qual nos termos do nº 3 ainda da mesma disposição «(…) pode ser desenvolvida pelo empregador, por entidade formadora certificada para o efeito ou por estabelecimento de ensino reconhecido pelo ministério competente e dá lugar à emissão de certificado e a registo na Caderneta Individual de Competências nos termos do regime jurídico do Sistema Nacional de Qualificações».
Importa ainda considerar que nos termos do nº 6 do art. 132º do C.T. de 2009 «O crédito de horas para formação que não seja utilizado cessa passados três anos sobre a sua constituição» e que, de acordo com o art. 134º do mesmo Código «Cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado, ou ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação».
A autora reclama 23 horas de formação não ministrada em 2015, tendo alegado e ficado provado que teve 12 horas de formação nesse ano, 35 horas relativamente a 2016 e 17,5 horas relativamente a 2017. Ora, apenas tendo ficado provado que a autora teve formação em 2015, a ré está constituída na obrigação de lhe pagar a retribuição correspondente às horas não ministradas, ou seja, 23 horas relativas a 2015, 35 horas relativas a 2016 e 16h30 relativamente a 2017 (e não 17,5 como reclamou, já que o contrato apenas durou 170 dias).
Assim, e limitando-nos ais uma vez à retribuição horária invocada pela autora de modo a não violar o disposto pelo art. 609º, nº 1 do Código de Processo Civil, a autora tem direito a esse título à quantia de € 537,15 (€ 165,83 + 252,35 + 118,97)».
Estabelece o art.º 131.º do CT, na parte que aqui releva, o seguinte;
1 - No âmbito da formação contínua, o empregador deve:
a) Promover o desenvolvimento e a adequação da qualificação do trabalhador, tendo em vista melhorar a sua empregabilidade e aumentar a produtividade e a competitividade da empresa;
b) Assegurar a cada trabalhador o direito individual à formação, através de um número mínimo anual de horas de formação, mediante acções desenvolvidas na empresa ou a concessão de tempo para frequência de formação por iniciativa do trabalhador;
c) Organizar a formação na empresa, estruturando planos de formação anuais ou plurianuais e, relativamente a estes, assegurar o direito a informação e consulta dos trabalhadores e dos seus representantes;
d) Reconhecer e valorizar a qualificação adquirida pelo trabalhador.
2 - O trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de quarenta horas de formação contínua ou, sendo contratado a termo por período igual ou superior a três meses, a um número mínimo de horas proporcional à duração do contrato nesse ano.
3 - A formação referida no número anterior pode ser desenvolvida pelo empregador, por entidade formadora certificada para o efeito ou por estabelecimento de ensino reconhecido pelo ministério competente e dá lugar à emissão de certificado e a registo na Caderneta Individual de Competências nos termos do regime jurídico do Sistema Nacional de Qualificações.
[…]».
O regime jurídico das relações de trabalho emergentes do contrato de serviço doméstico, constante do DL n.º 235/92, de 24 de Outubro, não prevê que o empregador deva proporcionar formação contínua ao trabalhador por si contratado.
Mas como já se disse, por força do disposto no art.º 9.º do Código do Trabalho, quanto ao que nele não conste expressamente previsto, aplicam-se as regras gerais do Código do Trabalho que não sejam incompatíveis com a especificidade desses contratos.
Coloca-se, pois, a questão de saber se aquela norma é aplicável aos contratos de serviço doméstico, ou pelo contrário, é de afastar essa aplicação, por incompatível com a especificidade desses contratos.
Como logo elucida o legislador no preâmbulo do DL n.º 235/92, de 24 de Outubro, a existência deste regime especial, regulando o contrato de serviço doméstico em determinadas matérias, ou seja, quanto a essas afastando-se das regras gerais do Código do Trabalho, radica no facto “de o trabalho doméstico ser prestado a agregados familiares”, implicando determinadas características ao nível do relacionamento pessoal, mas concomitantemente, exigindo que se tenha em consideração a “especificidade económica daqueles”.
Se bem atentarmos no art.º 131.º, o dever de proporcionar formação contínua foi desenhado partindo do pressuposto que o empregador é uma empresa. Assim [n.º1]: a formação contínua tem em vista “melhorar a (...) empregabilidade [do trabalhador] e aumentar a produtividade e a competitividade da empresa” [al.a]; pode ser assegurada “mediante acções desenvolvidas na empresa” [al.b]; é dever do empregador “Organizar a formação na empresa estruturando planos de formação anuais ou plurianuais” [al.c]; o empregador deve “Reconhecer e valorizar a qualificação adquirida pelo trabalhador” [al. d] ou seja, permitindo e assegurando uma progressão a nível profissional (com implicações a nível funcional, categoria e retribuição). Para além disso, o “trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de quarenta horas de formação contínua” [n.º2], o que significa necessidade de substituição do trabalhador naquele período ou que este esteja inserido numa estrutura organizada que suporte a sua ausência sem prejuízos significativos a nível produtivo.
Atendendo a essas características, não se nos afigura que faça sentido lógico considerar que o dever de proporcionar formação contínua seja aplicável aos contratos de serviço doméstico, em sentido restrito, ou seja, pelo menos quando celebrado para “satisfação das necessidades próprias ou específicas de um agregado familiar” - sem que entre nesta aferição as situações que se enquadrem na previsão de “ou equiparado” (art.º 2.º/1, do DL 235/92) -, antes se detectando várias razões que apontam no sentido da incompatibilidade com a especificidade destes contratos. Desde logo, os custos em suportar a formação proporcionada “por entidade formadora certificada para o efeito ou por estabelecimento de ensino reconhecido pelo ministério competente”, já que neste caso não seria viável ao próprio empregador organizar e desenvolver por si as acções de formação (n.º3), os quais naturalmente pesariam substancialmente na economia do agregado familiar; mas também, a ausência do trabalhador doméstico durante as horas anuais para formação, posto implicar, para que se mantenha a “satisfação das necessidades próprias ou específicas de um agregado familiar”, a contratação de outro trabalhador para o substituir.
Outras razões se poderiam ainda enumerar, mas cremos que estas, pela sua pertinência, são bastantes para sustentar aquela asserção.
Assim sendo, quanto a este ponto procede o recurso, devendo a sentença ser revogada na parte em que condenou a Ré a pagar à autora “q) a quantia de € 537,15 (quinhentos e trinta e sete euros e quinze cêntimos) a título de formação não ministrada, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 19/06/2017 até integral pagamento”.
II.3.4 Por último, insurge-se a recorrente contra a sentença em razão de ter sido condenada no pagamento de subsídios de férias e de Natal [conclusões VV e WW].
Defende que o Tribunal não podia condená-la a pagar subsídios de férias e de Natal dado que não constam dos factos provados que a Autora não os recebeu.
Para além disso, defende que a considerar-se que estamos perante um contrato de serviço doméstico, a Autora nunca teria direito a férias e subsídio de férias no ano da admissão (2014), dado que foi admitida no 2º semestre do ano e só os trabalhadores admitidos no 1º semestre do ano civil é que têm direito a um período de férias de 8 dias úteis a gozar até 31 de Dezembro do ano de admissão (artº 16º, nºs 2 e 3 do Dec-Lei nº 235/92, de 24 de Outubro).
Quanto ao primeiro argumento, diremos já que não assiste razão à recorrente. O direito a subsídio de Natal pago até ao dia 22 de Dezembro de cada ano, a férias remuneradas e subsídio de férias subsídio em numerário de montante igual ao valor da remuneração correspondente ao período de férias, para os trabalhadores em contrato de serviço doméstico, consta consagrado no DL nº 235/92, de 24 de Outubro, respectivamente, nos artigos 12.º/1, 16.º/1 e 18.º.
Ao trabalhador que pretenda reclamar créditos a esse título cabe invocar essa qualidade, dai-lhe advindo esse direito e alegar a fata de pagamento dos mesmos (art.º 342.º/1 do CC). Em contraponto, recai sobre a entidade empregadora, que assume a posição de devedora relativamente ao cumprimento daquela obrigação, o ónus de alegar e demonstrar o pagamento [art.ºs 762.º e 342.º /2, ambos do CC].
No que concerne ao segundo ponto, na fundamentação da sentença consta o seguinte:
«[…]
Já quanto ao subsídio de férias proporcional ao ano da admissão do contrato, a autora apenas terá direito ao subsídio correspondente aos dias de férias a que tem direito pelo trabalho prestado em 2014 (art. 239º, nº 1, 264º, nº 1 e 2 do Código do Trabalho), que a autora também reclama.
Tendo o contrato no ano da admissão durado 4 meses, autora tem direito a 8 dias úteis de férias (2 por cada mês de duração do contrato), que não gozou, já que, de acordo com a matéria de facto provada apenas gozou férias de 18 a 28 de Setembro de 2015.
Assim, a esse título a autora teria direito à quantia de € 545,45 a título de retribuição de férias, acrescida de igual montante a título de subsídio de férias.
[..]».
Resulta dos factos provados que a autora foi admitida com efeitos a partir de 1 de Setembro de 2014 [facto 2], bem assim que durante a vigência do contrato apenas gozou férias de 18 a 28 de Setembro de 2015 [facto 14].
Estabelece o art.º 16.º do DL 235/92, na parte que aqui interessa, o seguinte:
-«1 - O trabalhador de serviço doméstico tem direito, em cada ano civil, a um período de férias remuneradas de 22 dias úteis.
2 - O direito a férias vence-se no dia 1 de Janeiro de cada ano, salvo quando a antiguidade do trabalhador ao serviço do empregador for inferior a seis meses, caso em que só se vence no fim deste período.
3 - Quando o início do exercício de funções ocorra no 1.º trimestre do ano civil, o trabalhador tem direito, após o decurso do período experimental, a um período de férias de oito dias úteis, a gozar até 31 de Dezembro do ano da admissão.
4 - O trabalhador contratado a prazo inferior a um ano tem direito a um período de férias equivalente a dois dias úteis por cada mês completo.
[..]».
Salvo o devido respeito, a Ré não está a fazer a interpretação correcta do n.º2, do art.º 16.º. No caso da autora, tendo sido admitida a 1 de Setembro de 2014, até final esse ano a antiguidade era inferior a seis meses. Logo, como parece resultar com clareza da norma, o direito a férias relativo ao trabalho prestado no ano de admissão “só se vence no fim deste período”, isto é, decorridos 6 meses, levando a que no caso tal tenha ocorrido no início do mês de Março.
Dito por outras palavras, no caso dos trabalhadores admitidos para além do 1.º trimestre – que ficam fora da previsão do n.º3 e são abrangidos pela previsão do n.º2 - o direito a férias e ao respectivo subsídio é garantido nos termos gerais, leia-se, proporcionalidade ao trabalho prestado, com a diferença que apenas se vence quando forem completados seis meses de antiguidade.
Assim, embora invocando normas do CT – mas às quais o DL 235/92 foi buscar solução idêntica, designadamente ao art.º 239.º /1, não merece censura o entendimento do tribunal a quo ao ter concluído que “Tendo o contrato no ano da admissão durado 4 meses, autora tem direito a 8 dias úteis de férias (2 por cada mês de duração do contrato), que não gozou [..].Assim, a esse título a autora teria direito à quantia de € 545,45 a título de retribuição de férias, acrescida de igual montante a título de subsídio de férias.”
Concluindo, quanto a este ponto improcede o recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso nos termos seguintes:
I) Parcialmente procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
II) Parcialmente procedente a impugnação por erro na aplicação do direito, em consequência:
a) Revogando-se a sentença quanto ao decidido no título II e alíneas a), d), h), e n), em substituição condenando-se a Ré a pagar à autora, a título de trabalho suplementar prestado para além do período normal semana, os valores seguintes:
i) 52 x 9,01 €, entre 1 de Setembro de 2014 e 31 de Agosto de 2015, perfazendo € 468,52;
ii) 52 x 9,01 €, entre 1 de Setembro de 2015 e 31 de Agosto de 2016, perfazendo € 468,52;
iii) 46 x 9,01 €, entre 1 de Setembro de 2016 e 19 de Junho de 2017, perfazendo € 414,46.
No montante de global de € 5.406,00 – cinco mil quatrocentos e seis euros (600h x € 9,01), acrescido do juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos sobre aqueles valores parcelares indicados em i), ii) e iii), respectivamente, desde 1 de Setembro de 2015, 1 de Setembro de 2016 e 20 de Junho de 2017.
b) Revogando-se a sentença na parte em que condenou a Ré a pagar à autora “q) a quantia de € 537,15 (quinhentos e trinta e sete euros e quinze cêntimos) a título de formação não ministrada, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 19/06/2017 até integral pagamento”, absolvendo-se aquela primeira deste pedido;
III) Confirmando-se a sentença quanto ao mais.

Custas por Autora e Ré, na proporção do decaimento (art.º 527.º 2, do CPC).

Porto, 15 de Novembro de 2021
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira