Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9126/00.0TDPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NETO DE MOURA
Descritores: CONVERSÃO DA MULTA EM PRISÃO SUBSIDIÁRIA
NOTIFICAÇÃO PESSOAL DO ARGUIDO
Nº do Documento: RP201709279126/00.0TDPRT-A.P1
Data do Acordão: 09/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 49/2017, FLS.89-93)
Área Temática: .
Sumário: I - Se é a necessidade de garantir ao condenado um efectivo conhecimento do conteúdo da decisão para que lhe sejam disponibilizados todos os dados indispensáveis a fim de, esclarecida e conscientemente, decidir se reage à decisão, nomeadamente dela interpondo recurso, esse desiderato, tanto se justifica relativamente à decisão de revogação da suspensão da execução da prisão, como no caso de conversão da multa em prisão subsidiaria.
II - E assim, além do defensor, tem de ser notificado o arguido, do despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária.
III - Notificação, esta, a ser efectuada, por qualquer das formas previstas nas alíneas a), b) e c) do n,º 1 do artigo 113.º C P Penal, para a morada constante do TIR.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 9126/00.0TDPRT-A.P1
Recurso penal
Relator: Neto de Moura

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto
I Relatório
Nos autos de processo comum que, sob o n.º 9126/00.0TDPRT, correram termos pela Secção Criminal (J7) da Instância Local do Porto, Comarca do Porto, deferindo promoção do Ministério Público, foi proferido despacho datado de 10.02.2016 (reproduzido a fls. 4 e segs. deste apenso) que converteu em prisão subsidiária (de 73 dias) a pena de multa (de 110 dias) em que fora condenado o arguido B….
Depois de se ter tentado, em vão, a notificação do condenado através de carta registada com aviso de recepção expedida para uma morada do Brasil (que seria a residência do arguido, cidadão brasileiro), o Sr. Juiz proferiu o seguinte despacho datado de 29.06.2016 (fls. 23 destes autos, fls. 505 do processo principal):
Considero o condenado regularmente notificado na pessoa do seu ilustre defensor (cfr. art.º 113.º, n.º 10, do C.P.P.).
Notifique quer o Ministério Público quer o ilustre defensor”.
É desse despacho que vem recorrer o Ministério Público (requerimento de interposição a fls. 26, acompanhado da respectiva motivação) para esta Relação, com os fundamentos ali explanados, que condensou nas seguintes conclusões (em transcrição integral):
“1. Nos presentes autos de processo comum singular, o arguido B…, de nacionalidade brasileira, foi condenado na pena única de 110 (cento e dez) dias de multa, que, face ao seu incumprimento, foi posteriormente convertida em 73 (setenta e três) dias de prisão subsidiária.
2. Foi tentada a notificação ao arguido do despacho que determinou a conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária, proferido a fls. 487 a 495, através de carta registada com aviso de recepção, expedida para os endereços brasileiros constantes dos autos, sem sucesso.
3. O douto despacho que converteu a pena de multa em pena de prisão subsidiária, proferido a fls. 487 a 495, não foi precedido da audição do arguido, tendo o Mm.º Senhor Juiz a quo invocado, para tal, a circunstância de esta apenas se poder destinar a avaliar uma eventual suspensão da pena de prisão subsidiária. Ora, uma vez que nessa fase ainda não existia pena de prisão subsidiária, a suspensão da mesma apenas poderia ser determinada após a conversão.
4. Por esse motivo, entendeu o Mm.º Senhor Juiz a quo que o condenado poderia, e deveria, pronunciar-se para os efeitos do disposto no art.º 49.º, n.º 3, do CP, apenas depois da conversão da multa em prisão subsidiária.
5. A notificação é um acto de soberania que não pode ser praticado, na ausência de convenção internacional que o autorize ou de lei interna do país destinatário que o permita, num país estrangeiro.
6. A notificação de um arguido no Brasil deverá ser solicitada através de carta rogatória dirigida às Justiças daquele país, não se afigurando possível proceder à notificação directa do aludido arguido, sob pena de violação da soberania brasileira.
7. A notificação ao arguido do despacho de fls. 487 a 495 efectuada no Brasil através de carta registada com aviso de recepção seria um acto inexistente, pois a ofensa a normas de regulamentação de relações inter - estaduais é motivo para, no silêncio da lei, julgar inexistentes os actos que a concretizem.
8. O arguido não se poderá considerar notificado e, consequentemente, não se poderá considerar ter-lhe sido dado o direito de ser ouvido, nos termos do disposto no art.º 61.º, n.º 1, al. b), do CPP.
9. A forma processualmente adequada de proceder à referida notificação é através de carta rogatória a expedir às Justiças Brasileiras, a solicitar a comunicação ao arguido nos endereços deste, no Brasil, conhecidos nos autos.
10. A decisão recorrida violou o disposto nos arts. 49.º, n.º 3, do CP, e 61.º, n.º 1, al. b), do CPP”.
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Admitido o recurso (despacho a fls. 31) e notificados os sujeitos processuais por ele afectados, não houve qualquer resposta.
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O Sr. Juiz titular do processo sustentou a sua decisão (fls. 32).
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Subiram os autos ao tribunal de recurso e, já nesta instância, na intervenção a que alude o n.º 1 do art.º 416.º do Cód. Proc. Penal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que defende a procedência do recurso, porquanto:
- é a mais acertada a orientação jurisprudencial que, de forma maioritária (se não unânime), sustenta que tal despacho (que determina a conversão da pena de multa principal em prisão subsidiária) deve ser notificado, tanto ao arguido como ao seu defensor;
- a notificação a efectuar ao arguido deve ser pessoal.
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Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, veio o arguido/condenado apresentar a resposta de fls. 54, manifestando a sua adesão aos fundamentos, quer do recurso, quer do parecer do Ex.mo PGA.
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Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
II - Fundamentação
São as conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, que delimitam o objecto do recurso e fixam os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso (cfr. artigos 412.º, n.º 1, e 417.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010 www.dgsi.pt/jstj[1], sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso.
Lendo as conclusões do recurso (especialmente as conclusões 3.ª e 8.ª), fica-se com a ideia de que o acto impugnado por esta via de recurso é o despacho proferido a fls. 487/495 do processo principal (reproduzido a fls. 4 e segs. deste apenso), ou seja, o despacho que converteu a pena de multa em pena de prisão subsidiária, por não ter sido precedido da audição do arguido/condenado.
Por outro lado, na certidão de fls. 2, refere-se o despacho recorrido como sendo o “exarado nos autos em 10/02/2016, sendo notificado ao Magistrado do Ministério Público por termo nos autos em 24/02/2016 e por via postal expedida em 22/02/2016, aos sujeitos processuais”, o que é errado, como frisa o Ex.mo PGA no seu parecer.
No requerimento de interposição do recurso, a magistrada do Ministério Público identifica, claramente, o despacho recorrido como “despacho datado de 29.06.2016, de fls. 505 dos autos”. E o despacho de admissão do recurso refere, naturalmente, que o despacho recorrido é o de fls. 505.
Para que não restem dúvidas, o despacho recorrido é o que está reproduzido supra, ou seja, o despacho que considerou o condenado “regularmente notificado na pessoa do seu ilustre defensor (cfr. art.º 113.º, n.º 10, do C.P.P.).
Assim, como bem assinala o Ex.mo PGA, são duas as questões a que há que dar resposta:
- se, além do defensor (nomeado ou constituído), tem de ser notificado ao arguido/condenado o despacho que converte a pena de multa (aplicada como pena principal) em prisão subsidiária;
- na afirmativa, como deve fazer-se a notificação, concretamente, se tem que ser uma notificação pessoal.
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Da certidão com que foi instruído o presente recurso é possível extrair os seguintes factos e ocorrências processuais com relevância para a decisão:
1. Nos autos de processo comum que correm termos sob o n.º 9126/00.0 TDPRT (de que estes são apenso), deferindo promoção do Ministério Público, foi proferido despacho datado de 10.02.2016 (reproduzido a fls. 4 e segs. deste apenso) que converteu em prisão subsidiária (73 dias) a pena de multa (de 110 dias) em que fora condenado o arguido B….

2. Para notificação desse despacho ao arguido/condenado, foram expedidas cartas registadas com aviso de recepção dirigidas a moradas situadas no Brasil que, no entanto, não foram recebidas pelo destinatário.

3. Perante a frustração da notificação assim ordenada, o Sr. Juiz proferiu o despacho de 29.06.2016, supra reproduzido, considerando regularmente notificado o condenado na pessoa do seu defensor.
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Se a multa não for paga “voluntária ou coercivamente”, o juiz determina o cumprimento de prisão subsidiária (pelo tempo de multa correspondente, reduzido a dois terços), nos termos prevenidos no artigo 49.º, n.º 1, do Código Penal.
São vários os problemas de interpretação/aplicação que têm suscitado as normas daquele artigo e um deles consiste, justamente, em saber se essa decisão tem de ser notificada, também, ao condenado (além do defensor).
A questão enunciada remete-nos para o artigo 113.º do Cód. Proc. Penal e, em especial, para o seu n.º 10 (que corresponde, na íntegra, ao n.º 9 antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro), nos termos do qual as notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor, nomeado ou constituído, ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, que devem ser notificadas a ambos.
Face ao disposto no artigo 97.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e tendo presente o normativo que define o regime de execução das penas não privativas da liberdade, nomeadamente o art.º 495.º do mesmo compêndio normativo, não pode haver dúvidas de que a decisão que revoga uma pena de substituição é um despacho. Não é uma sentença, e nem sequer um seu “prolongamento”.
Também assim é com a decisão que determina o cumprimento de prisão subsidiária por conversão da pena de multa. Prisão subsidiária que não é uma pena de substituição, antes tem a natureza de sanção de constrangimento.
Não estando tal despacho incluído nos actos “ressalvados” na 2.ª parte do referido n.º 10 do art.º 113.º, pareceria legítimo concluir que a lei se basta com a sua notificação ao defensor[2].
Foi esse, aliás, o entendimento adoptado no acórdão da relação de Évora de 22/04/2014 (processo n.º 15/07.8GFSTB-A.E1), disponível em www.dgsi.pt, em que se decidiu que “ultrapassada a fase contraditória, relativa à eventual produção de prova sobre a razão do não pagamento da multa, a prossecução dos autos com vista à execução da pena substituída, não exige, nos termos do disposto no artigo 113.º, n.º 10, do Código de Processo Penal, a notificação pessoal ao arguido da decisão revogatória, podendo a mesma ser efectuada apenas na pessoa do seu Defensor”.
Porém, é o entendimento contrário que tem larga prevalência na jurisprudência, sobretudo a partir do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 6/2010, de 15.04.2010 (DR, I, de 21.05.2010) em que o Supremo Tribunal de Justiça decidiu:
«I - Nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado.
II - O condenado em pena de prisão suspensa continua afecto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, a de ‘as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada’).
III - A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de ‘contacto pessoal’ como a ‘via postal registada, por meio de carta ou aviso registados’ (16) ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e d), do CPP).»
Considerou o STJ que «as razões em que encontra fundamento a exigência de notificação da sentença tanto ao arguido como ao seu defensor - necessidade de garantir um efectivo conhecimento do seu conteúdo por parte daquele em ordem a disponibilizar-lhe todos os dados indispensáveis para, em consciência, decidir se a impugna ou não - são transponíveis para a notificação do despacho de revogação da suspensão, em vista das consequências nele implicadas para o condenado».
No caso da decisão que converte a multa e determina o cumprimento da prisão subsidiária, haveria uma alteração in pejus da sentença, o que justificará que, tal como com a própria sentença, não se fique pela notificação ao defensor.
A título de exemplo, no acórdão da Relação de Lisboa de 15.09.2011 (processo 518/09.0PGLRS.L1-9, in www.dgsi.pt), diz-se que “a conversão da pena de multa em prisão subsidiária constitui uma verdadeira modificação do conteúdo decisório da sentença, que tem de ser notificada pessoalmente ao arguido”.
Na mesma linha, no acórdão da Relação de Coimbra de 25.06.2014 (processo 414/99.7TBCVL-B.C1, in www.dgsi.pt) considerou-se que “o despacho que, ao abrigo do art. 49º do Código Penal, converte a pena de multa não paga em prisão subsidiária configura uma alteração superveniente do conteúdo decisório da sentença de condenação, que tem como efeito a privação da liberdade do arguido condenado”.
Por seu turno, no acórdão da Relação de Coimbra de 09.05.2012 (processo 100/08.9GBMIR-A.C1, in www.dgsi.pt), expressou-se o entendimento de que “o despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária opera uma verdadeira modificação na natureza da pena aplicada (passa a ser uma pena detentiva), o que impõe que a notificação deva ser efetuada através de uma via que garanta a certeza de que o condenado teve conhecimento da decisão que afeta os seus direitos, liberdades e garantias e que ordena a emissão de mandados de detenção para o cumprimento da prisão subsidiária”, pelo que se imporia a notificação pessoal do condenado.
Não são idênticas as situações (a que foi objecto do acórdão de uniformização de jurisprudência e a que é objecto deste recurso) para as quais se propugna solução idêntica.
A prisão subsidiária não é, como já se referiu, uma pena de substituição, que tem de ser aplicada na sentença. Por outro lado, como é sabido, a opção político-criminal de privilegiar a aplicação da pena de multa, levou a que o legislador consagrasse soluções com vista a evitar, até ao limite, o cumprimento da prisão subsidiária. Por isso que o condenado pode sempre evitar o cumprimento dessa prisão, quer pagando a multa em que foi condenado, quer alegando e provando factos susceptíveis de configurar um incumprimento não culposo, caso em que o juiz pode suspender a execução da prisão subsidiária (n.º 3 do artigo 49.º do Cód. Penal).
Em bom rigor, a pena de multa convertida em pena de prisão subsi­diária não perde a natureza originária de pena pecuniária nem desaparece para dar lugar à prisão subsidiária (assim, os acórdãos do STJ de 10.01.2013, CJ/ Acs STJ, XXI, tomo I, 187, e desta Relação de 30.04.2014, Processo n.º 143/06.7GAPRD-A.P1, e de 26.03.2014, processo n.º 419/08.0GAPRD-B.P1, in www.dgsi.pt) e por isso não pode falar-se aqui em alteração in pejus da sentença condenatória (cfr. o acórdão desta Relação de 07.05.2015, processo n.º 104/10.1 S6LSB-A.L1-9, in www.dgsi.pt).
São razões, sobretudo, de ordem prática e de equidade que impõem a notificação do arguido/condenado do despacho que converte em prisão subsidiária a pena de multa aplicada.
Embora as consequências da revogação de uma pena de substituição como é a suspensão da execução da prisão não sejam as mesmas que a conversão da pena de multa em prisão subsidiária pelas razões que já referimos, se o condenado não reagir contra a sanção de constrangimento, se nada fizer para aproveitar as possibilidades que os n.os 2 e 3 do artigo 49.º do Código Penal lhe proporcionam, o efeito directo é o mesmo: a privação da liberdade do condenado.
Pode dizer-se, como se afirma no acórdão desta Relação de 02.11.2011 (processo n.º 150/08.5GACDR.P1, in www.dgsi.pt), que “entre a pena de prisão como pena principal e a prisão subsidiária como sanção penal de constrangimento, uma e outra, na sua execução, têm o mesmo conteúdo material: a privação de liberdade derivada de uma condenação criminal, cumprida em estabelecimento prisional”.
Uma das razões apontadas na fundamentação do citado acórdão uniformizador para a exigência de notificação da decisão de revogação da suspensão da execução da prisão foi o afrouxamento do relacionamento entre o arguido/condenado e o seu defensor na fase posterior ao julgamento e prolação da sentença, o que não garantiria que aquele tome efectivo conhecimento daquela decisão se não lhe for notificada pessoalmente, discorrendo-se assim:
“c) «Note-se ainda que na fase em que se coloca a possibilidade de revogação da suspensão - a fase da execução da pena, regulada nos artigos 492.º a 495.º do Código de Processo Penal - a ligação entre o condenado e o seu defensor, seja constituído ou nomeado, mas principalmente neste caso, é em regra mais frouxa que na altura da sentença, pois aqui está-se no culminar do processo, no seu momento mais importante, ao passo que além [...], o condenado, mormente se a suspensão não foi acompanhada de deveres ou regras de conduta, já deu, no seu íntimo, o processo por encerrado, quebrando frequentemente as vias de comunicação com o defensor [...]»;
d) «Assim, se na fase de execução da pena suspensa não há por norma um relacionamento normal e de efectivo acompanhamento entre o defensor e o condenado, não pode ter-se como seguro que a decisão de revogação, uma vez notificada ao primeiro, será por ele comunicada ao segundo. E esse é mais um motivo para que a notificação deva também ser feita ao próprio condenado»”.
Ora, se é a necessidade de garantir ao condenado um efectivo conhecimento do conteúdo da decisão para que lhe sejam disponibilizados todos os dados indispensáveis a fim de, esclarecida e conscientemente, decidir se reage à decisão, nomeadamente, dela interpondo recurso, esse desiderato, tanto se justifica relativamente à decisão de revogação da suspensão da execução da prisão como no caso de conversão da multa em prisão subsidiária.
Em conclusão, quanto a este ponto, a decisão recorrida não pode manter-se.
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Resta, então, a questão de como efectuar a notificação.
Sobretudo depois do citado acórdão uniformizador, não se antolha qualquer razão válida para se defender que a notificação tem ser efectuada por contacto pessoal com o notificando[3].
No seu douto parecer, o Ex.mo PGA cita vários acórdãos em que se defende impor-se essa modalidade de notificação do arguido/condenado.
No entanto, se no AUJ n.º 6/2010 se fixou jurisprudência no sentido de que a notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de “contacto pessoal” como a “via postal registada, por meio de carta ou aviso registados”, ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso, tendo ficado vencida a posição que defendia a exigência de notificação por contacto pessoal, não se descortina por que há-de ser-se mais exigente quando se trata de notificação da decisão de conversão da multa em prisão subsidiária.
Aliás, não temos como certo que notificação pessoal seja o mesmo que notificação por contacto pessoal[4].
Em suma, a notificação ao arguido/condenado pode ser efectuada por qualquer das formas previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 113.º do Cód. Proc. Penal.
IIIDispositivo
Pelo exposto, acordam os juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar o despacho recorrido, a substituir por outro que ordene a notificação ao condenado B… do despacho (datado de 10.02.2016, proferido a fls. 487/495 do processo principal) que converteu a pena de multa em prisão subsidiária, por qualquer das formas previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 113.º do Código de Processo Penal para a morada indicada no termo de identidade e residência.
Sem tributação.
(Processado e revisto pelo primeiro signatário, que rubrica as restantes folhas).

Porto, 27/09/2017
Neto de Moura
Maria Luísa Arantes
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[1] Cfr., ainda, o acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ n.º 7/95, de 19.10.95, DR, I-A, de 28.12.1995.
[2] E é isso mesmo que resulta de uma interpretação literal da citada normal legal, como se reconhece no acórdão desta Relação de 28.09.2016 (Des. Manuel Ramos), citado pela Ex.mo PGA no seu parecer.
[3] Cabe referir que o Tribunal Constitucional (acórdão n.º 109/2012 , D.R., II, n.º 72, de 2012-04-11) já decidiu não julgar inconstitucional a norma dos artigos 113.º, n.º 3, e 196.º, n.º 3, alíneas c) e d) do CPP, interpretados no sentido de que a notificação do despacho revogatório da suspensão (da execução da pena de prisão…) ao arguido, por via postal simples, com depósito na morada fornecida aquando da prestação de termo de identidade e residência, a par da notificação ao defensor nomeado, é suficiente para desencadear o prazo dos meios de reação contra o despacho revogatório.
[4] No processo civil (artigo 225.º), à citação pessoal contrapõe-se a citação edital. A citação por contacto pessoal é, apenas, uma modalidade de citação pessoal, tal como o é a citação por via postal (registada ou simples).