Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
136/16.6T8MAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: AUDIÊNCIA PRÉVIA
NULIDADE PROCESSUAL
Nº do Documento: RP20170927136/16.6T8MAI-A.P1
Data do Acordão: 09/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º106, FLS.139-147)
Área Temática: .
Sumário: I - O art. 591.º do CPC estabelece a regra: realização da audiência prévia; os artigos seguintes ocupam-se das excepções: o art. 592.º dos casos em que a audiência prévia não tem lugar, o art. 593.º dos casos em que a audiência prévia pode ser dispensada.
II - Quando a acção houver de prosseguir (i.é., não deva findar no despacho saneador pela procedência de excepção dilatória que já tenha sido debatida nos articulados) e o juiz pretenda decidir de imediato, no todo ou em parte, do mérito da causa (ou apreciar excepção dilatória que não tenha sido debatida nos articulados ou que vá julgar improcedente) deve realizar-se audiência prévia para facultar às partes a discussão de facto e de direito que importe para esse conhecimento.
III - A não realização da audiência prévia nos casos em que a mesma tem lugar e não pode ser dispensada gera uma nulidade processual, não obstando a isso a circunstância de previamente à decisão o juiz ter anunciado às partes que se julgava em condições de decidir de mérito.
IV - Mesmo que se admita que se as questões a decidir forem muito simples e a decisão sobre elas for pacífica na jurisprudência e na doutrina, o juiz poderá, no uso do poder de simplificação e agilização processual e adequação formal, não realizar a audiência prévia, a decisão de não a realizar deverá ser fundamentada e precedida do convite prévio às partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de o fazer e, querendo, alegarem por escrito o que iriam sustentar oralmente na audiência se esta tivesse lugar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
Processo n.º 136/16.6T8MAI-A.P1 [Comarca do Porto / Juízo de Execução da Maia]

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
Por apenso à execução para pagamento de quantia certa, fundada em duas livranças no valor de €153.312,80 e de €972.346,92 e subscritas pela B…, Lda., que a C…, S.A. move contra D…, E…, F… e G…, na qualidade de avalistas da subscritora, vieram os executados D… e E… deduzir embargos de executado, pedindo a final que se decrete a extinção da execução.
Para o efeito, alegaram que o aval foi prestado porque o embargante marido era na altura sócio-gerente da B…, Lda. e porque nos contratos de créditos que celebrou com esta sociedade e que subjazem à subscrição das livranças o mutuante H… assim exigiu; porém em 3 de Maio de 2010, o embargante cedeu a sua quota a outro sócio, deixando de ser sócio gerente da mutuária, tendo os filhos do sócio adquirente assumido perante os embargantes a obrigação de lhes pagar qualquer valor que viesse a ser exigido por força de qualquer aval prestado pelo cedente na qualidade de sócio-gerente da sociedade; essa situação foi de imediato comunicada ao H… e posteriormente à ora exequente; em Maio de 2014 os embargantes responderam às cartas da exequente recebidas em Abril informando que se tinham desvinculado do pacto de preenchimento perante o H… por inexigibilidade superveniente atendível, e que se opunham ao preenchimento das livranças. Mais alegam que são parte ilegítima na execução por virtude da assunção de dívida pelos filhos do adquirente da quota e levada ao conhecimento do H… e da exequente; que na sequência da denúncia do aval o portador das livranças não as podia preencher, sendo o seu preenchimento abusivo; que desde Maio de 2010 os embargantes desconhecem o que foi pago pela devedora, estando impedidos de saber o montante em dívida; que desconhecem como foram calculados os juros sendo contrário à vontade presumível das partes e à ordem pública responsabilizar os embargantes pela inércia do H… e da exequente no pagamento dos juros desde a data do incumprimento até à data do preenchimento da livrança; que a devedora foi declarada insolvente por sentença de 23/11/2011 e foi aprovado plano de insolvência mas os embargantes desconhecem se no preenchimento das livranças foram consideradas as alterações ao crédito resultantes do plano de insolvência, o que a não ter ocorrido conduz ao preenchimento abusivo dos títulos; que os contratos de mútuo foram ainda garantidos por hipoteca de um imóvel cujo valor patrimonial permite liquidar na totalidade da dívida exequenda e que foi penhorado numa execução onde a exequente reclamou o seu crédito devendo averiguar-se se o bem foi vendido e por que preço; que a devedora se encontra a laborar e possui património que pode ser executado.
A embargada contestou os embargos, defendendo a sua improcedência total, mediante a alegação de que por serem os avalistas dos títulos dados à execução os embargantes são partes legítimas, que a cessão de quota foi feita com reserva de propriedade não alegando os embargantes que o preço haja sido todo pago, continuando assim a serem titulares da quota, que as livranças podiam ser preenchidas ainda que o avalista tivesse deixado de ser sócio da sociedade avalizada, que não foi feita qualquer revogação do pacto de preenchimento nem a embargada foi notificada da assunção da dívida ou deu o seu acordo à mesma, que mesmo que se aplicasse o regime jurídico da fiança aos avais estes não são nulos porque a obrigação era determinável no pacto de preenchimento, que o avalista não pode libertar-se do aval prestado em livrança por força de declaração unilateral, que só após o preenchimento das livranças os embargados se dirigiram à embargante e mesmo então a sua comunicação não constitui uma denúncia do aval, a qual, não obstante, seria extemporânea, que os juros estão correctamente calculados e que ao não pagarem as livranças os embargantes são responsáveis pela continuação do vencimento dos juros, que a insolvência da devedora não impede a credora de exigir o pagamento da dívida dos terceiros garantes, independentemente da aprovação de um plano de insolvência, não tendo a devedora efectuado qualquer pagamento ao abrigo deste, que o avalista não goza do benefício da excussão prévia.
Findos os articulados, foi proferido despacho no qual, com o fundamento de que isso poderia «autorizar o conhecimento imediato do mérito da causa», se ordenou que os embargantes esclarecessem se o preço da cessão de quotas foi pago, em que data e por que meio, e o pedido de informação sobre se o imóvel hipotecado foi já vendido e se alguma parte do preço foi entregue à embargante. Nesse despacho consignou-se «que uma vez juntas as informações e cumprido o legal contraditório, o tribunal poderá estar habilitado a decidir do mérito da causa, o que se adverte com vista a evitar a produção de qualquer decisão surpresa».
Os embargantes esclareceram que o preço da cessão de quota não foi integralmente pago e foi recebida a informação de que o imóvel hipotecado ainda não foi vendido.
As partes foram notificadas deste esclarecimento e informação e depois foi proferido o seguinte despacho: «Findos que se encontram os articulados, tendo sido conferido às partes o direito de contraditório em relação ao propósito manifestado pelo tribunal de imediato conhecimento do mérito da causa, dispensa-se a realização de audiência prévia».
A seguir foi proferida sentença julgando os embargos improcedentes.
Do assim decidido, os embargantes interpuseram recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
I - Na Sentença ora posta em crise, após ter sido dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido Saneador- Sentença onde foram julgados os embargos totalmente improcedentes.
II - Foi proferida Sentença sem que as partes fossem notificadas para a Audiência Prévia, pelo que foram confrontadas com um saneador sentença, relativamente ao qual nem sequer tiveram oportunidade de se pronunciar.
III - Houve a prolação de decisão total de mérito em sede de despacho saneador que foi precedida de uma declaração de dispensa de audiência prévia para esse fim, sem que fosse possível a não realização dessa audiência ou a sua dispensa, ao abrigo dos art.os 592º e 593º do NCPC, e sem que tenha sido invocada como fundamento dessa dispensa o disposto nos art.os 6º e 547º do NCPC – pelo que se impunha a realização dessa diligência, nos termos do art.º 591º, nº 1, als. b) e d), do NCPC, desse modo dando também cumprimento ao princípio do contraditório, tal como consagrado no art.º 3º, nº 3, do NCPC (que também consagra um princípio genérico de proibição de decisões-surpresa, que o legislador do nosso actual sistema processual concebe como uma outra vertente do princípio do contraditório).
IV - Essa indevida declaração de dispensa da audiência prévia ou a não-realização da devida audiência prévia (que se traduz, respectivamente, e consoante o ponto de vista adoptado, na prática de ato proibido por lei ou omissão de ato imposto por lei) consubstancia, pois, uma nulidade processual, com influência relevante no processo, ao abrigo do art.º 195º, nº 1, do NCPC.
V - E, como tal, deve ser declarada essa invalidade e anulados, em conformidade, a decisão que dispensou a realização da audiência prévia com a finalidade de prolação de despacho saneador com conhecimento total do mérito e o subsequente despacho saneador-sentença – pelo que se deve determinar que, em substituição dessa decisão, seja designada audiência prévia com a referida finalidade.
Também andou a mal a Douta Sentença recorrida nomeadamente quanto aos fundamentos que invoca para não dar razão aos ali embargantes quanto à invocada desvinculação unilateral d perante a exequente em relação à responsabilidade decorrente dos avales.
VI - Tendo por base a cedência da quota, a renuncia à gerência, conjugada com a “confissão de dívida”, documento elaborado precisamente para ser apresentado nas instituições bancárias para efeito de substituição das garantias, sempre seria de relevar, porque de tudo isto foi dado conhecimento ao H…, tal como foi evidenciado e declarado junto do mesmo a desvinculação do pacto de preenchimento, mesmo que se afastasse a possibilidade de denuncia dos avais, o que só por mera hipótese se concebe sem que tal tenha valor de confissão, subsistiria a possibilidade de ter operado resolução com justa causa.
VII - Na verdade, quer os embargantes, quer os adquirentes e seus filhos deram a conhecer ao banco a cessão da quota, a renuncia à gerência, o documento de confissão de divida (exigência de assunção de dívida pelos novos garantes), bem como solicitaram a sua desvinculação perante o H… e posteriormente invocaram esse facto perante a recorrida (artigo 436º do Código Civil).
VIII - As ilações que o tribunal retira do teor da “confissão” de dívida, desprovidas de qualquer prova que as suporte, ainda mais que a subscrição do dito documento teve outra justificação, nomeadamente para demonstrar às entidades bancárias que os novos garantes que ficariam em sua substituição assumiram a dívida para por aquelas ser ratificado.
IX - Não poderá colher o argumento tecido na Douta sentença recorrida a este propósito por ser meramente especulativo e não corresponder à verdade.
X - Ainda e a respeito da desvinculação dos embargantes perante o H… e consequentemente perante a recorrida, em relação à responsabilidade decorrente dos avales por efeito da cessão de quotas, renuncia à gerência e comunicação atempada àquela instituição bancária, sempre se diria, contrariamente ao plasmado na Douta Sentença ora posta em crise, que nos termos da Jurisprudência do STJ e demais jurisprudência e doutrina que se cita ao longo do corpo das alegações, que consideram ser admissível a denuncia do aval, será de considerar que a declaração expressa que os embargantes, bem como o cessionário das quotas e I… e J… deram a conhecer ao H… no imediato à data da correspondente cessão que teve lugar em Maio de 2010, terá de considerar-se válida e serve como denuncia.
XI – Razão pela qual posteriormente a essa denúncia, declarada e conhecida, não poderia o recorrido preencher e accionar essas livranças, como o fez, considerando-se, contrariamente ao decidido na Douta Sentença recorrida, o respectivo preenchimento abusivo.
XII - Enquanto causa de extinção do negócio jurídico, e não tendo sido convencionada a não denunciabilidade da obrigação de aval pelo prestador deste, necessário será reconhecer a possibilidade legal do avalista se desvincular unilateralmente dessa obrigação.
XIII - Com efeito, tendo a declaração de denúncia chegado ao poder do beneficiário a declaração tomou-se eficaz (artigo 224.º, n.º 1, do CC).
XIV - Deste modo, os embargantes ficaram liberados das garantias prestadas no âmbito dos contratos e supra referidos e livranças por si avalizadas, pelo que o preenchimento das livranças foi abusivo e indevido, pugnando os embargantes pela inexistência, em relação aos mesmos, dos títulos dados à execução.
XV - Nas circunstâncias como a dos autos, quando existe aval omnibus, devem aplicar-se as condições de desvinculação previstas para a fiança omnibus, pois verificou-se uma indissociável ligação entre a qualidade de sócio e a subscrição do aval, sendo totalmente inadmissível que os embargantes sejam responsáveis, por dívidas de uma sociedade da qual nada sabem e desde Maio de 2010 não pode controlar.
XVI – No parco entendimento do recorrente, em primeiro lugar, salvo o devido respeito por entendimento contrário, será de sufragar que embora o aval seja irrevogável, é admissível a sua denúncia até ao momento do preenchimento do título.
XVII - Violenta, contrária à vontade presumível das partes, e, sobretudo, contrária à ordem pública, uma vinculação de duração indefinida – tendencialmente perpétua –, é inerente às relações jurídicas de duração indefinida a faculdade de pôr-lhes termo mediante denúncia”, pelo que, nesse quadro, para a denúncia ser válida e eficaz bastaria a simples comunicação ao Banco, que a recebeu, da vontade e do pedido feito pelo avalista de “ser retirado” da livrança o seu aval, isto independentemente do fundamento que foi invocado (a circunstância de ter deixado de ser sócio e renunciado à gerência da sociedade subscritora da livrança). De qualquer modo, mesmo que se não perfilhasse a possibilidade da denúncia, o que só por mera hipótese se concebe, sem que tal tenha valor de confissão, sempre o recurso à resolução com justa causa ou ao abuso de direito acobertará similar decisão, contrariamente ao plasmado na Douta Sentença recorrida.
XVIII - Atentos os motivos supra mencionados será de considerar que a recorrida, preencheu abusivamente as livranças tendo inclusive usado abusivamente aquelas que tinham em seu poder, pois bem sabiam que o aval delas constante não poderia produzir efeitos em virtude de tudo quanto se acaba de expor, manifestando uma total desconformidade entre a vontade declarada e o seu preenchimento.
XIX - Também, contrariamente ao decidido na Douta Sentença recorrida, cumpre que se esclareça que desde Maio de 2010 que ao recorrente foi vedado o acesso a qualquer informação, ou transmitida pelo H…, ou até pela recorrida, a data em que se verificou o incumprimento, quais os montantes em dívida, quais os valores pagos pela devedora subscritora da livrança, a Sociedade “B…, Lda.”, se ocorreram modificações ao contrato 42º e 43º, 52º.
XX - Destarte, se é certo no que se refere ao ónus da prova dos factos invocados como fundamento da oposição à execução, valem inteiramente as regras gerais estabelecidas no CC, cabendo ao executado que deduz oposição a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos que opõe à pretensão do exequente e a este a prova dos factos constitutivos do direito exequendo, por força do preceituado no art. 342º do CC.
XXI - Ora, da aplicação das regras gerais sobre o ónus da prova, contidas no referido art.342º, decorre que nem sempre recai sobre o opoente à execução o ónus de provar todos os fundamentos da oposição que deduz: será efectivamente assim quando o executado estruture a sua oposição numa defesa por excepção, invocando como suporte desta factos «novos», de natureza impeditiva, modificativa ou extintiva que lhe cumprirá naturalmente provar, mas já não quando se limite estritamente a impugnar os factos constitutivos do crédito do exequente, documentado pelo título executivo, eventualmente completado pela alegação constante do requerimento executivo.
XXII - Tal defesa por impugnação – e não por excepção – poderá, desde logo, ter como objecto os factos complementares ao título executivo, que, por deste não constarem, o exequente tenha alegado no requerimento executivo, nos termos previstos na al. b) do nº3 do art.º 810º do CPC: sendo estes negados pelo opoente/executado, e não estando obviamente cobertos pela força probatória que dimana do título executivo, é evidente que recairá inteiramente sobre o exequente o respectivo ónus probatório, enquanto elementos constitutivos do direito que pretende realizar coercivamente, impugnados pela parte contrária.
XXIII - E foi precisamente o que sucedeu relativamente ao cálculo dos valores constantes das livranças dadas à execução e que permitiriam conduzir à conclusão do preenchimento abusivo da mesma. In veritas não poderia alegar o recorrente factos que lhe eram desconhecidos como fundadamente invocado na sua oposição.
XXIV - Mas mesmo que o tribunal “a quo” entendesse, como entendeu, que os executados/embargantes, aqui recorridos, não concretizaram motivos concretos que pudessem conduzir à conclusão de que a exequente actuou de forma abusiva ao apor determinada quantia nos títulos cambiários, Como já se tem entendido na jurisprudência dos tribunais superiores, “descortinando-se irregularidade, insuficiência ou imprecisão na exposição ou concretização de certos factos necessários à procedência da acção, tal será sempre sanável através do convite ao aperfeiçoamento” nos termos do artigo 590º do CPC.
XXV - A omissão desse convite, passível, como é, de influir na decisão da causa, gera nulidade (artigo 195/1 CPC) nulidade que ora se argui para os devidos e legais efeitos.
XXVI - Quanto à abordagem singela que é feita na Douta Sentença Recorrida acerca plano de recuperação aprovado e homologado por sentença no âmbito do processo de insolvência nº 1038/11.8TYVNG, no qual a subscritora da livrança - a sociedade B… - foi declarada insolvente, não poderá o recorrente deixar de a contestar pela presente via , porquanto, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães no âmbito do Processo 1248/10.5TBBCL-A.G2 de 24-02-2012, segundo o qual havendo alteração do prazo de cumprimento da obrigação, esta deixa de ser imediatamente exigível e tal repercute-se necessariamente na relação processual estabelecida entre a exequente e o avalista no processo executivo instaurado.
XXVII - Não poderá o recorrente sufragar o teor da douta sentença recorrida quando se pronuncia acerca da suficiência da garantia hipotecária, quando na realidade o que está em causa, atenta a junção aos autos por parte do Serviço de Finanças que comprovam que pela exequente foi apresentada reclamação de créditos em 19-02-2015, existindo, por conseguinte instauradas duas acções (execução contra os avalistas e reclamação de créditos contra a subscritora da livrança) que se destinam a cobrar a mesma quantia.
A recorrida respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
1) Se ao não ter sido convocada audiência prévia foi cometida uma nulidade;
2) Se é já possível conhecer do mérito dos embargos;
3) Sendo-o, se existe fundamento para julgar os embargos improcedentes.
III. Os factos:
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
a) Em 17 de Agosto de 2007, foi celebrado entre o H…, S.A. (…) e a sociedade B…, Lda., declarada insolvente no processo n.º 1038/11.8TYVNG, que correu termos no Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia (fls. 43 dos presentes autos), um contrato de mútuo, pelo qual foi financiado um montante de €1.050.000,00, tendo sido acordado entre as partes - artigo 12.º do contrato - que os valores em dívida àquela instituição bancária seriam caucionados por livrança subscrita pela sociedade B… e avalizada pelos executados D…, F…, G… e E…, sendo a livrança destinada a garantia o pagamento de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir pela mutuária perante o H… por crédito até ao limite de um milhão duzentos e sessenta mil euros, acrescido de juros e despesas, entregando a mutuária a autorização de preenchimento assinada por si e pelos avalistas; as obrigações ficaram ainda garantidas por hipoteca sobre os imóveis que ali se identificam - prédios urbanos descritos sob o n.º 1060 da freguesia de …-Maia (inscrito na matriz sob o art.º 680) e 584 da freguesia e concelho de … (cf. doc. de fls. 5 a 14 dos autos principais, cujo teor se tem por reproduzido).
b) Em 13 de Novembro de 2009, as partes aludidas em a) celebraram um contrato de mútuo, pelo qual o H… concedeu à mutuária um empréstimo no montante de €140.000,00, nos termos do qual os valores em dívida ao H… seriam caucionados por livrança subscrita pela sociedade B… e, avalizada pelos ora executados D…, F…, G… e E…, sendo a livrança destinada a garantia o pagamento de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir pela mutuária perante o H… por crédito até ao limite de cento e quarenta mil euros, acrescido de juros e despesas, entregando a mutuária a autorização de preenchimento assinada por si e pelos avalistas, ficando os valores em dívida garantidos ainda por hipoteca sobre o prédio urbano descrito sob o n.º 1060, Maia, …, inscrito na matriz sob o art. 680 (cf. doc. de fls. 15 a 23 dos autos principais, cujo demais teor se tem por integralmente reproduzido).
c) Por via de contrato de cessão de créditos celebrado em 29 de Março de 2012 entre a exequente e o H… aquela adquiriu o crédito detido pelo H… sobre a sociedade B… com todas as garantias a acessórios (cf. doc. de fls. 25 a 58, com identificação do crédito a fls. 34, cujo demais teor se tem por integralmente reproduzido).
d) Com datas de 21.03.2014, a exequente, por carta registada, comunicou à sociedade B… e a cada um dos avalistas indicados em a) e b) a resolução dos contratos de mútuo ali identificados, com a advertência de que se consideravam imediatamente vencidas todas as obrigações decorrentes de cada um dos contratos, então calculadas em €972.346,92 e €153.312,80 respectivamente em relação aos contratos celebrados em 17.08.2007 e 13.11.2009, pelo que por aquela via comunicam que irão proceder ao preenchimento das livranças caução pelo montante indicado, cujo vencimento ocorrerá no dia 02.04.2014 (cfr. doc. de fls. 60 a 79 dos autos principais, cujo teor se tem por integralmente reproduzido).
e) Os executados, na qualidade de avalistas, preencheram e assinaram a convenção de preenchimento das livranças em branco, nos termos constante dos documentos juntos a fls. 80 a 89 dos autos principais, expressamente consignando nas autorizações datadas de 17.08.2007 e 13.11.2009 que enviam livrança em branco subscrita e avalizada pelas pessoas ali identificadas, entre as quais figuram os embargantes, destinadas a garantir o pagamento de todos os valores que se mostrarem em dívida pela sociedade B…, por crédito concedido e/ou a conceder e valores descontados e/ou adiantados até aos limites, respectivamente, de €1.260.000,00 e €140.000,00, desde logo autorizando o H… a completar com todos os restantes elementos, nomeadamente data de vencimento, local de pagamento e valor a pagar, que corresponderá aos valores que forem devidos aquando da sua eventual utilização (cf. doc. de fls. 80 a 89 dos autos principais, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
f) As livranças entregues em branco e referidas em e), avalizadas pelos embargantes pela aposição de assinaturas nos respectivos versos sob a expressão “dou o meu aval à firma subscritora” encontram-se preenchidas com datas de vencimento de 02-04-2014, nos valores de €972.346,92 e €153.312,80 (cf. doc. de fls. 94 e 95 dos autos principais, cujo teor se tem por reproduzido).
g) O imóvel inscrito sob o artigo 680º da matriz e hipotecado como garantia dos créditos aludidos em a) e b) encontra-se a ser objecto de venda executiva no âmbito de processo de execução fiscal, no contexto da qual a exequente reclamou os seus créditos, não tendo, até 28.11.2016, sido realizada a venda ou obtido o respectivo produto (cf. doc. de fls. 88 dos presentes autos).
h) Por documento particular designado como CESSÃO DE QUOTA, a que foi aposta a data de 03.05.2010, em que se identificam como primeiros outorgantes os embargantes D… e E… e como segundo outorgante G…, casado com F…, consta como teor que os primeiro e segundo outorgantes são sócios da sociedade B…, pretendendo os primeiros ceder ao segundo a sua quota, reservando a propriedade até integral pagamento do preço acordado, que fixam em €150.000,00, a pagar em 120 prestações mensais de €1.250,00, vencendo-se a primeira no dia 25.05.2010 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes, a que acrescem €50.000,00 a ser paga aos primeiros se for recuperado valor que a empresa tem em contencioso, estabelecendo-se para garantia do pagamento do preço a reserva de propriedade da quota (cf. doc. de fls. 23 a 25, cujo teor se tem por integralmente reproduzido).
i) Por apresentação a registo datada de 08.05.2010, foi inscrita a renúncia do embargante D… à gerência da sociedade B… (cf. doc. de fls. 26 a 30, cujo teor se tem por reproduzido).
j) De documento designado como CONFISSÃO DE DÍVIDA, a que foi aposta a data de 03.05.2010, consta como teor que os declarantes J… e I… declaram que têm conhecimento de o seu pai G… adquiriu nessa data a D… e E… a quota que aqueles detinham no capital social de B… e que, no seu interesse e do seu pai, por ter sido condição para a cedência da identificada quota, se obrigam a pagar aos cedentes qualquer valor que a este venha a ser reclamado e por força de qualquer aval por estes prestado enquanto o cedente marido foi sócio e gerente da identificada sociedade (cf. doc. de fls. 31, cujo teor se tem por reproduzido).
k) Por carta datada de 30.04.2014, endereçada pelos aqui embargantes à exequente/embargada, tendo por assunto a resolução de contratos celebrados em 13.11.2009 e 17.08.2007, aqueles comunicaram a esta última que a quota havia sido cedida em Maio de 2010, facto de que foi dado conhecimento ao banco, solicitando a desvinculação do pacto de preenchimento celebrado entre as partes, tendo os filhos do sócio G… assumido o pagamento das responsabilidades bancárias; referem que se opõem ao preenchimento das livranças e que não possuem bens penhoráveis (cf. doc. de fls. 32 a 34, cujo teor se tem por integralmente reproduzido).
l) Em 25.10.2012 foi homologado plano de insolvência da empresa B…, Ld.ª (cf. doc. de fls. 36 a 44 dos presentes autos cujo teor se tem por reproduzido).
m) Com data de 23.11.2011 foi proferida sentença de declaração de insolvência da empresa B…, Ld.ª (cf. doc. de fls. 43).
IV. O mérito do recurso:
A] da não realização da audiência prévia:
Nos termos do artigo 591.º do Código de Processo Civil, findos os articulados ou após as diligências ordenadas no despacho pré-saneador se a ele houver lugar, é convocada audiência prévia destinada a algum ou alguns dos fins seguintes: a) realizar tentativa de conciliação, nos termos do artigo 594.º; b) facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar excepções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa; c) discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate; d) proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º; e) determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º; f) proferir, após debate, o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º e decidir as reclamações deduzidas pelas partes; g) programar, após audição dos mandatários, os actos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as respectivas datas.
Este preceito legal estabelece a regra: realização da audiência prévia. Os preceitos seguintes ocupam-se das excepções: o artigo 592.º da definição dos casos em que pura e simplesmente a audiência prévia não tem lugar, o artigo 593.º da definição dos casos em que a audiência prévia pode ser dispensada.
A audiência prévia não se realiza (artigo 592.º) sempre que a acção não tenha sido contestada mas a revelia seja inoperante e/ou o processo deva findar no despacho saneador pela procedência de excepção dilatória que já tenha sido debatida nos articulados. Nestes casos, é a própria lei processual que não prevê a realização da audiência prévia pelo que a mesma não tem de ser dispensada por despacho.
Em todas as demais situações a lei prevê a audiência prévia, pelo que, no respeito pelo princípio da legalidade dos actos processuais, em regra a mesma deve ser realizada só podendo deixar de o ser nos casos em que a própria lei permite a sua dispensa (artigo 593.º).
A lei processual apenas autoriza o juiz a dispensar a audiência prévia nas acções que hajam de prosseguir e, a realizar-se, a audiência prévia só tivesse por objecto as finalidades indicadas nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º.
A forma expressa e taxativa como estas disposições estão redigidas permite concluir com segurança que quando a acção houver de prosseguir (isto é, não deva findar no despacho saneador pela procedência de excepção dilatória que já tenha sido debatida nos articulados) e o juiz pretenda decidir de imediato, no todo ou em parte, do mérito da causa (ou apreciar excepção dilatória que não tenha sido debatida nos articulados ou que vá julgar improcedente) deve realizar-se audiência prévia para facultar às partes a discussão de facto e de direito que importe para esse conhecimento. É o que resulta claro da não inclusão da alínea b) do n.º 1 do artigo 591.º no elenco das situações para que remete o n.º 1 do artigo 593.º e da relação necessária entre o artigo 592.º e o artigo 593.º.
Preside a esta opção a intenção de facultar às partes a última oportunidade de exporem os seus argumentos para convencer o juiz sobre a solução de mérito a proferir, tendo o legislador optado pela solução de que isso se processe em sede de audiência prévia e, portanto, de forma oral através da discussão entre os intervenientes. Esta última oportunidade encontra-se, por exemplo, nas acções não contestadas em que a revelia é operante, caso em que não obstante o réu não tenha apresentado contestação lhe é permitido apresentar alegações, nessa ocasião por escrito (artigo 567.º).
Nessa medida, o despacho proferido nos autos após a realização de diligências ordenadas ao abrigo do n.º 2 do artigo 590.º do Código de Processo Civil e imediatamente antes da sentença, no qual a Mma. Juíza a quo dispensou a realização da audiência prévia é afinal um despacho ilegal por não estar verificada nenhuma das situações em que lhe era legalmente permitido dispensar a realização desse acto processual.
Não impede essa conclusão a afirmação constante do despacho de que as partes foram alertadas previamente do «propósito manifestado pelo tribunal de imediato conhecimento do mérito da causa». São aspectos distintos a intenção de conhecer de imediato do mérito e o acto em que esse conhecimento tem lugar. Se a lei permite expressamente que se conheça imediatamente do mérito na própria audiência prévia, o anúncio espúrio da intenção não pressupõe necessariamente a afirmação do local e/ou acto em que a intenção vai ser concretizada, isto é, que o vá ser na audiência prévia ou fora desta.
Mais relevante que isso é a circunstância de a lei não permitir ao juiz que dispense a realização da audiência nos casos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 591.º do Código de Processo Civil ou, tão-pouco, que possa entender fazê-lo no uso de um poder discricionário.
Pode questionar-se se, não obstante, o juiz pode dispensar a realização da audiência, fazendo uso já não um poder discricionário, como aqui teve lugar de forma ilegal, mas o poder de gestão processual na dimensão do poder de simplificação e agilização processual (artigos 6.º e 547.º).
Temos sérias reservas sobre essa possibilidade. Com efeito, estamos perante uma situação em que o legislador regulou de forma pensada e pormenorizada a tramitação processual, estabelecendo diferenças entre os actos a praticar consoante a situação verificada e sopesando de forma expressa o caso de o passo que se segue ser apenas o do conhecimento do mérito. Acresce que a solução legal de impor a realização da audiência possui, como vimos já, serve o objectivo coerente e justificado de levar às últimas consequências o princípio do contraditório, explorando as virtualidades da discussão oral entre os intervenientes dos argumentos pelos quais a decisão deve ser uma ou outra, sendo difícil de conceber um processo equitativo que prescinda dessa discussão oral sem, ao menos, a substituir pela possibilidade de apresentação de alegações escritas.
Podemos, contudo, aceitar que em casos limite, quando as questões a decidir forem muito simples e a decisão sobre as mesmas for pacífica na jurisprudência e na doutrina, essa preocupação do legislador possa não fazer sentido e o juiz possa, no uso do seu poder de simplificação e agilização processual e adequação formal proferir a decisão por escrito sem realizar a audiência prévia.
Mesmo nesses casos, entendemos que a decisão de prescindir desse acto processual prescrito na lei deve ser fundamentada e precedida não da manifestação da intenção de o fazer, mas, sobretudo, do convite prévio às partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de o fazer e da permissão às partes de alegar por escrito o que iriam sustentar oralmente na audiência se esta tivesse lugar.
O caso dos autos não se enquadra claramente nessa hipótese porque nem as questões a decidir são simples, nem têm obtido uma resposta consensual na doutrina e da jurisprudência, nem o despacho foi fundamentado no exercício desse poder do juiz, nem, por fim, as partes foram previamente auscultadas sobre a possibilidade de não se realizar a audiência prévia.
Temos assim que foi cometida nos autos uma irregularidade que pode influir no exame ou na decisão da causa e se converte numa nulidade processual (artigo 196.º do Código de Processo Civil).
Isto mesmo foi decidido no Acórdão desta secção da Relação do Porto de 24-09-2015, em que interviemos como 1.º Adjunto, proferido no processo n.º 128/14.0T8PVZ.P1, in www.dgsi.pt, e do qual passamos a respigar a seguinte fundamentação complementar:
«Da Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII pode extrair-se: “A audiência prévia é, por princípio, obrigatória, porquanto só não se realizará nas acções não contestadas que tenham prosseguido em regime de revelia inoperante e nas acções que devam findar no despacho saneador pela procedência de uma excepção dilatória, desde que esta tenha sido debatida nos articulados.
No que respeita aos seus fins, a audiência prévia tem como objecto: (i) a tentativa de conciliação das partes; (ii) o exercício de contraditório, sob o primado da oralidade, relativamente às matérias a decidir no despacho saneador que as partes não tenham tido a oportunidade de discutir nos articulados; (iii) o debate oral, destinado a suprir eventuais insuficiências ou imprecisões na factualidade alegada e que hajam passado o crivo do despacho pré-saneador; (iv) a prolação de despacho saneador, apreciando excepções dilatórias e conhecendo imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa; (v) a prolação, após debate, de despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova”.
Entende Abílio Neto [.] que “a realização da audiência prévia é tendencialmente obrigatória, porquanto, por um lado, só em casos contados a lei permite que ela não se realize (art. 592.º) e, por outro, só nas hipóteses contempladas no art. 593.º fica ao critério do juiz dispensar a sua realização”.
[…] Ora, como destaca o acórdão da Relação de Lisboa de 05.05.2015[4], “não se verificando nenhuma das situações previstas no art. 592º, e se a acção não houver de prosseguir, nomeadamente por se ir conhecer no despacho saneador do mérito da acção, deve ser convocada audiência prévia para facultar às partes a discussão de facto e de direito (art. 591º, nº 1, al. b))”.
Assim, e voltando de novo à discussão dos autos, a audiência prévia só poderia ser dispensada no contexto – que, para o efeito, teria de ser expressamente invocado no despacho em que se decidiu pela dispensa da referida formalidade processual e só depois de ouvidas as partes - dos artigos 547º e 6º, nº1, ambos do Código de Processo Civil[.].
Dado que a audiência prévia não foi dispensada nessa específica situação[.], exigia-se a sua realização para assegurar o cumprimento da finalidade imposta pelo n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil.
Segundo o citado acórdão da Relação de Lisboa de 05.05.2015, “a convocação da audiência prévia para o fim previsto no art. 591º, nº 1, al. b) visa assegurar o respeito pelo princípio do contraditório, e, assim, evitar decisões-surpresa (art. 3º, nº 3), pelo que se nos afigura que o juiz só poderá dispensar, nestes casos, a audiência prévia, ao abrigo do disposto nos arts. 6º e 547º, se aquele conhecimento assentar em questão suficientemente debatida nos articulados”.
Como explica Lebre de Freitas [.], “quando se julgue habilitado a conhecer imediatamente do mérito da causa, mediante resposta, total ou parcial, ao pedido (ou pedidos) nela deduzido(s) (art. 595-1-b), o juiz deve convocar a audiência prévia para esse fim. No CPC de 1961 posterior à revisão de 1995-1996, exceptuava-se o caso em que os fundamentos da decisão a proferir tivessem sido já discutidos pelas partes, não havendo insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto a corrigir e revestindo-se a apreciação da causa de manifesta simplicidade. No novo código esta excepção desaparece: o juiz não pode julgar de mérito no despacho saneador sem primeiro facultar a discussão, em audiência, às partes”.
Paulo Pimenta [.] explica desta forma a necessidade de ser convocada a audiência prévia: “Antes de mais, impede que as partes venham a ser confrontadas com uma decisão que, provavelmente, não esperariam fosse já proferida, isto é, evita-se uma decisão-surpresa (art.º 3º 3). Depois, são acautelados os casos em que a anunciada intenção de conhecimento imediato do mérito da causa derive de alguma precipitação do juiz, tanto mais que não é frequente a possibilidade de, sem a produção de prova, ser proferida já uma decisão final. Desse modo, a discussão entre as partes tanto poderá confirmar como infirmar a existência de condições para o tal conhecimento imediato do mérito (…). Por outro lado, sabendo as partes que, no caso de o juiz pretender decidir o mérito da causa logo no despacho saneador, serão convocadas para uma discussão adequada, não terão de preocupar-se em utilizar os articulados para logo produzirem alegações completas sobre a vertente jurídica da questão. A solução consagrada permite, portanto, que os articulados mantenham a sua vocação essencial (exposição dos fundamentos da acção e da defesa), ao mesmo tempo que garante a discussão subsequente, se necessária, em diligência própria.”»
Esta solução a que chegamos foi ainda defendida nesta secção no Acórdão de 12.11.2015, proc. n.º 4507/13.1TBMTS-A.P1, e nos Acórdãos da Relação de Lisboa de 09.10.2014, no proc. n.º 2164/12.1TVLSB.L1-2, e de 05.05.2015, no proc. n.º 1386/13.2TBALQ.L1-7, e de 29.10.2015, no proc. n.º 2691/13.3TCLRS.L1-2, todos in www.dgsi.pt.
Na doutrina, além da já citada, também Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, vol. II, 2015, pág. 190, defende o seguinte: «Uma vez executado o despacho pré-saneador (ou seja, uma vez concluídas as diligências resultantes do preceituado no nº 3 do artº 590º - correcção das irregularidades formais dos articulados), ou, não tendo a ele havido lugar, logo que o processo lhe seja feito concluso, após a fase dos articulados, o juiz, observado o preceituado pelo artº 151º, nºs 1 e ss., designa dia para a audiência prévia indicando o seu objecto e finalidade de entre os constantes do nº 1 do artº 591º, a realizar num dos 30 dias subsequentes, salvo se ocorrer alguma das hipóteses previstas no artº 592º (em que a mesma não pode ex-lege realizar-se) ou no artº 593º (em que o juiz a entenda dispensável). Conforme a exposição de motivos da Reforma de 2013, «a audiência prévia é, por princípio, obrigatória. Porquanto só não se realizará: - nas acções não contestadas que tenham prosseguido em regime de revelia inoperante; - nas acções que devam findar no despacho saneador pela procedência de uma excepção dilatória, desde que esta tenha sido debatida nos articulados» (sic). E obviamente que também se não realizará no caso de revelia absoluta (operante) do réu, hipótese em que haverá lugar ao julgamento abreviado previsto no artº 567º, por reporte ao artº 56º.»
Refira-se, para evitar equívocos posteriores, que a solução da anulação do processado se impunha ainda por outra razão não referida pelos recorrentes mas de conhecimento oficioso, qual seja a de não estarem reunidas as condições para conhecer de imediato do mérito porquanto foram alegados factos com enorme relevo para a decisão de mérito a proferir, os quais estão impugnados e não estão (não podiam estar) reflectidos na matéria de facto à qual se aplicou o direito para proferir a sentença recorrida.
Referimo-nos ao facto de os embargantes alegarem que na sequência do contrato de cessão de quotas foram feitas comunicações ao H… para efeitos de desvinculação dos avalistas cedentes (artigos 8.º - “a referida situação foi de imediato comunicada às instituições bancárias, inclusivamente ao H…”-, 10.º - “evidenciaram perante a exequente, aqui embargada, da desvinculação do pacto de preenchimento perante o H…”, 12.º - “quer o H…, quer a embargada foram conhecedores da resolução que os embargantes fizeram operar, relativamente ao pacto de preenchimento” -, 17.º - “declaração expressa que os embargantes, bem como o cessionário das quotas … deram a conhecer ao H… e posteriormente os embargantes deram a conhecer à embargada”-).
Não se pode confundir o que foi comunicado à exequente com o que foi comunicado ao H…, sendo que a exequente adquiriu o crédito por cessão do credor originário, ficando por isso vinculada pelo conhecimento que este tinha da relação com os devedores e os garantes, não podendo pretender que apenas valha o que lhe foi comunicado na iminência do preenchimento das livranças se previamente à cessão de créditos algo tiver sido comunicado ao H… sobre o aval.
É certo que esses factos, importantes e necessários para se decidir a acção, estão alegados de forma vaga, imprecisa e relativamente (ou intencionalmente) descontextualizada. Mas isso obriga, a nosso ver, à prolação de um despacho de aperfeiçoamento do articulado, vinculando os embargantes a concretizar exactamente o que foi comunicado ao H… na sequência da cessão de quotas, por quem, de que forma e quando, a fim de posteriormente se produzir prova sobre essa materialidade.
Procede assim o recurso no que concerne à nulidade processual invocada pelos recorrentes, ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões.
V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida, declaram praticada a nulidade da falta de realização de audiência prévia, ordenam a sua sanação em 1.ª instância com a prática dos actos ordenados (a começar pelo despacho de aperfeiçoamento) e anulam todos os ulteriores termos do processo.
Não se conhece das restantes questões por o seu conhecimento ter ficado prejudicado.
Custas do recurso conhecido pelos recorridos (tabela I-B).

Porto, 27 de Setembro de 2017.
Aristides Rodrigues de Almeida (Relator; Rto371)
Inês Moura
Francisca Mota Vieira