Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1342/21.7T8GDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REMUNERAÇÃO DO MEDIADOR
NEXO DE CAUSALIDADE
REGIME DE EXCLUSIVIDADE
Nº do Documento: RP202305041342/21.7T8GDM.P1
Data do Acordão: 05/04/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O direito da mediadora à retribuição acordada no âmbito de um contrato de mediação imobiliária pressupõe, por regra e sem prejuízo das excepções previstas na lei, que a mediadora haja desenvolvido actividade com vista à angariação de interessado para a celebração do negócio, que este se tenha concretizado com o interessado angariado pela mediadora, de forma a poder afirmar-se que a conclusão do contrato resultou da actividade desenvolvida pela mediadora.
II - Num contrato de mediação imobiliária sob o regime de exclusividade recai sobre o comitente a obrigação de pagar a remuneração acordada, independentemente de o negócio visado não se ter concretizado, se a não realização de tal negócio a ele for imputável.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1342/21.7T8GDM.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Porto
Juízo Local Cível de Gondomar – Juiz 2



Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO.
A..., LDA propôs acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA e BB, pedindo que sejam os Réus condenados a pagarem-lhe a quantia de €9.225,00, acrescida dos juros vincendos à taxa anual de 7%, desde a citação até integral e efectivo pagamento.
Para tanto alega, em síntese, que celebrou com os Réus um contrato de mediação imobiliária com cláusula de exclusividade, que estes violaram tal contrato, sendo devido o valor peticionado.
Citados, os Réus contestaram, afirmando não terem dado o seu acordo à alegada cláusula de exclusividade, nem tendo o clausulado contratual geral lhe sido explicado, designadamente quanto à remuneração escrita na cláusula 5.ª do contrato de mediação, tendo manifestado junto da A. a sua vontade em extinguir o contrato a 30.12.2020, por não se encontrarem satisfeitos com os serviços desta.
Terminam peticionando a condenação da Autora como litigante de má fé.
Na sequência de despacho de 30.09.2021, a Autora exerceu o contraditório.
Ouvidas as partes, foi dispensada a realização de audiência prévia, sendo proferido despacho saneador e igualmente dispensada a fixação do objecto do litígio e temas de prova.
Concluída a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente a acção, absolvendo do pedido os Réus, julgando igualmente improcedente o pedido de condenação da Autora como litigante de má fé.
Não se conformando a Autora com tal sentença, dela interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
“1º
O Tribunal na douta sentença proferida para além da matéria de facto dada como provada deveria ainda ser dado como provado:
a) As partes acordaram celebrar o contrato em regime de exclusividade;
b) A cláusula referente à exclusividade do negócio foi assinada no respetivo espaço, na presença dos Réus, aquando da subscrição do contrato;
c) as condições do contrato respeitantes à exclusividade e remuneração devida no caso apresentada pela Autora aos Réus, foi com estes negociado e efectuado de acordo com a sua vontade;
d) o facto do imóvel ter sido anunciado na página de outra imobiliária, impediu que potenciais clientes angariados pela A. visitassem o imóvel e que outros que já o tinham visitado, apresentassem propostas para a sua aquisição;
e) o contrato de mediação foi preenchido na presença dos réus aquando da assinatura do mesmo e que não lhes foi entregue pela Autora uma cópia do contrato, mas no mesmo dia o comercial CC lhes entregou;
f) no decurso do prazo que os Réus detinha contrato com a Autora, celebraram, contrato de mediação com outra imobiliária e a fração foi vendida ainda no decurso de antes de Agosto de 2021;
g) a Autora angariou promitente adquirente interessado na compra da fração dos Réus pelo preço de 142.500,00, tendo comunicado tal facto a estes.

Na matéria de facto “não provada” que consta nas alíneas a), b), c), e d), devem passar para a matéria de facto “provada”.

E tal inclusão deverá ser efectuada tendo em conta o depoimento prestado pela testemunha, DD, EE e FF.

O tribunal “a quo” também deu como não provado a alínea f) e g) que refere:
f) os RR nunca tenham concordado com a cláusula de exclusividade, tendo dito à A. que não pretendiam esse regime;
g) À data da assinatura, o campo destinado à exclusividade não estava assinalada com uma cruz, tendo sido preenchido sem o conhecimento e consentimento dos RR.

É o mesmo que dar como provado que os Réus concordaram com a cláusula de exclusividade, que concordaram com esse regime e ainda que aquando da assinatura do contrato de mediação imobiliária o campo destinado à exclusividade foi preenchido com o conhecimento e consentimento dos Recorridos, sendo isto que se pode concluir “a contrario sensu” das alíneas f) e g) dos factos não provados indicados na douta sentença proferida pelo tribunal “a quo”.

Os próprios Réus, nas declarações de parte prestadas admitiram que o contacto foi efectuado com o comercial Sr. CC, que em Agosto foi a sua casa com o DD e que o contrato foi dado a assinar, confirmando que havia espaços em branco que foram preenchidos à sua frente, nesse momento não lhe tendo sido entregue uma copia mas no mesmo dia à noite o mesmo comercial foi a sua casa e entregou uma cópia.

Também confirmaram que houve um aditamento ao contrato de medição a baixar o valor da venda da fração para €150.000,00 e houve uma proposta apresentada pela recorrente mas por valor inferior a esse e que em Abril/Maio conseguiu vender a fração por intermédio da KW.

Tendo em conta o que se pode e deve extrair da prova documental dos autos, tal como a prova testemunhal produzida nos autos nas partes supra identificadas e descriminadas com a temporização, e igualmente transcrita, para maior facilidade de exposição e compreensão, entendemos, salvo o devido respeito, que a decisão proferida no tribunal “a quo” no que à matéria de facto concerne, padece de erro de julgamento, inclusive, por contradição.

O contrato de mediação imobiliária pode ser definido como “aquele pelo qual uma empresa de mediação imobiliária procura, para os seus clientes, destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta ou o arrendamento dos mesmos, ou o trespasse ou a cessão de posição em contratos que tenham por objeto bens imóveis, mediante remuneração”. cf. Higina Orvalho Castelo, Contrato de mediação imobiliária, VERBO jurídico, p.2.
10º
O artigo 19, n.º 1, da Lei n.º 15/2013, versa sobre a remuneração da empresa. E afirma, no nº 1, que esta é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação (ou com a celebração do contrato promessa, se assim tiver sido estipulado no contrato de mediação imobiliária).
11º
Quanto à remuneração o artigo 19 º n.º 2 da citada lei, determina que “no contrato de mediação celebrado em regime de exclusividade, com o proprietário do bem imóvel ou com o arrendatário trespassante, se o contrato visado não se concretizar por causa imputável ao cliente da empresa mediadora, esta tem direito à remuneração.” Higina Orvalho Castelo, Obra cit, pag 12.
12º
Esta norma, para operar, sendo o pagamento exigível mesmo que se não concretize o contrato visado, apresenta os seguintes pressupostos, como decorre da sua letra:
a)- que o contrato de mediação tenha sido celebrado com o proprietário ou o arrendatário trespassante do bem imóvel;
b) - que tenha sido acordado o regime de exclusividade;
c)- e que a não concretização do negócio visado tenha causa imputável ao cliente (e logo, pelo menos, que mediadora tenha angariado interessado resoluto na celebração do negócio em condições de o concluir).
13º
Com esta norma pretende defender a mediadora dos comportamentos da proprietária(o) do imóvel que violem o contrato celebrado entre ambos, mantendo a obrigação de pagamento da remuneração nos casos em que podia e devia ter celebrado o contrato definitivo e o não fez.
14º
Assim, exige-se a culpa do comitente devedor, nos termos gerais previstos no artigo 798º do Código Civil, para se verificar o dever de remunerar apesar da falta de celebração do contrato definitivo. Neste sentido, cf acórdão proferido no processo 65022/19.2YIPRT.G1, de 01/14/2021, do Tribunal da Relação de Guimarães, da relatora Margarida Almeida Fernandes, in www. dgsi.pt.
15º
No caso sub judice resulta da matéria de facto provada que em 13/08/2020, no exercício da sua atividade comercial, a recorrente, na qualidade de primeira outorgante, celebrou com os recorridos na qualidade de segundos outorgantes, um contrato designado de “mediação imobiliária” - contrato ...20, nos termos do qual aquela se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra da fração autónoma sita na Rua ..., em Gondomar, pelo preço de €159.500,00, mediante o pagamento de remuneração correspondente a 5% do valor da venda, acrescida de IVA à taxa legal em vigor.
16º
Também resulta dos factos provados que consta na cláusula 4.ª do contrato (Regime de contratação): «1– O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de [ ] Não exclusividade [x ] Exclusividade. E ainda que, como cláusula 5.ª do contrato (Remuneração):
«1 -A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as exceções previstas no artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 08 de Fevereiro. 2 -O Segundo Contraente obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração: [X] A quantia de 5 % calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, acrescida de IVA à taxa legal de 23%, sendo que a mediadora tem uma comissão mínima de €5.000,00, acrescida de IVA à taxa legal de 23%. (…) 3 – O pagamento de remuneração apenas será efetuado nas seguintes condições: [X] O total da remuneração aquando da celebração da escritura ou conclusão do negócio visado.
17º
No caso em apreço, o contrato definitivo não se realizou, mas a sua não realização é devida à ação dos recorridos, porquanto ainda que estes têm enviado carta datada de 30/12/2020 a pretender rescindir o contrato e posteriormente mail em 04/02/2021 a reiterar essa vontade, o certo é que a recorrente por carta registada com aviso receção, comunica aos recorridos que não podiam denunciar o contrato que o mesmo permanecia em vigor até 12/08/2021, caso pretendesse podiam opor-se à sua renovação e que havia um promitente-comprador interessado em adquirir a fração pelo preço de €142.500,00.
18º
E também resulta dos factos provados que os recorridos mesmo tendo sido interpelados pelos recorrentes que tinham contrato de mediação em vigor em regime de exclusividade, incumpriram o contrato de mediação celebrado ao celebrarem um outro contrato com outra imobiliária, tendo sido a fração alienada antes de Agosto de 2021, ou seja, durante a vigência do contrato com recorrente, conforme consta nos pontos 14, 15 e 18 dos factos provados da douta sentença proferida pelo tribunal “a quo”.
19º
No contrato de mediação imobiliária com regime de exclusividade, o mediador tem o direito de ser o único a promover o contrato desejado e, por isso, tem direito à remuneração independentemente da conclusão deste contrato por causa imputável ao cliente da empresa mediadora, no caso pelo facto de colocar a fração à venda noutra imobiliária, ainda quando detinha contrato de mediação em vigor com a recorrente., porque no contrato de mediação, em regime de exclusividade, que tem de ser respeitado durante todo o prazo, sem admissibilidade de cessação por decisão unilateral do cliente e sem causa justificativa – neste sentido, v. g., o Acórdão da Relação de Lisboa, de 5 de Junho de 2018, Processo n.º 85/17.0T8VFX.L1-7, disponível in www.dgsi.pt.
20º
Como refere Higina Orvalho Castelo, in Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado, Almedina, 2015, a pág. 105 “No contrato de mediação com cláusula de exclusividade, a revogabilidade ad nutum conduziria à inutilização da cláusula”. Acrescentando a pág. 132 que “O contrato de mediação com uma tal cláusula tem de ser respeitado durante todo o seu prazo. Sendo inadmissível a sua cessação por decisão unilateral do cliente, sob pena de total ineficácia da cláusula. Sempre que quisesse celebrar o contrato com interessado angariado por outro mediador (ou por si, no caso de exclusividade absoluta), bastaria ao cliente revogar o encargo do mediador exclusivo. Ao contrato de mediação exclusivo não pode, portanto, ser posto termo unilateralmente e sem causa justificativa”.
21º
No caso, resulta nos pontos 7 e 8 dos factos provados que a recorrente, recebeu chamadas, manteve contactos e mostrou a fração a interessados, efectuando deslocações ao imóvel para esse efeito, e também resultou provado nos pontos 14 e 15 que mesmo assim os recorridos colocaram a fração à venda noutra imobiliária e venderam-no antes de Agosto de 2021 (ainda no período de vigência do contrato com a recorrente).
22º
Assim, a recorrente tem o direito da recorrente receber a contratualizada remuneração, no cumprimento das obrigações assumidas, como resulta do disposto no artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil, neste sentido, v. g., o Acórdão da Relação de Coimbra, de 18 de Fevereiro de 2020, Processo n.º91/18.8T8IDN. CI, relator Arlindo Oliveira, in www.dgsi.pt.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão deverá ter provimento o presente recurso interposto conforme o acima expedido, proferindo douto acordão que revogue a sentença do tribunal a quo e condene os recorridos no pagamento da remuneração devida de 5% sobre o valor que o promitente-comprador angariado pela recorrente pretendia adquirir a fracção, ou seja, 5% de €142.500,00”.
Os apelados apesentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação do decidido.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II. OBJECTO DO RECURSO.
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar:
- se existe erro na apreciação da prova;
- se é devida a remuneração reclamada pela Autora.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
III.1. Foram os seguintes os factos julgados provados em primeira instância:
1. A A. é uma sociedade comercial que tem como objecto social: Actividades de Mediação Imobiliária. Actividades de Angariação Imobiliária. Administração de Imóveis por Conta de Outrem. Outras actividades auxiliares de serviços financeiros, que compreende as actividades auxiliares de intermediação financeira, tais como o processamento das transações dos cartões de crédito, serviços de investimentos relacionados com a tomada firme de instrumentos financeiros e/ou a colocação de instrumentos financeiros com garantia, custódia e administração de instrumentos financeiros por conta de clientes.
2. Em 13/08/2020 , no exercício da sua actividade comercial, a A., na qualidade de primeira outorgante, celebrou com os RR, na qualidade de segundos outorgantes, um contrato designado de “mediação imobiliária” - contrato ...20, nos termos do qual aquela se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra da fracção autónoma sita na Rua ..., em Gondomar, pelo preço de €159.500,00, mediante o pagamento de remuneração correspondente a 5% do valor da venda, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, e demais teor que aqui se dá por reproduzido.
3. O documento subscrito pelas partes consiste num impresso com texto pré-escrito, com espaços em branco para preenchimento nos casos concretos, modelo esse que a A. usa na sua actividade e apresenta a todos os clientes.
4. Consta da cláusula 4.ª do contrato (Regime de contratação):
«1– O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de [ ] Não exclusividade [x ] Exclusividade.
2 – O regime de exclusividade previsto no presente contrato implica que só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação imobiliária durante o respectivo período de vigência
5. Figura como cláusula 5.ª do contrato (Remuneração):
«1 -A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 08 de Fevereiro.
2 -O Segundo Contraente obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração:
[ X] A quantia de 5 % calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado, acrescida de IVA à taxa legal de 23%, sendo que a mediadora tem uma comissão mínima de €5.000,00, acrescida de IVA à taxa legal de 23%.
(…)
3 – O pagamento de remuneração apenas será efetuado nas seguintes condições:
[ X] O total da remuneração aquando da celebração da escritura ou conclusão do negócio
visado.
(…)».
6. Nos termos da cláusula 8.ª do contrato (prazo de Duração do Contrato) :
«O presente contrato tem uma validade de 12 [ ] dias [x ]meses contados a partir da data da sua celebração renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes através de carta de carta registada com aviso de recepção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo.».
7. Logo após a assinatura do citado contrato, a A. levou a cabo diligências de promoção da fracção, divulgando-a na internet, em cartazes e folhetos.
8. E recebeu chamadas, manteve contactos e mostrou a fracção a interessados, efetuando deslocações ao imóvel para esse efeito.
9. No dia 14/10/2020, foi celebrado entre a A. e a R., um Aditamento ao contrato, em que esta última acordou baixar o valor da venda da fracção para o preço de €150 000,00.
10. Em Dezembro de 2020, a R., manifestou junto do Diretor Comercial da A., a sua insatisfação com a actuação desta empresa e vontade de cessar o contrato.
11. Após o que o imóvel deixou de estar anunciado nas plataformas eletrónicas/on line de venda da A..
12. No dia 30/12/2020 , os RR remeteram à A. uma carta registada com aviso de recepção, informando “não termos interesse em manter qualquer contrato com a vossa imobiliária (…)
Sendo que deverão rescindir qualquer vínculo contratual que nos ligue, com efeitos imediatos. O fundamento da resolução prende-se com o facto de terem assinalado no contrato de mediação imobiliária que o regime de contratação, era o regime de exclusividade.
Contudo, sempre foi dito que não aceitávamos a exclusividade e, inclusive, a cruz no exclusivo foi colocada depois da nossa assinatura, sem o nosso consentimento e conhecimento para tal.».
13. A R., através de mail enviado em 04/02/2021 à A., afirmou «Atendendo ao explanado na notificação por nós enviada em 23 de Dezembro de 2020 (….), vimos pela presente reiterar que consideramos sem efeito o vinculo contratual desde aquela data de 23 de Dezembro 2020 (…)».
14. A A., em resposta ao mail, envia carta registada aos RR, em 05/02/2021, a informar que não podiam denunciar o contrato, pois o mesmo permanecia em vigor até 12/08/2021, caso pretendessem podiam era oporem-se à sua não renovação, logo o contrato permanecia válido, daí que, continuaria a promover a venda do imóvel e que não podiam eles negarem-se a que fossem efectuadas visitas a eventuais compradores, sob pena de terem que pagar a comissão devida, informando que tinham uma proposta efectuada por um cliente para aquisição do imóvel pelo valor de €142.500,00 .
15. A A., através de carta registada datada de 01/03/2021 , informou os RR que tinham violado o contrato de mediação imobiliária consigo celebrado no dia 13/08/2020, e válido até 12/08/2021, em regime de exclusividade, tendo tido conhecimento de que os RR celebraram um outro com outra imobiliária “incumprindo dessa forma o contrato celebrado com a nossa empresa” (…) incumpriram a cláusula de exclusividade tornando assim impossível o bom sucesso da prestação da nossa mediadora, pois ninguém se pode interessar verdadeiramente em comprar um imóvel que já não está à venda (…) razão pela qual (…) é na mesma devido, por parte de V. Exas. o pagamento da remuneração acordada (…)».
16. A A., no dia 26/03/2021, deu entrada no Tribunal de Instância Local de Gondomar, de notificação judicial avulsa da R., no sentido de esta proceder ao pagamento à A., no prazo máximo de 5 dias, após a notificação, do valor de €9.225,00, na conta com o IBAN que identifica.
17. Por despacho judicial foi ordenada a notificação judicial da R., tendo sido esta notificada, por agente de execução em 16/04/2021 .
18. Os RR colocaram a fracção à venda noutra imobiliária, tendo vindo a ser alienado antes de Agosto de 2021, sem qualquer intervenção da A. nesse negócio.
III.2. A mesma instância considerou não provado que:
a) As partes tenham acordado celebrar o contrato em regime de exclusividade .
b) A cláusula referente à exclusividade do negócio tenha sido assinalada no respetivo espaço, na presença dos RR, aquando da subscrição do contrato.
c) As condições do contrato respeitantes à exclusividade e remuneração devida no caso apresentado pela A. aos RR, tenha sido com estes negociado e efectuado de acordo com a sua vontade.
d) O facto de o imóvel ter sido anunciado na página de outra imobiliária, tenha impedido que potenciais clientes angariados pela A. visitassem o imóvel e que outros que já o tinham visitado, apresentassem propostas para a sua aquisição.
e) A venda do imóvel dos RR tenha sido efectivada por virtude da actuação da A..
f) Os RR nunca tenham concordado com a cláusula de exclusividade, tendo dito à A. que não pretendiam esse regime.
g) À data da assinatura, o campo destinado à exclusividade não estava assinalada com uma cruz, tendo sido preenchido sem o conhecimento e consentimento dos RR.
h) Entre 13/08/2020 a 14/10/2020 a A. nunca tenha apresentado aos RR qualquer interessado no imóvel.
i) Em Dezembro de 2020, o Diretor Comercial da A., DD, tenha anuído, sem qualquer entrave, a declaração de vontade da R. em extinguir o contrato, por não se encontrar satisfeita com os serviços prestados até ali.
j) A A. não tenha respondido à carta enviada pelos RR em dezembro de 2020.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
1.1. Rejeição do recurso.
Dispõe hoje o n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, estabelecendo o seu nº 2:
A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.
Pugnam os recorridos pela rejeição do recurso na parte respeitante à impugnação da decisão relativa à matéria de facto, alegando que “A Recorrente, sob a denominação de “Conclusões”, apresenta uma cópia das suas alegações, com meras alterações de cosmética, designadamente articulando as mesmas e dividindo por parágrafos, não cumprindo o disposto no artigos 639º, n.º 1 e artigo 640º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a) do C.P.C., razão pela qual o requerimento de recurso deverá ser rejeitado, nos termos do artigo 641º, n.º 2, alínea b) do C.P.C..”
Sustentam ainda que “nas alegações apresentadas, a Recorrente limita-se a apresentar excertos da provas gravadas (apenas nas partes que lhe convém), não indicando com exactidão quais as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, e manipula deliberadamente e de forma grosseira as respetivas transcrições dos depoimentos das testemunhas, o que, salvo o devido respeito, só pode ter em vista turvar a visão do Tribunal ad quem” e que “A Recorrente não procedeu a uma transcrição fidedigna, objetiva e verdadeira dos depoimentos testemunhais, razão pela qual deve o presente requerimento de recurso ser rejeitado, na medida em que, tendo a prova sido gravada, não foi dado cumprimento pela Recorrente o que impõe o artigo 640, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a) do C.P.C.”.
Ao contrário do que defendem os recorridos, os ónus tipificados no artigo 640.º do Código de Processo Civil mostram-se satisfatoriamente cumpridos: a recorrente identifica a matéria sobre a qual incide a sua dissidência, referindo expressamente os factos que devem ser adicionados aos factos provados – artigos 1.º e 2.º das conclusões recursivas -, indica os concretos meios probatórios constantes da gravação que, quanto aos pontos de facto impugnados, impunham decisão diversa da proferida, indica no corpo das alegações as passagens da gravação, com identificação do respectivo ficheiro áudio, data e hora do início e termo da gravação, procedendo, ainda que tal seja legalmente dispensável, a transcrição parcial dos depoimentos gravados, não sendo as conclusões reprodução integral do corpo das alegações, o que, a verificar-se, justificaria a rejeição do recurso.
Não existe, assim, fundamento para rejeitar o recurso relativo à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
1.2. Reapreciação da matéria de facto
Os recorrentes discordam da apreciação pelo tribunal de primeira instância da decisão por este proferida sobre a matéria de facto, reclamando o aditamento dos factos elencados no artigo 1.º das conclusões à matéria de facto julgada provada.
Pretendem ainda que se dê como provada a matéria constante da sentença recorrida sob as alíneas a), b), c) e d), dada como não provada.
Para o efeito, convocam exclusivamente prova testemunhal produzida em audiência: depoimento das testemunhas DD, EE e FF.
Procedeu-se à audição da gravação dos depoimentos das indicadas testemunhas.
- DD trabalha para a Autora há 4 anos, exercendo funções de director comercial, sendo ainda responsável por uma loja e respectiva equipa, em ....
Refere ter conhecido os Réus no âmbito do contrato celebrado entre estes e a Autora, tendo acompanhado uma vez um angariador da Autora, que identifica como CC, ao apartamento daqueles, onde recolheu imagens fotográficas da fracção que posteriormente foram publicadas em diversos sites.
Esclareceu que, no caso concreto, o formulário do contrato – que é contrato tipo, pré-elaborado, com espaços em branco, que são preenchidos de acordo com as condições contratuais estabelecidas entre as partes – se achava parcialmente preenchido, tendo, antes da assinatura do mesmo pelos Réus, nele sido aposta a identificação destes e do imóvel, assim como colocado um X na opção regime de exclusividade, e sido explicado aos Réus os termos do contrato antes dos mesmos terem procedido à sua assinatura, reconhecendo que na altura não foi entregue aos mesmos qualquer cópia do contrato.
Admite haver recebido a missiva enviada em Dezembro de 2020 pela Ré, na qual esta declara pretender rescindir o contrato com efeitos imediatos, à qual não respondeu, apesar de aí também se afirmar que a cruz que assinala o regime de exclusividade foi aposta posteriormente à assinatura do mesmo, sem consentimento dos Réus e que após recepção da referida carta a Autora retirou das plataformas informáticas o anúncio da venda do imóvel, argumentando que os Réus não iam consentir na realização das visitas de potenciais clientes, mas que a publicidade foi reactivada quando se aperceberam que o apartamento estava reservado numa outra imobiliária e que, entretanto, um cliente que tinha visitado o imóvel em Novembro de 2020 apresentou proposta de aquisição do mesmo, pelo valor de €142.500,00, disso informando os Réus, sem deles obter qualquer resposta a tal comunicação.
- A testemunha EE, licenciada em direito, trabalha para a Autora, onde exerce funções de gestora processual desde 2019, esclareceu não haver participado na elaboração do contrato em discussão, apenas tomando conhecimento da situação em litígio após a testemunha DD a ter informado da existência de um contrato em vigor que não havia sido cumprido pelos clientes da Autora.
Na sequência do que lhe foi transmitido pela referida testemunha, viu o contrato em causa, remetendo aos Réus a carta datada de 5.02.2021, que foi devolvida, tendo enviado nova missiva a 1.03.201, à qual não foi dada resposta.
Quanto à carta enviada pela Ré à Autora a 23.12.2020, esclareceu que só recentemente dela teve conhecimento, razão pela qual omitiu qualquer alusão à mesma nas cartas enviadas aos Réus.
- a testemunha FF, funcionária da Autora há cerca de dois anos e meio, exercendo funções de comercial, não presenciando a assinatura do contrato, referiu ter acompanhado um casal numa visita ao imóvel, em Novembro de 2021, que, tempos depois, apresentou uma proposta de compra pelo valor de € 142.500,00, que transmitiu ao seu director, a testemunha DD.
Quanto ao procedimento habitual da empresa de que é funcionária, esclareceu que existe um documento pró-forma que é preenchido à frente do cliente, e que é lido pela própria depoente ou pelo cliente, confirmando que habitualmente, no momento da assinatura do contrato, não é entregue duplicado do mesmo ao cliente, sendo essa entrega feita posteriormente, após digitalização.
As testemunhas EE e FF, embora não se detectem razões que abalem a credibilidade dos seus depoimentos, não tendo estado presentes no momento da assinatura do contrato celebrado entre Autora e Ré, nem assistindo às prévias negociações, contribuíram de forma muito escassa para o esclarecimento da matéria controvertida objecto de impugnação.
Ainda assim há a reter do depoimento da testemunha FF que os contratos de mediação imobiliária celebrados pela Autora se traduzem num documento “pró-forma”, cujo preenchimento é completado na presença do cliente, aquando da sua assinatura, sem que na altura lhe seja entregue duplicado do contrato, o que só é feito posteriormente.
Quanto ao ónus de informação das cláusulas contratuais por parte da Autora, explica que o contrato tanto pode ser lido aos clientes pela depoente, como podem serem os próprios clientes a ler o seu conteúdo.
E a mesma testemunha confirma a existência de um interessado na aquisição do imóvel, que visitou em Novembro de 2020, pelo preço de €142.500,00, valor inferior ao anunciado, resultante do aditamento introduzido ao contrato a 14.10.2020, que reduziu o preço de venda previamente estabelecido para €150.000,00.
Já quanto à testemunha DD, não obstante a mesma revelar mais aprofundados conhecimentos acerca dos factos em discussão, o seu depoimento, para além de pouco objectivo e claramente comprometido com os interesses da Autora, revela incongruências várias – designadamente, o relato acerca da proposta de compra dos alegados interessados no imóvel, que apenas identifica como GG e HH[1], apresentada após ter a Ré enviado a carta à Autora a manifestar o propósito de se desvincular do contrato, quando a visita ocorreu, segundo a testemunha, a 13 de Novembro de 2020, não contendo o email junto com a petição inicial como documento n.º 5, com data de 2.02.2021 reencaminhado para a testemunha DD pela também testemunha FF, qualquer identificação dos supostos interessados, nem sequer o seu endereço electrónico.
Não deixa, na verdade, de causar estranheza que a Autora não haja respondido por escrito à carta enviada pelos Réus em 23 de Dezembro de 2020, onde, para além de transmitirem que pretendem rescindir, com efeitos imediatos, qualquer vínculo contratual que os ligue à Autora, fazem expressa referência que nunca quiseram contratar em regime de exclusividade e que a cruz que assinala no contrato o regime de exclusividade foi aposta no mesmo depois de o assinarem.
E surpreende-nos a mesma estranheza pelo facto de só após recepção do email dos Réus, de 4.02.2021, a reiterar que consideram sem efeito, desde 23 de Dezembro de 2020, o vínculo contratual que tinham estabelecido com a Autora, tenha esta, no dia seguinte, remetido aos Réus uma carta informando-os que não podiam denunciar o contrato, porquanto o mesmo mantinha-se em vigor até 12.08.2021, e, como tal, válido, pelo que a Autora continuaria a promover a venda do imóvel, não podendo os Réus recusar a visita ao imóveis de eventuais interessados na aquisição do mesmo, sob pena de terem de pagar a comissão devida.
Sem qualquer referência à denúncia dos Réus, na carta de 23.12.2020, de que o espaço reservado ao regime de exclusividade havia sido assinalado no contrato após assinatura do mesmo, que, pela gravidade de que se reveste, tornava expectável, em termos de normalidade, uma resposta a tal imputação, limita-se a Autora a retorquir aos Réus que o contrato estava em vigor até 12.08.2021, comunicando-lhe a existência de interessado na aquisição do imóvel, mas por preço inferior ao estabelecido no contrato, tendo já em conta a redução de preço do aditamento ao contrato de Outubro de 2020.
Não deixando igualmente de se revelar curiosa a circunstância de a primeira informação sobre manifestação de interesse na aquisição do imóvel ter sido comunicada aos Réus volvidos largos meses sobre o início da vigência do contrato, depois de, por duas vezes, os Réus terem comunicado à Autora que pretendiam por termo, com efeitos imediatos, ao vínculo contratual que os ligava à Autora, sendo a alegada proposta dos interessados, cuja identificação nunca surge revelada nos autos, sido transmitida decorridos quase três meses sobre a indicada data da visita ao imóvel.
Note-se ainda que apesar da testemunha em causa mencionar que foram efectuadas dez visitas ao imóvel dos Réus cuja venda era promovida pela Autora, das respectivas fichas juntas aos autos apenas uma se acha assinada pela Ré, tendo as demais sido impugnadas pelos Réus.
A falta de imparcialidade da testemunha DD e o seu comprometimento com os interesses da Autora, que, no seu depoimento se confundem muitas vezes com os seus próprios interesses, evidenciada também na forma e tom acalorado, e por vezes, mesmo hostil, colocados nas respostas às perguntas formuladas pela mandatária dos Réus, além das várias incongruências detectadas no seu depoimento e ausência de outros elementos probatórios que confiram consistência a tal depoimento, são razões suficientes para por em causa a sua credibilidade, não logrando convencer.
E, analisando desta forma crítica a indicada prova testemunhal, ter-se-á de concluir não poder dela extrair-se a comprovação dos factos cujo aditamento aos factos provados a recorrente reclama.
Não se detectando qualquer erro de julgamento da matéria de facto, mantém-se inalterada a respectiva decisão, improcedendo, como tal, nesta parte, o recurso da apelante.
2. Da aplicação do Direito aos factos provados.
2.1. Natureza do contrato.
O contrato de mediação imobiliária traduz-se na actividade de procura, em nome dos respectivos clientes, de interessados na realização de negócios, reais ou obrigacionais, que tenham como seu objecto bens imóveis. As funções de imediação imobiliária consistem na prospecção e recolha de informações, assim como na promoção desses bens imóveis, mediante divulgação ou publicitação, incluindo a realização de leilões. É o que se extrai do artigo 2.º, n.º 1 da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro (DR I, n.º 28), alterada pelo Decreto-Lei n.º 102/2017, de 23 de Agosto (DR I, n.º 162).
Para Antunes Varela[2], “o contrato de mediação imobiliária é uma das modalidades do contrato de prestação de serviços, segundo o qual uma das partes se obriga a conseguir interessado para certo negócio e a aproximar esse interessado da outra parte. Isto, normalmente, como é óbvio, em contrapartida de uma remuneração, uma vez que tal contrato se tem, em princípio, como oneroso”.
Ao contrário do que sucedia no âmbito de aplicação do anterior Decreto-Lei n.º 411/2004[3], actualmente a actividade do mediador já não é definida por uma obrigação de diligenciar, mas antes de procurar (... destinatários para a realização de negócios).
Constitui actualmente obrigação do mediador diligenciar no sentido de procurar interessado no negócio visado no contrato. Mas não constitui obrigação do mesmo encontrar interessado que concretize o negócio. Não depende, com efeito, do mediador a realização do negócio visado, o qual depende apenas das vontades do seu cliente e do interessado encontrado. Daí que não faça parte da obrigação do mediador garantir o negócio, mas, sim, a procura de destinatário para o mesmo.
Como precisa Higina Orvalho Castelo[4], “O mediador desenvolverá a actividade pretendida pelo seu cliente no interesse de ambos, sabendo que só será remunerado se for bem sucedido na procura e se, na sequência disso, o cliente vier a celebrar o contrato desejado, celebração que se mantém na disponibilidade deste. A faculdade do mediador tem como contraponto a liberdade do cliente relativamente à celebração do contrato desejado – sem prejuízo de casos especiais, como o contrato com cláusula de exclusividade ou o contrato de leilão, e da proibição do abuso de direito”.
Segundo o acórdão do STJ de 1.04.2014[5], “Para que ocorra uma mediação basta que, como consequência dos actos de promoção e facilitação envidados pelo mediador, se perfeccione o contrato a que as mesmas tendem, através da concorrência da oferta realizada por uma das partes e a consequente aceitação pela outra, não se exigindo a sua posterior consumação, pois que este resultado é independente da vontade do mediador, a não ser que se haja responsabilizado expressamente de o obter, através de um pacto especial de garantia no qual assuma o bom fim da operação”.
Tem natureza formal, formalizando-se através de mero documento particular (artigo 16.º, n.º 1), devendo nele constar os requisitos legais necessários e exigíveis sob pena de nulidade do respectivo contrato, considerando-se como seis (6) meses, na falta de indicação em contrário, o prazo contratual regra (artigo 16.º, n.º 2, 3 e 5).
2.2. Do direito à remuneração.
Tendo natureza bilateral, o contrato de mediação caracteriza-se pela sua onerosidade, constituindo a remuneração elemento essencial do contrato.
Dispõe o artigo 19.º do RJAMI, sob a epígrafe Remuneração da Empresa:
1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato - promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.
2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.
3 - Quando o cliente for um potencial comprador ou arrendatário, a empresa, desde que tal resulte expressamente do respectivo contrato de mediação imobiliária, pode cobrar quantias a título de adiantamento por conta da remuneração acordada, devendo as mesmas ser devolvidas ao cliente caso o negócio não se concretize.
4 - O direito da empresa à remuneração cujo pagamento caiba ao cliente proprietário de imóvel objecto de contrato de mediação não é afastado pelo exercício de direito legal de preferência sobre o dito imóvel.
5 - O disposto nos números anteriores aplica -se apenas a contratos sujeitos à lei portuguesa.
Como se extrai da letra do artigo 2.º, n.º 1 do aludido diploma, a obrigação do mediador consiste em procurar interessado e aproximá-lo do comitente para a realização de negócio no sector imobiliário. Não constitui obrigação fundamental do mediador concluir tal negócio, sendo indiferente que nele intervenha.
Em contrapartida, é obrigação do comitente remunerar o mediador pelos serviços prestados no âmbito da sua actividade.
Para Pinto Monteiro[6], “a obrigação fundamental do mediador é conseguir interessado para certo negócio que, raramente, conclui ele próprio. Limita-se a aproximar duas pessoas e a facilitar a celebração do contrato, podendo a sua remuneração caber a ambos os contraentes ou apenas àquele que recorreu aos seus serviços. A remuneração do mediador (…) é independente do cumprimento do contrato, diversamente do que sucede com a retribuição do agente (…), podendo exigi-la logo que o mesmo seja celebrado”.
Constitui entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que no contrato de mediação imobiliária a regra[7] é a de que a remuneração da empresa mediadora só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, ou seja, que a comissão do mediador apenas é devida quando a sua actividade tenha contribuído, de forma determinante, para a celebração (e perfeição) do negócio, por via da aproximação do comitente com terceiros para o efeito.
Defende-se no acórdão da Relação de Lisboa de 2.02.2014[8] que “a mediadora imobiliária tem direito à retribuição convencionada quando a sua actuação é determinante/causal para a concretização da venda, tendo sido as diligências por si desenvolvidas que conduziram à aproximação dos interesses na concretização do negócio, proporcionando que o mesmo se tivesse efectivamente concluído”.
De acordo com o entendimento dominante da jurisprudência do STJ, “o juízo positivo a formular sobre a relação de causa efeito deve assentar na verificação de um nexo de causalidade adequada: o mediador tem direito à comissão quando, embora não sendo a sua actividade a única determinante da cadeia de factos que deram lugar ao negócio pretendido pelo comitente, contribuiu para ela”[9].
Tratando-se de mediação em regime de exclusividade, o direito à remuneração pressupõe que o mediador demonstre que praticou todos os actos necessários à concretização do negócio visado entre o seu cliente e o terceiro interessado e que só por conduta imputável ao primeiro tal negócio não se concretizou.
Tratando-se de contrato de mediação imobiliária em regime de exclusividade esse direito à remuneração não existe apenas nos casos de “conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação”, mas também quando o negócio visado não se realize por “causa imputável ao cliente”.
Reclamando a autora direito à remuneração com fundamento no citado artigo 19.º, é sobre ela que recai o ónus quer da alegação da respectiva factualidade, quer da subsequente prova, de acordo, respectivamente, com os artigos 5.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e 342.º, n.º 1 do Código Civil.
Pese embora a referida “causa imputável ao cliente” possa ser perspectivada como desvio à regra geral do dever de remuneração decorrente da “conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação”, não devemos descurar a finalidade da contrapartida da remuneração do mediador que está ínsita naquele artigo 19.º, n.º 1, quer disponha de meios para angariar comprador, quer realize o negócio mediado. A partir deste segmento normativo é possível estabelecer uma específica relação de causa/efeito entre a conclusão do negócio e o dever do cliente/direito de remuneração da mediadora, porquanto aquela causa é geradora destes efeitos. A propósito do nexo de causalidade propriamente dito o Código Civil estipula no seu artigo 563.º que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. A propósito tem sido encontrado neste normativo um nexo de causalidade adequada, ou seja, que os acontecimentos têm a aptidão e a propensão para produzir certo resultado – ainda que tal comando legal possa ser uma “fórmula vazia” para alguma situações mais complexas, a necessitar de uma interpretação integrativa. No entanto, nada impede que o evento inicial se insira com outros eventos sucessivos num processo causal conducente a certo efeito ou resultado correspondente a um prejuízo.
Tem considerado a jurisprudência que “Nem todas as causas fácticas ou naturalísticas poderão ser juridicamente havidas como causa do dano ocorrido; para tanto, hão-de integrar o critério da causalidade adequada, constante do citado art. 563.º do Código Civil”[10].
Para o efeito em análise poder-se-á concluir existir uma “causa imputável ao cliente” geradora do dever deste remunerar o agente de mediação imobiliária e do direito deste receber, quando o evento criado pelo cliente seja uma causa factual suficientemente forte, remota ou mais próxima, que obste à conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.
No caso em discussão não logrou a autora sucesso na comprovação de que o contrato de mediação foi celebrado com os réus sob o regime de exclusividade – alíneas, a), b) e c) dos factos não provados.
Resulta demonstrado que a concretização do negócio visado pelos réus com a celebração do contrato de mediação imobiliária – venda do imóvel objecto desse contrato – ocorreu sem a intervenção da autora – ponto 18.º dos factos provados e alínea e) dos factos não provados.
Como igualmente resulta do acervo fáctico apurado que só na missiva de 5.02.2021, na sequência da carta e do email remetidos pelos réus à autora, referidos, respectivamente, nos pontos 12. e 13. dos factos provados, comunicando-lhe o propósito de porem termo à relação contratual, a autora informou aqueles que tinha um cliente interessado na aquisição do imóvel, pelo valor de €142.500,00 – mas sem que se mostre provada a existência do alegado interessado, sendo, em todo o caso, o indicado valor inferior aos €150.000,00 constantes do contrato de mediação imobiliária, após a sua alteração.
Recorde-se que na carta enviada à autora a 30.12.2020, os réus lhe transmitiram que “não termos interesse em manter qualquer contrato com a vossa imobiliária (…)
Sendo que deverão rescindir qualquer vínculo contratual que nos ligue, com efeitos imediatos. O fundamento da resolução prende-se com o facto de terem assinalado no contrato de mediação imobiliária que o regime de contratação, era o regime de exclusividade.
Contudo, sempre foi dito que não aceitávamos a exclusividade e, inclusive, a cruz no exclusivo foi colocada depois da nossa assinatura, sem o nosso consentimento e conhecimento para tal”, reiterando essa vontade de porem termo ao contrato através do email enviado à autora a 4.02.2021.
A resolução consiste na destruição da relação contratual, validamente constituída, operada por um acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado[11].
O artigo 432.°, n.°1 do Código Civil admite a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção, operando mediante declaração duma parte à outra, nos termos do artigo 436.° do mesmo Código.
A revogação pode ser unilateral, quando é reconhecida a uma das partes a faculdade de dar sem efeito o contrato, ou bilateral, quando a extinção do contrato se dá por mútuo consentimento dos contraentes.
No caso em discussão defendem os réus que através da carta remetida à autora a 30.12.2020, na qual lhe comunicam que “que deverão rescindir qualquer vínculo contratual que nos ligue, com efeitos imediatos”, que não têm interesse na manutenção da relação contratual pelos fundamentos que na mesma missiva esclarecem, o contrato se extinguiu, não sendo devida a remuneração reclamada pela mediadora.
Contrapõe esta afirmando o seu direito a tal retribuição, argumentando que “No contrato de mediação imobiliária com regime de exclusividade, o mediador tem o direito de ser o único a promover o contrato desejado e, por isso, tem direito à remuneração independentemente da conclusão deste contrato por causa imputável ao cliente da empresa mediadora, no caso pelo facto de colocar a fração à venda noutra imobiliária, ainda quando detinha contrato de mediação em vigor com a recorrente., porque no contrato de mediação, em regime de exclusividade, que tem de ser respeitado durante todo o prazo, sem admissibilidade de cessação por decisão unilateral do cliente e sem causa justificativa – neste sentido, v. g., o Acórdão da Relação de Lisboa, de 5 de Junho de 2018, Processo n.º 85/17.0T8VFX.L1-7, disponível in www.dgsi.pt”.
Segundo o citado acórdão, “Na vigência do contrato de mediação imobiliária celebrado em regime de exclusividade, o cliente pode desistir da venda sem prejuízo de ter de pagar a comissão ajustada com a mediadora caso esta angarie um interessado - sério e genuíno - na compra, ainda dentro do prazo de vigência do contrato de mediação imobiliária”.
A factualidade retratada no acórdão em causa, como resulta da sua leitura, é claramente distinta da que nestes autos é apreciada, a que acresce o facto da autora, no caso em apreço, nem sequer haver logrado provar haver angariado “um interessado - sério e genuíno - na compra”.
Conforme ilustra a sentença aqui escrutinada, pronuncia-se maioritariamente a doutrina e a jurisprudência no sentido de ser legalmente admissível a revogação unilateral do contrato de mediação imobiliária ainda que subordinado ao regime de exclusividade, questão cuja discussão aqui se afigura absolutamente inócua não tendo a autora feito prova, como lhe competia, que o contrato foi celebrado na modalidade de exclusividade.
Pelas apontadas razões, não tendo a autora direito à remuneração que dos réus reclamava, não merece reparo a sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os réus do pedido.

Como tal, improcede o recurso, confirmando-se o decidido.
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Síntese conclusiva:
…………………….
…………………….
…………………….
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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar, de facto e de direito, improcedente o recurso da apelante A..., LDA, confirmando a sentença recorrida.

Custas: pela apelante.


Porto, 4.05.2023
Acórdão processado informaticamente e revisto pela primeira signatária.

Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Francisca Mota Vieira
______________________
[1] Sem referir outros elementos de identificação, cuja morada reconhece desconhecer.
[2] “Código Civil Anotado”, Volume II, 4ª edição, 785.
[3] Que prescrevia que “a actividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio que vise [...]”.
[4] “O Contrato de Mediação”, pág. 401.
[5] Processo 894/11.4TBGRD.C1.S1, www.dgsi.pt.
[6] Contrato de Agência (Anteprojecto), BMJ 360º, 85.
[7] Vigorando a liberdade contratual, podem as partes convencionar de modo diverso, sendo livres de acordar, por exemplo, que é devida indemnização mesmo que o negócio não se venha a concretizar.
[8] Proc. 2330/13.2TBSXL.L1, www.dgsi.pt.
[9] Acórdão do STJ de 18/03/97, CJ (Acórdãos do STJ), Ano V, Tomo I, 158.
[10] Acórdão STJ 2.04.2017, Cons. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, www.dgsi.pt .
[11] Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, II, 2.ª edição, 1974, pág. 238.