Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
37/14.2GCOVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Descritores: CRIME DE APROPRIAÇÃO ILEGÍTIMA
CORTE DE ÁRVORES
Nº do Documento: RP2017062137/14.2GCOVR.P1
Data do Acordão: 06/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 721, FLS 228-257)
Área Temática: .
Sumário: I - Com o crime de apropriação ilegítima p.p. pelo artº 209º nº 1 CP é punida a conduta que se traduza na apropriação ilegítima das coisas que entrem na posse ou detenção de alguém que não seja o seu proprietário por efeito de força natural, erro, caso fortuito ou de qualquer maneira independente da sua vontade, e ainda proveniente de achamento, perdida ou esquecida pelo seu dono.
II – Tal será o caso de o agente que adquiriu arvores para abate mas que por erro de localização do terreno onde estavam implantadas, os seus trabalhadores procederam ao corte de arvores de terceira pessoa sem autorização ou consentimento, vindo a ser transportadas e vendidas, desde que ao proceder a esse transporte e/ou venda já estivesse consciente desse erro e da falta de autorização do dono.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO PENAL n.º 37/14.2GCOVR.P1
Secção Criminal
CONFERÊNCIA

Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjunto: Jorge Langweg

Acordam os Juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
1. No âmbito do processo comum, com intervenção de Tribunal Singular n.º 37/14.2GCOVR, do Juízo Local Criminal de Ovar, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, por sentença proferida a 13 de Dezembro de 2016, mas apenas depositada no dia seguinte (14/12/2016) foi o arguido B..., com os demais sinais dos autos, absolvido da prática do crime de furto simples, previsto e punível pelo art. 203º, n.º 1, do Cód. Penal, que lhe estava imputado, e condenado pela prática de 1 (um) crime de apropriação ilegítima, previsto e punível pelo art. 209º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de € 15,00 (quinze euros).
2. Mais foi condenado a pagar, solidariamente com a sua representada “C..., L.da”, ao demandante D..., com os demais sinais dos autos, a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) a título de indemnização de danos patrimoniais, acrescida de juros legais, desde a sua notificação para contestarem o pedido civil até efectivo e integral pagamento.
3. No decurso da audiência de julgamento, mais concretamente na sessão inicialmente designada para leitura de sentença, a 18 de Novembro de 2016, o arguido, confrontado com despacho a determinar a junção de documentos ao demandante civil e consequente interrupção da audiência e designação de nova data para o acto de publicitação da decisão, arguiu irregularidade, por entender que não se verificavam os pressupostos da reabertura da audiência que, todavia, veio a ser indeferida e cominada com 2 UC´s de taxa de justiça, por se entender que estava em causa acto anómalo à normal e regular tramitação dos presentes autos.
4. Inconformado com tais decisões, o arguido B... delas interpôs recurso, o mesmo fazendo a demandada “C..., L.da”, no tocante à sentença, finalizando a motivação com as seguintes conclusões: (transcrição sem destaques)
Recurso Interlocutório
1. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido pela Inst. Local de Ovar no dia 18/11/2016 (cf. acta de audiência a fls…), despacho esse indeferiu a irregularidade arguida pelo recorrente relativa ao despacho proferido nesse mesmo dia e que ordenou a reabertura da audiência/produção de prova após ter sido declarada encerrada em 10-11-2016 a audiência de discussão e bem assim condenou o mesmo ao pagamento de uma taxa de justiça de 2 UC´s pela prática de ato anómalo (a arguição da própria irregularidade).
2. O recurso tem por motivação a irregularidade do despacho proferido a 18/11/2016 e que ordenou a reabertura da audiência/produção de prova quanto à factualidade constante da Acusação/PIC após ter sido declarada encerrada a audiência em 10-11-2016 por violação do disposto nos artigos 165º, 340º, 360º nº 4, 361º nº 2, 371º e 371º-A CPP e bem assim a ilegalidade da tributação em 2 UC´s por errada interpretação do artigo 7º nº 8 do RCP.
3. O artigo 340º não pode ser aplicado para sustentar/ordenar a produção de prova quanto aos factos constantes da acusação/PIC uma vez declarada encerrada a discussão.
4. Se a prova que o Tribunal a quo pretende produzir após o encerramento da audiência de discussão não incidir sobre questões de determinabilidade da sanção está vedada tal iniciativa processual pelo que o despacho que determinou a produção/junção de prova documental violou (ou pelo menos fez uma incorrecta interpretação/aplicação) os artigos 340º, 360º nº4, 361º nº 2 e 371º do CPP devendo ser considerado irregular com as devidas e legais consequências (artigo 123º CPP) nomeadamente a invalidade dos actos subsequentes.
Isto porque;
5. Findas as alegações seguem-se as últimas declarações do arguido e é declarada encerrada a audiência (artigo 361º do CPP) ficando esgotada a possibilidade de se usar o disposto no artigo 340º ou 360º nº 4 até porque a própria redação do artigo 361º nº 2 prevê uma única possibilidade de reabertura da audiência: o artigo 371º CPP (e atualmente após a reforma de 2007 o artigo 371º-A)
6. A inaplicabilidade do artigo 340º para determinação de produção de prova após o encerramento da audiência de discussão resulta da conjugação do disposto nos artigos 360º nº 4 e 361º nº 2.
7. Se fosse intenção do legislador estender a aplicabilidade do artigo 340º para além da fase de alegações orais não faria sentido a consagração expressa da interrupção das mesmas para efeitos de produção probatória uma vez que logicamente tal estaria abrangido pelo próprio artigo 340º.
8. Da conjugação do acima exposto resulta que, nos termos do artigo 165º do CPP só podem ser juntos documentos até ao encerramento da audiência, isso é, até ao encerramento da discussão, sendo que a mesma é declarada encerrada com as últimas declarações de arguido.
9. No âmbito do nosso sistema processual encontramos preceitos que são verdadeiras manifestações do princípio da investigação, podendo o Tribunal ordenar oficiosamente a produção de meios de prova indispensáveis para a boa decisão da causa (ex: artigo 340º) sendo que subjacente a tais construções normativas está pois a descoberta da verdade material não podendo contudo a busca da verdade sacrificar o papel do julgador afectando a sua imparcialidade decisória transmutando-o em “órgão inquisitório”.
10. O julgador deve ser um terceiro imparcial e uma consagração ampla do modelo investigatório na estrutura essencialmente acusatória do nosso sistema processual penal remete o Juiz para um papel activo na busca de material probatório colocando-o não numa posição de decisor mas de interveniente na própria produção probatória colocando em crise a própria legitimidade como julgador na medida em que este facilmente “perderá a posição objectiva e distanciada, própria dum julgado neutro, convertendo-o, pelo menos aos olhos do acusado, num seu adversário”
11. Conforme decidiu o Tribunal da Relação do Porto em Acórdão datado de 10-02-2014 que veio a julgar procedente a arguição de irregularidade. A reabertura da audiência de julgamento para produção de prova suplementar só é lícita (só é possível) quando for necessária para a determinação da sanção aplicável ou, então, para benefício do próprio arguido, maxime para a sua absolvição: se é possível reabrir a audiência para aplicação de lei penal mais favorável, mesmo depois do trânsito em julgado da decisão condenatória, o mesmo deve ocorrer (após o encerramento da audiência) se surgir um meio de prova capaz de favorecer o arguido. IV – O art. 371.º do CPP só pode justificar a reabertura da audiência para as finalidades ali previstas, ou seja, "nos termos do n.º 2 do artigo 369.º", o qual pressupõe a necessidade de produção de prova suplementar "para determinação da espécie e da medida da sanção a aplicar.
12. O despacho proferido em 18-11-2016 que ordenou reabertura da audiência/ produção de prova/junção de prova documental após ter sido declarada encerrada a audiência violou os artigos 165º, 340º, 360º nº 4, 361º nº 2 e 37º do CPP devendo ser considerado irregular com as devidas e legais consequências (artigo 123º CPP) nomeadamente a invalidade dos actos subsequentes que possuem conexão lógica e história com aquele (a junção dos documentos e a própria sentença).
13. O Tribunal a quo ao condenar o recorrente ao pagamento de uma taxa de justiça de 2 UC´S por “acto processual anómalo” violou os artigos 7º do RCP”.
14. A arguição de irregularidade não consubstancia um desvio ao normal andamento processual pelo que é insuscetível de tributação nem tendo autonomia processual própria.
15. O entendimento de que a arguição de irregularidades é processada como um incidente processual, objeto de tributação em caso de improcedência, não tem qualquer suporte legal.
16. O regime de custas em processo penal encontra-se expressamente previsto nos artigos 513º a 524º do Código de Processo Penal e no artigo 8.º do RCP
17. Da análise global do mesmo emerge a inexistência de norma específica para o processo penal que tribute como incidente arguição de nulidades e/ou irregularidades.
18. Quanto muito poderia equacionar-se a aplicação de taxa sancionatória especial prevista no artigo 521º nº 1. Sucede porém que tal taxa está reservada a comportamento processual que entorpeça o andamento do processo injustificadamente o que manifestamente não é o caso nem tal artigo foi invocado pelo Tribunal a quo.
19. O despacho recorrido na parte em que condena o recorrente ao pagamento de uma taxa de justiça de 2 UC é ilegal devendo ser revogado tendo o Tribunal a quo feito uma incorreta interpretação do artigo 7º do RCP.
Recurso da Sentença
Arguido B...
1. É interposto o presente recurso da decisão proferida pelo Juízo Local Criminal de Ovar que a) Absolve o arguido B... do crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203º, n.º 1, do Código Penal, antes o condenando (por convolação) pela prática, em autoria material, de um crime de apropriação ilegítima, p. e p. pelo art. 209º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €15,00 (quinze euros). b) Condena os demandados civis E... e “C..., Lda.”, a pagarem solidariamente ao demandante civil D... a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos patrimoniais, acrescida dos correspondentes juros legais, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 805º, n.º 2, al. b), e n.º 3, 806º, n.ºs 1 e 2, e 559º, nº 1, ambos do Código Civil, contabilizados desde a notificação dos demandados para contestarem o pedido de indemnização civil, e até efetivo e integral pagamento, absolvendo-os do mais peticionado.
2. O recorrente vinha acusado da prática de um crime de furto simples (203º n.º 1 do CP) e realizada a audiência de discussão e julgamento veio o recorrente a ser condenado, por convolação, pela prática de um crime de apropriação ilegítima, p. e p. pelo art. 209º, n.º 1, do Código Penal.
3. A natureza acusatória do sistema processual penal português determina a existência de uma correlação entre o despacho acusatório e a decisão sendo a fixação do objeto do processo aquando da dedução de acusação uma consequência da estrutura acusatória do processo e das garantias de defesa do arguido consagradas na Constituição (32º CRP).
4. Fixado o objeto do processo na acusação, o Tribunal não deverá, em princípio, poder tomar em conta quaisquer outros factos ou circunstâncias que pudessem prejudicar a defesa antes estruturada.
5. O Tribunal está então em regra vinculado ao thema decidendum como forma de assegurar a plenitude da defesa, garantindo ao arguido que este só poderá ser condenado pelos factos acusados, e não por outros, sob pena da nulidade prevista no art. 379º n.º 1 a) CPP.
6. Contudo, o nosso processo penal, admite que nem todos os factos relativos ao crime acusado possam constar da acusação desde logo porque da mesma deverá constar uma narração sintética dos factos podendo emergir durante a fase de discussão nova factualidade que traduza alteração dos factos anteriormente sinteticamente narrados, situação esta que é prevista nos artigos 303.º, 358.º e 359.º que distinguem entre “alteração substancial” e “alteração não substancial” dos factos descritos na acusação ou pronúncia.
7. Se se verificar uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia o Tribunal só pode deles conhecer se, feita a comunicação dessa alteração, “o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos, se estes não determinarem a incompetência do tribunal” (art. 359º nº 3 CPP) Gorado o acordo esses novos factos não podem ser tomados em conta pelo tribunal, valendo a sua comunicação ao Ministério Público como “denúncia para que ele proceda pelos novos factos, se estes forem autonomizáveis em relação ao objecto do processo” (art. 359º n.ºs 1 e 2 CPP).
8. Já “se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa”, salvo se os novos factos tiverem sido alegados pela defesa (art. 358º n.ºs 1 e 2 CPP).
9. O n.º 3 do artigo 358º CPP estipulando: O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia. Impõe-se que ao arguido seja dado conhecimento preciso de todas disposições legais que irão ser aplicadas e por isso, qualquer alteração da qualificação jurídica dos factos feita na acusação que coloque em causa a defesa, terá necessariamente de ser dada a conhecer ao arguido para que este dela se possa defender.
10. Para que a salvaguarda dos direitos de defesa seja eficaz o arguido tem de ter conhecimento do exato significado jurídico-criminal da acusação, o que implica, que lhe seja dado conhecimento preciso de todas disposições legais que irão ser aplicadas. Por isso, qualquer alteração da qualificação jurídica dos factos feita na acusação que coloque em causa a defesa, terá necessariamente de ser dada a conhecer ao arguido para que este dela se possa defender.
11. Consagrando artigo 283º n.º 3 alínea f) do CPP uma imposição de indicação na acusação das normais legais aplicáveis não pode Tribunal a quo a alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação sem comunicar tal ao arguido desde logo porque é a indicação da norma incriminadora que dá aos factos naturais o seu sentido de desvalor jurídico-penal.
12. Foi intuito do legislador que ao arguido seja dado conhecimento do exato conteúdo jurídico-criminal da acusação, dando-se assim consagração expressa à proteção dos direitos defesa (n.º 1 do artigo 32º da CRP) uma vez que só assim o arguido poderá preparar e organizar a sua defesa de forma adequada. É que o arguido não tem que se defender apenas da factualidade narrada e imputada na acusação.
13. Sendo a defesa também elaborada de acordo com o enquadramento jurídico aplicável aos factos sujeitos a julgamento caso mude o enquadramento poderá transmutar-se igualmente defesa, uma vez que todo e qualquer crime tem requisitos específicos e distintos.
14. No caso em apreço não estamos perante um simples afastamento de uma qualquer circunstância qualificativa-agravante e subsequente reconfiguração do crime mas sim um crime completamente distinto (ainda que menos grave mas com configuração típica bem distinta).
15. Pelo que, nos termos do artigo 358º nº 3 CPP deveria ter sido comunicada tal alteração para o arguido reorganizar a sua defesa que até então confluía para afirmar que não subtraiu coisa móvel alheia uma vez que vinha acusado de furto simples (203º n.º 1 do CP).
16. O Tribunal a quo ao não comunicar a alteração da qualificação jurídica violou, ou pelo menos fez uma incorreta interpretação do artigo 358 n.ºs 1 e 3 do CPP.
17. Estando a sentença recorrida afetada de nulidade nos termos do artigo 379º n.º 1 b) CPP que deverá ser suprida pelo Tribunal de primeira instância.
18. Conforme resulta dos autos o Arguido recorreu do despacho proferido pelo Tribunal a quo no dia 18-11-2016 (cf. acta de audiência a fls…), despacho esse que indeferiu a irregularidade arguida pelo recorrente relativa ao despacho proferido nesse mesmo dia e que ordenou a produção de prova/junção de documentos após ter sido declarada encerrada em 10-11-2016 a audiência de discussão e julgamento tendo tal recurso por motivação a irregularidade do despacho proferido e que ordenou a produção de prova quanto à factualidade constante da Acusação/PIC após ter sido declarada encerrada a audiência em 10-11-2016 por violação do disposto nos artigos 340º, 355º, 360º nº 4, 361º n.º 2, 371º e 371-A CPP.
19. Desde já se manifestando interesse na apreciação de tal recurso.
20. Se a prova que o Tribunal a quo pretendeu produzir após o encerramento da audiência não incidir sobre questões de determinabilidade da sanção está vedada tal iniciativa processual pelo que o despacho que determinou a junção de prova violou (ou pelo menos fez uma incorrecta interpretação/aplicação) os artigos 340º, 360º n.º 4, 361º nº 2 e 371º do CPP devendo ser considerado irregular com as devidas e legais consequências (artigo 123º CPP) nomeadamente a invalidade dos actos subsequentes (junção de prova documental e a própria sentença)
21. Findas as alegações seguem-se as últimas declarações do arguido e é declarada encerrada a audiência (artigo 361º do CPP) ficando esgotada a possibilidade de se usar o disposto no artigo 340 ou 360 nº 4 até porque a própria redacção do artigo 361º prevê uma única possibilidade de reabertura da audiência: o artigo 371º CPP (e actualmente após a reforma de 2007 o artigo 371º-A
22. A inaplicabilidade do artigo 340º para determinação de produção de prova após o encerramento da audiência resulta da conjugação do disposto nos artigos 360º n.º 4 e 361º n.º 2.
23. Se fosse intenção do legislador estender a aplicabilidade do artigo 340º para além da fase de alegações orais não faria sentido a consagração expressa da interrupção das mesmas para efeitos de produção probatória uma vez que logicamente tal estaria abrangido pelo próprio artigo 340º.
24. Emergindo da sentença recorrida que o Tribunal a quo para dar como provada a factualidade imputada ao recorrente valorou positivamente os documentos juntos pelo Ofendido alicerçando a formação da sua convicção nos mesmos fê-lo fundamentando-se em prova irregular.
25. A prova documental indicada pelo Tribunal na Motivação, nomeadamente escrituras, cadernetas prediais e certidões prediais emergem nos autos ao abrigo do despacho de fls..., proferido em audiência de discussão e julgamento do dia 18/11/2016 e sendo tal despacho irregular nos termos alegados no recurso interlocutório de fls.. deverá igualmente ser declarada a irregularidade dos actos subsequentes que possuem uma ligação lógica com o acto irregular.
26. Assim, a sentença recorrida que faz uso de prova irregular (e que por tal motivo não poderia ser valorada) utilizando a mesma para sustentar a prova de factos é ela mesmo irregular nos termos do artigo 123º do CPP o que expressamente se argui.
27. De acordo com o disposto no artigo 410º n.º 2 do CPP, mesmo nos casos em que a lei limita a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova.
28. Em qualquer das hipóteses supra elencadas, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo portanto admissível o recurso a elementos estranhos àquela para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer elementos existentes nos autos, mesmo que provenientes da própria audiência.
29. No que respeita à contradição insanável, este vício verifica-se sempre que haja contradição entre a matéria de facto dada como provada ou entre a provada e não provada, como igualmente entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou até ainda entre a fundamentação e a decisão. Os factos julgados como provados ou como não provados colidem inconciliavelmente entre si ou uns com os outros ou, ainda, com a fundamentação da decisão.
30. O recorrente foi condenado pela prática dum crime de apropriação ilegítima p. e p pelo artigo 209º do CP sendo que tal ilícito é um crime de dano e de resultado que consiste na apropriação ilegítima de coisa móvel alheia que veio à posse do agente do crime através de força natural, erro, caso fortuito ou de qualquer outra maneira externa à sua vontade ou ainda que tenha sido por aquele encontrada. A coisa móvel alheia terá entrado na posse do agente sem que o mesmo tenha contribuído para tal.
31. Resultando dos factos provados números 2 e 3 que: 2. Entre o dia 13 e o dia 15 de Janeiro de 2014, a hora não concretamente apurada, trabalhadores e/ou colaboradores da empresa “C..., LDA.”, gerida única e exclusivamente pelo arguido, a laborar por conta deste e a seu mando e interesse exclusivo, procederam ao abate não autorizado de várias árvores existentes num terreno de mato e pinhal, sito no ..., ..., em Ovar, propriedade do ofendido, D..., de onde as retiraram e levaram com eles, para as utilizar em proveito próprio, como aconteceu, designadamente, 93 eucaliptos, 62 pinheiros bravos, 2 carvalhos e 6 austrálias, provocando ao ofendido um prejuízo global avaliado em cerca de €5.000,00 (cinco mil euros). 3. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que agindo dessa maneira, por si ou através de alguém a seu mando, se apropriava de árvores que lhe não pertenciam, sem o conhecimento e autorização do legítimo proprietário, com a intenção, conseguida, de as integrar no seu património, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e criminalmente punível, e da fundamentação que: Perante este acervo fáctico, conclui-se que, com a conduta protagonizada, o arguido logrou apropriar-se ilegitimamente de coisa alheia (da ditas árvores), a qual havia entrado na sua posse por efeito de erro, e, por isso, por um dos modos expressamente referidos no preceito incriminador, e que claramente consubstancia uma maneira independente da sua vontade, como no mesmo se refere (cf. pág. 21 da Sentença) verifica-se a existência de vício de lógica.
32. Isto porque se as árvores foram cortadas a mando do arguido (facto provado nº 2) ou o arguido sabia que as mesmas eram bem alheio e comete um crime de furto ou não sabia que as árvores eram bem alheio e não comete crime algum. Se na motivação é dito que há erro e tendo o corte das árvores sido realizado a mando do arguido o arguido terá agido convencido que as árvores tinham sido por si adquiridas.
33. Se há um engano no momento do corte e tal corte foi feito naquele local a mando do arguido então não há consciência por parte deste do bem ser alheio.
34. Seguindo o fio condutor do raciocínio lógico do julgador, os factos julgados como provados colidem inconciliavelmente com a fundamentação da decisão isto porque se há erro no momento do corte, o erro é do arguido uma vez que dá-se como provado que o abate foi pelo mesmo ordenado. (facto 2)
35. Estamos pois perante uma anomalia da elaboração da sentença apreensível sem o recurso a elementos exógenos à mesma que consubstancia o vício previsto no artigo 410º n.º 2 b) do CPP de conhecimento oficioso o que deverá ser declarado com as devidas e legais consequências.
36. Assistimos a um notório erro de julgamento desde logo porque há uma ausência total de prova sobre os factos dados por provados uma vez que analisando a fundamentação facilmente extraímos que o Tribunal não se socorre de uma única prova mas sim de meras conjeturas e contorções lógicas inadmissíveis em processo penal e contraditadas por juízos de experiência.
37. Os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 412º nº 3 alínea a) do CPP) são:
2. Entre o dia 13 e o dia 15 de Janeiro de 2014, a hora não concretamente apurada, trabalhadores e/ou colaboradores da empresa “C..., LDA.”, gerida única e exclusivamente pelo arguido, a laborar por conta deste e a seu mando e interesse exclusivo, procederam ao abate não autorizado de várias árvores existentes num terreno de mato e pinhal, sito no ..., ..., em Ovar, propriedade do ofendido, D..., de onde as retiraram e levaram com eles, para as utilizar em proveito próprio, como aconteceu, designadamente, 93 eucaliptos, 62 pinheiros bravos, 2 carvalhos e 6 austrálias, provocando ao ofendido um prejuízo global avaliado em cerca de €5.000,00 (cinco mil euros).
3. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que agindo dessa maneira, por si ou através de alguém a seu mando, se apropriava de árvores que lhe não pertenciam, sem o conhecimento e autorização do legítimo proprietário, com a intenção, conseguida, de as integrar no seu património, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e criminalmente punível.
4. O Demandante Civil D... é dono do prédio rústico sito no ..., ..., em Ovar, composto por terreno e pinhal.
5. Em toda a extensão do referido pinhal existiam eucaliptos, pinheiros, carvalhos e sobreiros, alguns com mais de 40 anos de idade.
7. A 13 de Janeiro de 2014, o Demandado Civil B..., por si próprio ou em representação da sociedade Demandada “C..., Lda.”, apropriou-se e fez seus os pinheiros, eucaliptos, sobreiros e carvalhos existentes no referido pinhal, sem autorização do Demandante Civil D....
8. Após o abate ficou no pinhal apenas a ramagem e os cepos resultantes do corte de árvores.
9. O Demandante Civil D... não queria, nem nunca quis, vender as árvores existentes no mencionado pinhal.
10. O Demandado Civil B... sabia que o Demandante Civil D... não lhe tinha vendido ou autorizado a cortar as árvores existentes no referido pinhal.
11. A madeira existente no pinhal tinha um valor de, pelo menos, €5.000,00 (cinco mil euros).
38. As concretas provas que impõem decisão diversa (art. 412º n.º 3 al. b) do CPP) são:
i) Documentos Juntos aos Autos:
a) Fatura n.º 0095 a fls 103
b) Recibo n.º 0039 a fls 115
ii) Depoimentos Gravados das Testemunhas de Acusação:
a) F... [dia 13/10/2016, 11:05:07 a 11:16:24 ]
b) G... [dia 20-09-2016, 11:34:35 - 11:59:30],
c) H... [dia 13-10-2016 11:17:04 - 11:36:37]:
d) I... [dia 20-09-2016, 12:20:08 - 12:22:45]
e) J... [dia 20-09-2016; 12:23:26 - 12:33:32]
f) K... [dia 13-10-2016, 11:37:13 - 12:17:40]
g) L... [dia 10-11-2016, 11:20:38 - 11:28:30]
39. O que determinou a convicção do Tribunal para dar como provada a factualidade supra impugnada foi o facto de, da prova testemunhal produzida, ter resultado que o abate de árvores ocorrido no prédio o Ofendido entre os dias 13 e 15 de Janeiro de 2014 foi em momento contemporâneo e coincidente àquele em que os trabalhadores e/ou os colaboradores do arguido (e apenas estes, com exclusão de quaisquer outros pois que só os mesmos andaram naquela zona a proceder ao abate e subsequente transporte de madeira em escala industrial), contratados pelo arguido e ao serviço da firma “C..., Lda.”, por si unicamente gerida, andaram nas proximidades, calcorreando com as respetivas máquinas e tratores de grande porte os respetivos caminhos de acesso, procedendo em escala industrial ao abate e transporte de madeiras, saindo inclusivamente no dia 15 de Janeiro de 2014 um carregamento de madeira desta envergadura das proximidades do local em discussão nestes autos diretamente para Espanha, carregamento este realizado com ordem da firma C..., com sede na Rua ... – ... – Vila Nova de Gaia, como supra dilucidado pela testemunha L..., encaixando esta – a firma “C..., Lda” gerida exclusivamente pelo arguido, e só a mesma, os lucros obtidos com essa exportação” (sic).
40. Do facto de empresas contratadas pela sociedade gerida pelo recorrente terem andado nas proximidades a proceder ao abate e transporte de madeira em grande escala não se pode, através duma contorção lógica, dar-se como provado que foram tais empresas a mando do recorrente que procederam igualmente ao abate no prédio do ofendido.
41. Da análise conjunta dos documentos (Fatura n.º 0095 a fls. 103 e Recibo nº 0039 a fls. 115) e do depoimento de F... [dia 13/10/2016, 11:05:07 a 11:16:24], G... [dia 20-09-2016, 11:34:35- 11:59:30] H... [dia 13-10-2016 11:17:04 - 11:36:37]: e K... [dia 13-10-2016, 11:37:13 - 12:17:40] emerge a convicção plena de que a madeira abatida e adquirida pela C... era proveniente de prédios propriedade de M... conhecido como “M1....” (recibo de fls. 115).
42. Da conjugação dos depoimentos de F... [dia 13/10/2016, 11:05:07 a 11:16:24, G... [dia 20-09-2016, 11:34:35- 11:59:30] H... [dia 13-10-2016 11:17:04 - 11:36:37] e K... [dia 13-10-2016, 11:37:13 - 12:17:40] resulta que madeira negociada por K..., rechegada por F... e transportada por L... proveio de prédios junto à A29, distantes do prédio do ofendido sendo pois propriedade de M... que havia vendido madeira de dois terrenos sitos em ... à sociedade C... (fls. 115)
43. Não se poderá assegurar uma convicção inabalável da prática dos factos pelo arguido sem se violar o princípio da presunção de inocência ao socorrer-se de aventuras lógicas de dedução sem substrato probatório.
44. Ora, tendo em consideração os depoimentos supra referenciados aliados à prova documental apresentada e ao primado fundamental da presunção de inocência do arguido, que sufraga o in dubio pro reo na ausência de meios de prova e /ou na confrontação do julgador com indícios insuficientes para a eventual corroboração da versão apresentada na Acusação, deveria ter-se proferido uma decisão absolutória.
45. É certo que o nosso sistema processual penal consagra um sistema de prova livre (inclusive no âmbito da prova pericial) contudo a liberdade que aqui se fala, como ensina Castanheira Neves, não é, nem deve implicar nunca o arbítrio, ou sequer a decisão irracional, puramente impressionista-emocional que se furte, num incondicional subjectivismo, à fundamentação e à sua comunicação.
46. A livre apreciação da prova terá pois que encerrar em si mesma ponderações críticas e racionais permitindo-se uma apreciação objectiva dos factos.
47. A livre apreciação da prova não é livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, mas apreciação que, liberta do jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objectivos; dessa forma, determina uma convicção racional, logo, também ela objectivável e motivável. Uma dúvida que, em rigor, não ultrapassa o limite da subjectividade, e que por isso se não deixa objectivar, não tem a virtualidade de, racionalmente, convencer, quem quer que seja da bondade da sua justificação.”
48. A versão da Acusação é infirmada pela prova supra elencada e tendo em consideração o primado fundamental da presunção de inocência do arguido, que sufraga o in dubio pro reo na ausência de meios de prova e /ou na confrontação do julgador com indícios insuficientes para a eventual corroboração da versão apresentada na Acusação, deveria ter-se proferido uma decisão absolutória isto porque além de ser uma garantia subjetiva constitucional, consagrada no art.º 32.º n.º 2 da CRP, reconhecida internacionalmente no art.º 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art.º 6.º/n.º 2 da Convenção Europeia para a proteção dos Direitos e Liberdades Fundamentais e art.º 14.º/n.º 2 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, este princípio é também uma imposição dirigida ao julgador no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
49. O Tribunal a quo face à prova produzida, não poderia ter dado como provados os pontos da matéria de facto que se impugnaram supra.
50. A sentença faz incorreta interpretação do disposto no artigo 127º do C.P.P e 32º nº 2 da CRP
51. A prova é pois insuficiente para a decisão de facto proferida.
52. Impondo-se a modificação da decisão sobre a matéria de facto face à prova produzida (431º CPP)
53. Devendo ser dados por não provados todos os factos impugnados (2, 3, 4, 5, 7, 8, 9, 10, 11,) e consequentemente deverá absolver-se o recorrente relativamente a tal matéria.
Arguida C..., L.da
1. É interposto o presente recurso da decisão proferida pelo Juízo Local Criminal de Ovar que b) Condena os demandados civis E... e “C..., Lda.”, a pagarem solidariamente ao demandante civil D... a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos patrimoniais, acrescida dos correspondentes juros legais, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 805º, n.º 2, al. b), e n.º 3, 806º, n.ºs 1 e 2, e 559º, n.º 1, ambos do Código Civil, contabilizados desde a notificação dos demandados para contestarem o pedido de indemnização civil, e até efetivo e integral pagamento, absolvendo-os do mais peticionado.
2. O co-demandado B... vinha acusado da prática de um crime de furto simples (203º n.º 1 do CP) tendo sido formulado pedido de indemnização civil contra o mesmo e ora recorrente, sua representada, peticionando-se a condenação dos mesmos ao pagamento solidário de € 8010 tendo tal pedido por base danos emergentes da prática de um crime de furto.
3. Nos termos do preceituado no art. 374º, n.º 2 CPP, a fundamentação da sentença é composta pela enumeração dos factos provados e não provados e bem assim pela exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.
4. Foi a recorrente, demandada civil, condenada a pagar solidariamente com o arguido/demandado B... a quantia de € 5000 acrescida de juros.
5. Quanto à determinação da responsabilidade civil da ora recorrente há uma omissão total de fundamentação assistindo-se somente a considerações sobre a responsabilidade do arguido.
6. Nada sendo referido quanto à determinação da responsabilidade civil da ora recorrente há uma omissão total de fundamentação de direito.
7. A decisão do Tribunal a quo versa sobre a responsabilidade do arguido negligenciando fundamentar em termos de direito a condenação da recorrente pelo que estamos perante nulidade prevista no artigo 379º nº 1 alínea a) ex vi artigo 374º nº 2 do CPP o que se argui.
8. De acordo com o disposto no artigo 410º n.º 2 do CPP, mesmo nos casos em que a lei limita a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova.
9. Em qualquer das hipóteses supra elencadas, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo portanto admissível o recurso a elementos estranhos àquela para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes da própria audiência.
10. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão.
11. Este vício reporta-se à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada.
12. Sendo dado por provado que 3. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que agindo dessa maneira, por si ou através de alguém a seu mando, se apropriava de árvores que lhe não pertenciam, sem o conhecimento e autorização do legítimo proprietário, com a intenção, conseguida, de as integrar no seu património, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e criminalmente punível. 4. O Demandante Civil D... é dono do prédio rústico sito no ..., ..., em Ovar, composto por terreno e pinhal.5. Em toda a extensão do referido pinhal existiam eucaliptos, pinheiros, carvalhos e sobreiros, alguns com mais de 40 anos de idade.6. O Demandado Civil B... é sócio gerente da Demandada Civil “C..., Lda.”, que se dedica, entre outras atividades, ao comércio por grosso de madeiras.7. A 13 de Janeiro de 2014, o Demandado Civil B..., por si próprio ou em representação da sociedade Demandada “C..., Lda.”, apropriou-se e fez seus os pinheiros, eucaliptos, sobreiros e carvalhos existentes no referido pinhal, sem autorização do Demandante Civil D....8. Após o abate ficou no pinhal apenas a ramagem e os cepos resultantes do corte de árvores.9. O Demandante Civil D... não queria, nem nunca quis, vender as árvores existentes no mencionado pinhal. 10. O Demandado Civil B... sabia que o Demandante Civil D... não lhe tinha vendido ou autorizado a cortar as árvores existentes no referido pinhal. 11. A madeira existente no pinhal tinha um valor de, pelo menos, €5.000,00 (cinco mil euros), verifica-se que desta matéria não consta qualquer facto que elucide/indicie a responsabilidade da ora recorrente.
13. Estando provado que o arguido B... agiu com a intenção de integrar a madeira no seu património (facto provado 3) e não resultado sequer provado que a madeira integrou o património autónomo da recorrente há uma carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções possíveis para a querela, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão sustentada de direito, sobre a mesma.
14. Podendo e devendo fazer-se uma total reconstrução dos factos com vista à sua subsunção à obrigação de indemnizar há uma omissão na reconstrução, o que necessariamente se repercute na decisão tomada. Há pois uma evidente lacuna no apuramento e investigação da matéria atinente à responsabilidade civil da recorrente.
15. Os factos declarados provados relativamente à recorrente e quanto à sua responsabilidade civil não permitem, por insuficiência, a aplicação do direito nos termos operados pelo julgador pelo que matéria de facto provada é insuficiente para a condenação da recorrente ao pagamento de indemnização por danos emergentes da prática de crime, vício do artigo 410º, n.º 2, al. a) do CPP o que deverá ser determinado.
16. Conforme resulta dos autos o Arguido B..., representante da recorrente, recorreu do despacho proferido pelo Tribunal a quo no dia 18-11-2016 (cf. acta de audiência a fls…), despacho esse que indeferiu a irregularidade arguida pelo recorrente relativa ao despacho proferido nesse mesmo dia e que ordenou a produção de prova/junção de documentos após ter sido declarada encerrada em 10-11-2016 a audiência de discussão e julgamento tendo tal recurso por motivação a irregularidade do despacho proferido a e que ordenou a produção de prova quanto à factualidade constante da Acusação/PIC após ter sido declarada encerrada a audiência em 10-11-2016 por violação do disposto nos artigos 340º, 355º, 360º n.º 4, 361º n.º 2, 371º e 371º-A CPP.
17. Se a prova que o Tribunal a quo pretendeu produzir após o encerramento da audiência não incidir sobre questões de determinabilidade da sanção está vedada tal iniciativa processual pelo que o despacho que determinou a junção de prova violou (ou pelo menos fez uma incorrecta interpretação/aplicação) os artigos 340º, 360º n.º 4, 361º n.º 2 e 371º do CPP devendo ser considerado irregular com as devidas e legais consequências (artigo 123º CPP) nomeadamente a invalidade dos actos subsequentes (junção de prova documental e a própria sentença)
18. Findas as alegações seguem-se as últimas declarações do arguido e é declarada encerrada a audiência (artigo 361º do CPP) ficando esgotada a possibilidade de se usar o disposto no artigo 340º ou 360º n.º 4 até porque a própria redação do artigo 361º prevê uma única possibilidade de reabertura da audiência: o artigo 371º CPP (e actualmente após a reforma de 2007 o artigo 371º-A.
19. A inaplicabilidade do artigo 340º para determinação de produção de prova após o encerramento da audiência resulta da conjugação do disposto nos artigos 360º n.º 4 e 361º n.º 2.
20. Se fosse intenção do legislador estender a aplicabilidade do artigo 340º para além da fase de alegações orais não faria sentido a consagração expressa da interrupção das mesmas para efeitos de produção probatória uma vez que logicamente tal estaria abrangido pelo próprio artigo 340º.
21. Emergindo da sentença recorrida que o Tribunal a quo para dar como provada a factualidade imputada ao recorrente valorou positivamente os documentos juntos pelo Ofendido alicerçando a formação da sua convicção nos mesmos fê-lo fundamentando-se em prova irregular.
22. A prova documental indicada pelo Tribunal na Motivação, nomeadamente escrituras, cadernetas prediais e certidões prediais emergem nos autos ao abrigo do despacho de fls..., proferido em audiência de discussão e julgamento do dia 18/11/2016 e sendo tal despacho irregular nos termos alegados no recurso interlocutório de fls.. deverá igualmente ser declarada a irregularidade dos actos subsequentes que possuem uma ligação lógica com o acto irregular.
23. Assim, a sentença recorrida que faz uso de prova irregular (e que por tal motivo não poderia ser valorada) utilizando a mesma para sustentar a prova de factos é ela mesmo irregular nos termos do artigo 123º do CPP o que expressamente se argui.
24. Os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 412º n.º 3 alínea a) do CPP) são:
2. Entre o dia 13 e o dia 15 de Janeiro de 2014, a hora não concretamente apurada, trabalhadores e/ou colaboradores da empresa “C..., LDA.”, gerida única e exclusivamente pelo arguido, a laborar por conta deste e a seu mando e interesse exclusivo, procederam ao abate não autorizado de várias árvores existentes num terreno de mato e pinhal, sito no ..., .., em Ovar, propriedade do ofendido, D..., de onde as retiraram e levaram com eles, para as utilizar em proveito próprio, como aconteceu, designadamente, 93 eucaliptos, 62 pinheiros bravos, 2 carvalhos e 6 austrálias, provocando ao ofendido um prejuízo global avaliado em cerca de €5.000,00 (cinco mil euros).
3. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que agindo dessa maneira, por si ou através de alguém a seu mando, se apropriava de árvores que lhe não pertenciam, sem o conhecimento e autorização do legítimo proprietário, com a intenção, conseguida, de as integrar no seu património, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e criminalmente punível.
4. O Demandante Civil D... é dono do prédio rústico sito no ..., ..., em Ovar, composto por terreno e pinhal.
5. Em toda a extensão do referido pinhal existiam eucaliptos, pinheiros, carvalhos e sobreiros, alguns com mais de 40 anos de idade.
7. A 13 de Janeiro de 2014, o Demandado Civil B..., por si próprio ou em representação da sociedade Demandada “C..., Lda.”, apropriou-se e fez seus os pinheiros, eucaliptos, sobreiros e carvalhos existentes no referido pinhal, sem autorização do Demandante Civil D....
8. Após o abate ficou no pinhal apenas a ramagem e os cepos resultantes do corte de árvores.
9. O Demandante Civil D... não queria, nem nunca quis, vender as árvores existentes no mencionado pinhal.
10. O Demandado Civil B... sabia que o Demandante Civil D... não lhe tinha vendido ou autorizado a cortar as árvores existentes no referido pinhal.
11. A madeira existente no pinhal tinha um valor de, pelo menos, €5.000,00 (cinco mil euros).
25. As concretas provas que impõem decisão diversa (art. 412º nº 3 al. b) do CPP) são:
i) Documentos Juntos aos Autos:
a) Fatura nº 0095 a fls 103
b) Recibo nº 0039 a fls 115
ii) Depoimentos Gravados das Testemunhas de Acusação:
a) F... [dia 13/10/2016, 11:05:07 a 11:16:24]
b) G... [dia 20-09-2016, 11:34:35- 11:59:30],
c) H... [dia 13-10-2016 11:17:04 - 11:36:37]:
d) I... [dia 20-09-2016, 12:20:08 - 12:22:45]
e) J... [dia 20-09-2016; 12:23:26 - 12:33:32]
f) K... [dia 13-10-2016, 11:37:13 - 12:17:40]
g) L... [dia 10-11-2016, 11:20:38 - 11:28:30]
O que determinou a convicção do Tribunal para dar como provada a factualidade supra impugnada foi o facto de, da prova testemunhal produzida, ter resultado que o abate de árvores ocorrido no prédio o Ofendido entre os dias 13 e 15 de Janeiro de 2014 foi em momento contemporâneo e coincidente àquele em que os trabalhadores e/ou os colaboradores do arguido (e apenas estes, com exclusão de quaisquer outros pois que só os mesmos andaram naquela zona a proceder ao abate e subsequente transporte de madeira em escala industrial), contratados pelo arguido e ao serviço da firma “C..., Lda.”, por si unicamente gerida, andaram nas proximidades, calcorreando com as respetivas máquinas e tratores de grande porte os respetivos caminhos de acesso, procedendo em escala industrial ao abate e transporte de madeiras, saindo inclusivamente no dia 15 de Janeiro de 2014 um carregamento de madeira desta envergadura das proximidades do local em discussão nestes autos diretamente para Espanha, carregamento este realizado com ordem da firma C..., com sede na Rua ... – ... – Vila Nova de Gaia, como supra dilucidado pela testemunha L..., encaixando esta – a firma “C..., Lda” gerida exclusivamente pelo arguido, e só a mesma, os lucros obtidos com essa exportação” (sic)
26. Do facto de empresas contratadas pela recorrente terem andado nas proximidades a proceder ao abate e transporte de madeira em grande escala não se pode, através duma contorção lógica, dar-se como provado que foram tais empresas que procederam igualmente ao abate no prédio do ofendido.
27. Da análise conjunta dos documentos (Fatura n.º 0095 a fls. 103 e Recibo n.º 0039 a fls. 115) e do depoimento de F... [dia 13/10/2016, 11:05:07 a 11:16:24], G... [dia 20-09-2016, 11:34:35- 11:59:30] H... [dia 13-10-2016 11:17:04 - 11:36:37]: e K... [dia 13-10-2016, 11:37:13 - 12:17:40] emerge a convicção plena de que a madeira abatida e adquirida pela recorrente era proveniente de prédios propriedade de M... conhecido como “M1...” (recibo de fls. 115).
28. Da conjugação dos depoimentos de F... [dia 13/10/2016, 11:05:07 a 11:16:24, G... [dia 20-09-2016, 11:34:35- 11:59:30] H... [dia 13-10-2016 11:17:04 - 11:36:37] e K... [dia 13-10-2016, 11:37:13 - 12:17:40] resulta que madeira negociada por K..., rechegada por F... e transportada por L... proveio de prédios junto à A29, distantes do prédio do ofendido sendo pois propriedade de M... que havia vendido madeira de dois terrenos sitos em Maceda à sociedade recorrente.
29. A base factual/probatória em que o Tribunal a quo se apoiou para formar a sua convicção quanto à prática do crime e à responsabilidade civil não existe e a versão das testemunhas e os documentos, supra referenciados, contraditam a versão da Acusação e o alegado pelo demandante no PIC fundado nos factos constantes daquela.
30. Com efeito, é na análise global e conjugada de todas as provas que o tribunal terá que fundar a sua convicção em relação a cada facto ou conjunto de factos e não apenas na análise individual e atomística de cada uma das provas, sem prejuízo da maior preponderância que algumas delas possam ter na decisão de julgar provado ou não provado certo facto.
31. A livre apreciação da prova não deve ser entendida como operação subjetiva, pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjeturas, de difícil ou impossível objetivação, mas valoração racional e crítica, de acordo com as regras da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científico, que permita objetivar a apreciação, requisito necessário para efetiva motivação da decisão.
32. Ora, o Tribunal a quo face à prova produzida não poderia ter dado como provados os pontos da matéria de facto que se impugnaram supra relativamente ao pedido e indemnização civil (2, 3, 4, 5, 7, 8, 9, 10, 11)
33. Na sentença faz-se incorreta interpretação do disposto no artigo 127º do C.P.P.
34. A prova é pois insuficiente para a decisão de facto proferida.
35. Impondo-se a modificação da decisão sobre a matéria de facto face à prova produzida (431 CPP) dando-se por não provados os factos impugnados, absolvendo-se a recorrente do pedido de indemnização formulado.
5. Admitidos os recursos, por despacho de fls. 535, responderam o Ministério Público e o demandante, ambos a sustentar a sua improcedência e manutenção do decidido, finalizando a motivação com as conclusões que se transcrevem[1]:
Recurso Interlocutório
Resposta do Ministério Público
1 - De acordo com as Conclusões do recorrente, são as seguintes as duas questões a dilucidar:
a) Saber se é irregular o despacho proferido pelo Juiz, na data designada para leitura da sentença, que, ao abrigo do disposto no art.º 340.º, n.º1, do CPP, e por reputar pertinente para boa decisão da causa, determinou a notificação do Queixoso e Demandante civil, na pessoa da sua Ilustre Mandatária, a fim de o mesmo, no prazo de 10 dias, documentar os autos com as certidões nele referidos e, em face disso, ordenou a interrupção dos trabalhos e designou nova data para a continuação da audiência.
b) Se a arguição de tal irregularidade é passível da condenação do recorrente no montante de 2 UC, pela prática de acto anómalo, nos termos do art.º 7.º, n.º 8, e Tabela II anexa, do RCP.
2. Contrariamente à tese do recorrente, entendemos que tal despacho não padece de irregularidade, essencialmente pelas razões enunciadas no douto despacho recorrido, e porque a reabertura da audiência foi ordenada oficiosamente pela M.ma Juiz do processo para produção de provas documentais que reputou necessárias para boa decisão da causa, nos termos do art.º 340.º, n.º 1, do CPP.
3. Acresce que o disposto no art.º 361.º, n.º 2, do CPP não exclui a reabertura da audiência em situações semelhantes à que ora nos ocupa, quando o Tribunal não está completamente esclarecido e é possível juntar aos autos prova documental para tal esclarecimento, mormente quanto a factos relativos ao pedido de indemnização civil - como o permite também o art.º 607.º, n.º1, do CPC, aplicável “ex-vi” do art.º 4.º, n.º1, do CPP.
4. De facto, é manifesto que não estamos perante a “reabertura da audiência” prevista nos art.ºs 371.º e 371.º-A, do CPP, sendo certo que o Tribunal “a quo” interrompeu os trabalhos e designou nova data para continuação da audiência “ ao abrigo do disposto no art.º 340.º, n.º1, do CPP”, por reputar “pertinente para boa decisão da causa” a junção dos referidos documentos - notificando o demandante civil para os juntar aos autos no prazo de 10 dias, pois tais documentos eram pertinentes para boa decisão da causa e, concretamente, do pedido de indemnização civil por ele deduzido.
5. Por outro lado, o art.º 340.º, n.º 1, do C.P.P. não estabelece qualquer prazo ou limite para “a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa” – pelo que a produção destes “meios de prova” ordenados pelo Juiz pode ter lugar em qualquer momento da audiência, desde que imprescindíveis para a descoberta da verdade material, estruturante do nosso processo penal.
6. Ora, por força do princípio da continuidade da audiência plasmado no art.º 328.º do CPP, a leitura da sentença também faz parte da audiência de julgamento – independentemente de terem sido formalmente declaradas encerradas as várias sessões por que a mesma se desdobrou - pelo que, em bom rigor, o encerramento da audiência só ocorre no fim da sessão solene da leitura da sentença.
7. O art.º 361.º, n.º 1, do CPP diz-nos que, findas as alegações, o juiz (presidente) pergunta ao arguido se tem mais alguma coisa a alegar em sua defesa, ouvindo-o em tudo o que o favorecer. E o n.º 2 acrescenta que “Em seguida o presidente declara encerrada a discussão, sem prejuízo do disposto no art.º 371.º, e o tribunal retira-se para deliberar”. Mas daqui não se pode concluir – como conclui o recorrente – que antes, ou até durante a deliberação, o tribunal não possa oficiosamente ordenar a junção de documentos que repute essenciais para a boa decisão da causa, nos termos do art.º 340.º n.º 1, do CPP, sob pena de violação do princípio da verdade material e do disposto no art.º 607.º, n.º1, do CPC, “ex-vi” do art.º 4.º do CPP.
8. O qual determina que: “Encerrada a audiência final, o processo é concluso ao juiz, para ser proferida sentença no prazo de 30 dias; se não se julgar suficientemente esclarecido, o juiz pode ordenar a reabertura da audiência, ouvindo as pessoas que entender e ordenando as demais diligências necessárias.”.
9. Ora, se assim é no nosso processo civil, por maioria de razão o será no processo penal, onde ainda é mais premente o princípio da verdade material e da investigação em busca dessa verdade – e sobretudo quando as novas provas a produzir respeitam ao pedido de indemnização civil...
10. Por isso, o referido art.º 361.º do CPP, não pode ser tomado à letra, ou interpretado no sentido de, findas as alegações, o juiz não poder oficiosamente determinar a produção das provas que reputar essenciais para boa decisão da causa, como lhe é imposto pelo art.º 340.º, n.º1, do mesmo Código – sob pena de quebra da unidade do sistema jurídico e de violação do princípio da verdade material.
11. Acresce que, se fosse tomado à letra e na interpretação que lhe é dada pelo recorrente, aquele art.º 361.º impediria até a reabertura da audiência nos termos do art.º 371.º – A do CPP – na medida em que apenas excepciona a reabertura da audiência para a determinação da sanção prevista no art.º 371.º - o que seria de todo absurdo e contrário ao art.º 371.º-A …
12. E nem sequer permitiria a junção oficiosa de certificado do registo criminal do arguido, ou de documento comprovativo da sua identidade, mesmo que fossem imprescindíveis para boa decisão da causa - o que também seria absurdo.
13. Mas ainda que se fizesse interpretação literal, ou restritiva, do citado art.º 361.º do CPP sempre teríamos de concluir que estaríamos perante lacuna da lei, a ser colmatada pelo referido art.º 607.º, n.º1, do CPC, por via do disposto no art.º 4.º do CPP.
14. Em qualquer dos casos, e salvo o devido respeito pela tese do recorrente, a M.ma Juiz “a quo” não praticou qualquer irregularidade no despacho proferido em 18/11/2016, em que ordenou a notificação do demandante civil, na pessoa da sua Ilustre mandatária, para juntar aos autos os documentos referidos nesse despacho, e a respectiva notificação aos demais sujeitos processuais para exercício do contraditório.
15. Por isso, bem andou o despacho recorrido em julgar improcedente a irregularidade invocada pelo recorrente.
16. A arguição daquela “irregularidade” pelo recorrente consubstancia a prática de um acto processual anómalo à normal e regular tramitação dos autos, que nada contribuiu para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa e implicou maior labor para os sujeitos processuais e, sobretudo, para a julgadora.
17. Por isso, bem andou a M.ma juiz “a quo” em condenar o arguido/recorrente na adequada taxa de justiça de 2 UC, pelo inútil incidente a que deu causa, nos termos do art.º 7.º, n.º 8, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela II anexa.
18. Contrariamente à tese do recorrente, temos para nós que esta disposição legal tanto se aplica aos incidentes anómalos em processos de natureza cível, criminal ou outra, quando ocorram tais incidentes, sendo certo que a referida Tabela II fixa a taxa de justiça normal de 1 a 3 UC para os “Incidentes/procedimentos anómalos” sem distinguir a natureza do processo em que são tributados. Por isso “ubi lex non distinguir nec nos distinguere debemus”…
19. Mas ainda que assim não se entendesse sempre se poderia chegar ao mesmo resultado por aplicação dos art.ºs 531.º do CPC, e 10.º do Regulamento das Custas Processuais, “ex-vi” do art.º 521.º, n.º1, do CPP.
20. O despacho recorrido fez correta interpretação e aplicação da lei e não violou qualquer preceito legal, designadamente, os artigos que o recorrente refere no ponto 12. das suas Conclusões.
Recurso da Sentença
Resposta do Ministério Público
1. De acordo com as Conclusões do recorrente, o recurso interposto é extensivo à matéria de direito e de facto – pois o recorrente vem arguir a nulidade da sentença (por “alteração da qualificação jurídica”); a irregularidade” da sentença (por ter usado “prova irregular”); os vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do CPP; e, por último, o “erro de julgamento” previsto no art.º 412.º, n.º 3, al. a), do CPP.
2. Contrariamente à tese do recorrente, a sentença recorrida não enferma de nulidade, ao convolar o crime de furto simples (p. e p. pelo art.º 203.º, n.º 1, do Código Penal) para o crime de apropriação ilegítima, p. e p. pelo art.º 209.º, n.º 1, do mesmo Código, pois trata-se de crimes da mesma natureza (contra a propriedade) e o segundo é menos grave.
3. Acresce que todos os factos relativos ao crime de apropriação ilegítima foram discutidos durante o julgamento e o arguido/recorrente teve oportunidade de os contraditar, sendo, por isso, legítima a convolação para este crime mesmo sem comunicação formal ao arguido nos termos do art.º 358.º, n.º 1, do CPP - pois tal comunicação só é obrigatória quando a alteração seja relevante para a decisão da causa – como claramente resulta da expressão “com relevo para a decisão da causa” plasmada no n.º 1 daquele artigo 358.º.
4. No caso em apreço, e tal como entendeu a M.ma Juiz “a quo”, os factos já tinham sido discutidos no julgamento e a citada alteração não substancial dos factos descritos na acusação foi claramente favorável ao arguido e, nessa medida e em face dos factos já provados, irrelevante para decisão da causa.
5. Por isso, a sentença recorrida não enferma de nulidade prevista no art.º 379.º, n.º1, al. b), do CPP, nem de qualquer outra.
6. Também não se verifica a alegada “irregularidade da sentença”, pois também foi legítima e regular a junção aos autos da certidão predial e matricial, e cópia certificada da escritura de aquisição do prédio onde foram cortadas as árvores referidas na acusação e de que o recorrente se apropriou – referidos no despacho de 18/11/2016 – de que o recorrente reclamou e depois interpôs o recurso interlocutório do respectivo despacho de indeferimento da reclamação.
7. Tal prova documental é legal, foi obtida de modo regular, ao abrigo do disposto no art.º 340.º, n.º 1, do CPP, e sujeita ao contraditório - pelas razões já aduzidas na nossa Resposta àquele recurso interlocutório - e que, por economia de processo aqui damos por reproduzidas para os legais efeitos.
8. Acresce que, em caso de improcedência daquele recurso – como se espera – sempre ficará prejudicada tal questão da “irregularidade” da sentença ora suscitada pelo recorrente.
9. Contrariamente à tese do recorrente, a sentença recorrida também não enferma dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do CPP – qualquer deles se descortina da própria leitura da sentença.
10. O Tribunal “a quo” também julgou correctamente a matéria de facto, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova - no seu conjunto – e das regras da experiência comum, como manda o art.º 127.º do C.P.P.;
11. E até na “Motivação da convicção do Tribunal” explicita com clareza as razões que o levaram a valorar todas as provas produzidas na audiência e a concluir de forma diversa da pretendida pelo recorrente.
12. Desde logo o Tribunal “a quo” apreciou e valorou corretamente o Auto de ocorrência de fl.s 21 a 23 – reportado a factos verificados no dia 15 de Janeiro de 2014 pelo Cabo da GNR de ..., N... – e demais documentos juntos aos autos, bem como as próprias declarações do arguido e do seu colaborador K... – o qual confirmou que fora “por engano” o abate não consentido das árvores que foi feito no terreno da família P... e, por isso, foi depois reparado pelo arguido.
13. E em relação ao abate das árvores no terreno do ofendido D... – para além das declarações transcritas pelo recorrente – a testemunha K... também confirmou que a filha daquele D..., O..., reportou-lhe a situação do abate não autorizado das árvores no pinhal de seu pai, mas afirmou que a situação com este não foi resolvida da mesma forma que a da família P... – ou seja por acordo de reparação do prejuízo - porque “ há maneiras de se falar …”.
14. Esta testemunha - que conhecia os proprietários dos prédios/pinhais onde foram abatidas as árvores pelos colaboradores do arguido - não corroborou a versão do arguido quanto ao abate das árvores no terreno do ofendido D... e, com tal expressão, pretendeu dizer que não houve acordo quanto à reparação deste porque não gostou da forma como foi abordado pela filha daquele ofendido, a referida N....
15. Assim o entendeu também o Tribunal “a quo” de acordo com os princípios da livre apreciação da prova, e da imediação, que lhe está subjacente – e tendo também presentes as declarações das testemunhas N..., L... e Q... – como consta de fl.s 11 a 13 da sentença recorrida.
16. Ora, sendo a livre convicção do julgador motivada e baseada em critérios lógicos e racionais – como o foi no caso “sub judice” – tal convicção também é válida e insindicável em sede recurso – como tem entendido a jurisprudência.
17. Da “Fundamentação da convicção do Tribunal” facilmente se conclui que o Tribunal “a quo” fez crítica e correta apreciação do conjunto das provas produzidas em audiência – e não apenas dos trechos transcritos pelo recorrente -, caldeou tais provas com as regras da experiência - como manda o art.º 127.º do C.P.P. - e não teve qualquer dúvida no julgamento da matéria de facto - pelo que também se mostra totalmente descabida a invocação dos princípios da “ presunção de inocência” e “in dubio pro reo” - aludidos nos pontos 43., 44. e 48. das Conclusões do recorrente.
18. Como tem entendido a jurisprudência e consta, entre muitos, do Acórdão da Relação do Porto, de 24/03/2004, in www.dgsi.pt: “Tal princípio só deve ser aplicado quando os elementos probatórios não forem suficientes para o julgador formar uma convicção num sentido ou noutro” – o que não sucede, manifestamente, no caso “sub judice”, pois, como vimos, o Tribunal “a quo” não teve quaisquer dúvidas sobre o sentido da decisão da matéria de facto e na consequente culpabilidade do arguido.
19. Deverá, por isso, manter-se inalterada a matéria de facto fixada pelo tribunal “a quo” na douta sentença recorrida.
20. Como desta consta, os factos provados integram um crime de apropriação ilegítima, p. e p. pelo art.º 209.º, n.º 1, do C. Penal - pelo que bem andou o Tribunal em condenar o arguido pela autoria material deste crime, na pena justa e adequada de 80 dias de multa à taxa diária e €15,00.
21. A sentença recorrida fez correta apreciação da prova e aplicação do direito; não enferma de qualquer erro ou vício e não violou qualquer preceito legal ou constitucional – designadamente o disposto nos art.ºs 127.º do C.P.P e 32.º, n.º 2, da CRP, invocados pelo recorrente.
Resposta do Demandante D...
1. Quanto à questão de saber se poderão ser oficiosamente requeridos documentos após alegações orais e últimas declarações do arguido e antes da leitura da sentença, deve entender-se que a audiência apenas encerra com a leitura da sentença e que até este momento, nos termos do artigo 164º e 165º CPP, se podem juntar documentos.
2. A questão da prova para determinação da sanção coloca-se já durante a elaboração da sentença quando o tribunal, já se tendo debruçado sobre a culpabilidade, se vai debruçar sobre a determinação da sanção e se apercebe que não foi produzida prova suficiente para esse efeito. Neste caso, reabre a audiência para produzir esta prova.
3. Já quando se trata de aferir a culpabilidade, poderá fazê-lo até ao encerramento da audiência. O artigo 371º do CPP não dispõe que apenas se pode reabrir a audiência para produzir prova quanto à determinação da sanção, limitando-se a descrever o modo de actuação do tribunal quando há essa necessidade.
4. Os documentos em concreto foram para prova do pedido de indemnização civil. Pese embora, segundo o princípio da adesão plasmado no artigo 4º do CPP o pedido de indemnização civil enxertado em processo penal seguir as regras do processo penal, não deixa de ser matéria civil, e aplicar-se-á o CPC em caso de lacunas. E em termos de direito civil a todo o tempo pode o tribunal ordenar as diligências de prova necessárias (art. 411º e 607º nº1 CPC).
5. Acresce ainda que os documentos em questão destinavam-se a provar a propriedade do terreno por parte do demandante civil. Para além da presunção do registo a aquisição por usucapião é feita por prova testemunhal.
6. E foi produzida prova suficiente, em audiência de julgamento, da aquisição, por usucapião, do terreno objecto nos autos, por parte do demandante civil, nomeadamente através dos depoimentos do demandante civil D... (Audiência: 20-09-2016, minutos 10:40:44 – 10:52:47), da filha do demandante civil N... (Audiência: 20-09-2016, minutos 10:54:41 – 11:33:52), do genro do demandante civil G... (Audiência: 20-09-2016, minutos 11:43:34 – 11:59:30), e de J..., vizinho do terreno em causa (Audiência: 20-09-2016, minutos 12:23:25 – 12:33:32).
7. O princípio da investigação e da verdade material, plasmado no artigo 340º CPP atribui um poder vinculado ao tribunal e obriga este a ordenar todos os meios de prova necessários à descoberta da verdade material, seja ela qual for, em que momento for, desde que até ao encerramento da audiência.
8. Já quanto à nulidade da sentença por alteração da qualificação jurídica sem que tivesse sido esta alteração comunicada ao arguido para este poder reorganizar a defesa, se esta alteração resultar na imputação de um crime menos gravoso não há qualquer alteração relevante para a defesa do arguido, uma vez que o mesmo já se defendeu em relação a todos os factos que constam na acusação. Se os factos não forem alterados e apenas a qualificação que lhes é conferida é que muda, não há razão para que se tenha que comunicar ao arguido essa mudança.
9. Acresce ainda o facto desta alteração ter sido provocada pela própria defesa, e sendo assim, o arguido dever conhecer os seus efeitos à priori. Analisando toda prova produzida pela defesa, quer em audiência de julgamento, quer nas alegações orais, facilmente se conclui que esta assentou na prova de que o arguido nada sabia sobre os negócios de compra e venda de madeira, limitando-se a confiar num seu funcionário, sendo a única função do arguido proceder aos pagamentos da madeira segundo as indicações desse seu funcionário.
10. Foi a defesa que trouxe ao processo o facto de poder não existir furto por falta de um pressuposto - a intenção do arguido. E foi esta falta de intenção que conduziu à alteração da qualificação jurídica de furto simples para apropriação ilegítima.
11. Relativamente à questão da irregularidade da sentença sustentada em prova irregular já o demandante civil se pronunciou sobre esta questão, restando reforçar que a douta sentença recorrida não se baseou apenas nos documentos juntos mas também nos depoimentos do lesado, da sua filha e genro, que, conforme já foi explanado, provam a aquisição da propriedade por usucapião por parte do lesado.
12. Quanto à contradição insanável entre a fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, também carece razão ao arguido. Quando a douta sentença recorrida no ponto 2. dos factos provados entende como provado que «(…), trabalhadores e/ou colaboradores da empresa “C..., Lda.”, gerida única e exclusivamente pelo arguido, a laborar por conta deste e a seu mando e interesse exclusivo, procederam ao abate (…)» está a querer dizer que estes trabalhadores no exercício da sua profissão por conta da C... o faziam sob as ordens e instruções do arguido enquanto gerente. E que aquilo que faziam era a seu mando, pois trabalhavam para ele.
13. Não quer dizer, como quer fazer crer o arguido, que o arguido mandou abater as ditas árvores com a consciência de que não tinha autorização para o fazer. Apenas pretende provar que o que aqueles trabalhadores faziam era sempre sob as ordens e instruções da entidade patronal, cujo gerente era o arguido. Já a maneira como a madeira veio à posse do arguido, essa é que foi com base em erro.
14. Quanto à matéria de facto incorrectamente julgada não pode o demandante civil concordar com a posição do arguido quando diz que os pontos 2. a 5. e 7. a 11. dos factos provados não foram correctamente considerados provados tendo em conta a prova produzida em audiência de julgamento. Para demonstrar que essa prova foi efectivamente feita o demandante civil transcreveu acima os depoimentos de D... (Audiência: 20-09-2016, minutos 10:40:44 – 10:52:47), N... (Audiência: 20-09-2016, minutos 10:54:41 – 11:33:52), G... (Audiência: 20-09-2016, minutos 11:43:34 – 11:59:30), J... (Audiência: 20-09-2016, minutos 12:23:25 – 12:33:32), H... (Audiência: 13-10-2016, minutos 11:17:03 – 11:36:37), K... (Audiência: 13-10-2016, minutos 11:37:12 – 12:17:40), F... (Audiência: 13-10-2016, minutos 11:05:06 – 11:17:03), Q... (Audiência: 13-10-2016, minutos 10:57:41 – 11:04:28) e L... (Audiência: 10-11-2016, minutos 03:52:00 – 07:22:00).
15. Também a prova documental interessou ao tribunal para fundamentar estes factos como provados, prova essa reproduzida a fls. 330 a 342 dos autos.
16. Já no que diz respeito ao pedido de indemnização civil, o recorrente alega que existe na douta sentença recorrida falta de fundamentação quanto à responsabilidade civil por não se pronunciar quanto a todos os pressupostos da mesma. A indemnização civil está intimamente ligada ao crime cometido, sendo grande parte dos pressupostos da responsabilidade civil provados juntamente com a prova do cometimento do crime em questão, a saber, o facto, a ilicitude e a culpa. Estes 3 são comuns à responsabilidade penal e civil, e se a douta sentença conhecer deles quando aprecia o crime não há necessidade de voltar a fundamentá-los quanto ao pedido de indemnização civil, restando-lhe apreciar o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou, se este já tiver sido apreciado, apenas restará conhecer quanto ao dano/prejuízo emergente desse crime. Nesse sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo 90/13.6GBGVA.C1, de 24.02.2016.
17. Alega ainda o recorrente que a douta sentença recorrida enferma do vício do artigo 410º nº2 CPP quanto à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada pois os factos provados 3. a 11. não são suficientes para suportar a decisão de direito quanto à matéria do pedido de indemnização civil. No entanto, a única matéria de facto invocada como não tendo sido provada está no facto provado 3. e consiste no facto de não ter sido provada que a madeira integrou o património autónomo da recorrente. Ora, não pode discordar mais o demandante civil. Resultou provado da prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente através do depoimento da testemunha F... (Audiência: 13-10-2016, minutos 11:05:06 – 11:17:03) trabalhador que carregou a madeira do carregadouro no local para a C... e que confirma que carregou a madeira e que a mesma se destinava à C... e de L... (Audiência: 10-11-2016, minutos 03:52:00 – 07:22:00) que carregou a madeira do carregadouro para Espanha e que o fez a mando do arguido.
18. Ainda relativamente ao pedido de indemnização civil vem o recorrente alegar a irregularidade da douta sentença recorrida sustentada em prova irregular por o tribunal ter ordenado a junção de documentos após as alegações orais e últimas declarações do arguido. Sobre esta questão já se pronunciou o demandante civil no início desta resposta remetendo a sua fundamentação para lá.
19. De igual forma quanto à matéria de facto incorrectamente julgada, e uma vez que os factos considerados como incorrectamente julgados são exactamente os mesmos do ponto II alínea D9 desta resposta, o demandante civil remete para lá a sua fundamentação.
6. A M.ma Juíza a quo sustentou tabelarmente o decidido no despacho interlocutório recorrido antes de ordenar a subida dos autos.
7. Nesta instância, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos louvando-se nos argumentos esgrimidos nas respostas do Ministério Público da 1ª instância.
8. Cumprido o disposto no art. 417º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais foi aduzido.
9. Realizado exame preliminar – onde foram alterados os efeitos e regime de subida do recurso interlocutório - e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência que decorreu com observância do formalismo legal, nada obstando à decisão.
***
II- FUNDAMENTAÇÃO
1. É consabido que, para além das matérias de conhecimento oficioso [v.g. nulidades insanáveis, da sentença ou vícios do art. 410º n.º 2, do citado diploma legal], são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [v. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Tomo III, 2ª ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 20/12/2006, Processo n.º 06P3661, in dgsi.pt].
Daí que, se o recorrente suscita questões na motivação que, depois, não retoma nas conclusões, deve dar-se predominância à matéria que nestas foi vertida, olvidando-se o mais que naquela consta – v., Ac. STJ, de 1/7/2005, Proc. 1681/01- 3ª, in dgsi.pt.
Assim, no caso sub judicio, as questões suscitadas, na sua pré-ordenação lógica, são as seguintes:
Recurso Interlocutório
> Irregularidade da reabertura da audiência para junção de documentos
> Ilegalidade da condenação em custas pela arguição de irregularidade
Recurso da Sentença
Arguido B...
1 - Nulidade da decisão - art. 379º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Penal (condenação por crime diverso sem observância do art. 358º)
2 - Vícios do art. 410º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal
• Contradição insanável da fundamentação e desta com a decisão
• Erro notório na apreciação da prova
3 – Erros de julgamento da matéria de facto
Arguida “C..., L.da”
a) Nulidade da decisão - arts. 379º, n.º 1, al. a) e 374º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal (insuficiência de fundamentação)
b) Vícios do art. 410º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal
• Insuficiência da matéria de facto para a decisão
c) Valoração de prova inadmissível
d) Erros de julgamento da matéria de facto
*
2. A fundamentação de facto da decisão recorrida, no que ao caso interessa, é a seguinte: (transcrição)
A) Factos Provados
1. O arguido B... é o sócio-gerente da sociedade “C..., LDA.” com sede em Vila Nova de Gaia, a qual se dedica, de entre outras atividades, ao comércio por grosso de madeiras.
2. Entre o dia 13 e o dia 15 de Janeiro de 2014, a hora não concretamente apurada, trabalhadores e/ou colaboradores da empresa “C..., LDA.”, gerida única e exclusivamente pelo arguido, a laborar por conta deste e a seu mando e interesse exclusivo, procederam ao abate não autorizado de várias árvores existentes num terreno de mato e pinhal, sito no ..., ..., em Ovar, propriedade do ofendido, D..., de onde as retiraram e levaram com eles, para as utilizar em proveito próprio, como aconteceu, designadamente, 93 eucaliptos, 62 pinheiros bravos, 2 carvalhos e 6 austrálias, provocando ao ofendido um prejuízo global avaliado em cerca de €5.000,00 (cinco mil euros).
3. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que agindo dessa maneira, por si ou através de alguém a seu mando, se apropriava de árvores que lhe não pertenciam, sem o conhecimento e autorização do legítimo proprietário, com a intenção, conseguida, de as integrar no seu património, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e criminalmente punível.
Mais se apurou que:
4. O Demandante Civil D... é dono do prédio rústico sito no ..., ..., em Ovar, composto por terreno e pinhal.
5. Em toda a extensão do referido pinhal existiam eucaliptos, pinheiros, carvalhos e sobreiros, alguns com mais de 40 anos de idade.
6. O Demandado Civil B... é sócio gerente da Demandada Civil “C..., Lda.”, que se dedica, entre outras atividades, ao comércio por grosso de madeiras.
7. A 13 de Janeiro de 2014, o Demandado Civil B..., por si próprio ou em representação da sociedade Demandada “C..., Lda.”, apropriou-se e fez seus os pinheiros, eucaliptos, sobreiros e carvalhos existentes no referido pinhal, sem autorização do Demandante Civil D....
8. Após o abate ficou no pinhal apenas a ramagem e os cepos resultantes do corte de árvores.
9. O Demandante Civil D... não queria, nem nunca quis, vender as árvores existentes no mencionado pinhal.
10. O Demandado Civil B... sabia que o Demandante Civil D... não lhe tinha vendido ou autorizado a cortar as árvores existentes no referido pinhal.
11. A madeira existente no pinhal tinha um valor de, pelo menos, €5.000,00 (cinco mil euros).
Provou-se ainda que:
12. O arguido é sócio-gerente de várias firmas, entre as quais a supra mencionada Demandada Civil “C...” e a firma que gira pela denominação de “S...”, declarando auferir o salário mensal aproximado de €800,00, mas auferindo de facto quantia mensal superior ao valor mensal que paga a um dos seus trabalhadores / colaboradores, de nome K..., isto é, valor superior a €2.500,00/mês – quantia mensal que este último recebe a título de retribuição pelos seus serviços; é divorciado e vive com a sua atual companheira, a qual explora um estabelecimento de restauração [restaurante] que está em nome do arguido; tem um filho de 12 anos, em relação ao qual está obrigado a contribuir, a título de alimentos devidos a menores, com a quantia mensal aproximada de €150,00; vive em casa própria, adquirida com recurso a crédito bancário, ascendendo as respetivas prestações bancárias a uma quantia mensal aproximada que varia entre os €600,00 e os €700,00; possui vários veículos automóveis, em número que não se logrou concretamente apurar, encontrando-se a maior parte dos mesmos em nome das respetivas firmas/empresas de que é dono; no seu giro diário, tripula habitualmente um veículo automóvel da marca “Mercedes”, modelo “...”; como habilitações literárias, possui o 6.º ano de escolaridade;
13. O arguido não tem antecedentes criminais averbados no seu CRC [atualizado].
*
B) Factos Não Provados
Com interesse para a decisão da causa, não resultou apurado que:
a. Que entre as 09.00 horas do dia 13 de Janeiro de 2014, o arguido tivesse procedido ao abate não autorizado das árvores descritas em 2., tendo-se antes provado a este respeito o vertido em 2..
b. Que o Demandante Civil D..., para poder repor o pinhal como estava antes do abate das árvores, terá de arrancar as raízes dos pinheiros, eucaliptos, carvalhos e sobreiros lá deixadas, lavrar todo o terreno e por fim voltar a plantar as árvores que lá existiam;
c. ... Que demoram muito tempo a crescer, os eucaliptos nunca menos de 12 anos e os pinheiros e sobreiros nunca menos de 25 anos;
d. ... Que a preparação do terreno para reflorestação – limpeza de ramagem, arranque de raízes e lavrar, custa € 2.000,00;
e. ... Que a plantação de novas árvores custa €1.000,00.
*
C) Motivação
Na formação da sua convicção, o Tribunal apreciou de forma livre, crítica e conjugada a prova produzida em audiência, bem como a prova documental junta aos autos, de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127.º do Código de Processo Penal.
De notar, que livre apreciação da prova não é sinónimo de apreciação arbitrária da prova, antes significando uma apreciação de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador.
A audiência de julgamento iniciou-se, legalmente, na ausência do arguido, tendo o mesmo, contudo, comparecido no decurso da mesma e, no decurso da mesma, prestado declarações sobre os factos acusados e, bem assim, sobre os factos atinentes ao seu modo de vida e situação pessoal / familiar e económico-financeira.
No que tange aos factos acusados, declinou a responsabilidade pelo abate das árvores a que se alude em 2..
Explicitou que é sócio e único gerente da firma “C...” [parte civil - Demandada – nestes autos], sendo o único responsável pela gestão do negócio das madeiras, sendo que, no giro diário da laboração da firma, raramente vai aos locais onde é abatida a madeira que previamente negoceia a compra, para posterior venda, só o fazendo em casos especiais, como, por exemplo, quando o negócio é em “grande escala”. Fora desses casos, prosseguiu, são os seus funcionários e os seus colaboradores, a quem delega tais funções, que vão ao local e procedem materialmente a todos os atos necessários a concretizar os negócios que realiza, isto é, os relativos à identificação do local onde se localizam as árvores adquiridas e em relação às quais se mostra autorizado o respetivo abate e subsequente transporte, atos que assim são realizados a seu mando e no seu exclusivo interesse, através daqueles (seus funcionários e/ou colaboradores).
A exemplificar este “modus operandi”, o arguido expressamente indicou, em audiência, o caso da testemunha K..., seu funcionário e colaborador exclusivo, como de igual modo expressamente dilucidou em tal sede, diretamente responsável, uma vez que se lhe delegou direta e expressamente tais concretas funções, em diligenciar junto dos respetivos proprietários da madeira que é adquirida pela sua firma, em identificar os limites da propriedade onde se localizam as arvores cuja compra para subsequente venda previamente negoceia, e com a missão de posteriormente transmitir tais dados identificativos – localização e limites - aos funcionários e/ou colaboradores (consoante o caso, sendo que trabalha com ambos registos) que contrata para proceder ao abate e posterior transporte da madeira antes abatida. Mais dilucidou que o Sr. K... é um seu funcionário/colaborador de há já uns anos, que trabalha unicamente para si, a seu mando e no seu interesse exclusivo. Tal é a importância de tais funções que lhe paga, a título de retribuição mensal, a quantia de €2.500,00, segundo igualmente afirmou o arguido em audiência. Donde, admitiu do mesmo modo, a madeira que este seu funcionário (qualificado em tais específicas funções que se lhe estão acometidas) indica para abate, corresponde àquela que previamente foi negociada a respetiva compra, destinada a posterior venda, sendo todas as indicações feitas por aquele, por sua conta e interesse exclusivo, razão pela qual, também referiu, em situações de engano no local onde se localizam as árvores previamente negociadas para abate, engano que determine que sejam abatidas outras árvores que não as efetivamente contratadas/adquiridas, como sucede na situação subjacente ao recibo reproduzido a fls. 115, n.º 0039, datado de 31 de Outubro de 2013, no valor de €8.056,00, assume (o arguido) o mesmo (o engano), pagando o inerente prejuízo causado com o abate de árvores não autorizadas a abater, o que faz, naturalmente, em nome da firma que gere nos indicados termos – ou seja, a empresa “C..., Lda”, como de resto resulta mencionado no aludido recibo de fls. 115.
Assim, com este enquadramento e explicitações prestadas pelo próprio arguido, e para firmar a sua convicção quanto aos factos acusados e a final dados como provados, o Tribunal igualmente valorou o depoimento das demais testemunhas inquiridas, concatenando e entrecruzando, criticamente, os factos decorrentes dos mesmos, e ainda em recíproco cotejo com a prova documental coligida nos autos, examinada em audiência, com salvaguarda do contraditório, e cujo valor probatório resultou incólume em Julgamento, nomeadamente e desde logo, o auto de ocorrência de fls. 21/23, a certidão permanente referente à firma “C..., Lda.” de fls. 117/126 e demais prova documental que adiante se explicitará.
Com efeito, principiando pelo depoimento do Lesado/Queixoso, cfr. queixa fls. 3 v.º, D..., o mesmo confirmou ser o proprietário do terreno onde estavam as árvores implantadas, sito no ..., abatidas e subtraídas, afirmando de forma perentória que um tal abate não foi por si autorizado ou consentido. E, com base no dever que impende sobre o Tribunal de, mesmo no quadro de um processo penal orientado pelo princípio do acusatório (art.º 32º, n.º 5 da Constituição), investigar por si o facto, isto é, de fazer a sua própria instrução sobre o facto em audiência, atendendo a todos os meios de prova não irrelevantes para a descoberta da verdade, cfr. art. 340.º, n.º 1 do CPP, notificado para comprovar o título de que se arrogava em relação ao prédio onde as mesmas se encontravam implantadas, certo é que a prova documental reproduzida a fls. 330 a 342, isto é, a cópia autenticada da escritura de aquisição a seu favor do pinhal de fls. 330/335, a caderneta predial rústica de fls. 336, a cópia manual da matriz rústica n°1073 da freguesia ... anterior a 1972 certificada pelo Serviço de Finanças de Ovar, certidão de não correspondência das matrizes anteriores a 1972 com as matrizes posteriores a essa data, e certidão do registo predial, todas estas relativas ao trato sucessivo do terreno, reproduzidas a fls. 337 a 342, permitem concluir por tal facto, ou seja, ser o mesmo o dono do terreno de mato e pinhal em questão, que adquiriu por via da mencionada escritura de aquisição, e dono das árvores referidas em 2., designadamente 93 eucaliptos, 62 pinheiros bravos, 2 carvalhos e 6 austrálias, facto este afirmado não só pelo próprio ofendido em sede de audiência, como também confirmado pela sua filha, O..., pelo seu genro, G..., e pelas testemunhas e proprietários de terrenos vizinhos, I... e J....
Por sua vez, perscrutando os depoimentos prestados pelas identificadas testemunhas, resultou evidente, desde logo do depoimento prestado pelas testemunhas O... e G..., que o abate não consentido das árvores antes referidas do terreno de mato e pinhal do pai da primeira, ocorreu entre o dia 13 e o 15 de Janeiro de 2014 pois que os mesmos foram absolutamente positivos e assim o afirmaram, de forma isenta e reciprocamente concordante, e, como tal, merecendo total credibilidade por banda do Tribunal, que haviam estado no dito terreno em momento anterior ao dia 13 de Janeiro de 2014, encontrando-se o terreno intacto, isto é e entre o mais, com as ditas árvores, e voltando ao local no dia 15 de Janeiro de 2014 foram surpreendidos com o abate não autorizado daquelas árvores.
Por sua vez, concatenando com tais testemunhos, e de relevante para o apuramento dos factos, depôs a testemunha I... afirmando que, por volta 08h30m do dia 13 de Janeiro de 2014, quando se encontrava na sua propriedade, vizinha daquela, localizada em frente da mesma, ouviu o barulho de motosserras proveniente do terreno do ofendido, tendo então julgado que o corte de árvores que este barulho dava claramente a antever teria sido consentido pelo proprietário, mais afirmando que, no dia seguinte, isto é, no dia 14 de Janeiro de 2014, continuou a ouvir o barulho de motosserras a abater árvores, neste dia seguinte, já num outro terreno que não o do ofendido, vindo a apurar mais tarde, cerca de dois dias depois, através da testemunha O..., que o abate das árvores do terreno do Ofendido D... não tinha sido por este autorizado e consentido, vindo igualmente a ser-lhe transmitido que também o abate do terreno existente nas proximidades, da família da testemunha H..., igualmente não havia sido autorizado, tendo sido realizado por trabalhadores e/ou colaboradores do arguido, por engano na correta identificação da propriedade de onde havia sido negociada a aquisição das respetivas árvores (adquiridas a um senhor conhecido por “o M1...”).
Quanto a estes últimos factos, mencionados pelas identificadas testemunhas, e decorrentes das diligências que a testemunha O... logo encetou quando se deparou com o abate não autorizado das árvores pertencentes ao seu pai, mormente com o auxílio do Cabo da GNR de ... N... foram igualmente assumidos pelo próprio arguido e ainda pelas testemunhas H..., que esclareceu que o “engano” que determinou o corte não autorizado de árvores do terreno da sua família foi posteriormente assumido pelo arguido, por via do pagamento então ajustado entre a sua família e este último.
Mais foi confirmado pelo depoimento prestado pela testemunha J..., sendo que esta testemunha, esclareceu ainda, de relevante para o apuramento da verdade material dos factos, que por ocasião dos mesmos – compreendendo o período referido em 1. (13 a 15 de Janeiro de 2014), que andavam trabalhadores e/ou colaboradores da firma do arguido (“C..., Lda”) – apercebeu-se da sua presença no local, procedendo a abate de árvores, tendo inclusivamente acedido ao pedido de um desses trabalhadores no sentido de guardar, de um dia para o outro, o trator por si utilizado na sua propriedade, facto este corroborado pela testemunha F..., que esclareceu que, na ocasião, foi ao local por conta da firma “C..., Lda”, local onde andou cerca de 2 ou 3 dias, a “riscar” madeira, isto é, a transportar do local madeira já abatida, por conta daquela, tendo efetivamente, como dilucidou concordantemente, pedido a um senhor para guardar o seu trator de um dia para o outro.
Confirmado ainda pelo depoimento da testemunha K..., que confirmou as funções que exerce por conta do arguido e firma “C..., Lda”, e que, para além de confirmar o dito “engano” referente ao abate não consentido das árvores do terreno da família P... e da posterior reparação desta por tal engano, confirmou ainda que a testemunha O... se lhe reportou a situação do abate não autorizado das árvores do pinhal do seu pai, afirmando que a situação com este não foi resolvida da mesma forma como foi resolvida a questão/engano da família P... porque “há maneiras de se falar” (recorrendo à economia das palavras utilizadas pelo depoente K...). Ora, esta resposta revelou-se um pormenor que consubstanciou, na verdade, um “por maior” pois àquela indagação, a testemunha não respondeu corroborando a versão do arguido de que não resolveram do mesmo modo por, em relação à situação do ofendido, não ter ocorrido qualquer engano e/ou erro de abate não autorizado das respetivas árvores que fosse imputável ao arguido e sua firma; na verdade, podendo faze-lo e sendo lógico que o fizesse se assim (tal versão) correspondesse à verdade, a verdade é que, de forma espontânea e assertiva, a justificação dada para o arguido, seu “patrão”, não ter resolvido o problema da mesma forma, foi a maneira como a filha do ofendido se lhe abordou, a qual não foi do seu agrado e, por isso, obstaculizou a mesma ação reparadora.
Ora, aliado a este “por maior”, do qual resultou infirmada a versão dos factos avançada pelo arguido, as suas pretensas justificações e declinação da sua responsabilidade por tal abate, outras circunstâncias factuais sobressaíram.
Uma das quais resultou do depoimento prestado pela testemunha L..., colaborador do arguido ao nível de transporte de madeiras por este transacionadas, o qual, por referência às declarações prestadas em sede de inquérito, a fls. 66 v.º, lidas em audiência para avivamento da memória (a requerimento do MP, sem oposição dos demais sujeitos processuais, como da respetiva ata emerge), confirmou, entre o mais, que no dia 15 de Janeiro de 2014, não sabendo precisar a hora, foi efetuar o carregamento de madeira que se encontrava depositada no final da Rua ..., com início com a freguesia de ...-Feira, que efetuou o carregamento da referida madeira com ordem da firma C..., com sede na Rua ... – ... – Vila Nova de Gaia e que apenas se limitou a efetuar o carregamento e transporte da mesma para Espanha.
Outra das quais resultou do depoimento concordante prestado pelas já indicadas testemunhas O..., G..., I..., J..., do Sr. Cabo da GNR de ... N... que acorreu ao local após a denúncia dos factos, e ainda da testemunha do pedido civil Q..., madeireiro que procedeu então, na ocasião, à avaliação das árvores abatidas com base no diâmetro da madeira concretamente cortada, deslocando-se para tal efeito ao local, tendo todas estas testemunhas afirmado de forma absolutamente assertiva e concordante, que o corte das árvores descritas em 1. foi realizado numa extensão parcial e perfeitamente delimitada do terreno do Ofendido (isto é, não foi em toda a sua extensão), tratando-se ainda de um corte “raso”, a “eito”, típico por isso de máquinas/tratores de grande porte pois que só um tal tipo de máquinas conseguiria concretizar/realizar um tal corte “raso” e “a eito”, ainda para mais se levarmos em consideração o tipo de terreno de mato e pinhal em que as mesmas se encontravam implantadas, e, bem assim, os acessos próprios ao local – todos estes (terreno e acessos) caraterizados por se tratarem de pisos enlameados, em cuja deslocação, principalmente do tipo de arvoredo em questão, só poderá ser feita através de tratores de grande porte.
O que significa que o abate das árvores do ofendido, comprovadamente realizado entre os dias 13 a 15 de janeiro de 2014, pois antes do dia 13 de janeiro ainda lá se encontravam implantadas e no dia 15 foi detetado o abate (factos atestados em audiência pelas testemunhas O... e F... nos termos acima explanados), foi-o em momento contemporâneo e coincidente àquele em que os trabalhadores e/ou os colaboradores do arguido (e apenas estes, com exclusão de quaisquer outros pois que só os mesmos andaram naquela zona a proceder ao abate e subsequente transporte de madeira em escala industrial), contratados pelo arguido e ao serviço da firma “C..., Lda”, por si unicamente gerida, andaram nas proximidades, calcorreando com as respetivas máquinas e tratores de grande porte os respetivos caminhos de acesso, procedendo em escala industrial ao abate e transporte de madeiras, saindo inclusivamente no dia 15 de Janeiro de 2014 um carregamento de madeira desta envergadura das proximidades do local em discussão nestes autos diretamente para Espanha, carregamento este realizado com ordem da firma C..., com sede na Rua ... – ... – Vila Nova de Gaia, como supra dilucidado pela testemunha L..., encaixando esta – a firma “C..., L.da” gerida exclusivamente pelo arguido, e só a mesma, os lucros obtidos com essa exportação.
Concatenando toda a prova assim produzida e valorada, resulta que quanto aos factos acusados, o domínio dos mesmos (o designado domínio do facto) esteve sempre na esfera jurídica do arguido, como aliás resulta das suas próprias declarações na parte que elucidou sobre a intervenção dos seus funcionários e/ou dos seus colaboradores, em especial do seu funcionário e colaborador exclusivo Sr. K....
Ainda de relevante para o designado “domínio do facto” que concluímos radicar única e exclusivamente na esfera jurídica do arguido, enquanto gerente único da firma “C..., Lda”, o facto de o carregamento antes aludido, realizado no dia 15 de Dezembro de 2015, desde o local próximo do abate e diretamente para Espanha, sem passar pelo posto de descarregamento/carregamento de madeiras, como habitualmente sucede em negócios/carregamentos desta envergadura, ter sido realizado em seu interesse e para seu proveito económico exclusivo, paralelo e não confundível com os demais abates autorizados e, não sendo inicialmente autorizados, posteriormente reparados (o caso da “confusão” havida com o terreno da família P... supra mencionado), pelo arguido no mesmo local e implicando terrenos próximos.
Todos estes elementos circunstanciais – as características do terreno e acessos ao mesmos, o tipo e extensão do corte das árvores abatidas sem autorização do ofendido, as máquinas que seriam necessárias para o fazer, o lapso temporal em que decorreram os factos e a circunstância de, em tal lapso temporal, coincidentemente estarem as máquinas e os trabalhadores e/ou os colaboradores do arguido, a trabalharem a seu mando e no seu único e exclusivo interesse, nas imediações a procederem ao abate autorizado e comprovadamente não autorizado e, posteriormente, reparado pelo arguido (a dita situação de “confusão” do abate das árvores implantadas no terreno da família P... em vez de o ser no terreno do tal senhor conhecido como “o M1...”), de árvores, em grande escala (em escala industrial) e de corte em tudo idêntico ao dos autos, o facto de no dia 15 de Janeiro de 2014 ter saído um carregamento de madeira da “C...” diretamente para Espanha, sem passar por qualquer depósito intermediário de madeiras, que partiu das proximidades do local -, analisados de forma conjugada e crítica, em cotejo com toda a prova pessoal (declarações do arguido) e testemunhal acima elencada, e à luz das regras da experiência comum, normal suceder e habitualidade, permitiram ao Tribunal alcançar prova direta dos acontecimentos levados ao ponto 2., e concluir sem margem para qualquer dúvida da verificação dos factos dados como provados com o alcance com que o foram – concretamente que, entre o dia 13 e o dia 15 de Janeiro de 2014, a hora não concretamente apurada, trabalhadores e/ou colaboradores da empresa “C..., LDA.”, gerida única e exclusivamente pelo arguido, a laborar por conta deste e a seu mando e interesse exclusivo, procederam ao abate não autorizado de várias árvores existentes num terreno de mato e pinhal, sito no ..., ..., em Ovar, propriedade do ofendido, D..., de onde as retiraram e levaram com eles, para as utilizar em proveito próprio, como aconteceu, designadamente, 93 eucaliptos, 62 pinheiros bravos, 2 carvalhos e 6 austrálias, provocando ao ofendido um prejuízo global avaliado em cerca de €5.000,00 (cinco mil euros) –, o que, em consequência, implicou concluir pela apropriação por parte do arguido, agindo da apurada maneira, por si ou através de alguém a seu mando, de árvores - as descritas em 2. - que lhe não pertenciam, sem o conhecimento e autorização do legítimo proprietário, com a intenção, conseguida, de as integrar no seu património, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e criminalmente punível, pois que, vendendo bem que sabia não ser seu, naturalmente que sabia que vendia bem alheio, e, nessa medida, dele ilegalmente se apropriava.
Donde, concatenando os vários elementos probatórios assim produzidos, vimos confirmado o cenário em que os factos ocorreram, resultando positiva e claramente comprovados os factos acusados, nos moldes em que o foram.
No plano subjetivo do ilícito, ponderámos o iter criminis apurado, quanto ao dolo imputado. Existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são suscetíveis de prova indireta como são todos os elementos de estrutura psicológica [cfr. M.Cavaleiro Ferreira, in Curso de Proc. Penal. vol. II, 1981, p. 292], os relativos ao especto subjetivo da conduta criminosa. Em correção e simultânea corroboração desta afirmação, diz-nos N. F. Malatesta [In “A Lógica das Provas em Matéria Criminal”, p. 172 e 17] que excetuando o caso da confissão, não é possível chegar-se à verificação do elemento intencional, senão por meio de provas indiretas: percebem-se coisas diversas da intenção propriamente dita, e dessas coisas passa-se a concluir pela sua existência. Na prática, como refere este mesmo autor [Ibidem, p. 176 e 177] afirma-se muitas vezes sem mais nada o elemento intencional mediante a simples prova do elemento material (...) O homem, ser racional, não obra sem dirigir a suas ações a um fim. Ora quando um meio só corresponde a um dado fim criminoso, o agente não pode tê-lo empregado senão para alcançar aquele fim.
Revertendo ao caso dos autos, as condutas objetivas apuradas permitem concluir pelo dolo apurado.
Finalmente vingaram os esclarecimentos do arguido sobre as suas condições pessoais, familiares, económicas e profissionais, com a ressalva à já habitual ‘dificuldade’ dos arguidos em delinear e esclarecer de forma clara os seus rendimentos, sendo sempre mais fácil indicar as despesas habituais, e na medida em que tais declarações não resultam infirmadas por quaisquer elementos constantes dos autos.
Interessou ainda o C.R.C. atualizado do arguido junto aos autos, de fls. 298, e na medida que o anteriormente documentado nos autos, a fls. 214/216, do qual resulta averbada uma condenação pela prática, em 08/11/2010, de um crime de coação, já se mostra caducado, atenta a sua data de emissão (superior a três meses).
Relativamente ao custo da madeira ilicitamente subtraída e apropriada, cuja reparação é pedida em sede de pedido civil, atendeu-se ao depoimento da já supra indicada testemunha do pedido civil, Q..., madeireiro que procedeu então, na ocasião dos factos, após os mesmos, à avaliação das árvores abatidas com base no diâmetro das árvores concretamente abatidas em tal momento, o que pode desde logo perceber e razão do corte recente das mesmas, deslocando-se para tal efeito ao local, tendo o mesmo deposto com isenção e objetividade sobre tal materialidade que diretamente atestou.
Nos factos não provados, quanto ao vertido na alínea a), refletimos a prova de materialidade diversa da aí consignada ante a prova produzida e acima valorada nos termos aludidos, e, quanto aos itens constantes das restantes alíneas, refletimos a ausência de prova bastante da respetiva verificação, não tendo os respetivos factos resultado sustentados de forma bastante e suficiente em audiência, pois que a última das indicadas testemunhas, a par das demais, não logrou explicitar, sequer afirmou, esta materialidade, alegada em sede de pedido civil, que assim não resultou positivamente afirmada.
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3. Por seu turno, a subsunção jurídica dos factos foi realizada, além do mais, nos seguintes termos:
Perscrutando o manancial fáctico apurado, do mesmo resulta que o arguido B... é o sócio-gerente da sociedade “C..., LDA.” com sede em Vila Nova de Gaia, a qual se dedica, de entre outras atividades, ao comércio por grosso de madeiras. Entre o dia 13 e o dia 15 de Janeiro de 2014, a hora não concretamente apurada, trabalhadores e/ou colaboradores da empresa “C..., LDA.”, gerida única e exclusivamente pelo arguido, a laborar por conta deste e a seu mando e interesse exclusivo, procederam ao abate não autorizado de várias árvores existentes num terreno de mato e pinhal, sito no ..., ..., em Ovar, propriedade do ofendido, D..., de onde as retiraram e levaram com eles, para as utilizar em proveito próprio, como aconteceu, designadamente, 93 eucaliptos, 62 pinheiros bravos, 2 carvalhos e 6 austrálias, provocando ao ofendido um prejuízo global avaliado em cerca de €5.000,00 (cinco mil euros).
Mais resulta que o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que agindo dessa maneira, por si ou através de alguém a seu mando, se apropriava de árvores que lhe não pertenciam, sem o conhecimento e autorização do legítimo proprietário, com a intenção, conseguida, de as integrar no seu património, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e criminalmente punível.
Ora, tendo presente a sequência e dinâmica dos concretos factos acusados e apurados, cremos, ressalvado o devido respeito por entendimento diverso, que, no em apreço, com a apurada conduta, o arguido incorreu na prática, não de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1 do Cód. Penal, antes na prática, em autoria material, de um crime de apropriação ilegítima, p. e p. pelo art. 209º, n.º 1, do Código Penal que nos refere expressamente que:
«1. Quem se apropriar ilegitimamente de coisa alheia que tenha entrado na sua posse ou detenção por efeito de força natural, erro, caso fortuito ou por qualquer maneira independente da sua vontade é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.».
Esta norma pune a apropriação ilegítima das coisas que entrem na posse ou detenção de alguém que não seja o seu proprietário por efeito de força natural, erro, caso fortuito ou por qualquer maneira independente da sua vontade; e ainda proveniente de achamento, perdida ou esquecida pelo seu dono.
Não se exige no caso, a prática de um ato de subtração ou de entrega; o agente aproveita-se de uma ocasião favorável que (por vários modos - por efeito de força natural, erro, caso fortuito ou por qualquer maneira independente da sua vontade) se lhe oferece de se apropriar ilegitimamente do alheio.
O agente apropria-se de coisa alheia quando a decide colocar sob o seu domínio com o intuito de tirar dela vantagens patrimoniais, para si ou para terceiro, ou quando a vende, troca, a oferece ou dá em garantia, sem revelar a sua proveniência ilegítima.
Revertendo ao caso em apreço, com a apurada conduta, resulta a prática objetiva deste ilícito por banda do arguido.
E igualmente resulta o preenchimento do seu elemento subjetivo pois que resultou provado que o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com a intenção, conseguida, de se apropriar das referidas árvores, que integrou no seu património, dispondo das mesmas por via da venda que concretizou posteriormente ao seu abate não autorizado pelo respetivo dono quantia monetária, assim se apropriando de bem que, sabendo não ser próprio, sabia ser alheio, e sabia que agia contra a vontade do legítimo proprietário, com o seu consequente prejuízo patrimonial, e assim praticava factos ilícitos e criminalmente puníveis.
Perante este acervo fáctico, conclui-se que, com a conduta protagonizada, o arguido logrou apropriar-se ilegitimamente de coisa alheia (da ditas árvores), a qual havia entrado na sua posse por efeito de erro, e, por isso, por um dos modos expressamente referidos no preceito incriminador, e que claramente consubstancia uma maneira independente da sua vontade, como no mesmo se refere.
Face ao exposto e aos factos provados é manifesto que o arguido cometeu o crime de apropriação ilegítima, p. e p. pelo art.º 209.º, n.º 1, do Cód. Penal, porquanto se mostram preenchidos todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo, crime abstratamente punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
Em face do exposto, e inexistindo quaisquer causas de justificação ou de exclusão da ilicitude ou culpa do arguido que cumpra conhecer, tendo este atuado com dolo direto (artigo 14.º do Cód. Penal), deve o mesmo ser condenado pela prática do crime imputado.
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4. Apreciando de mérito
Pese embora exista um recurso interlocutório suscitando a existência de irregularidade resultante da reabertura da discussão, por via de junção de documentos ordenada oficiosamente, questionando-se, também por isso mesmo, a valoração de tal prova (escritura, caderneta predial rústica e certidões matriciais) nos recursos interpostos da sentença, o certo é que, independentemente da validade do procedimento, a exigência de tal documentação constitui mero preciosismo, já que nos autos não se discutia a propriedade de qualquer terreno e a titularidade das árvores abatidas, além de não ter sido contestada por qualquer meio fidedigno, já fora confirmada por outros meios de prova[1], pelo que ainda que os documentos fossem mandados desentranhar apenas seria afectada a matéria vertida no ponto 4 dos factos provados, sem qualquer efeito útil no thema decidendum.
Acresce que os recorrentes invocaram, nos recursos da decisão final, patologias susceptíveis de, a obterem provimento, afectarem não só a sentença mas o próprio julgamento encontrando-se, por tal razão, numa relação de prejudicialidade relativamente à questão suscitada nesse recurso interlocutório. Em consequência, por razões de precedência lógica e economia processual, começaremos pela apreciação dos vícios e nulidades determinantes de reabertura da audiência ou mesmo de novo julgamento suscitados nos recursos da sentença.
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4.1 Da nulidade prevista no art. 379º n.º 1 b), do Cód. Proc. Penal
Consoante se apura do já anteriormente exposto, sustenta o recorrente que a decisão recorrida se mostra inquinada porquanto considerou qualificação jurídica diversa da que fora imputada na acusação pública, sem prévia observância do disposto no art. 358º, n.º 1, ex vi n.º 3, do Cód. Proc. Penal.
Vejamos.
É inegável que a ponderação de factos ou qualificação jurídica diversos dos que constam da acusação, para além das concretas hipóteses consagradas nos arts. 358º e 359º, do Cód. Proc. Penal, é cominada com a nulidade, porquanto o legislador, ponderando o especial dever de fundamentação e o estrito regime imposto aos actos que revistam a forma de sentença, entendeu autonomizar o regime das invalidades que a podem inquinar, relativamente àquele outro previsto nos arts. 118º e segs., do Cód. Proc. Penal, consagrando no seu art. 379º, que:
“1 – É nula a sentença:
a) ….
b) Que conhecer de factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstas nos arts. 358º e 359º;
c) …”.
Sabendo-se que, nos termos do art. 1º f), do Cód. Proc. Penal, a “alteração substancial dos factos” é unicamente aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, in casu configura-se a hipótese prevista no citado art. 358º que, relativamente à alteração não substancial, dispõe o seguinte:
“1 - Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
2 - Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter resultado de factos alegados pela defesa.
3 - O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.”
A ratio do mecanismo previsto neste normativo legal tem a ver com a identidade do processo penal fixada na acusação, visando que ninguém seja condenado por factos ou incriminações com que não podia razoavelmente contar e dos quais não teve oportunidade de se defender.
Tanto basta para se concluir que assiste inteira razão ao recorrente B....
Confrontando-se o arguido com condenação por crime diverso, ainda que mais favorável, do que aquele que lhe foi dado a conhecer e contestou, é óbvio que nem sequer há que discutir se houve alteração fáctica e se esta foi ou não relevante, já que a simples circunstância da incriminação ser diferente já determina a necessidade de comunicação prévia e concessão de prazo para defesa, sendo requerido, consoante decorre da previsão do art. 358º, n.ºs 1 e 3, do Cód. Proc. Penal.
Neste conspecto, tendo o tribunal a quo considerado qualificação jurídica diversa para efeitos de condenação, fora dos casos e das condições a que alude o citado art. 358º, facilmente se conclui que a decisão padece da nulidade prevista no art. 379º n.º 1 b), do Cód. Proc. Penal, o que, em regra, imporia a devolução dos autos ao tribunal a quo com vista à reabertura da audiência para cumprimento da formalidade omitida e demais trâmites atinentes, designadamente a elaboração e publicitação de nova sentença.
Todavia, cremos que as desarmonias decisórias suplantam largamente os efeitos da nulidade, atingindo mesmo o próprio julgamento realizado, como demonstraremos de seguida.
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4.2 Dos vícios da decisão – art. 410º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal
§1º É consabido e decorre do art. 428º, do Cód. Proc. Penal, que os Tribunais da Relação conhecem de direito e de facto.
Nesta última vertente, a impugnação pode basear-se nos erros da decisão [vícios que se evidenciem do texto da própria decisão, nos termos do disposto no art. 410º n.º 2, do Cód. Proc. Penal] ou nos erros de julgamento [reapreciação da prova mediante prévio cumprimento dos específicos requisitos previstos no art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do mesmo diploma].
Para além das características inerentes à sua espécie, a distinção fulcral entre uns e outros reside na circunstância dos vícios - consubstanciados em insuficiência para a decisão da matéria de facto, contradição insanável da fundamentação e desta com a decisão ou erro notório na apreciação da prova - terem que patentear-se do teor da sentença, por si ou em conjugação com as regras de experiência mas sempre sem possibilidade de apelo a outros elementos que lhe sejam estranhos, designadamente a análise de prova junta aos autos ou produzida em audiência, só admissível em sede de impugnação nos termos do citado art. 412º. E, tendo ainda a sua fonte na decisão recorrida, podem extravasá-la e inquinar, total ou parcialmente, o próprio julgamento, se não puderem ser colmatados no tribunal de recurso, como decorre do estatuído nos arts. 410º n.º 2, 430º n.º 1 e 431º a) e c), do Cód. Proc. Penal.
Os recorrentes, entre si, acabam por invocar a existência de todos os vícios, assinalando particularmente inúmeras contradições insanáveis, a existência de lacuna factual em matéria de responsabilização da arguida sociedade e erro notório na apreciação da prova por virtude do julgador lançar mão a meras conjecturas e contorções lógicas.
§2º Começando já por aqui, cumpre recordar que o erro notório tem que ser um erro patente, manifesto, perceptível ao cidadão médio, pois que ligado ao conceito de facto notório “traduzindo aquele um erro supino, crasso, e inquestionável a partir da simples leitura do texto da decisão recorrida, que escapa à lógica das coisas, ou seja quando sendo usado um processo lógico racional se extrai de um facto uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum”[3].
Porém, importa ponderar ainda que em processo penal são atendíveis as presunções simples ou naturais, que o art. 349º, do Cód. Civil, densifica como “as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido”.
Tratando-se de meios lógicos de apreciação da prova, são meios de convicção, a qual há-de ser suportada por raciocínio que observe os limites impostos pelas regras de experiência comum, da ciência ou da técnica[4].
Percorrido o texto decisório, mais concretamente a motivação da convicção, facilmente se alcança que o julgador, fazendo o cotejo dos meios probatórios disponíveis e estribado em determinados pormenores que deles extraiu e referenciou exaustivamente, realizou determinadas asserções sobre a conduta delituosa perpetrada e sua intencionalidade, sem que se possa dizer que ultrapassou o quadro da normalidade de acontecer.
Assim, não patenteia o teor da sentença qualquer juízo arbitrário ou desconexo em sede de apreciação de prova mas antes a utilização, dentro dos limites que as premissas e a livre convicção admitem, das aludidas presunções naturais, não assistindo razão aos recorrentes nesta sede.
§3º Todavia, o mesmo não acontece com as invocadas contradições.
Na verdade e desde logo existem evidentes contradições entre os factos provados.
Assim:
> Pontos 2 e 7
Diz-se no primeiro que o abate das árvores ocorreu entre os dias 13 e 15 de Janeiro de 2014, a hora não apurada, considerando-se depois, no segundo, que a apropriação das mesmas ocorreu logo no dia 13.
> Pontos 1 (repetido em 6) e 2 em confronto com os pontos 3, 7 e 10
Os dois primeiros pontos inculcam que o arguido age em representação e no interesse da arguida sociedade (pese embora a redacção do ponto 2 seja algo confusa induzindo a ideia de que os trabalhadores da sociedade estavam a laborar por conta, a mando e no interesse exclusivo do próprio arguido). Porém nos pontos 3 e 10 alude-se unicamente à pessoa do arguido (apoderou-se das árvores e integrou-as no seu próprio património/ sabia que as árvores não lhe tinham sido vendidas nem estava autorizado a cortá-las).
Finalmente, o ponto 7 contém uma alternativa inadmissível – traduzida em non liquet que a lei proíbe – plasmando-se que o demandado B... agiu por si só ou em representação da sociedade.
Pelas mesmas razões e no mesmo segmento – actuação pessoa singular/pessoa colectiva – existem também contradições com a motivação da convicção onde, a maior parte das vezes, se alude a actuação do arguido no âmbito das funções de gerência e representação da arguida sociedade, embora, contraditoriamente, também se mencione apropriação a título pessoal e o património individual do arguido, sem que se apresente explicação para o eventual entendimento e provas que lhe subjazem[6].
No entanto, a estas contradições da motivação acresce ainda a referência a abate de árvores, sem autorização mas por engano, que de modo algum reflecte a factualidade elencada.
E, aqui, radica a contradição entre a factualidade provada e a decisão visto que na subsunção jurídica se considera que “com a conduta protagonizada, o arguido logrou apropriar-se ilegitimamente de coisa alheia (das ditas árvores), a qual havia entrado na sua posse por efeito de erro, e, por isso, por um dos modos expressamente referidos no preceito incriminador…”.
Pois bem, o invocado erro, essencial à imputação realizada como o próprio tribunal a quo reconhece, não se mostra especificado nem sequer se intui da factualidade provada onde ficou a constar, unicamente, que o arguido se apoderou de coisa alheia, contra vontade e sem autorização do dono respectivo, fazendo-a coisa sua.
Finalmente, a falta de definição dos factos atinentes aos moldes da actuação do arguido determina a sufragada insuficiência, para a decisão de responsabilizar (civilmente) a sociedade demandada, da matéria de facto pois que, nos termos contraditórios e alternativos em que se mostra expressa, não permite qualquer juízo seguro a tal propósito, denunciando hiato que terá que ser devidamente averiguado e colmatado.
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4.3 Resumindo e concluindo:
Considerando a fundamentação de facto da decisão recorrida na sua globalidade, parece óbvio que o tribunal a quo considerou que o arguido, agindo em representação e no interesse da sua representada – aqui demandada “C..., L.da” - adquiriu árvores para abate mas que, por erro de localização/identificação do terreno onde se mostravam implantadas, os trabalhadores da sociedade procederam ao corte de árvores pertencentes a terceiros (o aqui demandante e família P...), sem autorização ou consentimento para o efeito, acabando, ainda assim, as mesmas por serem carregadas do local e vendidas.
No entanto, não só esta versão não resulta do elenco factual nem está suficientemente esclarecida, designadamente quanto aos moldes da actuação (individual ou em nome e no interesse da sua representada), como também não é suficiente para a imputação do crime de apropriação ilegítima pois que, a par da posse das árvores por virtude do erro resultante de confusão quanto ao local do abate, terá que ficar demonstrado que, o arguido, antes de ordenar o carregamento ou, pelo menos, antes de ordenar o prosseguimento da venda da madeira já estava ciente desse erro e da falta de autorização para o efeito do respectivo dono[7].
Trata-se de matéria que terá que ser objecto de prova inalcançável ao tribunal superior e, se for o caso, comunicada ao arguido, cumprindo o ritualismo do art. 358º, do Cód. Proc. Penal.
Nesta conformidade, considerando o supra exposto, é inegável que a fundamentação de facto da decisão recorrida se mostra indelevelmente inquinada por insuficiências e contradições que, pela sua natureza e extensão, são insusceptíveis de suprimento neste Tribunal ad quem, até porque afectam igualmente e por arrastamento, a fundamentação jurídica levada a efeito pelo tribunal a quo, outro caminho não restando senão o de decretar o reenvio do processo para novo julgamento restrito à questão do apuramento e enumeração factual da concreta actuação arguido (se por si ou em representação da sociedade), do erro que terá ditado o abate das árvores e bem assim do eventual conhecimento do sucedido por parte do arguido antes de ter dado instruções para o carregamento e/ou a venda das mesmas, de harmonia com o disposto nos arts. 426º n.º 1 e 426º-A[8], do Cód. Proc. Penal, devendo depois ser extraídas as respectivas consequências em sede de subsunção e qualificação jurídica da factualidade apurada, sem prejuízo da proibição de reformatio in pejus prevista no art. 409º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal.
Assim sendo, ficam prejudicadas as demais questões suscitadas pelos recorrentes, designadamente a da irregularidade da reabertura da audiência para junção de documentos atenta a remessa dos autos para novo julgamento, ainda que parcial, com a consequente reabertura da audiência para produção de provas e discussão da causa, pelo que, nesse âmbito, sempre poderia agora ordenar-se a junção desses e doutros elementos probatórios tidos por convenientes à boa decisão da causa e descoberta da verdade, cumprindo apenas decidir se deverá manter-se a condenação em custas de incidente aplicada ao arguido B... por ter suscitado irregularidade perante o Tribunal a quo (questão não prejudicada do recurso interlocutório).
Como é bom de ver a resposta tem que ser negativa.
A arguição de irregularidades constitui actividade perfeitamente normal no decurso da tramitação dos autos, mais ainda quando resulta de situação que escapa aos cânones legais previstos, pois que, uma vez encerrada a produção de prova e a discussão da causa segue-se, em regra, a elaboração e publicitação da sentença. Assim, as características anómalas que se imputam ao requerimento do arguido são o resultado directo da própria excepcionalidade da actuação do Tribunal a quo que, ao invés de proferir a sentença na data designada, interrompeu os trabalhos e determinou que um dos sujeitos processuais viesse juntar documentos aos autos.
Mas, mesmo que assim não fosse, os próprios termos em que as nulidades e irregularidades têm que ser arguidas – v. arts. 118º e segs. do Cód. Proc. Penal – sempre perante a entidade que praticou o acto que se entende inquinado e nos prazos previstos na lei, de molde a assegurar a possibilidade de recurso em caso de não lhe ser dada razão, sempre obstariam à consideração de tal arguição ser entendida como um incidente.
Termos em que, sem necessidade de outros considerandos, resta concluir que assiste razão ao recorrente não podendo subsistir a condenação de que foi alvo.
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III – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes da 2ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação do Porto:
1 – REVOGAR o despacho interlocutório recorrido no segmento em que condenou em custas do incidente o arguido B..., ficando, no mais, prejudicado o conhecimento do recurso;
2 - JULGAR parcialmente procedentes os recursos da sentença interpostos pelos arguidos B... e “C..., L.da”, e decretar, nos termos dos arts. 426º n.º 1 e 426º-A, do Cód. Proc. Penal, o reenvio parcial do processo para novo julgamento restrito às questões supra assinaladas, devendo ser proferido nova sentença que previna todas as invalidades assinaladas.
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Sem tributação – art. 513º n.º 1, a contrario, do Cód. Proc. Penal.
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[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP[9]]

Porto, 21 de Junho de 2017
Maria Deolinda Dionísio - Relatora
Jorge Langweg – Adjunto
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[1] Também sem destaques.
[2] Tudo como melhor se vê da fundamentação de facto da decisão recorrida.
[3] V., entre outros, Ac. do STJ de 18/5/2011, Proc. 420/06.7GAPVZ.S1, in dgsi. pt.
[4] Cfr., Acórdão do STJ, de 21/10/2004, CJ-STJ, Tomo III, págs. 197 e segs., e Cavaleiro de Ferreira, in “Curso de Processo Penal”, 1955, I, pág. 333.
[5] Destaque nosso.
[6] Nada obsta que um gerente realize determinados actos em nome e representação da sociedade e se locuplete com os proventos obtidos, beneficiando o seu património em detrimento do societário.
[7] Veja-se que da motivação resulta que o arguido não estava no local nem acompanhava as operações levadas a cabo pelos trabalhadores.
[8] Ficando impedido o magistrado que presidiu à audiência anterior.
[9] O texto do presente acórdão não observa as regras do acordo ortográfico – excepto nas transcrições que mantêm a grafia do original – por opção pessoal da relatora.